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Lesão renal aguda – Paul W Sanders Anupam Agarwal

Última revisão: 26/02/2013

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Paul W. Sanders, MD, FACP

Professor and Director, Nephrology Research and Training Center, University of Alabama at Birmingham, and Renal Section, Birmingham Veterans Affairs Medical Center, Birmingham, AL

 

Anupam Agarwal, MD, FASN

Professor and Director, Division of Nephrology, University of Alabama at Birmingham, Birmingham, AL

 

 

Artigo original: Sanders PW, Agarwal A. Acute kidney injury. ACP Medicine. 2010;1-22.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Agradecimentos: os autores e editores agradecem a Mary Jo Shaver, MD, e Sudhir V. Shah, MD, por suas contribuições para a edição anterior, que serviu de base para esta versão atualizada.

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

 

A insuficiência renal aguda (IRA) foi definida como uma síndrome em que a diminuição abrupta da função renal produz retenção de resíduos nitrogenados. Traduzir esta descrição resumida em uma definição clinicamente útil, acurada e de ampla aceitação é uma tarefa desafiadora, devido em grande parte ao foco na concentração sérica de creatinina, que é de fácil obtenção, mas apresenta a limitação inerente à má detecção de alterações rápidas ou sutis (porém clinicamente importantes) na taxa de filtração glomerular (TFG). Os critérios clínicos padrão para IRA são um aumento dos níveis séricos de creatinina de 0,5 mg/dL diante de níveis séricos basais de creatinina normais ou um aumento de 25% diante de níveis séricos basais anormais. Entretanto, atualmente se reconhece que até mesmo uma elevação modesta dos níveis séricos de creatinina (da ordem de 0,3 mg/dL) durante a internação está associada a mortalidade e morbidade aumentadas.1 Consequentemente, nos últimos anos, o termo lesão renal aguda (LRA) passou a substituir o termo IRA, uma vez que a LRA denota o espectro clínico inteiro, desde os aumentos leves dos níveis séricos de creatina até a insuficiência renal manifesta. Este campo também foi obstruído pela falta de uma definição-padrão para IRA, que acabou incitando a organização de uma conferência internacional na qual foi definido um sistema de estadiamento aceitável denominado critérios RIFLE (do inglês, Risk[risco]-Injury[lesão]-Failure[insuficiência]-Loss[perda]-ESRD[DRET – doença renal em estágio terminal]), com base na concentração sérica de creatinina e no fluxo urinário [Tabela 1].2 Subsequentemente, a Acute Kidney Injury Network (AKIN) modificou ainda mais a definição e dividiu a LRA em 3 estágios. Esta definição também utilizou a concentração de creatinina sérica e as taxas de fluxo urinário, sendo que os estágios da AKIN são idênticos aos 3 primeiros estágios da RIFLE, exceto pelo fato de o estágio AKIN I ter incluído um aumento absoluto da creatina sérica = 0,3 mg/dL em um período de 48 horas. Além disso, os pacientes que receberam a terapia de reposição renal foram considerados como tendo atendido aos critérios de classificação do estágio III.3,4 Os 2 critérios de estadiamento, RIFLE e AKIN, foram comparados por meio do exame dos resultados alcançados por 120.123 pacientes gravemente enfermos, tendo sido encontradas somente pequenas diferenças entre os sistemas de estadiamento, quanto aos números de pacientes classificados como tendo LRA. A análise de característica operacional do receptor (ROC – em inglês, receiver operating characteristic) da mortalidade hospitalar foi de 0,66 para RIFLE e de 0,67 para AKIN.5 Sendo assim, estes 2 critérios foram similares em termos de habilidade preditiva e classificação da LRA na unidade de terapia intensiva (UTI).

 

Tabela 1. Critérios RIFLE e AKIN na LRA

RIFLE

AKIN

Critérios

Risco (risk)

Estágio I

Níveis de creatinina aumentados (x 1,5) ou diminuição da TFG em mais de 25% (para AKIN, a definição também é correspondida quando os níveis de creatinina aumentam = 0,3 mg/dL [26,2 mcmol/L])

Velocidade de fluxo < 0,5 mL/kg/h (x 6 h)

Lesão (injury)

Estágio II

Níveis de creatinina aumentados (x 2) ou diminuição da TFG em mais de 50%

Velocidade de fluxo < 0,5 mL/kg/h (x 12 h)

Insuficiência (failure)

Estágio III

Níveis de creatinina aumentados (x 3) ou diminuição da TFG em mais de 75% ou níveis de creatinina > 4 mg/dL (para AKIN, a definição também é correspondida se a terapia de reposição renal for iniciada)

Velocidade de fluxo < 0,3 mL/kg/h (x 24 h) ou anúria (x 12 h)

Perda (loss)

LRA persistente com perda total da função renal por > 4 semanas

 

 

DRET (ESRD)

DRET

 

 

AKIN = Acute Kidney Injury Network; DRET = doença renal em estágio terminal; LRA = lesão renal aguda; TFG = taxa de filtração glomerular RIFLE = risco, lesão, insuficiência perda, DRET (em inglês, risk-injury-failure-loss-ESRD).

 

Devido às dificuldades encontradas para a utilização dos níveis séricos de creatinina como determinante da LRA, vários biomarcadores séricos e urinários da lesão estão sendo intensamente investigados. Estes biomarcadores, que incluem a molécula de lesão renal-1 (KIM-1), a lipocalina associada à gelatinase do neutrófilo (NGAL), a cistatina C, a N-acetil-beta-D-glicosamidase (NAG), a proteína ligadora de ácido graxo do tipo hepática (L-FABP) e a interleucina-18 (IL-18), potencialmente oferecem a oportunidade de fornecer uma detecção mais precoce da LRA e podem proporcionar avaliação adicional do resultado desta lesão. Entretanto, estes marcadores atualmente são disponibilizados somente para a realização em análises pré-clínicas. Até que um determinante mais sensível da TFG ou um novo biomarcador seja clinicamente disponibilizado, a concentração sérica de creatinina continua sendo o principal aspecto do diagnóstico da LRA.

 

Epidemiologia

A incidência de LRA varia dependendo do contexto clínico e da definição adotada na análise. A incidência de LRA adquirida no hospital parece estar aumentando: de 49 internações/1.000 em 19836 para 71 internações/1.000 em 2002.7 Estas taxas correspondem a cerca de 35.000 pacientes afetados no ano de 1979 e 650.000 pacientes afetados em 2002, representando um aumento anual da taxa de incidência superior a 13%. A incidência aumentada também foi validada junto a uma população de pacientes isolada, em que as taxas de incidência de LRA com e sem necessidade de diálise sofreram um aumento progressivo no período de 1996 a 2003.8 À medida que a complexidade do tratamento médico aumenta, é provável que a taxa de casos de LRA nosocomial continue a aumentar.

A incidência de LRA foi citada como sendo de 1% no momento da admissão hospitalar; de 2 a 5% durante a internação, em até 37% dos pacientes de UTI e em 4 a 15% dos pacientes submetidos à cirurgia cardiovascular.5,9,10 De uma forma geral, a incidência da LRA foi estimada em 209 pacientes por /milhão de indivíduos por ano, com 36% dos pacientes com LRA necessitando de terapia de reposição renal.10 Dentre os 600.820 hospitalizados inscritos no banco de dados do Kaiser Permanente Northern Califor­nia, 1.764 membros (0,29%) desenvolveram LRA nosocomial com necessidade de diálise no período de 1996 a 2003. Embora o diabetes melito, a hipertensão e a proteinúria tenham sido fatores de risco independentes, a propensão ao desenvolvimento de LRA severa aumentou a cada estágio da doença renal crônica (DRC) subjacente, conforme determinado pelo uso das concentrações séricas de creatinina preexistentes. Uma estimativa de TFG inferior a 60 mL/1,73 m2 foi calculada para 74% dos pacientes.11 Embora todos os pacientes internados apresentem risco de desenvolvimento de LRA relacionada a suas respectivas doenças ou à ocorrência de um evento iatrogênico, no tratamento preventivo, aliado à rápida correção da hipovolemia, os pacientes que apresentam estes fatores de risco (particularmente a DRC)11 devem ser considerados como estando em condição de alto risco para o desenvolvimento de LRA nosocomial. Estes pacientes devem ser tratados e monitorados atentamente ao longo da internação.

As consequências a curto prazo da LRA são surpreendentes. Apesar dos avanços significativos ocorridos na diálise e na terapia intensiva, as taxas de mortalidade associadas à LRA severa descritas nos estudos populacionais continuam elevadas (35 a 60%).12-14 Em uma ampla população de 19.982 pacientes adultos internados, a LRA estava associada não só a uma mortalidade aumentada como também a um período de internação mais longo e despesas gerais maiores. O resultado final estava diretamente relacionado à severidade da LRA, caracterizada por uma alteração na concentração sérica de creatinina, em que aumentos de pelo menos 0,3 mg/dL conferiram maior morbidade e mortalidade a curto prazo.1 As consequências a longo prazo da LRA também foram investigadas. Na população de pacientes inscritos no Kaiser Permanente Northern Califor­nia, os indivíduos que se recuperaram de um ataque de LRA com necessidade de diálise subsequentemente apresentaram risco 28 vezes maior de desenvolvimento de DRC de estágios IV e V, bem como um aumento de mais de 2 vezes do risco de morte posterior à liberação hospitalar, mesmo com estimativas de TFG superiores a 45 mL/min/1,73 m2 antes do evento.15 Como até mesmo um declínio mínimo da função renal está associado à obtenção de um resultado precário pelo paciente, a prevenção [Tabela 2; Tabela 3] e o diagnóstico precoce da LRA constituem a base do tratamento.

 

Tabela 2. Intervenções preventivas para LRA

1. Identificar os pacientes com fatores de risco

Idade avançada

Função renal anormal

Diabetes melito

Depleção de volume

Cirurgia vascular recente

Traumatismo recente

2. Evitar os agentes nefrotóxicos

Fármacos AINH

Aminoglicosídeos

Anfotericina B

Agentes quimioterápicos (p. ex., cisplatina)

IECA e antagonistas do receptor da angiotensina em pacientes com depleção de volume

3. Usar estratégias preventivas em circunstâncias específicas [Tabela 3]

Uso de meio de contraste

Síndrome da lise tumoral

Rabdomiólise

Nefropatia por cilindros (a partir de CLL monoclonais)

Procedimentos cirúrgicos significativos

AINH = anti-inflamatórios não hormonais; CLL = cadeias leves livres; IECA = inibidores de enzima conversora de angiotensina; LRA = lesão renal aguda.

 

Tabela 3. Prevenção da LRA em circunstâncias de alto risco

Procedimentos envolvendo o uso de meio de contraste

Hidratação: 150 mEq/L de bicarbonato de sódio em dextrose a 5% em água (D5W) infundido a uma velocidade de 3 mL/kg/h, durante 1 hora, imediatamente antes da administração de radiocontraste; seguido de 1 mL/kg/h, durante a administração de contraste e durante as 6 horas subsequentes ao procedimento

Meio de contraste

Limitar o volume de contraste utilizado

Usar contraste iso-osmolar (iodixanol) para pacientes de alto risco

Pré-tratamento farmacológico

N-acetilcisteína, 600 mg por via oral, 2 x/dia, no dia anterior e no dia da realização do procedimento

Síndrome da lise tumoral

Hidratação e diurese forçada

Infundir salina normal para manter um débito urinário de 3 a 5 L/dia

Alcalinização urinária

Infundir 2 a 3 ampolas de bicarbonato de sódio (100 a 150 mEq) em D5W, para manter um pH urinário > 7

Infundir acetazolamina, 1 g/m2

Monitorar o painel metabólico básico e evitar uma alcalose metabólica significativa

Tratamento farmacológico

Alopurinol, 300 a 600 mg/dia, começando 3 dias antes da quimioterapia (ajustar a dose para pacientes com comprometimento renal); ou rasburicase, 0,2 mg/kg/dia, IV, começando em 4 a 24 horas antes da quimioterapia; continuar por até 5 dias

Rabdomiólise

Hidratação

Infundir NaCl a 0,9% para reposição de volume, se o paciente apresentar depleção de volume; em seguida, administrar 200 a 300 mL/h e acompanhar a condição hemodinâmica; equilibrar o consumo de líquidos com o débito urinário

Tratamento farmacológico

Adicionar 3 ampolas de bicarbonato de sódio (50 mEq/50 mL) ao D5W; infundir a mistura a uma velocidade de 250 mL/h e, ao mesmo tempo, monitorar frequentemente a ingesta de líquidos, o débito urinário e o painel metabólico básico; se o débito urinário estiver adequado, a infusão deve ser mantida até a resolução da mioglobinúria; se o paciente desenvolver oligúria (débito urinário < 400 mL/24 h), suspender os líquidos IV e proceder ao tratamento para LRA

Procedimentos cirúrgicos

Identificar os pacientes com condições de alto risco

Doença renal preexistente

Doença hepática crônica

Insuficiência cardíaca

Idade avançada

Evitar a depleção de volume

Evitar a hipotensão

Evitar agentes nefrotóxicos

LRA no mieloma múltiplo

Determinar o risco por meio da quantificação dos níveis séricos de CLL; monitorar os níveis durante o tratamento

Evitar a hipercalcemia, depleção de volume, furosemida, agentes de contraste, fármacos AINH

Manter elevadas as velocidades de fluxo de líquido tubular, com ingesta de água

O papel da plasmaférese na LRA decorrente de nefropatia por cilindros é controverso

AINH = anti-inflamatórios não hormonais; CLL = cadeias leves livres; IV = via endovenosa; LRA = lesão renal aguda.

 

Classificação patofisiológica da lesão renal aguda (LRA)

A síndrome de LRA pode ser definida em termos patofisiológicos [Figura 1], dependendo de a sua origem ser a diminuição do fluxo sanguíneo renal (azotemia pré-renal), doenças parenquimatosas renais intrínsecas (azotemia renal) ou obstrução do fluxo urinário (azotemia pós-renal).16

 

 

Figura 1. Classificação patofisiológica da lesão renal aguda (LRA).

AINH = anti-inflamatórios não hormonais; GN = glomerulonefrite; IECA/BRA = inibidor de enzima conversora de angiotensina/bloqueador de receptor de angiotensina; NIA = nefrite intersticial aguda; NTA = necrose tubular aguda; PTT/SHU = púrpura trombocitopênica trombótica/síndrome hemolítica-urêmica; SHR = síndrome hepatorrenal; VE = ventricular esquerdo.

