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Presença de intensivistas à noite e mortalidade de pacientes críticos

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 11/09/2012

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Área de atuação: Medicina Intensiva

 

Especialidade: Medicina Intensiva, Administração Hospitalar

 

Resumo

Em unidades de terapia intensiva (UTI) norte-americanas e canadenses, a presença de um intensivista por 24 horas não é rotineira. Diversos estudos mostraram que a presença de intensivistas na UTI associa-se a um melhor prognóstico para os pacientes2, mas há muita controvérsia quanto à necessidade de um intensivista por 24 horas. O estudo comentado a seguir mostra que a presença de um intensivista no período noturno foi benéfica em unidades em que a presença do intensivista durante o dia não era rotina. Naquelas em que já havia um intensivista no período diurno, a presença do intensivista noturno não trouxe benefícios em termos de mortalidade.

 

Contexto clínico

A presença de intensivistas como líderes no cuidado dos pacientes críticos (ou seja, uma “UTI fechada” em que o intensivista é o responsável pelo tratamento dos pacientes e outros especialistas atuam como interconsultores), é benéfica para a redução da mortalidade dos pacientes quando comparada com a presença de um intensivista apenas como interconsultor (“UTI aberta”). Com base nesses dados, muitas autoridades norte-americanas e canadenses têm postulado a necessidade de um intensivista 24 horas na UTI. Entretanto, o impacto e a real necessidade desta estratégia são bastante controversos, ainda mais levando-se em conta a escassez de intensivistas no mercado norte-americano. Esse estudo comparou os resultados de UTI com ou sem cobertura noturna de intensivistas.

 

O estudo

Foi realizada uma análise retrospectiva dos dados de 34 hospitais norte-americanos. Foram incluídos todos os pacientes com mais de 17 anos de idade admitidos às UTI participantes. O desfecho primário analisado foi mortalidade hospitalar. A presença de um intensivista à noite foi definida como a presença física ou a pronta disponibilidade de um intensivista assistente. Foi realizada uma análise multivariada para avaliar se a presença do intensivista noturno foi uma variável independente associada à mortalidade hospitalar dos pacientes. Outras variáveis incluídas no modelo foram características demográficas, alterações fisiológicas e comorbidades dos pacientes, se o hospital era de ensino ou não e se o intensivista diurno era o responsável pelo cuidado dos pacientes ou não. Posteriormente, realizou-se a análise de um segundo banco de dados, com outras UTI, para verificar a consistência dos resultados.

Foram incluídas 49 UTI e analisados os dados de 65.752 admissões. Apenas 22% das UTI tinham intensivistas no período noturno. Nas UTI sem cobertura de intensivista à noite, 51% tinham a cobertura de residentes, 12% não tinham nenhuma cobertura local, 10% tinham a cobertura de médicos não intensivistas e 2% tinham a cobertura de enfermeiros ou assistentes médicos.

Nas UTI em que o intensivista diurno não era o responsável pelo cuidado dos pacientes, a presença do intensivista noturno associou-se a uma redução da mortalidade (OR=0,62; p=0,04). No entanto, nas UTI em que já havia a presença de um intensivista durante o dia, responsável pelo cuidado dos pacientes, não houve diferenças quanto à mortalidade (OR 1,08; p=0,78).

Quando se considerou a cobertura noturna realizada pelo residente como se houvesse a presença de um intensivista, houve a redução da mortalidade tanto nas UTI sem intensivista responsável durante o dia (OR 0,42; p<0,01) quanto naquelas com intensivista responsável durante o dia (OR 0,47; p<0,01).

Na análise do segundo banco de dados, os resultados foram semelhantes: redução da mortalidade em UTI sem intensivistas responsáveis pelo cuidado dos pacientes (OR 0,83; p=0,05) e nenhuma diferença quando havia esse intensivista durante o dia (OR 0,97; p=0,86).

 

Aplicações para a prática clínica

Este estudo mostrou que, nas UTI norte-americanas estudadas, a presença de um intensivista à noite só foi benéfica nas unidades em que o intensivista não era o responsável direto pelo cuidado dos pacientes. Assim, o benefício pode ser simplesmente por haver um intensivista dedicado em algum período do dia, algo já sabidamente benéfico. Ao ter o conhecimento das “doenças críticas”, o intensivista tende a agir mais rapidamente no tratamento de pacientes instáveis. Quando se definiu que a presença de um residente seria semelhante à presença de um intensivista, o melhor resultado sugeriu que a presença de um médico em treinamento em medicina intensiva já teria impacto no prognóstico dos pacientes, o que seria uma saída com menor custo para a maioria dos hospitais norte-americanos. Em unidades como estas, o intensivista fica à distância e retorna ao hospital caso o residente considere necessário.

No Brasil, a questão é ainda mais complexa. Embora a Associação de Medicina Intensiva Brasileira recomende a presença de intensivistas 24 horas, isso está longe de ser a rotina mesmo em grandes hospitais nos grandes centros. A maioria dos médicos que trabalha em UTI não tem residência e/ou título de especialista na área, porque a carência no mercado também é bastante grande. Aqui, uma UTI pode ser definida como “aberta” e “fechada” não pela presença ou não de intensivista, mas sim se o cuidado do paciente é responsabilidade do médico que está na UTI (“fechada”) ou do médico que o enviou para lá, clínico ou cirurgião (“aberta”), sendo que o médico da UTI atua apenas nas intercorrências. Além disso, a estrutura de enfermagem também é bem diferente. As UTI do estudo costumam ter 1 enfermeiro para cada 2 leitos. Aqui, a rotina é algo como 1 enfermeiro para cada 10 leitos, e os cuidados são delegados a técnicos de enfermagem. Os resultados do estudo são, portanto, difíceis de ser interpretados no nosso contexto. Talvez, para nossa realidade, a presença de um médico com bom senso e interesse em medicina intensiva já seria o suficiente para os dias atuais.

 

Glossário

OR (Odds Ratio): a razão entre a chance de um evento ocorrer em um grupo e a chance de ocorrer em outro grupo.

 

Referências

1.   Wallace DJ, Angus DC, Barnato AE, Kramer AA, Kahn JM. Nighttime intensivist staffing and mortality among critically ill patients. N Engl J Med. 2012 May 31;366(22):2093-101. [link para o artigo] (Fator de impacto: 53,48)

2.   Pronovost PJ, Angus DC, Dorman T, Robinson KA, Dremsizov TT, Young TL. Physician staffing patterns and clinical outcomes in critically ill patients: a systematic review. JAMA. 2002 Nov 6;288(17):2151-62. [link para o artigo] (Fator de impacto: 30,01)

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