Autor:
Prof. Dr. Ricardo Fuller
Doutor em Reumatologia pelo Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Médico assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 29/09/2008
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As doenças reumáticas afetam não somente o sistema músculo-esquelético, mas o tecido conjuntivo como um todo. Assim, didaticamente, as suas manifestações podem se dividir em articulares e extra-articulares.
A artrite e a artralgia constituem, na verdade, pólos de um espectro contínuo; no entanto, do ponto de vista clínico, a artrite, por representar um processo mais evidente e ser passível de identificação ao exame físico, é mais valorizada na elaboração diagnóstica.
Artralgias são, em geral, menos específicas. Caracterizam-se por dor articular sem alteração ao exame físico. Quando presentes na mesma articulação por um período prolongado, passam a ter um maior significado clínico. Podem, por exemplo, sugerir uma osteoartrite, distúrbios mecânicos e mesmo doenças difusas do tecido conjuntivo (DDTC) nas fases iniciais. As artrites são mais específicas, permitindo o diagnóstico de doenças como artrite reumatóide, artropatias soronegativas, microcristalinas e infecciosas. Apresenta-se com derrame articular e/ou dois ou mais dos seguintes sintomas: dor à palpação ou movimentação, calor e limitação da amplitude de movimento.
Na anamnese das manifestações articulares, é possível se desenvolver um raciocínio clínico e elaborar hipóteses diagnósticas (tabela 1).
Tabela 1: Dados de anamnese e possíveis diagnósticos
Dados da anamnese |
Diagnósticos |
Paciente jovem |
Leucose |
Paciente idoso |
|
Sexo masculino |
Gota |
artrite recorrente |
Microcristalinas Sinovite eosinofílica |
artrite episódica |
Trauma artrite séptica |
Sintomas gerais (febre, emagrecimento, fadiga, anorexia) |
artrite séptica Microcristalinas artrite inflamatória Neoplasia (síndrome paraneoplásica) |
Usuário de corticóide |
artrite séptica |
Usuário de anticoagulante/Coagulopatia |
Tabela 2: Duração da manifestação articular e possíveis diagnósticos
Duração |
Diagnósticos |
Aguda
|
Artrites infecciosas e transinfecciosas Febre reumática inicial Artropatias relacionadas a traumas |
Crônica (mais de 6 semanas)
|
artrite reumatóide DDTC artrite infecciosa (micobactérias, fungos, Lyme, HIV) |
Tabela 3: Número de articulações envolvidas e possíveis diagnósticos
|
Número de articulações |
Diagnósticos |
Monoarticular |
1 |
Gota Infecciosas Osteoartrite |
Oligoarticular |
|
artropatias soronegativas Osteoartrite Febre reumática |
Poliarticular |
> 4 |
artrite reumatóide DDTC Osteoartrite artropatias soronegativas |
Poliarticular com início monoarticular |
artrite reumatóide artrite psoriática Doenças de Behçet Artrites reativas/síndrome de Reiter Enteroartropatias Lúpus eritematoso sistêmico |
Tabela 4: Simetria das manifestações e possíveis diagnósticos
Característica |
Diagnósticos |
Simétrica
|
artrite reumatóide DDTC |
Assimétrica
|
artropatias soronegativas Artropatias microcristalinas |
Tabela 5: Topografia e possíveis diagnósticos
|
Articulações |
Diagnósticos |
Axial
|
Intervertrebrais Inter-apofisárias Costovertebrais Esterno-clavicular Esterno-costais Sacroilíacas |
Artropatia soronegativa Osteoartrite de coluna artrite reumatóide com envolvimento cervical |
Periférica
|
Punho Cotovelos Metacarpo-falangianas Falangianas proximais e distais Metatarso-falangianas Tornozelo Joelhos Demais articulações de membros |
artrite reumatóide DDTC Gota Osteoartrite |
Tabela 6: Distribuição da dor e possíveis diagnósticos
Distribuição |
Diagnósticos |
Difusas
|
Miopatias Síndromes miofasciais |
Localizadas
|
Artrites Reumatismo de partes moles Vasculites (se queimação ou parestesias) |
Tabela 7: Sinais articulares
Aumento de volume |
Sinovite (consistência de borracha macia à palpação) Edema periarticular |
Eritema e calor |
Presente em casos mais graves |
Derrame articular |
Consistência cística à palpação Joelho: “sinal da tecla” – sensível para derrame articular |
É a sensação de lentificação da articulação. É característica quando atinge as pequenas articulações das mãos, sugerindo doenças inflamatórias articulares crônicas. Rigidez acima de 30 minutos tem maior importância clínica; se superior a 60 minutos, integra os critérios diagnósticos da artrite reumatóide.