 

A azotemia pré-renal constitui a causa isolada mais comum de LRA, responsável por 30 a 60% de todos os casos.17 A LRA pré-renal ocorre a partir da falha da perfusão glomerular, em decorrência de uma redução absoluta do volume de líquido extracelular ou de uma redução do volume circulante mesmo com a manutenção da normalidade do volume de líquido extracelular total, que podem ocorrer em condições como insuficiência ventricular esquerda, cirrose avançada e sepse. O rim possui a capacidade de autorregular a TFG e o fluxo sanguíneo simultaneamente, durante a hipoperfusão renal, pela regulação independente do tônus arteriolar aferente e eferente. Enquanto a arteríola aferente dilata em resposta à hipoperfusão renal, a arteríola eferente sofre constrição e mantém a pressão intracapilar glomerular, que constitui a força motriz da filtração glomerular. Desta forma, ao longo da fase inicial das condições pré-renais de grau leve a moderado, o fluxo sanguíneo renal e a TFG são mantidos dentro das faixas normais, e os níveis de ureia e creatinina permanecem normais. Quando as condições pré-renais se tornam graves e os mecanismos adaptativos renais não conseguem realizar a devida compensação, a TFG cai, e os níveis de uréia e creatinina começam a subir. O comprometimento da autorregulação do fluxo sanguíneo renal, cuja ocorrência foi demonstrada na DRC em ratos,18 pode ser um mecanismo de suscetibilidade à LRA. Além disso, a autorregulação renal é comprometida19 após um ataque de LRA, e isto potencialmente resulta na exacerbação da lesão até mesmo diante de quedas sutis da pressão arterial sistêmica.

A hipoperfusão renal, uma elevada proporção (> 40) de ureia em relação à creatinina sérica, e um pequeno volume de urina caracterizam a LRA pré-renal. Nesta condição, os níveis de hormônio antidiurético estão aumentados e, em consequência, intensificam a reabsorção de água e ureia. A insuficiência pré-renal constitui uma resposta à depleção de volume severa, insuficiência cardíaca, síndrome hepatorrenal (SHR) ou sepse. No contexto apropriado, a insuficiência pré-renal hemodinamicamente mediada também ocorre com o uso de alguns agentes farmacológicos, entre os quais os inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores de receptor de angiotensina (BRA) e fármacos anti-inflamatórios não hormonais (AINH). A insuficiência pré-renal também pode ocorrer diante da apresentação de uma ampla carga de soluto ao rim, aliada à estimulação de perda de volume por diurese osmótica, como se observa na hiperglicemia.20

As doença renais intrínsecas causadoras de LRA podem envolver os glomérulos, a vasculatura ou o interstício tubular. A doença renal intrínseca que mais comumente acarreta LRA é a necrose tubular aguda (NTA). Quando as causas pré e pós-renais de LRA são excluídas, cerca de 75% dos pacientes com LRA internados apresentam NTA.17 O reconhecimento clínico baseia-se em grande parte na exclusão de causas pré e pós-renais de azotemia súbita, seguida da exclusão de outras causas de LRA intrínseca (p. ex., glomerulonefrite aguda pós-infecciosa, doença renal ateroembólica, nefrite intersticial aguda [NIA]).

Múltiplos insultos geralmente estão presentes, contudo a azotemia pré-renal com frequência atua como fator predisponente. As causas iatrogênicas, incluindo a sepse cateter-associada e a exposição a nefrotoxinas (p. ex., antibióticos, material de contraste radiográfico), contribuem para uma parte significativa destes casos. Cerca de 40 a 60% dos casos de NTA ocorrem no contexto pós-operatório ou traumático.

Dependendo do contexto clínico, outros possíveis diagnósticos a serem considerados são: NIA (p. ex., secundária ao uso de antibióticos), glomerulonefrite, êmbolos ateromatosos (associados a uma cirurgia aórtica previa, aortografia ou anticoagulação), obstrução ureteral (associada a uma patologia pélvica ou abdominal, ou secundária a complicações de uma cirurgia pélvica ou abdominal) ou obstrução intrarrenal (p. ex., nefropatia aguda por urato ou nefropatia aguda por fosfato).21

No contexto hospitalar, a azotemia pós-renal é responsável por cerca de 10% dos casos de LRA.17 A LRA associada à azotemia pós-renal deve ser considerada especialmente em casos de pacientes idosos do sexo masculino, em particular se estes estiverem recebendo medicações capazes de comprometer a função da bexiga. É possível que exista uma obstrução parcial acompanhando a LRA, bem como uma poliúria associada, devido ao efeito inibitório das pressões intrarrenais sobre a capacidade de concentração renal. Além da anúria súbita, a velocidade do fluxo urinário é precária como indicador de LRA pós-renal.

 

Abordagem diagnóstica da lesão renal aguda (LRA)

Para determinar a causa da LRA, o médico deve seguir uma abordagem sistemática, a qual deve começar pela exclusão ou correção da azotemia, tanto pré como pós-renal. Muitas vezes, em casos de pacientes internados, a dificuldade em chegar ao diagnóstico etiológico correto da LRA não reside na identificação de uma possível causa, e sim na seleção da causa verdadeira a partir de diversas escolhas possíveis.

O diagnóstico correto depende do conhecimento básico da história natural da LRA de diferentes causas, da revisão da sequência cronológica de eventos ao longo do processo de deterioração da função renal do paciente e da análise dos dados disponíveis sobre o paciente. Apesar da exaustiva lista de condições que podem causar azotemia aguda em pacientes internados, a obtenção de uma história detalhada e a realização de um exame físico aliadas à solicitação de exames laboratoriais simples frequentemente são suficientes para se estabelecer o diagnóstico. Em certas ocasiões, é difícil determinar se um paciente com insuficiência renal tem LRA ou DRC, mesmo que existam indícios para ajudar a diferenciar estas 2 síndromes [Tabela 4].

 

Tabela 4. Aspectos que ajudam a diferenciar entre LRA e DRC

Aspecto

LRA

DRC

Exame laboratorial anterior

A creatinina normal pouco antes do evento é a melhor evidência isolada de LRA

A função renal anormal foi documentada por exames laboratoriais antigos

História médica

Nenhuma

Diabetes de longa duração e mal controlado, hipertensão e doença vascular severa são todos fatores de risco

Ultrassonografia renal

Normal

Rins pequenos e ecogênicos sustentam a existência de DRC, porém pacientes com diabetes, infecção pelo HIV, mieloma múltiplo/amiloidose e doença dos rins policísticos podem ter rins normais ou aumentados

Radiografias ósseas

Normal

Evidências de osteodistrofia renal com osteíte fibrosa, osteomalácia, lesões ósseas mistas e adinâmicas, e amiloidose associada à diálise; erosões subperiósteas das falanges e tufo; cistos ósseos com amiloidose – todos sustentam a existência de DRC

Hemoglobina / hematócrito

A anemia é uma possibilidade, mas a existência de níveis de hemoglobina normais em um paciente com azotemia em estágio avançado é uma provável evidência de LRA

A anemia é comum na DRC

Sedimento urinário

Cilindros granulosos, cilindros/células epiteliais tubulares sugestivas de LRA

Cilindros céreos amplos

DRC = doença renal crônica; LRA = lesão renal aguda.

 

No contexto hospitalar, a LRA é mais comumente reconhecida quando os pacientes apresentam oligúria, elevação dos níveis de uréia e creatinina, ou ambas alterações.

 

Revisão do prontuário, história e exame físico

A avaliação do paciente com LRA deve começar pela obtenção de uma história médica completa e revisão dos registros hospitalares. Alguns dados importantes a serem procurados na revisão de prontuário são apresentados adiante [Tabela 5, Tabela 6, Figura 2]. É preciso atentar especialmente para o achado de uma concentração sérica de creatinina determinada recentemente ou outra evidência de doença renal subjacente anterior à admissão do paciente, evidência da existência de um processo patológico sistêmico, bem como registro de medicação detalhado. Até mesmo os tratamentos médicos antigamente considerados inócuos devem ser conhecidos. Exemplificando, a nefropatia aguda por fosfato pode desenvolver-se após a administração de um purgante intestinal à base de fosfato de sódio durante a preparação para a colonoscopia (ver adiante). Outro achado histórico sutil é o uso anterior de ervas chinesas, que podem conter uma nefrotoxina conhecida como ácido aristolóquico (ver a descrição adiante).22

 

Tabela 5. Avaliação diagnóstica de um paciente com LRA

Tipo de avaliação

Comentários

Revisão do prontuário

 Função renal anterior

 Medicações

 

 

 

 Data de início

 Níveis de fármaco

 Nefrotoxinas

 Fármacos AINH

 Aminoglicosídeos

 Anfotericina B

 Agente de contraste

 

Pacientes com insuficiência renal anterior são mais suscetíveis a LRA

Os aminoglicosídeos são importantes causadores de NTA em pacientes internados (não oligúricos e nas primeiras 2 semanas de terapia); certos antibióticos, AINH e uma gama de medicações podem causar NIA; os agentes de contraste são causas importantes de LRA

Procedimento

 

 

 Tipo e duração

 Hemodinâmica

 Perda de sangue

 Anestésico utilizado

Os pacientes submetidos a cirurgias cardíacas e vasculares são particularmente suscetíveis à NTA

Preparação intestinal recente para procedimento GI

 

 

 

O metoxiflurano e o enflurano (que está relacionado ao metoxiflurano, porém é menos tóxico) podem causar NTA não oligúrica

Infecção

 

 Febre

 Culturas sanguíneas positivas

Infecção ou sepse podem causar LRA mesmo na ausência de hipotensão

Hemodinâmica

 Pressão arterial

 Frequência cardíaca

 Peso (dentro e fora)

A hipotensão pode causar azotemia pré-renal e NTA isquêmica

Exame físico

 Condição do volume

 Edema

 Distensão da veia jugular

 Estalos

 Galope S3

 Pele

 Erupções difusas

 Livedo reticular

 Ateroêmbolos

 Bexiga

 Repleção suprapúbica

 

 Cateterização da bexiga

 

 

Pré-tibial em pacientes ambulatoriais e sacral em pacientes acamados

 

 

 

 

 

 

 

 

Bexiga distendida

Para avaliar o volume urinário residual pós-esvaziamento e aliviar a obstrução da bexiga

Urinálise e análise do sedimento

 Elementos

 Proteína e sangue

 Celular

 Cilindro

 

Índices urinários [Tabela 7]

 Exames adicionais

 Ultrassonografia renal

 

 Tamanho e simetria

 Diferencial corticomedular

 Obstrução

 Indicação para biópsia renal

 

 

 

 

 

Um achado de rins de tamanhos diferentes sugere a existência de doença vascular no rim menor

AINH = anti-inflamatórios não hormonais; GI = gastrintestinal; LRA = lesão renal aguda; NIA = nefrite intersticial aguda; NTA = necrose tubular aguda.

 

Tabela 6. Avaliação diária e tratamento do paciente internado com LRA

Tipo de avaliação

Comentários

Peso

Perda de peso da ordem de 227 a 454 g/dia em um paciente com NTA ajuda a prevenir a sobrecarga de volume

Crepitações em bases pulmonares ou distensão da veia jugular

Indicam a existência de sobrecarga de volume com possível insuficiência cardíaca congestiva; restringir o volume; adicionar diuréticos; considerar a diálise

PVC, PECP

A avaliação destes parâmetros pode ser indicada para a diferenciação entre sobrecarga de volume e presença de infiltrados pulmonares não cardiogênicos; uma baixa PECP sugere um edema pulmonar não cardiogênico

Ingesta/débito

Em pacientes euvolêmicos, avaliar o volume de débito urinário do dia anterior (em pacientes estáveis, adicionar 400 mL para as perdas insensíveis); as perdas insensíveis podem ser maiores em pacientes apresentando catabolismo mais intenso, febre ou agitação

Ureia

Valores desproporcionalmente altos sugerem sangramento GI, uso de esteroide, condição hipercatabólica ou LRA pré-renal

Creatinina

Valores desproporcionalmente altos são sugestivos de lesão muscular, como aquela causada pela rabdomiólise

Eletrólitos

[ver Complicações, no texto]

GI = gastrintestinal; LRA = lesão renal aguda; NTA = necrose tubular aguda; PECP = pressão de encunhamento capilar pulmonar; PVC = pressão venosa central.

 

 

 

 

 

 

 

Evento de LRA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Data

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Peso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Consumo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Débito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pressão arterial

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pulso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Temperatura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

URÉIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Creatinina

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sódio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Potássio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cloreto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CO2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LEU

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hbg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hct

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Plaquetas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cirurgia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Contraste

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Medicações

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 2. Esta planilha, utilizada na avaliação da lesão renal aguda (LRA) em pacientes internados, pode ser utilizada para registrar uma linha cronológica de eventos que podem ter contribuído para o insulto. Ao adotar esta abordagem, é preciso prestar atenção particularmente aos eventos ocorridos poucos dias antes da elevação aguda dos níveis séricos de creatinina.

CO2 = dióxido de carbono; Hbg = hemoglobina; Hct = hematócrito; LEU = leucograma.

 

Um paciente com LRA pode apresentar queixas bastante inespecíficas, como fadiga, enfraquecimento, agitação, perda do apetite, náusea, vômitos, diminuição do débito urinário, inchaço e soluços. Quando os níveis de toxinas urêmicas estão acentuadamente elevados, o paciente pode apresentar alterações da condição mental e convulsões. Uma história de náusea, vômito, diarreia ou outras perdas de volume sugerem a existência de LRA resultante de uma condição pré-renal. Traumatismos recentes com consequente lesão muscular sugerem que a causa da LRA é a rabdomiólise.

A condição do líquido extracelular representa uma parte decisiva do exame físico. Redução do peso corporal, diminuição ortostática acentuada da pressão arterial pulso aumentado e ausência de distensão da veia jugular são todos sugestivos da redução do volume de líquido extracelular. Os pacientes com azotemia pré-renal podem parecer estar sofrendo uma sobrecarga de volume associada à expansão do volume extracelular (p. ex., insuficiência cardíaca, cirrose, síndrome nefrótica), porém seu volume sanguíneo efetivo está reduzido e, como consequência, a perfusão renal está comprometida.

