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Depuração de lactato ou saturação venosa central na sepse?

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 21/03/2010

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Depuração de lactato ou saturação venosa central como alvos terapêuticos na sepse?

 

Depuração de lactato vs. saturação venosa central como alvos na terapêutica precoce da sepse: um ensaio clínico randomizado1 [Link para abstract].

 

Fator de impacto da revista (JAMA): 31,718

 

Contexto Clínico

A otimização hemodinâmica é um dos pilares do pacote de intervenções para o tratamento da sepse grave e do choque séptico. Baseadas em um único estudo2, as diretrizes de sepse recomendam a expansão volêmica, o uso de inotrópicos e vasopressores com o objetivo de atingir-se uma saturação venosa central (ScvO2) maior ou igual a 70%3. No entanto, esta abordagem tem sido questionada mais recentemente4.

O lactato é um marcador prognóstico na sepse5 e sua queda em mais de 10% do nível inicial associou-se a um melhor prognóstico em dois estudos6,7. Entretanto, até o momento nenhum estudo clínico havia utilizado o lactato como alvo na otimização hemodinâmica na sepse.

Este estudo teve por objetivo avaliar se o lactato pode ser usado ao invés da ScvO2 como alvo hemodinâmico na sepse.

 

O Estudo

Foram incluídos pacientes com mais de 17 anos, admitidos no PS com infecção confirmada ou presumida, que tivessem dois ou mais critérios de SIRS e sinais de hipoperfusão (PA sistólica < 90mmHg após expansão com 20ml/kg de cristalóides ou lactato > 36mg/dl). Foram excluídos pacientes que seriam operados em até 6h, gestantes, pós-PCR, transferidos de outros serviços e em cuidados paliativos.

Os pacientes foram randomizados para um protocolo de otimização hemodinâmica baseado na ScvO2, com objetivo de mantê-la igual ou acima de 70% ou baseado na depuração do lactato, que era coletado de sangue venoso periférico repetido a cada 2h, com objetivo de haver uma depuração maior ou igual a 10%. Os passos dos protocolos eram os seguintes:

 

Grupo ScvO2:

1.     Volume até PVC = 8mmHg;

2.     Noradrenalina ou dopamina até pressão arterial média (PAM) = 65mmHg;

3.     Avaliação da ScvO2:

3.1  Se < 70% e Ht < 30%: Transfusão

3.2  Se < 70% e Ht > 30%: Dobutamina

3.3  Se > 70%: Monitorizar

 

Grupo Lactato:

1.     Volume até PVC = 8mmHg;

2.     Noradrenalina ou dopamina até PAM = 65mmHg;

3.     Coleta do lactato:

3.1  Depuração < 10% e Ht < 30%: Transfusão

3.2  Depuração < 10% e Ht > 30%: Dobutamina

3.3  Depuração > 10%: Monitorizar

 

Obs: Se o lactato inicial e final fossem = 18mg/dl, considerava-se que a depuração tinha ocorrido.

 

Os pacientes eram transferidos à UTI quando os alvos eram atingidos ou após 6h, o que ocorresse primeiro. Os médicos que cuidavam dos pacientes podiam solicitar o lactato ou a ScvO2 do paciente, caso este estivesse no outro grupo, se houvesse algum sinal de deterioração clínica (hipotensão, oligúria, piora respiratória, alteração do estado mental).

O desfecho primário analisado foi a mortalidade hospitalar. Outros desfechos analisados foram o tempo de internação na UTI, no hospital, dias livres de ventilação mecânica e número de alvos hemodinâmicos atingidos. Como se tratava de um estudo de não-inferioridade foi definido que a diferença de mortalidade entre os dois grupos deveria ser menor que 10%.

 

Resultados

Foram incluídos 300 pacientes, sendo que os dois grupos eram bastante semelhantes. Os sítios mais comuns de infecção foram pulmonar, urinário e intra-abdominal. O tempo de decorrido entre a triagem e a elegibilidade ao estudo foi de 111 minutos no grupo lactato e 105 minutos no grupo saturação venosa (p=0,67). A entrada no estudo ocorreu após 14 e 13 minutos, respectivamente (p=0,37). Choque séptico estava presente em 81 e 82% e lactato = 36mg/dl em 41 e 37% dos pacientes, respectivamente. A idade média foi de 59,6 vs. 61,6 anos e as disfunções mais comuns foram cardiovascular (88 vs. 85%), renal (73 vs. 73%) e respiratória (57 vs. 57%).

O tratamento dos dois grupos envolveu cristalóides (média de 4500ml), vasopressores (74%), ventilação mecânica (26%) e dobutamina/transfusão (10%).

A diferença observada nas taxas do desfecho primário (mortalidade hospitalar) não atingiu a diferença pré-especificada (-10%).

