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Autonomia Médica x Uso de Padronização – Em busca do equilíbrio com foco na segurança do paciente

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 04/04/2009

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Autonomia Médica e Processo de Decisão Informado. Procurando o Balanço para a Segurança do Paciente e a Qualidade.

Physician Autonomy and Informed Decision Making. Finding the Balance for Patient Safety and Quality. Mathews SC, Provonost PJ. JAMA. 2008; 300 (24): 2913-2915. [Link para o Artigo].

 

Fator de Impacto (JAMA): 25,547.

 

Contexto Clínico

Ainda estamos longe de atingir uma melhor situação do que aquela levantada pela publicação “Errar é Humano” do Institute of Medicine em 1999 nos EUA. Um dos pontos centrais que ainda não é muito bem praticado é a padronização de condutas, que é explicitar critérios para usar intervenções preventivas, diagnósticas e terapêuticas no contexto da assistência em saúde. A necessidade de padronização vem de encontro a conceitos relacionados à forma como o ser humano erra, e quais os mecanismos que podem ser utilizados para evitar esse erro. Um deles é a criação de padrões e situações “à prova de erro”, seja pelo uso de guidelines ou protocolos.

Entretanto, a figura central dessa ação, o médico, tem como um dos pilares centrais da sua atuação a necessidade de autonomia de decisões (que viria a ser a capacidade de controlar e monitorizar suas próprias ações de cunho técnico). É verdade também, que se isso era facilmente praticável até cerca de 20 anos atrás, é mais difícil para o médico hoje ter a completo conhecimento de 100% das inovações científicas e tecnológicas, mesmo dentro de uma única especialidade.

É fundamental que um ponto de equilíbrio seja encontrado, onde a autonomia do médico ainda seja preservada, tendo em vista as próprias particularidades de cada paciente, mas que sistemas mais seguros sejam propostos em busca de uma melhor assistência de saúde, sendo um dos métodos preconizados, o uso de padronizações de conduta.

 

Decisão Autônoma x Padronizada

Neste editorial publicado em 2008 no JAMA, os dois autores (ambos médicos do Hospital Johns Hopkins nos EUA), comentam que a padronização é um dos melhores métodos para melhorar a qualidade da assistência bem como reduzir seus custos. A realidade atual é, na verdade, que existem muitas variações no uso de intervenções diagnósticas e terapêuticas. Por outro lado, coisas muito simples como check-lists padronizados podem salvar vidas, como visto inclusive em recente estudo publicado na New England Journal of Medicine, onde um check-list em cirurgias diminuiu a mortalidade do grupo que recebeu a intervenção (checklist baseado nas recomendações da OMS reduz a morbidade e mortalidade pós-operatória).

Em dados publicados nos EUA, a maior parte dos médicos acredita que os hospitais devam redesenhar seus sistemas e processos para evitar erros médicos, e que essa mudança de fato irá diminuir os erros. Por outro lado, dois estudos publicados na New England Journal of Medicine, mostram que quanto ao uso das melhores práticas terapêuticas recomendadas, apenas 55% dos pacientes adultos a recebem, enquanto que pacientes pediátricos recebem até menos, apenas 47%. É difícil explicar porque isso ocorre, já que os próprios médicos reconhecem a necessidade de sistemas mais seguros. Muitas devem ser as causas envolvidas: falta de atualização, sensação de estar ferindo sua autonomia ao seguir um protocolo, ou mesmo a não adoção de práticas ainda pouco estudadas e pouco fundamentadas.

Outro ponto crítico é a independência do médico. Se por um lado isso é extremamente necessário no exercício da profissão, nota-se cada vez que o processo de decisão de forma isolada pode ser difícil em situações de alto risco. Em atividades humanas de alto risco como usinas nucleares ou na indústria da aviação, manuais de operação padronizados e programas de gerenciamento de risco reduzem a independência dos operadores. Isso não é algo negativo, pelo contrário, pois diminui a chance de erro em situações que podem ser críticas nessas atividades. Outra forma de minimizar riscos com decisões isoladas é tornar o processo de decisão multiprofissional, ou seja, em equipe. Isso ocorre principalmente quando muitos fatores estão envolvidos no processo de tomada de decisão, e uma equipe torna maior a possibilidade de se tomar o caminho “mais sábio”. Isso pode ser aplicável de forma simples inclusive, escutando a enfermagem, um residente e mesmo o paciente, antes de tomar uma conduta diante de uma situação complicada.

É importante ressaltar que os médicos são a classe em termos de assistência em saúde que mais promovem a cultura da padronização. Basta ver a quantidade de guidelines que são oficialmente elaborados por sociedades de especialidades e grupos de estudo, de forma a criar um padrão de conduta a se tomar em situações prevalentes, esperando que isso aumente a chance de intervenções bem estudadas possam ser realizadas em grande escala. Outras iniciativas de âmbito hospitalar que focam na minimização de riscos também são criação médica: exclusão de cloreto de potássio de enfermarias (por ser medicação de alto risco de lesão ao paciente), check-list para passagem segura de cateter venoso central em UTI´s, etc. não é surpresa que esse tipo de intervenção mostre benefício para os pacientes.