Um exame abdominal atento pode revelar uma bexiga sensível e distendida, bem como obstrução do trato urinário inferior. Em casos de homens com suspeita de que uma obstrução do trato inferior esteja causando azotemia aguda, devem ser realizados o exame da próstata e a cateterização estéril da bexiga pós-esvaziamento.

Outros achados de exame adicionais que podem ser úteis incluem febre, erupções cutâneas e dores articulares, que levantam a possibilidade de haver uma doença reumática, como lúpus eritematoso sistêmico, vasculite, endocardite ou alergia farmacológica com NIA. Uma história de cateterização aórtica recente (p. ex., cateterismo cardíaco) e o achado de livedo reticular são indícios diagnósticos de êmbolos de colesterol ou ateromatosos. Uma anúria abrupta sugere obstrução aguda, glomerulonefrite severa ou um evento vascular repentino. A hematúria indolor é sugestiva de glomerulonefrite aguda, enquanto a hematúria dolorosa é mais consistente com a ocorrência de obstrução.

Pode ser difícil diferenciar a azotemia pré-renal da NTA, tanto em função da dificuldade para avaliar a condição do volume em pacientes com doenças graves quanto porque a azotemia pré-renal de causas diversas, quando severa o bastante, pode levar ao desenvolvimento de NTA. A avaliação do volume de urina e do sedimento urinário, bem como de alguns índices urinários (úteis apenas para pacientes com oligúria) é particularmente útil para estabelecer o diagnóstico correto [Tabela 7].

 

Tabela 7. Índices diagnósticos séricos e urinários

Índice

Azotemia pré-renal

NTA

Sódio urinário (UNa) (mEq/L)

< 20

> 40

Osmolaridade da urina (Uosm) (mOsm/kg H2O)

> 500

< 450

Excreção fracionada de sódio (UNaPCr/PNaUCr) (x100)

< 1%

> 1%

Proporção uréia:creatinina

> 40:1

Creatinina urinária/creatinina plasmática [UCr (mg/dL)/PCr (mg/dL)]

> 40

< 20

NTA = necrose tubular aguda; PCr = creatinina plasmática; PNa = sódio plasmático; UCr = creatinina urinária; UNa = sódio urinário; Uosm = osmolalidade da urina.

 

Exames laboratoriais

Proporção de ureia para creatinina

Os exames laboratoriais iniciais incluem a medida dos níveis séricos de uréia, creatinina, sódio, cloreto, potássio e bicarbonato. Estes exames são importantes não só para fins diagnósticos, mas também para a avaliação das complicações da LRA. Nas condições pré-renais resultantes da avidez aumentada de sal e água, observa-se um aumento desproporcional da proporção uréia:creatinina (> 40:1). Outras causas de elevação de uréia incluem sangramento gastrintestinal (GI), uso de esteroides sistêmicos, catabolismo produzido por condições médicas subjacentes ou dieta rica em proteínas. Uma elevação dos níveis de creatinina que exceda a elevação de uréia sugere a ocorrência de rabdomiólise. Estes pacientes também apresentarão níveis elevados de creatina quinase (CK) ou mioglobina.

 

Velocidade do fluxo urinário

A LRA é tradicionalmente dividida em anúrica (débito urinário < 100 mL/dia), oligúrica (débito urinário de 100 a 400 mL/dia) e não oligúrica (débito urinário > 400 mL/dia). Em pacientes internados, um débito urinário normal diante de uma elevação dos níveis de creatinina significa mais frequentemente a existência de um defeito renal intrínseco, uma vez que a azotemia pré-renal deve levar ao desenvolvimento de oligúria. A ocorrência de amplas variações do débito urinário diário sugere a existência de obstrução. Uma anúria completa (ausência de débito urinário) sugere a existência de uma obstrução ou catástrofe vascular aguda, tais como trombose de veia ou artéria renais ou formação de êmbolos amplos nas artérias renais, embora possa ser observada na NTA e NIA. Para causar anúria total, um evento vascular deve afetar ambos os rins ou um rim funcional único.

 

Urinálise e sedimento urinário

O exame microscópico da urina foi validado recentemente como abordagem útil para o aprimoramento do diagnóstico diferencial da LRA.23 A seguir são listados os achados de urinálise, incluindo os da análise de sedimento urinário, e suas implicações para a LRA:

 

1.    Na insuficiência pré-renal, é possível observar um número moderado de cilindros hialinos e finamente granulares, entretanto os cilindros de grânulos grosseiros e os cilindros celulares são infrequentes. Os cilindros de grânulos finos, cilindros amplos e cilindros céreos também podem ser encontrados no sedimento de pacientes com DRC.

2.    Na NTA, um sedimento característico é encontrado em 70 a 80% dos pacientes, particularmente naqueles com NTA oligúrica. Este sedimento é constituído por cilindros granulares grosseiros e de cor marrom, células epiteliais tubulares renais livres e cilindros de células epiteliais. Diante de uma lesão renal mais grave, pode haver um atraso de 24 a 48 horas no aparecimento dos cilindros granulosos.

3.    Um sedimento aparentemente benigno, contendo poucos elementos formados, sugere uma possível obstrução.

4.    A glomerulonefrite proliferativa é caracterizada pela produção de urina com concentração proteica 3+ a 4+; conteúdo de sangue 2+ a 3+; e sedimento ativo, definido como aquele que contém hemácias e cilindros de hemácias. A obtenção de uma história acurada e a realização de um exame físico completo (que pode ser sugestivo, p. ex., de lúpus eritematoso sistêmico), a determinação dos níveis de complemento, a execução do teste de anticorpos antinucleares e o exame de uma biópsia renal (se o tamanho do rim estiver normal) são ações que geralmente ajudam a esclarecer o diagnóstico.

5.    Os achados de apenas algumas hemácias presentes no sedimento urinário e de forte positividade para heme da urina ou do sobrenadante da urina (após a remoção das hemácias por centrifugação) geralmente indicam a ocorrência de mioglobinúria ou hemoglobinúria. Os pacientes com rabdomiólise apresentam um aumento marcante dos níveis de enzimas musculares, como a CK. O sedimento urinário de pacientes com mioglobinúria pode conter hemácias, cilindros pigmentados, cilindros granulares e numerosos cristais de ácido úrico.

6.    A presença de leucócitos em grumos e em cilindros, na ausência de evidências de bactéria, sugere a ocorrência de NIA. Esta condição pode estar associada à ocorrência de hematúria microscópica e até mesmo à presença de cilindros de hemácias. Embora a presença de eosinófilos na urina não seja um achado específico de NIA, este teste deve ser realizado quando o diagnóstico de LRA estiver sendo questionado.

7.    Um sedimento urinário abundante em cristais de ácido úrico ou de oxalato sugere a ocorrência de deposição de ácido úrico (associada à hiperuricemia subsequente à quimioterapia) ou a presença de intratubular de oxalato, respectivamente.

 

Índices urinários

Os índices urinários são determinantes práticos da função celular tubular, utilizados com frequência na diferenciação entre azotemia pré-renal e NTA em condições oligúricas. Entretanto, a interpretação dos índices urinários de um paciente com DRC muitas vezes é uma tarefa difícil, pois a perda de sódio subjacente que ocorre no estado basal não pode ser rapidamente corrigida com a depleção de volume. A lógica para o uso destes índices é a seguinte: como as concentrações de creatinina aumentam ao longo do néfron, conforme o líquido vai sendo removido pelo processamento tubular do ultrafiltrado glomerular, a proporção de creatinina na urina e no plasma (U/PCr) fornece um índice da fração de água filtrada excretada. Se for considerado que toda a creatinina filtrada no glomérulo é excretada na urina e uma quantidade relativamente pequena é adicionada por secreção, qualquer aumento adicional da concentração urinária de creatinina além da concentração plasmática deve ser resultante da remoção de água. Na azotemia pré-renal, devido à diminuição da quantidade de filtrado glomerular que entra em cada néfron e por causa do aumento da retenção de sal e água, a U/PCr costuma ser significativamente maior do que na NTA, enquanto as concentrações urinárias de sódio são caracteristicamente menores [Tabela 7]. Em contraste, na NTA, os néfrons excretam uma ampla fração do sódio e da água que filtram, resultando em um valor de U/PCr mais baixo e em uma maior fração de excreção de sódio (FENa). Também foi relatado que a fração de excreção de ureia (FEUreia) é útil na diferenciação entre azotemia pré-renal e azotemia renal [Tabela 7]. O uso da FEUreia pode proporcionar uma vantagem diagnóstica sobretudo em relação à FENa, em casos de pacientes que tomam diuréticos. Em um estudo, a FENa estava baixa em apenas 48% dos pacientes tratados com diurético que tinham azotemia pré-renal.24 É preciso ter em mente, contudo, que os valores de FEUreia na DRC ainda não foram padronizados.

A interpretação dos índices urinários deve ser feita aliada a outras avaliações do paciente, uma vez que existem importantes exceções a estas generalizações. Exemplificando, os pacientes com certos tipos de NTA, como sepse ou lesão renal induzida por corante radiográfico, podem apresentar todas as características clínicas de NTA e, todavia, taxas de FENa inferiores a 1%.

 

Exames de imagem

Se o diagnóstico de azotemia pré-renal ou NTA for razoavelmente certo e a situação clínica dispensar a exclusão de outras causas de azotemia aguda, em geral, nenhuma outra avaliação diagnóstica adicional é necessária. As avaliações diagnósticas adicionais são indicadas nas seguintes circunstâncias: (1) diagnóstico duvidoso, sobretudo se a situação clínica sugerir outras possibilidades (p. ex., obstrução ou acidente vascular); (2) achados clínicos (p. ex., anúria total) que tornam menos provável o diagnóstico de azotemia pré-renal ou NTA; ou (3) persistência da oligúria por mais de 4 semanas.

A ultrassonografia renal constitui o procedimento diagnóstico inicial de escolha em casos de insuficiência renal, por ser um método não invasivo e confiável. Um achado de rins de tamanho normal em um paciente com azotemia em estágio avançado geralmente sugere a ocorrência de LRA, em vez de DRC. Entretanto, várias causas importantes de DRC, incluindo diabetes melito, infecção pelo HIV, mieloma múltiplo, doença dos rins policísticos e amiloidose, podem estar associadas a um tamanho normal ou aumentado dos rins. O exame de ultrassonografia renal é útil para confirmar ou excluir obstruções, identificar a doença renal policística, determinar se um ou ambos os rins estão presentes, e localizar o rim para obtenção de uma biópsia renal. O uso concomitante da análise de fluxo com Doppler também pode fornecer informação sobre a patência vascular.

Uma tomografia computadorizada de alta resolução sem contraste é considerada o exame de escolha para casos de suspeita de cálculos no trato urinário. Os métodos que empregam radionuclídeos são disponibilizados para avaliação do fluxo sanguíneo e da função excretória (secretória) dos rins. Os exames de fluxo sanguíneo podem ser utilizados para determinar de forma simples se os rins estão sendo perfundidos e, quando estiverem, se o fluxo sanguíneo para os dois rins é simétrico. Estes exames são menos acurados para a determinação das velocidades de fluxo. A ressonância magnética sem contraste atualmente é recomendada para a avaliação de casos de trombose venosa ou arterial renal. As varreduras com radionuclídeo leucócitos-dirigido têm papel limitado no diagnóstico da NTA.

 

Biópsia renal

O exame de biópsia renal raramente se faz necessário em casos de LRA que se desenvolve no contexto hospitalar. Em contraste, o exame de biópsia renal é indicado com frequência um pouco maior para os casos de LRA que ocorrem fora do hospital.

 

Lesões intersticiais tubulares associadas à lesão renal aguda (LRA)

O dano renal tubulointersticial que produz LRA geralmente pode ser dividido em lesão celular epitelial tubular direta (NTA), obstrução intratubular e NIA.

 

Necrose tubular aguda (NTA)

A NTA é uma síndrome clínica de declínio abrupto e contínuo da TFG, deflagrado por um evento isquêmico agudo ou por um evento nefrotóxico, que se desenvolve em alguns minutos a dias após o insulto. O vazamento do ultrafiltrado glomerular a partir do lúmen tubular para dentro do interstício renal, através das células tubulares renais danificadas, a obstrução do fluxo junto ao túbulo pela presença de debris ou cristais no lúmen e uma diminuição do coeficiente de ultrafiltração capilar glomerular foram todos propostos como fatores que exercem papéis patofisiológicos na NTA.

Diversas alterações bioquímicas e celulares podem estar envolvidas na lesão celular observada na LRA. Entre estas, estão a disfunção mitocondrial, depleção de trifosfato de adenosina (ATP), degradação de fosfolipídios, elevação dos níveis citosólicos de cálcio livre, diminuição da atividade da bomba de sódio (Na+/K+-ATPase), alterações no metabolismo do substrato, alterações lisossômicas e produção de radicais livres do oxigênio. Ainda resta esclarecer quais alterações são causadoras e quais são derivadas da lesão celular de estágio avançado.

A NTA induzida por isquemia constitui um processo fisiológico bastante complexo, que resulta da incompatibilidade entre a distribuição de oxigênio e nutrientes e a demanda energética dos néfrons. O componente patofisiológico mais importante da LRA isquêmica pode ser uma redução do fluxo sanguíneo local para a medula externa.25 Parece haver um excesso de hormônios constritores em relação aos hormônios que dilatam a arteríola aferente. Subsequentemente, ocorre queda da pressão de perfusão glomerular e depressão da TFG. O pior efeito produzido pela lesão pós-isquêmica afeta as células tubulares proximais, acarretando perda da polaridade celular e redistribuição da Na+/K+-ATPase, que normalmente está localizada junto à membrana plasmática basolateral. Isto leva ao aumento da distribuição de sódio para a mácula densa, com consequente estimulação da vasoconstrição da arteríola aferente.26

As células inflamatórias também estão envolvidas na patogênese da NTA.27 Além disso, enquanto os estudos anteriores haviam se concentrado na lesão tubular renal às células epiteliais, as pesquisas atuais também têm enfatizado a importância das células endoteliais na NTA. Quando as células endoteliais são lesadas, há inchaço celular, expressão de moléculas de adesão celular, ativação de leucócitos e potencialização da lesão renal. Os mediadores vasoativos promovem vasoconstrição e comprometem ainda mais o fluxo sanguíneo local e o metabolismo celular tubular.28

O papel do túbulo proximal na reabsorção dos solutos capturados no ultrafiltrado produzido pela filtração glomerular, bem como a absorção de solutos a partir da corrente sanguínea e sua secreção no lúmen tubular tornam este compartimento celular particularmente vulnerável à lesão tóxica. Os agentes citotóxicos exógenos, como os aminoglicosídeos ou inibidores da nucleosídeo transcriptase reversa, e as nefrotoxinas endógenas, incluindo as cadeias leves de imunoglobulinas e a mioglobina, são concentrados no túbulo proximal e podem produzir LRA. Os inibidores da nucleosídeo transcriptase reversa (p. ex., adefovir e tenofovir) podem produzir uma síndrome peculiar, que consiste em LRA (a partir da tubulopatia proximal) e acidose láctica – ambas aparentemente relacionadas à disfunção mitocondrial fármaco-induzida.29

Na NTA isquêmica ou na NTA nefrotóxica, ocorrem 2 tipos de morte celular: apoptótica ou necrótica. Os avanços ocorridos na compreensão da morte celular levaram ao reconhecimento de que as vias tradicionalmente associadas à apoptose podem ser decisivas para a determinação da forma de lesão celular associada à necrose. As vias apoptóticas, em que as endonucleases exercem papel importante, parecem ser reguladas por mediadores como os oxidantes, as caspases e a ceramida. A via seguida pela célula parece depender tanto da natureza como da severidade do insulto. É provável que a via seguida seja amplamente afetada pela expressão de muitos genes envolvidos na regulação do ciclo celular, bem como de genes quimiotáticos e inflamatórios. É igualmente provável que as cascatas que levam à morte celular apoptótica ou necrótica sejam ativadas quase ao mesmo tempo e possam compartilhar vias comuns.

