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Dopamina versus noradrenalina no tratamento do choque

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 05/04/2010

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Dopamina ou norepinefrina no tratamento do choque?

 

Comparação de dopamina e norepinefrina no tratamento do choque1 [Link para Abstract]

 

Fator de impacto da revista (New England Journal of Medicine): 50,017

 

Contexto Clínico

Choque é uma condição comum que leva à admissão na UTI e que tem um grande potencial letal. Além da correção da causa de base, a expansão volêmica deve ser sempre o tratamento inicial. Entretanto, frequentemente, o uso de fluidos não é suficiente e faz-se necessário o uso de vasopressores para a manutenção da pressão arterial.

A dopamina e a noradrenalina são os vasopressores mais comumente usados e são recomendados como agentes de escolha em diretrizes internacionais2.  Ambos agem por estímulo adrenérgico, sendo que a dopamina tem um maior efeito ß-adrenérgico e a noradrenalina um maior efeito a-adrenérgico.

Estudos observacionais sugerem que o uso de dopamina associa-se a uma maior mortalidade quando comparada à noradrenalina3. No entanto, nenhum grande estudo clínico comparou estes vasopressores, o que foi o objetivo deste estudo.

 

O Estudo

Foram incluídos todos os pacientes maiores de 18 anos admitidos nas UTIs participantes que tivessem PAM < 70mmHg ou PAS < 100mmHg após expansão volêmica com pelo menos 1000ml de cristalóide ou 500ml de colóide [exceto aqueles  que tivessem PVC > 12mmHg ou Pressão de oclusão de artéria pulmonar (se monitorizados com o Swan-Ganz) > 14mmHg, quando se optava por não dar fluidos] e sinais de hipoperfusão [alteração do estado mental, pele fria e úmida, diurese < 0,5ml/kg/h por 1h ou lactato > 18mg/dl (2mmol/l)]. Foram excluídos pacientes com menos de 18 anos, que já tivessem usado algum vasopressor por mais de 4h durante o episódio de choque, tivessem arritmias ventriculares ou fibrilação atrial com FC > 160bpm, ou estivessem em morte encefálica.

Os pacientes eram randomizados para um dos dois vasopressores e tanto os pacientes quanto os médicos assistentes não sabiam qual a droga que estava sendo utilizada. O protocolo previa que a dopamina poderia ser aumentada ou reduzida 2µg/kg/min e a noradrenalina, 0,02µg/kg/min até atingir-se o alvo de PA a critério do médico assistente. Se o paciente permanecesse hipotenso após as doses máximas permitidas (20µg/kg/min de dopamina ou 0,19µg/kg/min de noradrenalina), era iniciada a infusão de noradrenalina “de resgate”).  No desmame dos vasopressores, sempre era retirada inicialmente a noradrenalina de resgate e, depois, o vasopressor do estudo. Caso houvesse recaída, a droga do estudo era reiniciada primeiro. Se o paciente tivesse qualquer novo choque no período de 28 dias, a droga para a qual foi randomizado era reiniciada.

O desfecho primário analisado foi a mortalidade em 28 dias. Outros desfechos foram mortalidade na UTI, mortalidade hospitalar, mortalidade em 6 e 12 meses, tempo de internação na UTI, número de dias sem suporte orgânico (vasopressores, diálise e ventilação mecânica), tempo para atingir PAM de 65mmHg e uso de inotrópicos. Foi avaliada também a ocorrência de eventos adversos (arritmias, isquemia miocárdica, isquemia de pele e isquemia distal de membros). Foi feita ainda uma subanálise para os grupos choque séptico, cardiogênico e hipovolêmico.

 

Resultados

Foram incluídos 1679 pacientes (858 no grupo dopamina e 861 no grupo noradrenalina). O tipo de choque mais comum foi o séptico (62,2%), seguido pelo cardiogênico (16,7%) e hipovolêmico (15,7%).

