FECHAR
Feed

Já é assinante?

Entrar
Índice

Testosterona em mulheres na pós-menopausa

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 10/11/2008

Comentários de assinantes: 0

Testosterona em mulheres na pós-menopausa

 

Testosterona para baixa libido em mulheres pós-menopausa que não estão usando estrógeno1.

Testosterone for low libido in postmenopausal women not taking estrogen. N Engl J Med 2008;359:2005-2017 [Link para o Abstract]

 

Fator de impacto da revista (NEJM): 52,589

 

Contexto Clínico

            Alguns estudos sugerem que a prevalência de problemas sexuais entre as mulheres varia de 9 a 43%. Dentre os problemas relatados, o transtorno de desejo sexual hipoativo é muito comum, caracterizando-se por uma diminuição ou ausência de desejo sexual, levando a angustia. Muitos estudos mostraram a eficácia e a segurança de curto prazo do uso de adesivos de 300 mg/dia de Testosterona em mulheres pós-menopausadas com esta condição usando estrógeno concomitantemente. Entretanto o uso de estrógenos ou combinação de estrógenos e progesterona em longo prazo está associado a alguns riscos, não sendo rotineiramente recomendado. A eficácia e a segurança da Testosterona para o tratamento do transtorno de desejo sexual hipoativo em mulheres na pós-menopausa não recebendo estrógeno são desconhecidas.

 

O Estudo

            Foi um ensaio clínico duplo-cego, placebo controlado de 52 semanas, em que 814 mulheres com transtorno de desejo sexual hipoativo foram randomizadas para receber um adesivo de Testosterona com 150 ou 300 mg por dia ou placebo. A eficácia foi medida na 24ª semana de seguimento. A segurança foi avaliada num período de 52 semanas, com um subgrupo de participantes seguidas por um ano adicional. O desfecho primário foi mudança na freqüência mensal de episódios sexuais satisfatórios do início do tratamento para a 24ª semana. É interessante notar que o adesivo de Testosterona utilizado era da Procter & Gamble Pharmaceuticals e que o estudo foi financiado pela Procter & Gamble Pharmaceuticals. Também é interessante notar que todos os autores estão ligados a inúmeras indústrias farmacêuticas (consultores, palestrantes, etc), alguns deles sendo empregados diretos da Procter & Gamble Pharmaceuticals, e o Dr. Moufarege sendo, inclusive, acionista da companhia (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências).

 

Resultados

            Na 24ª semana, o aumento na freqüência mensal de episódios sexuais satisfatórios foi significativamente maior no grupo recebendo 300 mg/dia de Testosterona do que no grupo placebo (2,1 episódios vs 0,7; p<0,001), mas não no grupo recebendo 150 mg/dia de Testosterona (1,2 episódios vs 0,7; p=0,11). Comparado ao placebo, as duas doses de Testosterona estiveram associadas a um maior desejo (300 mg/dia, p<0,001; 150 mg/dia, p=0,04) e a menor angústia (300 mg/dia, p<0,001; 150 mg/dia, p=0,04). A taxa de eventos adversos androgênicos, particularmente crescimento indesejável de pêlos, foi maior no grupo recebendo 300 mg/dia de Testosterona do que no grupo placebo (30,0% vs 23,1%). Câncer de mama foi diagnosticado em 4 mulheres que receberam Testosterona e em nenhuma que recebeu placebo. Uma das quatro recebeu o diagnóstico nos primeiros 4 meses do estudo e outra, em retrospecto, já apresentava sintomas antes da randomização. Os autores concluem que em mulheres na pós-menopausa que não estão recebendo estrógeno, tratamento com um adesivo de Testosterona de 300 mg/dia resultou numa melhora modesta, mas significativa da função sexual. Entretanto os efeitos de longo prazo da Testosterona, incluindo os efeitos sobre as mamas, permanecem desconhecidos.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            Este estudo, juntamente com estudos prévios2,3,4, confirma que a Testosterona apresenta efeitos positivos sobre o desejo sexual. Entretanto algumas questões ainda não estão definitivamente esclarecidas, principalmente no que se refere ao risco de efeitos adversos, particularmente o câncer de mama. Este estudo foi o mais longo dos que avaliaram o uso da Testosterona para esta indicação, mas mesmo assim pode não ter sido suficiente para se estabelecer uma relação causal com o aumento na incidência de câncer de mama. Neste estudo houve 3 casos de câncer de mama no grupo da Testosterona (2 no grupo de 300mg/dia e 1 no grupo de 150mg/dia) e nenhum no grupo placebo. Os casos de câncer de mama foram diagnosticados aos 4, 7 e 12 meses de tratamento. Embora este achado possa ter ocorrido por acaso, não podemos indicar o uso da Testosterona rotineiramente para esta indicação sem antes avaliarmos o risco de câncer de mama de maneira mais adequada. Outra questão a ser observada é que esta intervenção farmacológica não tenha sido comparada a intervenções não farmacológicas multidisciplinares, uma vez que a causa da redução do desejo sexual parece não estar isoladamente associada a uma redução hormonal. Questões psicossociais, problemas no relacionamento, crises familiares, perda de emprego, depressão, dentre outros problemas podem afetar sobremaneira o desejo sexual. Por último vale ressaltar as íntimas ligações dos autores com a indústria farmacêutica, o que por si só não é uma evidência definitiva de viés, mas deve nos alertar sobre possíveis influências nos resultados.