Tabela 8: Características dos tipos de dor articular
Mecânica
|
Relacionada ao movimento Pode ocorrer no início do movimento ou quando ele é executado de modo mais prolongado Mais freqüente após longos períodos de permanência na mesma posição Principalmente nas articulações de carga (joelhos, quadris e coluna) O paciente queixa-se de dor e rigidez ao levantar-se após longo período sentado |
Inflamatória |
Tende a ser mais contínua Pode acontecer no repouso noturno Ocorre nas artropatias inflamatórias crônicas |
Geralmente, a dor é proporcional ao grau de fenômenos inflamatórios e destruição articular. Assim, ela é mais intensa nas artropatias erosivas como artrite reumatóide, artropatias soronegativas, microcristalinas e infecciosas.
Algumas doenças reumáticas apresentam curso articular progressivo (artrite reumatóide e artropatias soronegativas). Outras evoluem em surtos (Febre reumática), e algumas têm comportamento episódico ou autolimitado (Artrites microcristalinas).
É um dos tecidos mais afetados nas doenças reumáticas. As manifestações mais freqüentes estão relacionadas na tabela 9.
Tabela 9: Manifestações cutâneas de doenças reumatológicas
Máculas e placas eritematosas |
Principalmente no lúpus eritematoso: “lesão em asa de borboleta” – eritema na região malar e no dorso do nariz |
Fotossensibilidade |
Consiste num eritema de rápida instalação e persistente Ocorre nas DDTC, principalmente no lúpus |
Alopecia |
Difusa ou em placas Comum no lúpus, mas pode surgir em outras DDTC |
Esclerodermia |
Espessamento da pele, com diminuição de rugas, e um aspecto infiltrado na fase edematosa e endurativa Quando ocorre nos dedos, cursa com afilamento das polpas digitais e reabsorção distal da falange Causa afilamento do nariz e orelhas (esclerose sistêmica – ES) |
Mudança de cor dos dedos que ocorre em três fases, iniciando por palidez intensa seguida de cianose e hiperemia reacional Presente nos dedos em resposta ao frio ou estresse Ocorre em todas as DDTC, principalmente na ES e doença mista do tecido conjuntivo (DMTC) | |
Vasculite cutânea |
Máculas, nódulos ou placas eritematosas, dolorosas que por vezes necrosam e ulceram Ocorre em todas as DDTC |
Eritema reticulado, observado nos membros Pode ocorrer em indivíduos sadios e nas DDTC, principalmente no lúpus e na síndrome antifosfolípide | |
Nódulos eritematosos bastante dolorosos que ocorrem geralmente nos membros, principalmente nas pernas Representa uma manifestação vasculítica cutânea a doenças reumáticas, infecciosas, neoplásicas, endócrinas, erupção a drogas etc. | |
Máculas eritêmato-atróficas com eventual descamação, circundadas por um halo hipercrômico, com perda definitiva dos anexos cutâneos Decorrente do envolvimento cutâneo profundo do lúpus | |
Tofos |
Acúmulos de urato, principalmente nos tecidos subcutâneos e periarticulares, que ocorrem na Gota |
Calcinose |
Verificam-se nódulos e placas de consistência rígida no subcutâneo (depósitos de cálcio) Acomete mais superfícies extensoras de cotovelos, punhos e joelhos Presente no CREST |
Teleangectasias |
Na ES, distribuem-se na face e nas mãos Têm o aspecto de pequenas máculas purpúricas |
Lesões psoriáticas |
Placas eritematosas com descamação lamelar e distrofia ungueal |
Púrpura/Equimose/Hematoma |