 

A proporção de alvos atingidos foi a seguinte:

Alvo

Lactato

ScvO2

PVC

91%

91%

PAM

97%

97%

Perfusão (lactato/ScvO2)

95%

93%

Antibioticoterapia (tempo médio)

115min

115min

Proteína C ativada

2%

2%

Corticoide

12%

17%

 

Os desfechos foram os seguintes:

Desfecho

Lactato

ScvO2

Mortalidade, %(IC95%)*

17 (11-24)

23 (17-30)

Dias de UTI

5,9

5,6

Dias de hospital

11,4

12,1

Disfunção de múltiplos órgãos

25%

22%

*A diferença entre os dois grupos foi de 6%, com IC de 95%, de -3 a 15%, ou seja, menor que os 10% pré-especificados.

 

Aplicações para a Prática Clínica

Este estudo foi o primeiro a usar o lactato como alvo de intervenção hemodinâmica na sepse e seus resultados levam-nos à conclusão que é uma ferramenta que pode ser usada, bem como a ScvO2.

No entanto, alguns pontos devem ser considerados. Assim como a ScvO2, o lactato parece refletir algum grau de má-perfusão nas primeiras horas de sepse grave e choque séptico. Assim como otimizações de saturação venosa tardias não parecem benéficas8, a hiperlactatemia tardia também parece não ser, uma vez que pode estar relacionada a outros fatores que não o déficit de perfusão, como menor depuração9, produção muscular10, disfunção mitocondrial11 e produção pulmonar12.

Um dado interessante é o uso do lactato venoso periférico ao invés do arterial, que se correlacionam bem, porém têm baixa concordância13. Os autores já haviam mostrado a sua utilidade em outro estudo5.

Um dado que ficou faltando na apresentação do estudo foi a evolução da ScvO2 e do lactato nos dois grupos ao longo das primeiras 6 horas e depois para que pudéssemos ter uma visão melhor da cinética das duas variáveis. O modo como os dados são apresentados na tabela, mostrando queda da ScvO2 em 24 e 48h e apenas o pior lactato nas primeiras 72h, pode gerar dúvidas quanto à eficácia da reanimação.

O principal argumento dos autores para se usar o lactato ao invés da ScvO2 é que a medida desta necessita de um cateter especial (Presep®). No entanto, sabemos que se pode perfeitamente fazer medidas intermitentes a partir de um gasímetro. Provavelmente, a principal contribuição do estudo é mostrar que se pode usar o lactato venoso periférico como alvo hemodinâmico em situações em que não se pode ou não se consegue inserir um cateter venoso central precocemente.

 

Bibliografia

1.       Jones AE, Shapiro NI, Trzeciak S, Arnold RC, Claremont HA, Kline JA. Lactate clearance vs central venous oxygen saturation as goals of early sepsis therapy: a randomized clinical trial. JAMA 2010; 303(8):739-746.

2.       Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B et al. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 2001; 345(19):1368-1377.

3.       Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, Bion J, Parker MM, Jaeschke R et al. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Crit Care Med 2008; 36(1):296-327.

4.       de Pont AC, Hofstra JJ, Pik DR, Meijers JC, Schultz MJ. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of danaparoid during continuous venovenous hemofiltration: a pilot study. Crit Care 2007; 11(5):R102.

5.       Howell MD, Donnino M, Clardy P, Talmor D, Shapiro NI. Occult hypoperfusion and mortality in patients with suspected infection. Intensive Care Med 2007; 33(11):1892-1899.

6.       Nguyen HB, Rivers EP, Knoblich BP, Jacobsen G, Muzzin A, Ressler JA et al. Early lactate clearance is associated with improved outcome in severe sepsis and septic shock. Crit Care Med 2004; 32(8):1637-1642.

7.       Arnold RC, Shapiro NI, Jones AE, Schorr C, Pope J, Casner E et al. Multicenter study of early lactate clearance as a determinant of survival in patients with presumed sepsis. Shock 2009; 32(1):35-39.

8.       Gattinoni L, Brazzi L, Pelosi P, Latini R, Tognoni G, Pesenti A et al. A trial of goal-oriented hemodynamic therapy in critically ill patients. SvO2 Collaborative Group. N Engl J Med 1995; 333(16):1025-1032.

9.       Levraut J, Ciebiera JP, Chave S, Rabary O, Jambou P, Carles M et al. Mild hyperlactatemia in stable septic patients is due to impaired lactate clearance rather than overproduction. Am J Respir Crit Care Med 1998; 157(4 Pt 1):1021-1026.

10.   Levy B, Gibot S, Franck P, Cravoisy A, Bollaert PE. Relation between muscle Na+K+ ATPase activity and raised lactate concentrations in septic shock: a prospective study. Lancet 2005; 365(9462):871-875.

11.   Singer M, De S, V, Vitale D, Jeffcoate W. Multiorgan failure is an adaptive, endocrine-mediated, metabolic response to overwhelming systemic inflammation. Lancet 2004; 364(9433):545-548.

12.   Kellum JA, Kramer DJ, Lee K, Mankad S, Bellomo R, Pinsky MR. Release of lactate by the lung in acute lung injury. Chest 1997; 111(5):1301-1305.

13.   Gallagher EJ, Rodriguez K, Touger M. Agreement between peripheral venous and arterial lactate levels. Ann Emerg Med 1997; 29(4):479-483.

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