 

Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências

Conflito de Interesse

            Conflito de interesse, de acordo com Thompson5, é um conjunto de condições nas quais o julgamento profissional a respeito de um interesse primário (como o bem estar de um paciente ou a validade de uma pesquisa) tende a ser indevidamente influenciado por um interesse secundário (como um ganho financeiro). Os conflitos de interesse são problemáticos não apenas por estarem amplamente disseminados, mas porque muitas pessoas incorretamente acreditam que sucumbir a eles se deve a um tipo de corrupção ou má fé intencional e que, portanto, seria um problema apenas para poucos indivíduos de caráter duvidoso6. Entretanto há evidências de que sucumbir a um conflito de interesse é uma situação que mais provavelmente resulta de uma tendenciosidade não intencional, inconsciente. Existem inúmeros tipos de conflito de interesse, os mais comumente lembrados sendo os de ordem econômica, mas há conflitos de interesse não econômicos7 como, por exemplo, os religiosos. Uma revisão sistemática avaliando a relação de pesquisas financiadas pela indústria farmacêutica e seus resultados mostrou que a associação financeira entre instituições acadêmicas, pesquisadores e indústria farmacêutica estava ligada a resultados de pesquisa favoráveis à indústria8. 

 

Bibliografia

1. Davis SR, Moreau M, Kroll R, et al. Testosterone for low libido in postmenopausal women not taking estrogen. N Engl J Med 2008; 359:2005-2017 [Link para o Abstract]

2. North American Menopause Society. The role of testosterone therapy in postmenopausal women: position statement of the North American Menopause Society. Menopause 2005; 12:497-511. [Link Livre para o Artigo Original]

3. Shifren JL, Braunstein GD, Simon JA, et al. Transdermal testosterone treatment in women with impaired sexual function after oophorectomy. N Engl J Med 2000; 343:682-8. [Link Livre para o Artigo Original]

4. Shifren JL, Davis SR, Moreau M, et al. Testosterone patch for the treatment of hypoactive sexual desire disorder in naturally menopausal women: results from the INTIMATE NM1 Study. Menopause 2006; 13:770-9. [Link para o Abstract]

5. Thompson DF. Understanding financial conflicts of interest. N Engl J Med 1993; 329:573-6. [Link para o Abstract]

6. Cain DM, Detsky AS. Everyone’s a Little Bit Biased (Even Physicians). JAMA 2008;  299(24):2893-95. [Link para o Abstract]

7. The PLoS Medicine Editors. Making Sense of Non-Financial Competing Interests. PLoS Med

2008; 5(9): e199(1299-1301). [Link Livre para o Artigo Original]

8. Bekelman JE, Li Y, Gross CP. Scope and impact of financial conflicts of interest in biomedical research: a systematic review. JAMA. 2003; 289:454-465. [Link Livre para o Artigo Original]

 

Conecte-se

Feed

Sobre o MedicinaNET

O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.

Medicinanet Informações de Medicina S/A

Cnpj: 11.012.848/0001-57

info@medicinanet.com.br


MedicinaNET - Todos os direitos reservados.

Termos de Uso do Portal

×
×

Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.