O comprometimento renal persistente decorrente da NTA pode ser oligúrico ou não oligúrico e tipicamente dura 1 a 2 semanas, embora possa persistir por 4 a 6 semanas. Este comprometimento com frequência é seguido de uma fase diurética, que eventualmente conduz à normalização da função dos rins no decorrer de alguns dias a semanas. A maioria dos pacientes recupera a função renal, exceto pela persistência de uma pequena redução da TFG e de alguns defeitos envolvendo a capacidade de concentração dos rins. No entanto, tem sido cada vez mais reconhecido que as consequências a longo prazo de um ataque de LRA poderiam incluir a doença renal em estágio terminal (DRET) e a progressão da DRC [ver Epidemiologia, anteriormente].

 

Lesão renal aguda (LRA) por obstrução intratubular

Várias moléculas endógenas e exógenas podem sofrer precipitação no lúmen tubular e produzir LRA. Entre elas, estão o urato, fosfato de cálcio, cadeias leves de imunoglobulina, mioglobina e medicamentos. Alguns fármacos, incluindo metotrexato, aciclovir, sulfadiazina, indinavir, catárticos contendo fosfato de cálcio e triamtereno, são concentrados no lúmen tubular e podem formar cristais que causam LRA por obstrução do fluxo urinário. A nefropatia por cristais induzida por medicamentos é tipicamente observada no contexto de uma DRC subjacente ou depleção de volume, ou, ainda, após a administração de altas doses destas medicações.

 

Nefrite intersticial aguda (NIA)

A NIA é frequentemente subdiagnosticada como causa de LRA. O diagnóstico desta condição não deve ser subestimado, pois este é um distúrbio que requer intervenção específica. Os antibióticos constituem a principal causa de NIA. É especialmente importante considerar esta etiologia em casos de pacientes que desenvolvem LRA ao receberem antibióticos, durante a recuperação de uma LRA sepse-induzida.

Em alguns casos, a NIA consiste em uma reação de hipersensibilidade imunologicamente induzida contra determinado antígeno, em geral um fármaco. A NIA é detectada em 2 a 3% de todas as biópsias renais e em até 25% das biópsias renais obtidas especificamente no contexto da LRA fármaco-induzida. Os fármacos mais comumente envolvidos na indução da NIA são os AINH e os antibióticos [Tabela 8].

 

Tabela 8. Fármacos causadores de LRA

Citotóxicos

Antibióticos (aminoglicosídeos, anfotericina B, inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa [p. ex., adefovir, tenofovir], ciclofovir e outros)

Cisplatina

Ácido aristolóquico (plantas)

Etilenoglicol

Cristalogênicos

Metotrexato

Antibióticos (aciclovir, sulfadiazina, indinavir, triamtereno)

Catárticos contendo fosfato de sódio

Associados à NIA

Antibióticos (betalactâmicos, sulfonamidas, fluoroquinolonas e outros)

Fármacos AINH

Inibidores da bomba de prótons

Diuréticos

Alopurinol

Fenitoína

AINH = anti-inflamatórios não hormonais; LRA = lesão renal aguda; NIA = nefrite intersticial aguda.

 

A NIA é sugerida por achados laboratoriais indicativos da ocorrência de deterioração abrupta da função renal, bem como por achados de urinálise e análise do sedimento urinário que mostrem a presença de sangue, proteína e leucócitos em grumos e em cilindros, na ausência de evidências de infecção. Clinicamente, a única queixa pode ser uma dor no flanco causada por distensão da cápsula renal. Também pode haver sinais e sintomas de reação de hipersensibilidade, como erupção, dor articular e febre. Um hematócrito pode revelar a existência de eosinofilia.

O diagnóstico definitivo é estabelecido por exame de biópsia renal. As técnicas não invasivas que fornecem achados sugestivos de NIA, tais como um aumento da contagem de eosinófilos urinários (utilizando coloração de Hansel) e uma varredura com gálio positiva, são inespecíficas. O objetivo do tratamento consiste essencialmente em identificar e remover o agente agressor. A pronta instituição de corticosteroides parece melhorar o resultado em casos de NIA fármaco-induzida comprovada por biópsia, uma vez que os níveis séricos de creatinina voltam a se aproximar dos valores basais nos indivíduos tratados, em comparação ao observado nos pacientes não tratados.30

 

Medicações nefrotóxicas selecionadas

Existe um conjunto impressionante de fármacos capazes de produzir LRA. Alguns medicamentos são citotóxicos, enquanto outros produzem as conhecidas nefropatias por cristais, que ocorrem diante da cristalização da medicação no lúmen tubular e consequente produção de LRA. Há outros medicamentos que produzem reações alérgicas sob a forma de NIA. A Tabela 8 lista medicamentos produtores de LRA. A seguir, um número seleto de medicações é discutido.

 

Aminoglicosídeos

A manifestação mais importante da nefrotoxicidade por aminoglicosídeo é a LRA secundária à NTA, que ocorre em cerca de 10 a 20% dos pacientes tratados com aminoglicosídeos (p. ex., tobramicina, gentamicina, amicacina).31,32 A manutenção dos níveis sanguíneos dentro da faixa terapêutica diminui – mas não elimina – o risco de nefrotoxicidade. A LRA associada aos aminoglicosídeos costuma ser branda e não oligúrica, manifestando-se como um aumento dos níveis séricos de creatinina que ocorre cerca de 1 semana após a instituição da terapia. Os pacientes com nefrotoxicidade por aminoglicosídeos podem apresentar poliúria e hipomagnesemia. Estas condições resultam da diminuição da capacidade de concentração urinária e do aumento da perda urinária,, respectivamente.31 Diversos fatores ou condições clínicas podem potencializar o efeito dos aminoglicosídeos sobre o rim e, desta forma, agravar a nefrotoxicidade. Entre estes fatores, estão: isquemia renal induzida por hipotensão ou depleção de volume; o esquema de dosagem e os níveis séricos de aminoglicosídeos; sepse; administração de outras nefrotoxinas; e doença hepática. O esquema de 1 dose/dia de aminoglicosídeos parece ser tão efetivo no controle das infecções quanto as dosagens mais frequentes; produz um efeito nefrotóxico menor e não aumenta a incidência de ototoxicidade, em comparação às dosagens mais frequentes.33 Foi demonstrado que a dosagem farmacocinética individualizada dos aminoglicosídeos reduz a incidência de nefrotoxicidade e, ao mesmo tempo, permite a administração de doses mais altas do fármaco.34

Atualmente, o único tratamento para a nefrotoxicidade produzida por aminoglicosídeos consiste na suspensão da medicação e no fornecimento de suporte ao paciente durante o período de LRA. O prognóstico para a recuperação da função renal após vários dias é excelente, embora alguns pacientes possam necessitar de diálise antes de se recuperarem totalmente.

 

Anfotericina B

A anfotericina B é uma causa relativamente frequente de LRA. A hidratação com salina normal antes da infusão da anfotericina B diminui a incidência de LRA associada ao uso desta medicação. A anfotericina B sob a forma de emulsão lipídica pode ser menos nefrotóxica do que as formulações não lipídicas e é recomendada para pacientes que apresentam alto risco de nefrotoxicidade. A DRC e a DRET decorrentes da nefrotoxicidade produzida pela anfotericina B ocorrem com pouca frequência.

 

Fármacos anti-inflamatórios não hormonais (AINH)

Os AINH são inibidores potentes da síntese de prostaglandinas. Esta propriedade contribui para o potencial nefrotóxico destes fármacos em certos casos de pacientes de alto risco, que necessitam de prostaglandinas para manter a vasodilatação renal. O padrão de lesão mais frequentemente associado ao uso de AINH é a azotemia pré-renal, observada particularmente em pacientes com depleção de volume ou redução do volume circulante efetivo. Os pacientes suscetíveis incluem aqueles com insuficiência cardíaca, cirrose, diabetes, DRC, síndrome nefrótica e choque séptico, bem como os pacientes idosos ou os que precisam usar diuréticos.35

Uma acidose metabólica hiperclorêmica, muitas vezes associada à hipercalemia, também foi reconhecida como sendo um efeito produzido pelos AINH, em particular em pacientes com doença renal intersticial crônica preexistente. Nestes indivíduos, o hipoaldosteronismo hiporreninêmico desenvolve-se durante os estados de inibição da prostaglandina renal. Os AINH foram associados ao desenvolvimento de NIA, que frequentemente está associada à insuficiência renal e a uma acentuada proteinúria.36 Esta complicação parece ser uma reação farmacológica de hipersensibilidade idiossincrática, que pode se desenvolver passados dias a meses do início do curso de um AINH.37 Em contraste com a NIA associada a outros fármacos, a NIA associada aos AINH é marcada pela escassez das manifestações clínicas de hipersensibilidade, incluindo a eosinofilia e a eosinofilúria. Este distúrbio geralmente é resolvido com a descontinuidade do uso do agente agressor.37 Os pacientes de alto risco, como idosos e aqueles com DRC, devem ser instruídos quanto ao risco de usar AINH e aconselhados a evitar estes medicamentos, quando possível. Há relatos de LRA causada por inibidores seletivos de ciclo-oxigenase-2. Assim, os mesmos cuidados se aplicam ao uso tanto destes agentes como dos AINH inespecíficos.

 

Cisplatina

A lesão renal é reconhecidamente uma complicação do uso da cisplatina no tratamento de muitos cânceres em órgãos sólidos. A nefrotoxicidade associada à cisplatina afeta um percentual significativo dos pacientes com estas condições, dos quais 25 a 35% desenvolvem uma redução leve e reversível da TFG após tomarem a 1ª dose do medicamento. Com as doses subsequentes, a incidência e a severidade da insuficiência renal aumentam, até que uma lesão renal irreversível finalmente é produzida. A hipomagnesemia decorrente de perdas renais de magnésio pode ser severa e afetar até 50% dos pacientes. Os pacientes precisam receber uma hidratação adequada, com salina normal (200 a 250 mL/h), antes da administração da cisplatina. Outras nefrotoxinas conhecidas devem ser evitadas, sempre que possível.38 A NTA resultante pode ser severa ou irreversível, resultando em DCR ou DRET.

 

Inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECA)

A LRA associada ao uso de IECA é considerada uma lesão de origem hemodinâmica. Acredita-se que seja resultante da perda da autorregulação do fluxo sanguíneo renal, sendo tipicamente relatada diante da administração de IECA a pacientes com estenose arterial renal bilateral. Um aumento de 25 a 30% dos níveis de creatinina sérica em relação aos valores basais, com o início do curso de um IECA, é considerado aceitável por alguns pesquisadores.39 Se os níveis séricos de creatinina continuarem subindo, o IECA deve ser descontinuado, e uma investigação para detecção de doença vascular renal deve ser considerada. Os IECA não são diretamente nefrotóxicos. Por este motivo, a suspensão de seu uso deve permitir que a função renal volte aos níveis basais, desde que nenhum outro insulto tenha ocorrido.

 

Lesão renal aguda (LRA) em casos especiais

Rabdomiólise

Desde a 1ª descrição da associação causal existente entre a rabdomiólise e a LRA em vítimas de lesão por esmagamento da II Guerra Mundial, o espectro de causas de rabdomiólise, mioglobinúria e insuficiência renal sofreu uma ampliação importante. As causas mais frequentes são o traumatismo ou outras lesões que acarretam compressão muscular, isquemia, atividade muscular excessiva (p. ex., durante a prática de exercícios ou convulsões), desorganização metabólica, fármacos, defeitos genéticos, desregulação da temperatura corporal e infecções.40 Dentre os tipos importantes de desorganização metabólica causadora de rabdomiólise está a depleção de potássio e fosfato. O risco de rabdomiólise associada a estes desequilíbrios eletrolíticos é maior em pacientes que sofrem de alcoolismo crônico. O uso de cocaína, a síndrome maligna neuroléptica e o uso de fármacos à base de estatina também podem contribuir ou causar rabdomiólise.

A dor muscular e a urina de cor marrom-escura positiva para presença de sangue no teste com vareta (positividade para ortotoluidina) e, todavia, sem hemácias representam indícios diagnósticos significativos. Entretanto, o diagnóstico deve ser confirmado pelos achados de níveis elevados de CK e mioglobina. Cerca de 1/3 dos pacientes com rabdomiólise desenvolvem LRA. A etiologia parece estar relacionada a vasoconstrição renal, lesão celular tubular proximal causada por estresse oxidativo e obstrução intranefrótica.40,41 Além da LRA, muitos destes pacientes desenvolvem complicações associadas, tais como hipercalemia, hiperuricemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia precoce e proporção uréia:creatinina reduzida, devido à liberação excessiva de creatinina a partir da musculatura. A hipercalcemia tardia também constitui um aspecto típico da doença.

A rápida identificação da rabdomiólise e instituição do tratamento são fundamentais para minimizar a LRA. É comum estes pacientes desenvolverem choque hipovolêmico, sobretudo quando a lesão está associada a traumatismo e a esmagamento muscular maciço.

