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Bloqueadores Neuromusculares na SARA Precoce

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 27/10/2010

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Bloqueadores neuromusculares em síndrome do desconforto respiratório agudo (SARA) precoce [Link para Abstract]1

 

Fator de Impacto da Revista (New England Journal of Medicine): 50.017

 

Contexto Clínico

O uso de volumes correntes baixos e manutenção de níveis baixos de pressão de platô são as duas únicas estratégias comprovadamente benéficas no tratamento inicial da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SARA)2. O uso de bloqueadores neuromusculares (BNMs) para facilitar a ventilação mecânica é recomendado por alguns3. No entanto, seus riscos e benefícios não são bem explorados. Alguns estudos sugerem que seu uso aumenta o risco de fraqueza secundária a complicações neuromusculares4, mas este dado não parece definitivo5,6. Assim, os autores deste estudo propuseram-se a avaliar o uso do cisatracúrio, um BNM, no tratamento da SARA grave precoce.

 

O Estudo

Foram incluídos todos os pacientes intubados por insuficiência respiratória hipoxêmica e todos os seguintes critérios por um período não maior que 48h:

 

      Relação PaO2/FiO2 < 150 com o uso de uma PEEP = 5 cmH2O e um volume corrente de 6 a 8 ml/kg do peso predito;

      Infiltrados pulmonares bilaterais consistentes com edema;

      Ausência de evidência clínica de hipertensão atrial esquerda (pressão de oclusão de artéria pulmonar < 18 mmHg naqueles com cateter de artéria pulmonar ou ausência de achados ecocardiográficos naqueles com fatores de risco para miocardiopatia isquêmica ou estertores à ausculta).

 

Uma vez que os pacientes estivessem bem sedados (Ramsay 6 – ausência de resposta a estímulos táteis ou verbais), era iniciada a infusão de cisatracúrio (bolus de 15 mg seguido de 37,5 mg/h por 48 h) ou placebo. Não se monitorou o nível de bloqueio neuromuscular com o train-of-four. Os pacientes eram mantidos em modo volume controlado com objetivo de manter-se uma saturação arterial de O2 de 88 a 95% e uma PaO2 de 55 a 80 mmHg. Para atingir este alvo, seguiu-se a tabela de PEEP e FiO2 do estudo inicial do ARDSNet2.

Nos dois grupos, era permitido um bolus de 20 mg de cisatracúrio se a pressão de platô passasse de 32 cmH2O após 10 minutos de aumento da dose de sedativos, redução do volume corrente e da PEEP se tolerados. Se houvesse uma redução menor que 2 cmH2O, um novo bolus era permitida. Se não houvesse queda, não se administrava cisatracúrio novamente nas próximas 24h.

O desfecho primário foi mortalidade em 90 dias. Desfechos secundários foram mortalidade em 28 dias, dias livres da UTI em 28 e 90 dias, dias livres de disfunções orgânicas em 28 dias, incidência de barotrauma e fraqueza muscular na alta da UTI e em 28 dias, dias livres de ventilação mecânica em 28 e 90 dias.

 

Resultados

Um total de 340 pacientes, 178 no grupo cisatracúrio e 162 no grupo placebo, participaram do estudo. Não havia diferenças clinicamente significantes entre os dois grupos no momento da randomização. Os pacientes eram bastante graves (SAPS II 50 e 47, PaO2/FiO2 de 106 e 115; respectivamente).

A mortalidade em 90 dias no grupo cisatracúrio foi de 31,6% e de 40,7% no grupo placebo (p=0,08). Após a correção para o SAPS II, pressão de platô inicial e relação PaO2/FiO2, essa diferença tornou-se significante (HR 0,68; IC 95% 0,48-0,98; p=0,04).

Na análise de subgrupos, viu-se que o benefício da mortalidade em 90 dias do cisatracúrio concentrava-se no grupo com PaO2/FiO2 menor que 120 (30,8 vs. 44,6%; p=0,04). O grupo cisatracúrio teve mais dias livres da ventilação mecânica em 28 (10,6±9,7 vs. 8,5±9,4 dias; p=0,04) e 90 dias (53,1±35,8 vs. 44,6±37,5 dias; p=0,03) e da UTI em 90 dias (47,7±33,5 vs. 39,5±35,6 dias; p=0,03). Houve uma menor incidência de barotrauma (9 vs. 19; p=0,03) e pneumotórax ( 7 vs. 19; p=0,01) no grupo cisatracúrio. Não houve diferença na incidência da paresia adquirida na UTI em 28 (70,8 vs. 67,5%; p=0,64) e 90 dias (64,3 vs. 68,5%; p=0,51).

 

Aplicações para a Prática Clínica

Este estudo representa uma mudança de paradigma em um momento em que se tende a usar menos sedativos e bloqueadores neuromusculares em UTI. No entanto, seus resultados devem ser analisados com cautela. Primeiramente, os resultados quanto ao desfecho primário são neutros. O resultado positivo veio após uma análise multivariada com correção para variáveis que não eram clinicamente diferentes no momento da randomização. Entretanto, uma explicação fisiopatológica para a possível diferença de mortalidade não é apresentada, uma vez que as pressões e oxigenação não foram diferentes entre os grupos durante o tratamento. De qualquer modo, os resultados para outros desfechos despertam o interesse para que mais estudos ocorram. Há que se notar que estes pacientes tinham SARA grave (baixas relações PaO2/FiO2) e, nestes casos, uma ventilação adequada, com rigoroso controle das pressões e volume corrente é fundamental e, muitas vezes, terapias de resgate (recrutamento, prona, óxido nítrico) são necessárias. No entanto, algumas perguntas ainda terão que ser respondidas: Será que apenas aprofundar a sedação não é suficiente? Será que o uso de BNM em doses menores (talvez apenas bolus) e em menos tempo não é suficiente? Será que não é necessário monitorar-se o nível de bloqueio e/ou realizar um “despertar”? Será que o efeito benéfico pode ocorrer com outros BNMs? Por ora, até que mais dados surjam, o uso de BNM deve ser considerado apenas em casos graves de SARA refratários às medidas iniciais.

 

Bibliografia

1.    Papazian L, Forel JM, Gacouin A, Penot-Ragon C, Perrin G, Loundou A, et al. Neuromuscular blockers in early acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2010 Sep 16; 363(12):1107-16.

2.    Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. The Acute Respiratory Distress Syndrome Network. N Engl J Med. 2000 May 4; 342(18):1301-8.

3.    Murray MJ, Cowen J, DeBlock H, Erstad B, Gray Jr. AW, Tescher AN, et al. Clinical practice guidelines for sustained neuromuscular blockade in the adult critically ill patient. Crit Care Med. 2002 Jan; 30(1):142-56.

4.    Hermans G, Wilmer A, Meersseman W, Milants I, Wouters PJ, Bobbaers H, et al. Impact of intensive insulin therapy on neuromuscular complications and ventilator dependency in the medical intensive care unit. Am J Respir Crit Care Med. 2007 Mar 1; 175(5):480-9.

5.    Stevens RD, Dowdy DW, Michaels RK, Mendez-Tellez PA, Pronovost PJ, Needham DM. Neuromuscular dysfunction acquired in critical illness: a systematic review. Intensive Care Med. 2007 Nov; 33(11):1876-91.

6.    De Jonghe B, Sharshar T, Lefaucheur JP, Authier FJ, Durand-Zaleski I, Boussarsar M, et al. Paresis acquired in the intensive care unit: a prospective multicenter study. JAMA. 2002 Dec 11; 288(22):2859-67.

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