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Bacteriúria assintomática associada à sonda vesical de demora

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 01/06/2009

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Bacteriúria assintomática associada à sonda vesical de demora

 

Tratamento inapropriado de bacteriúria assintomática associada a sonda vesical de demora em um hospital terciário.

Inappropriate Treatment of Catheter-Associated Asymptomatic Bacteriuria in a Tertiary Care Hospital. CID 2009; 48:1182-8 [Link para Abstract].

 

Fator de impacto da revista (clinical infectious disease): 6,500

 

Contexto Clínico

            A questão das infecções urinárias relacionadas a cateter vesical de demora (CAUTI) é uma questão de extrema importância nos hospitais secundários e terciários. Nos EUA aproximadamente 560.000 infecções relacionadas ao uso de sonda vesical de demora (SVD) são reportadas ao CDC a cada ano. No Brasil a situação não é diferente. As CAUTI ocorrem em virtude da entrada de bactérias no trato urinário através do cateter urinário. Há formação de um biofilme ao redor do cateter que perpetua a presença de bactérias no trato urinário. Indivíduos com cateter urinário de demora adquirem bacteriúria a uma taxa de 3 a 10% por dia, entretanto, na grande maioria das vezes a presença de bactérias no trato urinário é assintomática e as complicações secundárias como a bacteremia são raras. Há uma confusão na literatura gerada pela forma como as CAUTI são definidas em estudos de prevenção de CAUTI. Nestes estudos utiliza-se a bacteriúria (tanto sintomática como assintomática) como um desfecho substituto para infecção do trato urinário. Há muitas evidências, inclusive diretrizes de tratamento com base nestas evidências, que afirmam que a bacteriúria assintomática (não necessariamente relacionada à SVD) não é uma condição clinicamente significativa em homens e mulheres não grávidas e que o tratamento provavelmente não produzirá nenhum benefício. Assim, os autores hipotetizaram que em pacientes com SVD, muitos dos quais recebem um diagnóstico de CAUTI e são tratados para tal, na verdade apresentam bacteriúria assintomática e, desta forma, terapia com antibiótico é inapropriada.

 

O Estudo

            Foi um estudo observacional retrospectivo em que foram revisados todos os resultados de cultura de urina em um centro médico de veteranos nos EUA, durante um período de 3 meses. Culturas com um resultado = 104 unidades formadoras de colônias/ml foram incluídos se a urina tivesse sido coletada de um paciente hospitalizado usando uma SVD ou um coletor de urina tipo “uripen”. Foram aplicadas definições padronizadas para determinar se o episódio representou de fato um CAUTI ou apenas uma bacteriúria assintomática. O tratamento com antibiótico foi considerado apropriado para os pacientes que preenchessem os critérios para CAUTI.

 

Resultados

            No geral, 280 episódios preencheram os critérios de inclusão e foram analisados: 164 foram considerados episódios de bacteriúria assintomática relacionada à SVD e 116 foram classificados como episódios de CAUTI. Dos 164 episódios de bacteriúria assintomática, 111 (68%) foram abordados de maneira apropriada (sem tratamento), enquanto que 53 destes episódios (32%) foram tratados com antibiótico (tratamento inapropriado). Na análise multivariada, algumas variáveis estiveram associadas de forma significativa com o tratamento inapropriado de bacteriúria assintomática, a saber, idade (pacientes mais velhos), predomínio de bactérias gram-negativas e contagem mais elevada de leucócitos na urina (leucocitúria). Os autores concluem que o melhor reconhecimento da bacteriúria assintomática associada ao uso de cateteres urinários de demora e a distinção entre esta condição e as CAUTI (infecções urinárias associadas ao uso de cateteres urinários de demora), consistentes com as diretrizes baseadas em evidências, podem ter um papel importante na redução do uso inadequado de antibióticos, com todas as suas conhecidas consequências, em pacientes hospitalizados.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            Embora a questão das infecções urinárias e bacteriúrias assintomáticas relacionadas a SVD seja de extrema importância e a conclusão do estudo tenha seu mérito em reduzir a prescrição de antibiótico de forma inapropriada, o estudo apresenta uma série de inconsistências, como ressalta Kunin no editorial que acompanha o artigo2. O primeiro problema é que os autores partem de uma conclusão falsa baseada em premissas verdadeiras. Os autores relatam que como bacteriúria assintomática em adultos não deve ser tratada e infecções de urina sintomáticas respondem bem a antibioticoterapia, e pacientes com SVD podem ter bacteriúria assintomática ou CAUTI, portanto seria apropriado tratar as CAUTIs e inapropriado tratar as bacteriúrias assintomáticas relacionadas à SVD. Entretanto não se pode concluir sobre infecções ou bacteriúrias complicadas (associadas à SVD) com base em evidências provenientes de pacientes da comunidade sem cateter urinário. Segundo, pacientes sintomáticos foram sobre-representados uma vez que têm uma probabilidade maior de apresentar uma cultura positiva. Terceiro, pacientes sem SVD, mas com sistema coletor tipo condom (“Uripen”) não deveriam ter sido incluídos no estudo, uma vez que a fisiopatologia das infecções nestes casos é diferente daquelas associadas a cateteres urinários. Quarto, informações sobre outras possíveis causas de leucocitose, febre e sintomas sistêmicos não foram fornecidas, como também não se relatou se o cateter foi removido, embora os próprios autores mencionem casos com febre e leucocitose que mais tarde foram classificados como tendo outra infecção (p ex pneumonia). Assim, como sugere o referido editorial, não é possível saber se o tratamento com antibiótico foi apropriado nos pacientes bacteriúricos sintomáticos. Entretanto como já mencionado, a despeito de uma série de problemas metodológicos com este estudo, ele é importante por ressaltar o fato de que antibióticos continuam sendo utilizados de forma inapropriada em pacientes com cateter urinário. De uma forma geral, em pacientes assintomáticos com SVD não se deve, na opinião deste editor, sequer coletar urina para exame de urina tipo 1 e urocultura. Nos casos sintomáticos, tentar determinar se existem outras causas para os sintomas, remover a SVD, e tratar com antibióticos de forma apropriada.

 

Bibliografia

1. Cope M, Cevallos ME, Cadle RM, Darouiche RO, Musher DM, Trautner BW. Inappropriate Treatment of Catheter-Associated Asymptomatic Bacteriuria in a Tertiary Care Hospital. Clin Infec Dis 2009; 48(9):1182-8.

2. Kunin CM. Catheter-Associated Urinary Tract Infections: A Syllogism Compounded by a Questionable Dichotomy. Clin Infect Dis 2009; 48:1189–90

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