O aspecto mais importante do tratamento da rabdomiólise é a rápida repleção do volume. Os pacientes encontrados no campo devem receber tratamento imediato com salina normal endovenosa (200 a 300 mL/h). Se o débito urinário aumentar em 4 a 6 horas, a infusão deve ser mantida (a uma velocidade compatível com o débito urinário) até a resolução da rabdomiólise. Contudo, se o paciente permanecer oligúrico (ou seja, débito urinário < 400 mL/dia), a infusão deve ser suspendida e o paciente deve receber tratamento para LRA. A experiência com os desastres recentes mostrou que o rápido fornecimento de uma hidratação agressiva aliada à alcalinização podem prevenir a LRA mioglobinúrica, porque protegem os rins contra a nefrotoxicidade da mioglobina e do urato.40 Esta terapia consiste no uso de uma solução isotônica de bicarbonato de sódio preparada com uma solução de dextrose a 5% em água (D5W) ou com água estéril, que é infundida no paciente a uma velocidade de 250 mL/h. A alcalinização urinária é controversa. Alguns pesquisadores defendem a alcalinização da urina com o uso de soluções de bicarbonato isotônicas, enquanto outros consideram este procedimento tão eficiente quanto a diurese com salina.

Uma manifestação clínica similar àquela associada à rabdomiólise é observada após a liberação de pigmentos heme subsequente à hemólise intravascular.

 

Nefropatia por ácido aristolóquico (antiga nefropatia da erva chinesa)

O ácido aristolóquico, que também foi implicado como agente etiológico na nefropatia balcânica, é citotóxico e promove morte celular no epitélio tubular proximal, com subsequente atrofia tubular e fibrose intersticial.42 Muitas plantas podem apresentar contaminação com ácido aristolóquico, tendo sido listadas na revisão de Debelle et al.22 Apesar dos alertas, as ervas que contêm este ácido podem ser obtidas inclusive pela internet.

 

Nefropatia aguda por urato

A LRA pode ocorrer em pacientes que apresentam malignidades associadas a uma alta taxa de renovação celular tumoral (síndrome da lise tumoral). Esta renovação pode ocorrer de forma espontânea ou após a quimioterapia. Uma renovação celular intensa está particularmente associada aos linfomas pouco diferenciados e à leucemia linfoblástica aguda. Pode haver aumento da produção de ácido úrico e da hiperuricosúria, resultando na cristalização do urato e no desenvolvimento da nefropatia aguda por urato. Além disso, durante a lise celular maciça, há liberação de grandes quantidades de fosfato e potássio, que pode resultar no desenvolvimento de hiperfosfatemia e hipercalemia. Em alguns pacientes, a precipitação de cálcio e fosfato junto aos túbulos renais pode induzir LRA, de modo independente e em adição à deposição de ácido úrico. Não é raro o pico dos níveis de ácido úrico exceder 20 mg/dL, e uma proporção das concentrações urinárias de ácido úrico:creatinina maior que 1:1 sugere o diagnóstico de nefropatia aguda por urato.

O tratamento convencional inclui hidratação endovenosa agressiva, terapia diurética, alcalinização urinária e inibição da produção de urato via administração de altas doses de alupurinol.43 A prevenção da LRA decorrente da síndrome de lise tumoral envolve o estabelecimento de um débito urinário superior a 3 a 5 L/24 horas e a instituição de um tratamento com alopurinol, antes de iniciar a terapia citotóxica. Estabelecer um alto débito urinário resulta na produção de uma pressão intratubular elevada e, deste modo, ajuda a prevenir a obstrução intratubular. O alopurinol, que bloqueia a síntese de ácido úrico por inibir a xantina oxidase, deve ser administrado em doses de 300 a 600 mg/dia. A terapia deve ser iniciada com antecedência de 3 dias em relação ao início da quimioterapia. Para os pacientes que apresentam comprometimento renal subjacente, a dose de alopurinol deve ser ajustada de acordo com a função renal. Para os pacientes com hiperuricemia inicial, a administração de alopurinol deve ser iniciada e a quimioterapia deve ser adiada até que a concentração sérica de ácido úrico seja normalizada. A alcalinização urinária aumenta a solubilidade da xantina e intensifica sua excreção. A alcalinização urinária pode ser realizada via infusão de bicarbonato de sódio em quantidade suficiente para manter o pH urinário acima de 7, ou por meio da administração de acetazolamida, que inibe a reabsorção de bicarbonato de sódio junto ao túbulo proximal e, assim, alcaliniza tanto o líquido tubular como a urina. O bicarbonato de sódio e a acetazolamida podem ser utilizados em combinação.

Uma forma recombinante de urato oxidase, a rasburicase, consiste em uma enzima proteolítica não humana que oxida o ácido úrico em alantoína. Foi demonstrado que a rasburicase diminui os níveis séricos de ácido úrico com a diurese associada, de modo mais efetivo e significativamente mais rápido do que o alopurinol. Por isso, o uso desta enzima deve ser considerado na prevenção da hiperuricemia e da LRA.44

O desenvolvimento de oligúria com hiperuricemia pode ser uma indicação para a diálise. O tratamento destes pacientes com diálise ainda no início da condição, antes da manifestação de um comprometimento severo ou de uremia, pode ajudar a minimizar lesões adicionais.

 

Nefropatia aguda por fosfato

A síndrome da nefropatia aguda por fosfato foi caracterizada com maior detalhamento.21 Nesta doença, a LRA, acompanhada de lesão celular tubular e deposição concomitante de fosfato de cálcio nos túbulos e interstício, aparece após a administração oral de um purgante intestinal à base de fosfato de sódio, por exemplo, na preparação do paciente para colonoscopia. Pacientes idosos hipertensos com DRC são particularmente propensos ao desenvolvimento desta forma de LRA após a exposição a altas doses de fosfato de sódio. O tratamento é mais eficiente quando voltado para a prevenção. Recomenda-se fornecer uma hidratação generosa, caso os pacientes tenham de ser expostos a altas doses de fosfato de sódio.

 

Lesão renal aguda (LRA) no mieloma múltiplo

A doença renal tubulointersticial é comum no mieloma múltiplo e, em geral, está relacionada à produção exagerada de cadeias leves livres (CLL) monoclonais com ação nefrotóxica, que são componentes usuais de imunoglobulinas.45-47 A LRA constitui um aspecto clínico da tubulopatia proximal e da nefropatia por cilindros (também conhecida como “rim de mieloma”) causada pela deposição das CLL monoclonais. Diferente da maioria das proteína endógenas, as CLL tendem a produzir danos tubulares. As CLL filtradas são reabsorvidas dentro do túbulo proximal, após a ultrafiltração glomerular. A produção excessiva de CLL monoclonais pode resultar em uma concentração significativa destas proteínas junto ao túbulo proximal e em seu aparecimento no néfron distal e na urina. Algumas CLL monoclonais são citotóxicas e podem promover uma lesão celular tubular proximal que pode se manifestar como LRA. Um mecanismo à parte da LRA mediada por CLL consiste na obstrução intratubular a partir da precipitação das CLL junto ao néfron distal.41 A formação de cilindros depende da coprecipitação intraluminal de CLL monoclonal com a proteína de Tamm-Horsfall (THP).48,49 Uma manifestação incomum da LRA CLL-associada é a NIA.45

Além da terapia antitumoral, as bases terapêuticas da prevenção e do tratamento da nefropatia do mieloma incluem a ressuscitação com líquidos, normalização dos eletrólitos e do cálcio séricos, bem como evitação de fatores agravantes (p. ex., furosemida, material de radiocontraste e AINH). As velocidades de fluxo do líquido tubular devem permanecer altas, para evitar obstrução pelas cadeias leves.48,49 Uma ingesta diária de líquidos de até 3 L, sob a forma de água livre, deve ser incentivada enquanto não houver manifestação de defeitos de osmorregulação. Embora a alcalinização da urina previna a insuficiência renal atribuível às cadeias leves em ratos,50 sua eficácia na nefropatia por cilindros do mieloma é duvidosa. Enquanto não forem disponibilizados estudos clínicos, como o aumento da concentração de sódio no ambiente também facilita a ligação entre CLL e THP in vitro,49 a administração de bicarbonato (ou citrato) de sódio deve provavelmente ser evitada.

A plasmaférese, no contexto da LRA relacionada à nefropatia por cilindros do mieloma, é um procedimento controverso. Um recente estudo randomizado sugeriu que a plasmaférese não proporciona nenhum benefício clínico aos pacientes com LRA,51 apesar das limitações a serem consideradas neste estudo. Nenhum exame de biópsia renal foi feito para confirmar se a etiologia da LRA era a nefropatia por cilindros. Em cerca de 1/3 dos pacientes com mieloma e LRA, a etiologia talvez não seja a nefropatia por cilindros e, todavia, esteja relacionada a uma obstrução extrarrenal (nefrolitíase, necrose papilar e deposição de amiloide nos ureteres), hipercalcemia, síndrome da hiperviscosidade ou outra etiologia, como NIA associada a fármacos ou nefropatia induzida por contraste (NIC). Além disso, as CLL séricas não foram determinadas antes nem depois da plasmaférese. Até que dados adicionais sejam fornecidos, contudo, é prudente não recomendar a plasmaférese para cada paciente com LRA, ainda que um subgrupo de pacientes possa responder a este procedimento.52 Caso a plasmaférese seja realizada, a eficácia do tratamento deve ser demonstrada por meio da quantificação das alterações dos níveis séricos de CLL. Por fim, a síndrome da hiperviscosidade continua sendo uma indicação para a plasmaférese.

A hemodiálise que emprega dialisadores com poros efetivos, de tamanho bastante amplo (cerca de 50 kDa), reduz significativamente as concentrações séricas de CLL e proporciona o potencial de acelerar a recuperação da LRA. Em 2 estudos pequenos, que envolveram pacientes com LRA decorrente de nefropatia por cilindros comprovada por biópsia, esta abordagem promoveu um resposta renal promissora.53,54

 

Envenenamento com etilenoglicol

O etilenoglicol é um líquido incolor, inodoro e de sabor adocicado, encontrado em solventes e substâncias anticongelamento. A ingesta do etilenoglicol, geralmente na forma de substâncias anticongelamento, produz uma síndrome de acidose metabólica severa caracterizada por um elevado anion-gap (hiato aniônico) e por um amplo gap osmolar (hiato osmolar). O anion-gap e o gap osmolar são definidos como se segue:

 

Anion-gap (Hiato aniônico) = [Na+] – ([Cl] + [HCO3])

Osmolalidade plasmática (calculada) = 2[Na+] + (uréia/6) + (glicose/18) + (etanol/4,7)

Gap osmolar (Hiato osmolar) = osmolalidade medida osmolalidade calculada

 

O valor normal do anion-gap é 12 ± 4 mEq/L. Entretanto, em uma análise retrospectiva de 222 pacientes com níveis séricos normais de creatinina e albumina, a faixa encontrada para o anion-gap mostrou-se significativamente mais estreita (6,6 ± 2 mEq/L), embora se costume padronizar o anion-gap normal em cada laboratório. Esta redução do anion-gap resultou da implementação de técnicas de análise laboratorial que empregam eletrodos íon-seletivos.55

O gap osmolar consiste na diferença entre a osmolidade medida e a calculada. O gap osmolar calculado é derivado com base nos níveis séricos de sódio, glicose e ureia. A adição de solutos ao plasma pode contribuir para o gap osmolar. Se estes solutos estiverem contribuindo para o gap osmolar, a osmolalidade medida será maior do que a osmolalidade calculada. A intoxicação alcoólica é provavelmente a causa mais comum de aumento no gap osmolar.

O etilenoglicol é metabolizado pela enzima álcool-desidrogenase em ácido glicólico que, por sua vez, é tido como o principal contribuidor para a acidose.56 Os achados clínicos essenciais encontrados em pacientes que ingeriram etilenoglicol são a desorientação e agitação iniciais, com progressão para depressão do sistema nervoso central, LRA, acidose metabólica, insuficiência respiratória e insuficiência circulatória. A hipocalcemia constitui um aspecto proeminente, que resulta da deposição de oxalato de cálcio em múltiplos tecidos e pode ser agravada por uma diminuição da resposta de paratormônio. Os cristais de oxalato de cálcio são tipicamente encontrados no sedimento urinário. O exame de biópsia renal revela a deposição de cristais de oxalato de cálcio nas células tubulares proximais, que constitui a provável patogênese da LRA neste contexto. A LRA geralmente se manifesta decorridas 48 a 72 horas.

Uma intervenção agressiva deve ser iniciada no momento do diagnóstico. Esta intervenção deve consistir em uma infusão de bicarbonato de sódio para intensificar a depuração renal do glicolato por captura iônica; infusões endovenosas de etanol ou fomepizol para bloquear o metabolismo do etilenoglicol; e hemodiálise para remoção do etilenoglicol e do glicolato.56 O monitoramento regular do gap osmolar (corrigido para o nível de etanol, caso tenha sido feita a administração endovenosa de etanol durante o tratamento) e do anion-gap pode ajudar a guiar a terapia durante a hemodiálise.

 

Nefropatia induzida por contraste (NIC)

A NIC é causa comum de LRA. Em pacientes com função renal normal e sem outros fatores de risco para LRA, a incidência de lesões renais induzidas por contraste é baixa (< 1%). A incidência aproximada de NIC é de 150.000 casos/ano, nos Estados Unidos.57,58 Esta nefropatia é definida como sendo uma LRA que ocorre logo após a exposição ao contraste endovenoso – geralmente, dentro de 48 horas – na ausência de outras causas de insuficiência renal. O fator de risco mais importante é a insuficiência renal preexistente. Outros fatores de risco são: diabetes melito, depleção de volume, idade avançada, insuficiência cardíaca, condições envolvendo a redução da perfusão renal, alta dose total de contraste, uso prévio de AINH e exposição concomitante a outras nefrotoxinas.57,59 Uma metanálise de 31 estudos controlados randomizados, que incluiu mais de 5.000 pacientes, comparou agentes de alta osmolaridade com agentes de baixa osmolaridade. Em 9 estudos, foi relatado um resultado favorável para os pacientes que receberam agentes de baixa osmolaridade.60 A razão de probabilidades para a ocorrência de um aumento dos níveis séricos de creatinina superior a 0,5 mg/dL (44 mcmol/L) com o uso de agentes de baixa osmolaridade foi 0,61 vez a razão de probabilidades associada ao uso dos agentes de alta osmolaridade. O meio de contraste de baixa osmolaridade constitui a 1ª opção de escolha para pacientes com risco de desenvolver LRA induzida por meio de contraste. Foi demonstrado que o iodixanol, um meio de contraste iso-osmolar não iônico, é benéfico para a prevenção da NIC em pacientes de alto risco.61 Aparentemente, os diuréticos e o manitol não têm papel na prevenção da NIC. Para os pacientes que apresentam alto risco de LRA induzida por contraste, é preciso considerar o volume de contraste utilizado, devido à existência de um risco maior de lesão renal associado a altas doses e à repetição das doses dentro de 48 horas. Em casos de pacientes de alto risco, é necessário considerar o uso de procedimentos diagnósticos que dispensam o contraste.

