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Continuidade do cuidado em UTI comparação de esquemas de trabalho de intensivistas

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 28/02/2012

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Área de atuação: Terapia Intensiva

 

Especialidade: Medicina Intensiva

 

Resumo

Estudo avaliando as consequências de 2 estratégias de trabalho de médicos intensivistas sobre desfechos relacionados aos pacientes e aos próprios médicos. Trabalho contínuo por 15 dias relacionou-se a maior incidência de burnout entre os médicos, sem afetar desfechos relacionados aos pacientes.

 

Contexto clínico

Os intensivistas têm um papel fundamental no cuidado de pacientes graves, traduzido em melhora dos resultados e custo-efetividade2. No entanto, apesar da alta demanda, é uma especialidade com poucos médicos, o que pode gerar jornadas de trabalho exaustivas e consequente burnout (vide Glossário). Uma estratégia que pode levar a uma redução do estresse no trabalho é a redução do número de dias consecutivos trabalhados, porém, esta estratégia pode levar também a piores resultados para os pacientes pela falta de continuidade do cuidado. O objetivo deste trabalho foi comparar dois modelos de trabalho de intensivistas:

 

       contínuo, incluindo os finais de semana, com rodízios a cada 15 dias;

       contínuo com folgas aos finais de semana, e rodízios também a cada 15 dias.

 

O estudo

Foram incluídas 5 UTI clínicas de hospitais universitários norte-americanos, com 12 a 15 leitos cada, do tipo “fechada” (ou seja, o intensivista é o responsável pelo cuidado do paciente na UTI e não há interferência de outros especialistas, como clínicos e cirurgiões). Em todas as UTI, havia uma equipe multidisciplinar e os intensivistas permaneciam na unidade durante o dia e de plantão à distância durante a noite, retornando à unidade ao seu critério. Um residente permanecia de plantão na UTI.

Foram comparados dois modelos de trabalho nas UTI estudadas: o contínuo e o com folga aos finais de semana. No primeiro, o intensivista era responsável pela UTI durante todos os dias da semana durante 15 dias. No segundo, o intensivista era responsável pela UTI de segunda a sexta-feira e havia um rodízio de cobertura aos finais de semana. Todas as UTI passaram pelos dois modelos, duas vezes.

Os dois desfechos primários analisados foram o escore de burnout no trabalho dado pelos intensivistas e o tempo de internação na UTI dos pacientes. Os desfechos secundários analisados foram estresse no trabalho e desequilíbrio entre a vida profissional e a doméstica para os médicos e tempo de internação hospitalar, mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar para os pacientes.

Participaram do estudo 45 intensivistas e 1.900 pacientes. Não houve diferenças quanto ao tempo de internação na UTI (mediana de diferença de 0,36 dias; p=0,20), no hospital (mediana de diferença de 0,34 dias; p=0,71), mortalidade na UTI (odds ratio – vide Glossário; OR:1,43; p=0,12) e hospitalar (OR:1,17; p=0,41). Os intensivistas que trabalharam continuamente durante os 15 dias tiveram uma maior taxa de burnout (OR:2,77; p=0,003), de desequilíbrio entre a vida profissional e doméstica (OR:1,02; p=0,029) e de estresse no trabalho (OR:1,52; p<0,001).

 

Aplicações para a prática clínica

Os intensivistas são fundamentais para o cuidado de pacientes graves, mas a qualidade do seu trabalho deve ser mantida para que os melhores resultados sejam alcançados. Este estudo mostrou que folgas semanais não se associam a malefícios para os pacientes decorrentes da perda de continuidade do cuidado e associam-se a uma melhor qualidade de vida para os médicos.

Embora a ideia do estudo seja interessante para o nosso contexto, há de se entender as diferenças entre as estruturas de terapia intensiva. Primeiro, o estudo focou em UTI “fechadas”, nas quais a responsabilidade do cuidado do paciente é do intensivista. Embora este seja o modelo mais comum em hospitais públicos, não é a realidade de grandes hospitais privados, que mantêm a responsabilidade do cuidado do paciente sobre o médico assistente, sendo o intensivista apenas parte da equipe, sem responder pela maioria das condutas (antibioticoterapia, investigação diagnóstica, solicitações de interconsultas, decisão de admissão e alta). Segundo, a maioria das UTI brasileiras, infelizmente, ainda não têm um modelo de cuidado focado no “intensivista diarista” e diversos médicos alternam-se em plantões de 12 ou 24 horas e, assim, a continuidade do cuidado não existe. Terceiro, os médicos do estudo já têm uma “folga noturna”, porque eles não ficam fisicamente de plantão na UTI, algo impensável na nossa realidade. Assim, os resultados do estudo, embora interessantes, talvez não tenham tanta aplicação prática no nosso dia a dia e, talvez, o burnout dos nossos intensivistas seja inclusive maior.

 

Glossário

Burnout: síndrome do esgotamento profissional. É um distúrbio psíquico definido por Herbert J. Freudenberger como “(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”. A dedicação exagerada à atividade profissional é uma característica marcante de burnout, mas não a única. O desejo de ser o melhor e sempre demonstrar alto grau de desempenho é outra fase importante da síndrome3.

Odds ratio: ou razão de chances. Chance é uma maneira de representar probabilidade, especialmente familiar nas apostas. Por exemplo, a chance de que uma única jogada de um dado produza um “seis” é 1 em 5, ou 1/5. Nos estudos epidemiológicos, é a medida do tamanho do efeito, descrevendo a associação entre duas variáveis binárias (do tipo sim ou não). Pode ser definida como a razão entre a chance de um evento ocorrer em um grupo e a chance de ocorrer em outro grupo. Esses grupos podem ser, por exemplo, amostras de pessoas com ou sem uma doença, nos quais se quer medir a chance dessas pessoas terem sido expostas a um determinado fator de risco. Tem uma boa relação com o risco relativo quando o desfecho em estudo é raro, sendo assim os odds ratios da maioria dos estudos de caso-controle podem ser interpretados com riscos relativos4.

 

Bibliografia

1.  Ali NA, Wolf KM, Hammersley J, Hoffmann SP, O’Brien Jr. JM, Phillips GS et al. Continuity of care in intensive care units: a cluster-randomized trial of intensivist staffing. Am J Respir Crit Care Med 2011; 184:803-8 [Link para o Resumo] (Fator de impacto: 9.792).

2.  Pronovost PJ, Angus DC, Dorman T, Robinson KA, Dremsizov TT, Young TL. Physician staffing patterns and clinical outcomes in critically ill patients: a systematic review. JAMA 2002; 288(17):2151-62.

3. Síndrome do burnout. Wikipedia, a enciclopédia livre. Consultado em 20/10/2011. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Síndrome_de_Burnout.

4. Cummings P. The relative merits of risk ratios and odds ratios. Arch Pediatr Adolesc Med 2009; 163(5):438-45 [Link para Artigo Completo].

 

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