Mais pacientes no grupo dopamina precisaram de noradrenalina de resgate (26 vs. 20%, p <0,001), mas as doses foram similares nos dois grupos. O uso de dobutamina foi mais comum no grupo noradrenalina. O tempo para se atingir a PAM de 65mmHg foi igual nos dois grupos (6,3±5,6 h vs. 6,0±4,9h, p=0,35). Não houve diferença quanto à quantidade de fluido utilizado. A mortalidade entre os dois grupos não foi diferente na UTI (50,2 vs. 45,9%, p=0,07), no hospital (59,4 vs. 56,6%, p=0,24), em 28 dias (52,5 vs. 48,5%, p=0,10), em 6 meses (63,8 vs. 62,9%, p=0,71) e em 12 meses (65,9 vs. 63,0%, p=0,34).

Os pacientes que usaram noradrenalina tiveram mais dias livres sem vasopressor, mas não houve diferenças quanto à necessidade de diálise ou ventilação mecânica. Os tempos de internação na UTI e no hospital também não foram diferentes.

O grupo que usou dopamina apresentou uma maior incidência de arritmias (24,1 vs. 12,4%, p<0,001), mas não houve diferenças quanto aos outros efeitos adversos analisados.

Quando se fez a análise por tipo de choque, os pacientes com choque cardiogênico que usaram dopamina apresentaram uma maior mortalidade em 28 dias (p=0,03).

 

Aplicações para a Prática Clínica

Este grande estudo traz uma grande contribuição para o tratamento do choque e a medicina intensiva em geral. Por ser um estudo com critérios de inclusão amplos e poucos critérios de exclusão tem uma boa validade externa. Assim, pode-se afirmar que o uso de noradrenalina ou dopamina como vasopressor inicial no choque é indiferente em termos de mortalidade.

No entanto, alguns pontos devem ser considerados. O protocolo do estudo previa o início precoce de vasopressor após a expansão com apenas 1000ml de cristalóide ou 500ml de colóide. Pode-se argumentar que tal volume é pequeno quando comparado a outros estudos de reanimação. Entretanto, a estabilização da PA com vasopressor enquanto infunde-se volume é uma prática corriqueira no dia-a-dia das UTIs. Além do mais, a reanimação deve ser baseada em alvos hemodinâmicos ao invés de doses fixas de fluidos ou drogas vasoativas.

Embora as duas drogas não tenham sido diferentes quanto ao desfecho primário analisado, um aumento de arritmias com o uso de dopamina e a menor necessidade de vasopressores com a noradrenalina são resultados que devem ter um impacto positivo para nossos pacientes de UTI.  Assim, favorece-se o uso de noradrenalina, como é a prática de boa parte dos intensivistas.

A maior mortalidade com o uso de dopamina no choque cardiogênico é preocupante, porque embora tenha um racional fisiopatológico (arritmias comprometendo mais a função do coração doente), é a droga de escolha em diretrizes internacionais de IAM4 e ICC5. De qualquer modo, até uma prova em contrário, deve-se usar a noradrenalina como vasopressor neste tipo de choque.

 

Bibliografia

  1. De Backer D, Biston P, Devriendt J, Madl C, Chochrad D, Aldecoa C, Brasseur A, Defrance P, Gottignies P, Vincent JL; SOAP II Investigators. Comparison of dopamine and norepinephrine in the treatment of shock. N Engl J Med. 2010;362(9):779-89.
  2. Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, et al. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Intensive Care Med. 2008;34: 17-60.
  3. Sakr Y, Reinhart K, Vincent JL, Sprung CL, Moreno R, Ranieri VM, De Backer D, Payen D. Does dopamine administration in shock influence outcome? Results of the Sepsis Occurrence in Acutely Ill Patients (SOAP) Study. Crit Care Med. 2006;34:589-97.
  4. Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW,et al. ACC/AHA guidelines for the management of patients with ST-elevation myocardial infarction--executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 1999 Guidelines for the Management of Patients With Acute Myocardial Infarction). Circulation. 2004;110:588-636.
  5. Task Force for Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2008 of European Society of Cardiology. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2008: the Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2008 of the European Society of Cardiology. Developed in collaboration with the Heart Failure Association of the ESC (HFA) and endorsed by the European Society of Intensive Care Medicine (ESICM). Eur Heart J. 2008;29:2388-442

 

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