A hidratação com bicarbonato de sódio antes da administração de meio de contraste parece ser mais efetiva do que a hidratação com cloreto de sódio. Em um estudo controlado randomizado, envolvendo 199 pacientes com níveis séricos de creatinina de pelo menos 1,1 mg/dL (1,1 a 3,7 mg/dL), a NIC foi observada em 8 pacientes (13,6%) que haviam recebido cloreto de sódio por infusão. Entretanto, apenas 1 paciente (1,7%) tratado com bicarbonato de sódio apresentou a condição.62 Enquanto este estudo demonstrou um claro benefício proporcionado pela infusão de bicarbonato isotônico em termos de prevenção da NIC, estudos subsequentes forneceram achados conflitantes, sugerindo a necessidade da realização de um amplo estudo multicêntrico.63 Uma perspectiva interessante é a de que a dose de bicarbonato utilizada nestes estudos tendeu a variar. Os efeitos negativos foram tipicamente observados com a administração de uma dose total de bicarbonato da ordem de 0,75 a 1,4 mEq/kg. Contudo, os efeitos benéficos foram observados com doses superiores a 1,5 mEq/kg. No protocolo de hidratação típico, 150 mEq/L de bicarbonato de sódio em D5W foram infundidos a uma velocidade de 3 mL/kg/h, durante 1 hora, imediatamente antes da administração do contraste, seguidos de 1 mL/kg/h concomitantemente à administração do contraste e durante as 6 horas subsequentes à realização do procedimento. Se a dose de bicarbonato passar a ser importante, então os atrasos na iniciação da terapia podem produzir resultados negativos.

A N-acetilcisteína é comumente utilizada para minimizar a toxicidade do contraste em casos de pacientes de alto risco. Entretanto, os estudos clínicos sobre o uso da acetilcisteína para prevenção da LRA induzida por contraste forneceram resultados conflitantes, e está prevista a realização de estudos adicionais antes que esta medida possa ser recomendada na rotina.64,65 O uso de fenoldopam, um agonista seletivo do receptor de dopamina D1, que promove vasodilatação arteriolar sistêmica e renal, tem sido defendido para ajudar na prevenção à NIC. Todavia, em um estudo randomizado, controlado e multicêntrico, envolvendo pacientes com DRC, este agente foi inefetivo para prevenir a deterioração adicional da função renal após a administração do corante de contraste.66

 

Lesão renal aguda (LRA) na sepse

A sepse é uma das principais causas de morte nos Estados Unidos. A taxa de mortalidade associada à sepse severa é bastante alta (˜ 70%) e representa um ônus substancial aos recursos destinados à saúde, com despesas superiores a US$ 10 bilhões/ano nesse país.1,67 O aumento da incidência de sepse deve-se, em grande parte, ao fato de os médicos estarem tratando de uma população de idade mais avançada, às doenças crônicas subjacentes e às intervenções hospitalares complexas.67-69 Em um recente estudo prospectivo observacional, envolvendo 29.269 pacientes de UTI, a LRA estava presente em cerca de 6% dos pacientes, e sua causa mais comum foi o choque séptico (47,5%). Nestes pacientes, a LRA estava associada a uma taxa de mortalidade geral de 60%.70 O advento dos novos antibióticos melhorou significativamente a morbidade e mortalidade associadas à sepse. Entretanto, as respostas inflamatórias e hemodinâmicas do hospedeiro conduzem invariavelmente à falência múltipla de órgãos e a resultados adversos. A LRA é particularmente comum no contexto da sepse, sendo que a ocorrência de ambas as condições prenuncia uma taxa de mortalidade ainda maior.3

A patogênese da LRA associada à sepse é complexa e multifatorial, envolvendo alterações sistêmicas e intrarrenais hemodinâmicas; respostas imunes e inflamatórias mediadas por uma variedade de citocinas, quimiocinas, endotoxinas e espécies reativas de oxigênio; ativação das cascatas do complemento e da coagulação; e disfunção endotelial e tubular.71 O uso das alterações dos níveis séricos de creatinina para estabelecer o diagnóstico de LRA associada à sepse é problemático, uma vez que a sepse está associada à diminuição da produção de creatinina e, consequentemente, limita a detecção da LRA ainda na fase inicial.72 Além disso, a creatinina sérica não reflete com acurácia as alterações ocorridas na TFG, particularmente nos pacientes de UTI que apresentam sobrecarga de volume. A utilidade de novos biomarcadores para a detecção precoce da LRA sepse-induzida (p. ex., NGAL, KIM-1, L-FABP, IL-18) é uma possibilidade bastante animadora que, sem dúvida, evidenciaria este problema. Muitos destes biomarcadores encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento a caminho da utilização rotineira e aprovação no cenário clínico.73 Estes biomarcadores emergentes, a serem utilizados na identificação da LRA antes da manifestação dos danos estruturais e funcionais, permitirão o estabelecimento do diagnóstico e facilitarão a instituição de estratégias preventivas e terapêuticas.

Um dos principais impedimentos à nossa compreensão e à aplicação de potenciais terapias para casos de LRA associada à sepse tem sido a falta de modelos de experimentação animal que mimetizem fielmente as síndromes de sepse humana. Contudo, os avanços recentemente ocorridos nesta área têm sido animadores e estão conduzindo ao desenvolvimento de vários modelos experimentais de sepse de relevância clínica.71

As metas do tratamento da LRA associada à sepse são dirigidas em grande parte às intervenções de suporte, como a manutenção da condição hemodinâmica do paciente à base de líquidos e agentes vasopressores, o controle da causa subjacente da sepse, a administração de antibióticos (com a dose devidamente modificada de acordo com o grau de disfunção renal), um rígido controle metabólico e glicêmico e a proteção de órgãos distantes, em particular os pulmões, com ventilação de baixo volume corrente. O uso de agentes como a proteína C ativada (nota dos editores do MedicinaNET – retirada recentemente do mercado), inibidores de caspase e corticosteroides ainda é controverso. Entretanto, amplos estudos clínicos recentemente conduzidos relataram resultados negativos. As indicações para realização de diálise em pacientes com LRA associada à sepse incluem sobrecarga de volume, edema pulmonar, hipercalemia, acidose e encefalopatia. Estas indicações são similares àquelas consideradas para pacientes com LRA não associada à sepse [ver Tratamento da lesão renal aguda (LRA), adiante].

 

Síndrome hepatorrenal (SHR)

A SHR é definida pela insuficiência renal em pacientes com função hepática severamente comprometida, na ausência de evidências clínicas, laboratoriais ou anatômicas de outras causas conhecidas de insuficiência renal. A SHR é bastante semelhante à insuficiência pré-renal, exceto por ser irresponsiva à reposição de volume convencional. A etiologia da SHR parece envolver reduções significativas da perfusão renal associadas à vasodilatação esplâncnica.74 Nos Estados Unidos e na Europa, a grande maioria dos casos de SHR envolve pacientes que sofrem de cirrose alcoólica em estágio avançado. Indivíduos com cirrose acompanhada de ascite apresentam uma probabilidade de 18% de desenvolverem SHR dentro de 1 ano, sendo que em 5 anos este percentual sobe para 39%.75

A SHR pode aparecer de forma repentina e causar azotemia em alguns dias (conhecida como SHR de tipo 1) ou pode instalar-se de modo insidioso, ao longo de semanas a meses (SHR de tipo 2). As causas precipitadoras comuns são a deterioração da função hepática, sepse, peritonite bacteriana espontânea, uso de antibióticos nefrotóxicos ou AINH, uso de diuréticos, diarreia ou sangramento GI. A paracentese de grande volume tem o potencial de iniciar e exacerbar a disfunção hepatorrenal. O suporte com infusão endovenosa de albumina durante a paracentese de grande volume pode prevenir a disfunção circulatória e diminuir a perfusão renal.76 Entretanto, a SHR pode ocorrer sem nenhuma causa precipitadora evidente. O diagnóstico é estabelecido por exclusão e deve ser suspeitado diante de qualquer paciente que apresente doença hepática aguda ou crônica em estágio avançado, hipertensão portal e insuficiência renal progressiva associada ao aumento dos níveis séricos de uréia e creatinina.

A etapa inicial do tratamento consiste na busca diligente e no tratamento de correção das causas de azotemia. Todos os agentes nefrotóxicos devem ter o uso descontinuado. É importante excluir a possibilidade de azotemia pré-renal reversível. Como a SHR e a azotemia pré-renal produzem índices diagnósticos urinários similares, é comum a diferenciação destas 2 entidades requerer uma abordagem funcional, como a expansão de volume. Uma vez estabelecido o diagnóstico de SHR, não há nenhum tratamento específico. O tratamento é conservador. Se o paciente apresentar hipotensão, a normalização da pressão arterial pode levar à melhora da perfusão renal e, assim, à estabilização da função renal. Em pacientes com peritonite bacteriana espontânea, a infusão endovenosa de albumina (1,5 g/kg no momento do diagnóstico, seguida de 1 g/kg no 3º dia) aliada ao tratamento antibiótico é comprovadamente mais efetiva do que o tratamento antibiótico isolado em termos de promoção da diminuição da incidência de comprometimento renal e morte.77

Vários agentes foram investigados para uso no tratamento farmacológico da SHR, sendo que todos foram projetados para aumentar o fluxo sanguíneo renal. A octreotida, conhecida por causar vasoconstrição esplâncnica seletiva, pode ser benéfica para a terapia prolongada e para uso subcutâneo durante o período em que os pacientes aguardam o transplante hepático.78 A terapia com midodrina, octreotida e albumina, seguida de um shunt com stent portossistêmico intra-hepático transjugular, mostrou-se benéfica em alguns casos de SHR de tipo 1, que se caracteriza pelo comprometimento renal rápido e progressivo (duplicação dos níveis séricos de creatinina para mais de 2,5 mg/dL em menos de 2 semanas, comumente associada à oligúria ou anúria) e tipicamente é precipitada por uma peritonite bacteriana espontânea.79 A combinação da infusão de albumina ao uso de terlipressina, um análogo da vasopressina, mostrou-se efetiva para reversão da SHR em pacientes cirróticos.80

Os pacientes com SHR apresentam prognóstico ruim, a menos que possam ter a função hepática melhorada. Para tanto, é geralmente necessário realizar transplante.

 

Lesão renal aguda (LRA) na gestação

Nos países industrializados, a LRA raramente ocorre associada à gestação. A incidência da condição é de aproximadamente 1 em 20.000 partos. Esta baixa incidência está diretamente relacionada à legalização do aborto em muitos países.81

A infecção após um aborto pode precipitar a LRA por causar hipotensão, hemorragia, sepse e coagulopatia intravascular disseminada. A produção de toxina pode acarretar hemólise. Embora muitos organismos possam estar envolvidos, as espécies de Clostridium são os patógenos mais comuns e responsáveis pelas infecções mais graves. O tratamento agressivo com antibióticos de amplo espectro e diálise constitui a base da terapia para estes pacientes.

As infecções do trato urinário estão entre as complicações médicas mais comuns da gestação e podem evoluir para pielonefrite. Cerca de 25% das gestantes com pielonefrite desenvolvem um declínio transiente da TFG.82 Estas pacientes devem ser tratadas inicialmente com antibióticos endovenosos, seguidos de tratamento com antibióticos orais por até 2 semanas.

Durante o 3º trimestre ou no periparto da gestação, as complicações que podem levar ao desenvolvimento de LRA incluem a pré-eclâmpsia, hemorragia pós-parto, embolia com líquido amniótico, ruptura de placenta e retenção do feto ou de partes da placenta. Um padrão de insuficiência renal similar ao da NTA é observado em pacientes com pré-eclâmpsia e hemorragia periparto. A necrose cortical bilateral pode suceder qualquer tipo de lesão renal isquêmica. A incidência desta condição parece ser desproporcionalmente maior entre gestantes, em comparação com pacientes adultas não gestantes. Embora a placenta abrupta também possa causar NTA, a necrose cortical renal constitui a causa mais frequente desta condição. A síndrome HELLP (do inglês, hemolysis [hemólise], elevated liver enzymes [elevação de enzimas hepáticas], low platelets [diminuição de plaquetas]) foi associada à LRA em até 7,7% das pacientes gestantes.

A LRA pós-parto, também conhecida como síndrome hemolítica-urêmica (SHU) pós-parto, é caracterizada por hipertensão e anemia hemolítica microangiopática. Pode ocorrer já no 1º dia pós-parto ou decorridos vários meses do nascimento do bebê, mas o pico da manifestação é entre 2 e 5 semanas após o parto. As lesões glomerulares são semelhantes àquelas encontradas na SHU adulta e são caracterizadas pela deposição de fibrina, paredes capilares espessadas e inchaço subendotelial associado a amplos depósitos subendoteliais granulares. Pode haver envolvimento de fatores genéticos na etiologia da SHU pós-parto, uma vez que as mulheres que passaram por um episódio da síndrome apresentam risco aumentado de sofrerem recidivas em gestações subsequentes. Além disso, há relatos de ocorrência da doença em irmãs. A SHU pós-parto está associada a elevações dos níveis de lactato desidrogenase. A síndrome HELLP, em contraste, está associada a elevações dos níveis de transaminase. Esta diferença é útil para distinguir as 2 síndromes. A base do tratamento para a SHU pós-parto é a plasmaférese. Antes do advento da terapia de plasmaférese, havia uma mortalidade de 90%. Atualmente, as taxas de sobrevida materna são de 70 a 80%.83

Outros distúrbios renais podem causar LRA durante a gestação. Se uma gestante apresentar sedimento urinário ativo antes da 20ª semana de gestação, pode-se considerar a possibilidade de glomerulonefrite aguda. A nefrite lúpica pode se desenvolver durante a gestação em pacientes com história anterior de nefrite lúpica ou de lúpus extrarrenal. Como os níveis de complemento tipicamente estão elevados durante a gestação, o achado de baixos níveis de complemento em uma gestante (aliado a uma sorologia de suporte adicional) é especialmente sugestivo de nefrite lúpica. A obtenção de biópsia renal não é contraindicada durante a gestação. Havendo suspeita da existência de uma lesão proliferativa, deve ser obtida uma biópsia renal para facilitar a rápida iniciação de uma terapia agressiva. Quaisquer outras causas pré-renais e nefrotóxicas de LRA podem afetar as pacientes gestantes e devem ser consideradas. Após a 20ª semana de gestação, a presença de LRA em uma paciente hipertensa é mais provavelmente resultante de pré-eclâmpsia.