O mais importante é envolver o médico na elaboração de guias, protocolos e padronizações. A chance de um médico aderir a um protocolo que ele saiba como foi elaborado e cujas evidências dão base estruturada para pesar riscos, benefícios e custos aos pacientes, a adesão com certeza é maior. Infelizmente o processo de criação desses documentos nem sempre segue essa lógica. O que faz sentido é que uma decisão mais racional será tomada segundo um padrão, quando a informação for julgada perfeita pelo médico. Destacamos e reforçamos o fato de que cada ser humano é um indivíduo único, e que isso permite peculiaridades mesmo em doenças freqüentes. Entretanto, o uso de padrões principalmente em situações rotineiras ou simples, dá margem ao médico para utilizar de seu raciocínio clínico e experiência com foco em situações mais complexas, cuja base de informações existentes não é tão fundamentada para permitir tomadas de decisão simples.

 

Abordagem Baseada em Evidências

A medicina baseada em evidências (MBE) pode ser resumida como o uso das melhores evidências científicas disponíveis para atingir os melhores resultados médicos em pacientes individuais. Quando os cuidados em saúde são feitos à luz da melhor ciência vigente, não há dúvidas de que os resultados também serão melhores. A estratégia de englobar práticas baseadas em evidências de forma padronizada, e institucional, pode ser uma grande vertente para garantir a segurança e qualidade de atendimento ao paciente.

Poderíamos simplesmente sugerir que os médicos seguissem o que houver de melhor nas evidências científicas. Porém o resultado de uma simples recomendação pode não ter efeito algum. Uma abordagem baseada em protocolos dentro de sistemas e processos de assistência tende a ser muito mais robusta em termos de resultado, pois remove uma série de barreiras, fornece suporte institucional para sua prática e ainda pode fornecer resultados que podem ser utilizados para promover melhorias de desempenho. Além disso, a padronização visa tirar do médico todo o peso de ter tudo o tempo todo em mente. É irreal acharmos que todo médico consegue armazenar todo o volume novo de informações que é divulgado diariamente. Sendo assim, protocolos institucionais poderiam dar margem ao médico em se informar sobre exatamente aquilo que não é passível de padronização, e que exige muita quantidade de informações para dar suporte a uma conduta, seja diagnóstica ou terapêutica.

Obviamente é difícil dizer o que de fato é uma boa evidência científica. Aqui entra o papel das sociedades médicas quando desenvolvem um guideline e classificam os dados em níveis de evidência e no grau de recomendação (mesmo que ainda sim existam falhas de método). Entra também o papel de grupos de estudiosos voltados para a análise de evidências científicas sem conflito de interesses (como é nossa proposta no site MedicinaNET). É importante lembrar que mesmo uma ação baseada em evidência pode ser prejudicial a um paciente, principalmente quando o assunto for controverso ou os resultados divergem muito entre os estudos.

 

Conclusões – Buscando o Equilíbrio

Para engajar médicos nas práticas padronizadas e baseadas em evidências são necessários três pontos:

 

1.    Reconhecimento do próprio médico de seu papel como profissional que ajuda o paciente a tomar a melhor decisão buscando o melhor benefício pelo melhor custo, como foco em sua saúde, e que padrões / protocolos / guias de conduta podem ajudar em muito essa atuação.

2.    Alunos de medicina e residentes devem ser ensinados a ter esse padrão de atitude. Eles precisam entender que muitos desfechos com pacientes são decorrentes do desenho de sistemas e processos de assistência, e que padronizar é uma estratégia efetiva para melhorar esses desfechos. Os médicos precisam participar da elaboração e acreditar em protocolos como ferramenta fundamental para uma prática segura.

3.    As evidências que devem ser usadas e a forma de criação de protocolos e padrões devem também ser criteriosas e constantemente melhoradas. Muitos são os interessados nos resultados da assistência médica: o paciente, o hospital, os convênios, o governo e o próprio médico. Portanto todos esses envolvidos devem se engajar com as políticas de usar as práticas mais embasadas em ciência em busca dos melhores resultados.

 

De forma alguma queremos criar uma polêmica quanto à autonomia do médico. É indubitável e inquestionável o quanto a individualização do paciente pelo profissional é fundamental no processo de assistência em saúde. Por outro lado, numa atividade tão crítica e tão sujeita a erros como é a medicina (ainda mais em tempos atuais, com uma diversidade tão grande de informações, procedimentos, terapias, etc), é fundamental que haja foco em se estabelecer políticas institucionalizadas baseadas nas melhores evidências científicas de forma a dar homogeneidade às condutas, focando em melhores resultados com o melhor custo. Mais fundamental ainda é a participação do próprio médico nesse processo de melhoria, fortalecendo sistemas e processos de assistência com ações focadas em qualidade e segurança para o paciente. É uma atitude que coloca todos os envolvidos em posição de se beneficiar: médicos, pacientes, hospitais e fontes pagadoras.

 

Bibliografia

1.    Linda T. Kohn, Janet M. Corrigan, and Molla S. Donaldson: To Err Is Human: Building a Safer Health System. Committee on Quality of Health Care in America, Institute of Medicine, 2000. [Link livre para o Livro Online]

2.    A Surgical Safety Checklist to Reduce Morbidity and Mortality in a Global Population. N Engl J Med 2009;360:491-9. [Link Livre para o Artigo Original]

3.    Improving Patient Care by Linking Evidence-Based Medicine and Evidence-Based Management. Shortell SM, Rundall TG, Hsu J. JAMA. 2007; 298 (6): 673-676. [Link para o Artigo].

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