 

Tratamento da lesão renal aguda (LRA)

O tratamento da LRA requer o monitoramento atento do paciente, terapia de suporte e tratamento dirigido das complicações específicas que podem surgir. Os sinais e sintomas da LRA refletem a perda das funções regulatória, excretora e endócrina do rim. A perda da capacidade excretora do rim é refletida pela elevação da concentração plasmática de substâncias específicas, que normalmente são eliminadas pelos rins. Os índices mais amplamente monitorados são as concentrações de uréia e creatinina no soro. Em pacientes que não desenvolvem complicações, o uréia sofre um aumento de 20 a 40 mg/dL/dia, enquanto o bicarbonato diminui até atingir uma condição de equilíbrio aproximada de 16 a 18 mEq/L. A concentração sérica de potássio não precisa aumentar de modo considerável, a menos que o paciente apresente uma condição hipercatabólica, sangramento GI ou traumatismo tecidual extensivo.

 

Prevenção

A LRA representa um ônus importante ao sistema de assistência médica. O custo estimado da diálise e do tratamento agressivo de pacientes com LRA gravemente enfermos ultrapassa US$ 10 bilhões por ano, nos Estados Unidos.1,67 Por isso, a prevenção é a base do tratamento dos pacientes.

Cerca de 25% de todos os casos de LRA adquirida no hospital estão relacionados ao uso de um ou mais agentes nefrotóxicos. Em consequência, a melhor estratégia de prevenção da LRA consiste em evitar a nefrotoxicidade fármaco-associada, especialmente em situações de alto risco. Os pacientes de risco são os idosos, indivíduos com doença renal preexistente e aqueles com depleção de volume. Os níveis séricos de creatinina são fracos como marcadores da função renal real, sobretudo em pacientes idosos e naqueles com LRA associada à sepse. É necessário estimar a função renal, especialmente no caso dos pacientes idosos, para possibilitar o tratamento adequado dos níveis farmacológicos de todos os agentes com potencial nefrotóxico, como também para intensificar a consciência acerca da função renal diminuída quando os níveis séricos de creatinina atingem valores dentro da faixa normal. A fórmula MDRD (Modification of Diet in Renal Disease – modificação da dieta na doença renal) fornece uma estimativa aceitável da TFG. As calculadoras para MDRD para TFG são disponibilizadas na internet (www.kidney.org/professionals/KDOQI/gfr_calculator.cfm ou http://nkdep.nih.gov/professionals/gfr_calculators/index.htm).

A correção das deficiências de líquido e o fornecimento de adequada hidratação, em especial aos pacientes de risco, antes do uso de exames com radiocontraste, são medidas úteis. A hidratação com bicarbonato de sódio antes da administração do contraste e a N-acetilcisteína podem ser utilizadas para minimizar a nefrotoxicidade induzida pelo contraste [ver Nefropatia induzida por contraste (NIC), anteriormente]. Uma metanálise recente, ao avaliar a eficácia das intervenções preventivas na NIC, constatou que a administração de N-acetilcisteína foi renoprotetora particularmente em pacientes de alto risco e, devido ao baixo custo, à disponibilidade e aos poucos efeitos colaterais, deveria ser utilizada como agente profilático.84 Os fármacos nefrotóxicos devem ser utilizados apenas se necessário. Quando estes fármacos são usados, o paciente deve ser monitorado atentamente. O pré-tratamento com alopurinol ou rasburicase antes da quimioterapia de tumores maciços resulta na diminuição da excreção de ácido úrico e, em consequência, diminui o potencial de nefrotoxicidade.

 

Intervenção emergencial

A hipercalemia é uma complicação prejudicial à vida da LRA, que frequentemente requer intervenção urgente [ver Hipercalemia, em Tratamento de complicações, adiante]. Os efeitos eletromecânicos da hipercalemia sobre o coração são potencializados pela hipocalcemia, acidose e hiponatremia. Assim, o eletrocardiograma (ECG), que mede a soma destes efeitos, é melhor como guia terapêutico do que a determinação dos níveis séricos de potássio. É preciso enfatizar que a hipercalemia constitui a anormalidade bioquímica mais frequentemente responsável pela morte de pacientes com LRA. Em contraste, a acidose moderada costuma ser bem tolerada e geralmente dispensa o tratamento. Este pode ser necessário como terapia auxiliar no controle da hipercalemia ou se os níveis plasmáticos de bicarbonato caírem para menos de 15 mEq/L.

 

Terapia de suporte

Os pacientes com LRA internados na UTI geralmente perdem cerca de 227 g/dia. As perdas de peso adicionais podem ser minimizadas com o fornecimento adequado de calorias (1.800 a 2.500 kcal ou 35 kcal/kg/dia) e de aproximadamente 1 a 1,4 g/kg/dia de proteína. O uso de hiperalimentação com dextrose a 50% e aminoácidos essenciais produz pouco efeito em termos de redução da mortalidade e morbidade entre pacientes com LRA, exceto em casos de pacientes que também apresentam queimaduras significativas.

 

Diálise

As indicações para iniciação da diálise são: (1) hipercalemia severa, acidose que não é facilmente controlada com tratamento médico, ou ambas; (2) sobrecarga de líquidos irresponsiva à restrição de líquidos, diuréticos, ou ambos; e (3) sinais ou sintomas de uremia (p. ex., atrito por fricção pericárdica, asterixis, alterações da condição mental não atribuíveis a outros distúrbios, ou convulsões). Na ausência de qualquer uma destas indicações, a maioria dos nefrologistas defende o uso da diálise quando os níveis de uréia chegam a 170 a 210 mg/dL, porque a meta da terapia moderna é evitar a manifestação dos sintomas urêmicos. Sendo assim, o paciente é submetido à diálise com a frequência necessária para manter os níveis de uréia abaixo de 170 mg/dL. Quando esta abordagem é adotada, a maioria dos pacientes não desenvolve sintomas urêmicos, a dieta e a ingesta de líquidos podem ser liberadas e o tratamento geral do paciente é mais simples. É essencial revisar cuidadosamente as indicações de uso e as doses de todos os fármacos administrados aos pacientes com LRA. O monitoramento das concentrações sanguíneas dos fármacos é importante como medida auxiliar para um tratamento efetivo.

Tanto a terapia de reposição renal contínua (TRRC) como o tratamento intermitente podem ser utilizados, sendo que a escolha final depende da condição hemodinâmica, da experiência do centro e da presença/ausência de hipertensão intracraniana. Para pacientes com comprometimento hemodinâmico, a diálise intermitente é inviável, e a hemodiálise ou hemofiltração representa a modalidade preferida. A TRRC também é preferida para casos de pacientes com hipertensão intracraniana ou para aqueles que apresentam risco de edema cerebral. A TRRC proporciona diversas vantagens, incluindo maior estabilidade hemodinâmica, menor incidência de arritmias cardíacas, melhora da oxigenação, melhor suporte nutricional e controle de líquidos e do metabolismo. Atualmente, não há consenso quanto ao momento em que a intervenção com diálise deva ser iniciada, e as intervenções iniciais devem ser baseadas em critérios clínicos e na condição do volume, em vez de apenas em parâmetros bioquímicos. A diálise profilática não tem utilidade. Dois estudos recentes demonstraram que a intensidade ou a dose de diálise em si não afetam a sobrevida geral nem os resultados alcançados em casos de LRA.85,86 A maioria das modalidades contínuas usa protocolos de anticoagulação regional à base de citrato,87,88 sendo necessário monitorar a toxicidade do citrato nos pacientes com insuficiência hepática concomitante. As membranas de diálise de alto fluxo apresentam taxas de filtração maiores, são mais permissivas a “moléculas medianas” e removem melhor as citocinas, em comparação aos dialisadores de baixo fluxo.89 Entretanto, ainda é preciso determinar de modo conclusivo se a remoção de citocinas pela TRRC é benéfica para a melhora da sobrevida na LRA associada à sepse.

Em um paciente submetido a uma terapia apropriada com diálise precoce, muitas das manifestações urêmicas associadas à LRA não se desenvolvem ou são mínimas. A infecção continua sendo a principal causa de morte, mesmo com a realização de uma diálise vigorosa. Sendo assim, a manutenção asséptica meticulosa dos cateteres e feridas, bem como a evitação do uso de cateteres urinários internos são ações importantes no tratamento destes pacientes.

 

Dopamina

Tanto em estudos com animais como envolvendo seres humanos, o uso de baixas doses de dopamina está associado ao aumento do fluxo sanguíneo renal e à natriurese em um contexto de euvolemia e função renal normal. Contudo, não existem dados clínicos que sustentem o uso de dopamina em doses baixas para conferir proteção ou melhorar a função renal de pacientes com LRA. Em vários estudos amplos que compararam a dopamina a um placebo, constatou-se que ela não melhorou a sobrevida nem aboliu a necessidade de diálise. Uma metanálise recente concluiu que a dopamina em dose baixa promoveu aumentos transientes do débito urinário, mas não exerceu efeitos benéficos na prevenção da LRA nem sobre os resultados alcançados.84

 

Tratamento de complicações

Sobrecarga de volume

A sobrecarga de volume é uma das primeiras manifestações da LRA causada pela retenção de sal e água secundária à diminuição da TFG. Além disso, a sobrecarga de volume pode ser exacerbada pelo fornecimento de líquidos endovenosos durante tentativas agressivas de ressuscitação ou no tratamento da oligúria. A sobrecarga de volume pode atrasar o diagnóstico de LRA, caso as alterações ocorridas nos níveis séricos de creatinina sejam utilizadas como principal “biomarcador” da lesão. Quando não tratada, também exerce efeitos adversos sobre os resultados da LRA.90,91 Em consequência, a condição do volume precisa ser avaliada diariamente em pacientes com LRA. Esta avaliação inclui a avaliação do peso e a verificação das pressões centrais (quando possível), pressão arterial e frequência cardíaca. O exame físico também é importante e deve ser dirigido especificamente para a detecção de turgor da pele, edema periférico, edema pulmonar e 3º som cardíaco.

Os registros da ingesta diária de líquidos e do débito urinário do paciente devem ser revisados, porém devem ser consideradas as perdas de líquido insensíveis e também a perda de peso resultante da condição de catabolismo intenso. Um adulto normal perde cerca de 200 a 300 g/dia de peso corporal em decorrência da atividade catabólica. Em média, uma pessoa que pesa 70 kg sofre perdas insensíveis de cerca de 850 a 1.000 mL/dia. Havendo febre, a perda de água insensível aumenta em aproximadamente 13% para cada grau Celsius acima do normal. A avaliação diária e a modificação da terapia com líquidos são ações essenciais. A água é continuamente gerada a partir de fontes endógenas, pela oxidação de proteínas (41 mL/100 g), gorduras (107 mL/100 g) e carboidratos (55 mL/ 100 g). Os carboidratos adequados ajudam a diminuir o metabolismo proteico, com uma pequena diminuição da geração de água.

A terapia mais útil para os casos de sobrecarga de volume é o uso de um diurético de alça. A furosemida pode ser administrada por via endovenosa em forma de bolo ou por infusão contínua [Tabela 9]. Quando instituída durante os estágios iniciais da LRA, esta intervenção, aliada à restrição de líquidos, pode ser bastante benéfica em termos de prevenção ou minimização da sobrecarga de volume. Os diuréticos de alça podem ser combinados aos diuréticos tiazídicos (p. ex., metolazona, hidroclorotiazida, clortalidona) (que atuam nos segmentos distais do néfron) para promoção de um efeito aditivo. Nestes casos, o diurético tiazídico deve ser administrado com uma antecedência de 30 minutos em relação à administração do diurético de alça. O principal risco associado ao uso de doses altas de furosemida é o de desenvolvimento de surdez que pode ser permanente. Este risco aumenta quando os níveis séricos de albumina estão baixos e se outros medicamentos ototóxicos estiverem sendo utilizados de modo concomitante com a furosemida. Não há evidências satisfatórias de que o uso de diuréticos altere o curso da LRA. Entretanto, em pacientes com sobrecarga de líquido, os diuréticos podem ser úteis para aumentar o débito urinário e prevenir a necessidade de diálise. Se os pacientes forem irresponsivos ao tratamento com diurético e permanecerem oligúricos, a intervenção inicial com diálise deve ser considerada.

 

Tabela 9. Dosagem de furosemida

Situação

Abordagem sugerida

Dosagem de bolo

Inicialmente: 20 mg, IV. Na ausência de resposta dentro de 30 minutos a 1 hora, a dose deve ser duplicada para 40 mg.

Na ausência de resposta: a dose pode ser aumentada lentamente até que uma resposta seja obtida.

A dosagem deve ser repetida a cada 8 a 12 horas, para manter a diurese.

As doses de bolo único não devem ultrapassar 240 mg.

Infusão contínua

É mais segura e efetiva do que a dosagem de bolo para pacientes com doença refratária.

Inicialmente: bolo IV de 0,1 mg/kg (ou 1 dose de bolo previamente determinada para iniciar a diurese).

Infusão contínua de 0,1 mg/kg/h; duplicar a cada 2 horas, até um máximo de 0,4 mg/kg/h.

Ou

Após um bolo inicial de furosemida, instituir uma infusão contínua de 20 mg/h.

Se a diurese não for contínua, fornecer um 2º bolo maior e aumentar a velocidade de infusão para 40 mg/h.

O risco de toxicidade aumenta a velocidade de infusão contínua acima de 80 mg/h.

Casos refratários

Considerar a remoção de líquidos via hemofiltração (diálise).

Considerar a adição de um diurético tiazídico.

IV = via endovenosa.

 

Hiponatremia

A hiponatremia é um problema comum entre pacientes com LRA associada a uma diminuição da TFG e ao comprometimento da função tubular. Geralmente, este tipo de hiponatremia está associado à hipervolemia. As fontes de ingesta de água excessiva incluem a administração de soluções hipotônicas, como D5W, ou a ingesta de água livre por alimentação entérica ou parenteral.

As manifestações clínicas da hiponatremia são de natureza principalmente neurológica. Os sintomas estão relacionados ao inchaço celular e podem incluir cefaleia, perturbações do comportamento, letargia, ataxia e convulsões. Os sintomas podem evoluir para coma, depressão respiratória e morte.

A hiponatremia sintomática deve ser tratada de maneira agressiva, mas também com cautela, pois a correção exageradamente agressiva de baixos níveis séricos de sódio pode acarretar mielinólise pontina central se a duração do desequilíbrio eletrolítico ultrapassar 48 horas. A abordagem inicial de um paciente com sobrecarga de volume e hiponatremia consiste em restringir a água livre e administrar diuréticos de alça. Caso os sintomas de hiponatremia se manifestem em um paciente cuja LRA é irresponsiva a diuréticos ou à reposição com salina, a retirada da água livre pode ser justificada como etapa inicial da terapia de reposição renal. Os antagonistas do receptor de vasopressina constituem uma nova classe de agentes que têm se mostrado benéficos no tratamento da hiponatremia associada a condições euvolêmicas e hipervolêmicas.92,93 O tolvaptan é um antagonista seletivo do receptor de vasopressina V2, administrado por via oral, cujo uso foi aprovado para casos de hiponatremia euvolêmica e hipervolêmica. O conivaptan é um antagonista não peptídico duplo dos receptores de arginina vasopressina V1A e V2, administrado por via endovenosa no tratamento de casos de hiponatremia euvolêmica. A correção da hiponatremia deve ser feita de modo gradual, tendo como alvo promover a elevação dos níveis de sódio a uma velocidade de 1 a 2 mEq/L/h até a resolução dos sintomas ou até os níveis séricos de sódio se aproximarem de 120 mEq/L. Desta forma, o monitoramento contínuo da condição do paciente e a medida dos eletrólitos séricos a cada 1 a 2 horas são ações justificáveis.

 

Hipercalemia

A hipercalemia é comum em paciente com LRA. Entre os fatores causais estão a diminuição da TFG, a baixa velocidade de fluxo urinário para o ducto coletor, dano tubular distal e condições contaminantes que contribuam ou estejam associadas à LRA, tais como rabdomiólise, acidose e condição hipercatabólica. Os IECA, diuréticos poupadores de potássio (p. ex., espironolactona, triamtereno) e AINH também pode exercer algum papel.

Uma pequena parte do conteúdo corporal total de potássio – 1,5 a 2,5% ou cerca de 60 mEq – é encontrada junto ao compartimento extracelular. O compartimento intracelular possui uma concentração de potássio aproximada que é 38 vezes maior do que a concentração de potássio junto ao compartimento extracelular. Por este motivo, qualquer processo que leve à destruição celular pode contribuir para o desenvolvimento de hipercalemia, especialmente em pacientes com LRA.

Os efeitos cardíacos da hipercalemia estão principalmente associados ao enfraquecimento da magnitude do potencial de ação em resposta a um estímulo despolarizante. As alterações ECG sequenciais observadas na hipercalemia são ondas T apiculadas, prolongamento do intervalo PR, ampliação do complexo QRS e padrão de onda em sino [Figura 3; painel da esquerda]. Estes achados exigem tratamento de emergência. As alterações ECG iniciais com ondas T apiculadas geralmente são observadas primeiro nas derivações torácicas anteriores (V2-V5) [Figura 3; painel da direita]. Outros sintomas consistentes com a hipercalemia são as parestesias, o enfraquecimento muscular e os reflexos tendíneos profundos deprimidos, que podem progredir para paralisia flácida. A hipercalemia severa é prejudicial à vida e deve ser considerada uma emergência médica.

 

 

Figura 3. A progressão das alterações desde as ondas T apiculadas, intervalo PR prolongado até um padrão de onda em sino (painel da esquerda). As alterações iniciais de ondas T apiculadas geralmente são observadas nas derivações torácicas anteriores (painel da direita).

ECG = eletrocardiográficas.

 

O tratamento da hipercalemia associada a alterações ECG começa com a administração de cloreto de cálcio ou gluconato de cálcio, que antagoniza imediatamente o efeito do potássio sobre a condução cardíaca. O uso de insulina e glicose, beta-agonistas inalatórios ou bicarbonato de sódio administrado por via endovenosa em pacientes com acidose comprovada ajuda a redistribuir o potássio para o espaço intracelular [Tabela 10].94 Estas medidas demoram 30 a 60 minutos para produzir seu efeito e possuem ação de curta duração. Em pacientes com insuficiência renal significativa, o único meio correto de diminuir os níveis de potássio é sua remoção do corpo utilizando sulfonato de poliestireno de sódio (por via oral ou como enema), diálise ou ambos. É importante continuar o tratamento médico da hipercalemia severa com cálcio, glicose e insulina, bem como com sulfonato de poliestireno de sódio até que a diálise possa ser iniciada.

 

Tabela 10. Modalidades de tratamento para hipercalemia

Tratamento

Início

Duração

Solução de gliconato de cálcio a 10%, 10 mL, IV, durante 10 a 15 min

1 a 3 min

30 a 60 min

Insulina regular, 10 U, IV, com dextrose, 50% em 50 mL para uma concentração de glicose < 250 mg/dL

30 min

4 a 6 horas

Beta-2-agonista – albuterol nebulizado, 10 mg

30 min

2 a 4 horas

Sulfonato de poliestireno de sódio, 60 g, VO, em sorbitol a 20%, ou 60 g por enema de retenção

 

4 a 6 horas

Hemodiálise

Imediato

Até a conclusão da diálise

IV = via endovenosa; VO = via oral.

Modificado com permissão de Weiner ID e Wingo CS.94

 

A ingesta dietética de potássio deve ser restringida a menos de 50 mEq/dia. As fontes endovenosas ou orais de potássio devem ser descontinuadas, e o uso de medicamentos que inibem a excreção de potássio (p. ex., diuréticos poupadores de potássio, AINH, IECA e BRA) deve ser suspendido.

 

Acidose

O rim exerce papel importante no equilíbrio ácido-base, via excreção de ácidos não voláteis e pela reabsorção e regeneração de bicarbonato. Um indivíduo adulto produz 1 mEq/kg/dia de íons de hidrogênio. Esta produção é extensamente influenciada pela ingesta dietética. Em pacientes com LRA, os níveis séricos de bicarbonato diminuem em 1 a 2 mEq/dia e tipicamente se estabilizam em torno de 16 a 18 mEq/L. Uma queda mais severa pode ser precipitada por uma condição hipercatabólica, infecção, nutrição inadequada e outras causas de acidose metabólica. Os pacientes com uropatia obstrutiva (causas pós-renais) podem manifestar uma acidose tubular renal de tipo 4, com acidose marcante e hipercalemia.

As manifestações clínicas da acidose estão parcialmente relacionadas com a rapidez com que a acidose se desenvolve. Quando a acidose se desenvolve rapidamente, a tentativa do corpo de compensação por meio da ventilação de dióxido de carbono pode resultar na respiração de Kussmaul, que é caracterizada por uma inspiração profunda e frequência respiratória normal ou diminuída. Outras consequências clínicas incluem as arritmias cardíacas, contratilidade miocárdica deprimida, vasodilatação periférica, dor abdominal, náusea e vômitos, dor de cabeça e letargia, além de taxa catabólica aumentada.

A acidose metabólica é definida por um pH arterial baixo aliado a níveis séricos de bicarbonato também reduzidos. A acidose metabólica leve a moderada associada com pH acima de 7,2 pode ser tratada com administração oral de bicarbonato de sódio. A acidose metabólica severa com pH igual ou abaixo de 7,1 e associada à LRA deve ser tratada de forma mais agressiva, com administração de bicarbonato de sódio por via endovenosa, terapia de reposição renal ou ambos. A TRRC é a abordagem preferida para estes casos. Como a reposição de bicarbonato de sódio por via endovenosa impõe numerosos riscos, os pacientes gravemente enfermos submetidos a este tratamento precisam ser monitorados de perto. Caso seja necessário, o bicarbonato de sódio pode ser administrado como solução isotônica, por meio da adição de 3 ampolas contendo bicarbonato de sódio (50 mEq/mL) a 1 L de D5W. Esta solução é infundida a uma velocidade variável, porém lenta, dependendo da condição geral e da condição do volume do paciente. É preciso atentar particularmente às condições cardíaca, respiratória e hemodinâmica. Os níveis séricos de eletrólitos, incluindo os níveis séricos de cálcio, devem ser monitorados e corrigidos conforme a necessidade.

Logo no início da fase de recuperação da LRA, pode haver reduções modestas da TFG e da capacidade de concentrar e acidificar a urina. Assim, os pacientes podem continuar precisando de suporte com líquidos endovenosos e bicarbonato por via oral ou endovenosa.

 

Equilíbrio de cálcio e fosfato

É importante notar que ocorrem alterações no equilíbrio de cálcio e fosfato em pacientes com LRA, que não necessariamente indicam a existência de DRC. A hipocalcemia é um achado comum em pacientes com LRA, mas raramente exige intervenção. Em pacientes com LRA, a hipocalcemia por resultar de vários mecanismos, dentre os quais o mais comum é a hiperfosfatemia. A resistência ao paratormônio, metabolismo alterado da vitamina D e sequestro de cálcio nos tecidos são todos fatores que exercem algum papel. As transfusões de produtos do sangue que foram armazenados em citrato e as infusões de bicarbonato de sódio podem contribuir para uma diminuição dos níveis séricos de cálcio. A suplementação com cálcio deve ser realizada somente quando houver indicação clínica e sempre com cautela.

A hipercalcemia é rara em pacientes com LRA e pode ser indicativa da existência de outras condições médicas subjacentes. Os distúrbios subjacentes mais frequentes são as malignidades, em particular o mieloma múltiplo. A hipercalcemia ocorre em cerca de 30% dos pacientes durante a fase de recuperação da rabdomiólise associada à LRA.

A hiperfosfatemia é comum em pacientes com LRA. A elevação dos níveis de fosfato resulta principalmente de uma diminuição da excreção renal. A destruição tecidual e os deslocamentos do espaço intracelular para o espaço extracelular em decorrência da acidose e do catabolismo podem atuar como fatores contribuidores. Em pacientes que conseguem ingerir alimentos, a hiperfosfatemia deve ser tratada com ligadores de fosfato. Estes agentes previnem a absorção do fósforo da dieta na circulação sanguínea. Os ligadores de potássio incluem os sais de cálcio (carbonato de cálcio ou acetato de cálcio), hidróxido de alumínio (que deve ser evitado), sevelamer (um polímero catiônico que se liga ao fosfato por troca iônica) e carbonato de lantânio. Se o produto (cálcio) x (fósforo) resultar alto (isto é, > 70), um ligador que não seja à base de cálcio (p. ex., sevelamer) deve ser administrado para minimizar a calcificação metastática em partes moles.

 

Anemia

Uma anemia normocrômica-normocítica desenvolve-se em 65 a 95% dos pacientes com LRA. Estes pacientes apresentam níveis séricos normais de ferro e medula óssea normal ou hipercelular. O aumento da taxa de destruição das hemácias em consequência de uma maior fragilidade eritrocitária pode exercer algum papel na diminuição inicial dos níveis de hemoglobina dos pacientes com LRA. A causa mais importante da anemia associada à LRA é a produção inadequada de eritropoetina. Entretanto, em pacientes gravemente doentes, uma diminuição da responsividade da eritropoetina também exerce algum papel.

A perda de sangue pode contribuir para o desenvolvimento de anemia em pacientes com LRA. Estes são mais propensos ao sangramento em decorrência da disfunção plaquetária secundária à uremia. O estrogênio conjugado e a 1-desamino-8-D-arginina-vasopressina (DDAVP ou desmopressina) podem ajudar a corrigir esta tendência ao sangramento. A DDAVP é administrada a uma dose de 0,3 mg/kg infundida por via endovenosa, durante 20 a 30 minutos.

Como a anemia pode produzir complicações significativas em pacientes gravemente doentes, os níveis de hemoglobina podem ser mantidos acima de 10 g/L. A eritropoetina tem sido cada vez mais utilizada por estes pacientes na reversão da anemia e para minimizar a necessidade de transfusões de sangue.

 

Prognóstico dos pacientes com lesão renal aguda (LRA)

A mortalidade pode chegar a 50 a 80% entre os pacientes com LRA associada à sepse, hipotensão e insuficiência respiratória. O prognóstico dos pacientes com LRA internados depende amplamente do contexto (isto é, enfermaria hospitalar ou UTI), da existência de comorbidades, da causa subjacente de insuficiência renal, da severidade da insuficiência renal e de a condição ter sido diagnosticada e tratada ainda em fase inicial. Em uma revisão de 22.589 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, observou-se mortalidade de 61,2% entre os pacientes com LRA necessitando de diálise; 14,1% entre aqueles com LRA sem necessidade de diálise; e apenas 0,68% entre os pacientes que não desenvolveram LRA.5 Em um estudo sobre pacientes de UTI com LRA, a diálise foi necessária em 64% dos casos; a mortalidade intra-hospitalar foi de 37%; e 50% dos pacientes morreram ou falharam em recuperar a função renal.12

Dentre os pacientes com LRA causada por NTA, cerca de 1/4 a 1/3 dos casos de morte ocorreram durante a fase diurética. Este fato não causa espanto, uma vez que com a disponibilização da diálise o determinante mais importante do resultado não é a uremia em si, mas a doença subjacente causadora da LRA. A infecção é uma causa comum de morte de pacientes com LRA. Na maioria dos sobreviventes a um episódio agudo, a função renal volta essencialmente ao normal. Entretanto, dados recentes indicaram que uma proporção crescente de sobreviventes de LRA evolui para DRC e, por fim, para DRET, particularmente na população de idosos.95,96 Também foi sugerido que episódios repetidos de LRA podem acelerar a progressão da doença renal.

 

Os autores não possuem relações comerciais com os fabricantes de produtos nem prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

 

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