Ocorrem nas DDTC e Vasculites como conseqüência de plaquetopenia, distúrbio da coagulação e uso de corticóide |
Úlceras mucosas |
Decorrem de vasculite Dolorosas e persistentes Ocorrem no lúpus, doença de Behçet e síndrome de Reiter |
Eritema palmar |
Ocorre no lúpus |
Ocorre na dermatomiosite Rash com coloração eritêmato-violáceo em pálpebras, bochechas, fronte e têmporas | |
Ocorre na dermatomiosite Eritema na face dorsal das articulações de mãos e cotovelos | |
Nódulos subcutâneos |
Ocorrem na artrite reumatóide, Febre reumática e algumas Vasculites |
Tabela 10: Manifestações cardiopulmonares de doenças reumatológicas
Hipertensão arterial |
Geralmente associada a medicamentos utilizados nos pacientes reumáticos Insuficiência renal decorrente de nefropatias de origem reumática Crise renal esclerodérmica |
Hipertensão pulmonar |
Ocorre nas DDTC, principalmente na ES e na DMTC Avaliada inicialmente mediante ecocardiograma |
Pleurite/Pericardite |
Em todas as DDTC Principalmente no lúpus |
Pneumonite intersticial |
Ocorre nas DDTC, principalmente a ES e a dermatopolimiosite Pode cursar assintomática por longos períodos Avaliação: realizada com tomografia de alta resolução e prova de função pulmonar |
Valvulites |
Ocorrem com freqüência na Febre reumática Ocasionalmente no lúpus e espondilite anquilosante |
Cardite |
Febre reumática, Vasculites e DDTC |
Os rins são alvo freqüente de envolvimento de doenças auto-imunes (deposição de imuno-complexos e agressão direta) e lesões de natureza vascular (tabela 11).
Tabela 11: Manifestações gênito-urinárias de doenças reumatológicas
Nefrites |
Ocorrem principalmente no lúpus, mas também São identificadas por hematúria e proteinúria (a presença de hemácias dismórficas sugere sangramento de origem renal) Exames simples como a urina do tipo I e a proteinúria de 24 horas são muito importantes para diagnóstico e monitorização |
Cistites/Uretrites/Cervicites |
Em artrites reativas como a síndrome de Reiter |
Tabela 12: Manifestações do trato gastrointestinal em doenças reumatológicas
Alteração de motilidade |
Pode ocorrer na ES Esôfago: acarreta disfagia, refluxo gastroesofágico e alterações pulmonares devido a aspirações Cólon: obstipação por megacólon |
Diarréia |
Em artrites reativas como a síndrome de Reiter e nas enteroartropatias |
Xerostomia |
Lembrar que essa manifestação não é específica, podendo ocorrer em usuários de antidepressivos, diuréticos e beta-bloqueadores |
Manifestam-se com redução da acuidade visual, hiperemia, fotofobia, prurido e dor, porém esse acometimento pode ser assintomático, sendo importante que, na suspeita de doenças reumáticas que cursam com manifestações oculares, como as abaixo-relacionadas (tabela 13), seja requisitada uma avaliação oftalmológica.
Tabela 13: Manifestações oculares em doenças reumatológicas
Conjuntivite/Uveíte/Irite/Iridociclite |
artropatias soronegativas Principalmente na síndrome de Reiter |
Episclerite |
artrite reumatóide |
Xeroftalmia |
Síndrome de Sjögren |
Maculopatia |
Uso crônico de cloroquina |
Tabela 14: Manifestações de sistema nervoso em doenças reumatológicas
Neuropatias |
Nas DDTC e Vasculites |
Convulsões |
Lúpus e Vasculites |
Coréia |
Lúpus e Febre reumática (coréia de Sydenham) |
Sistema Hematológico
Está comprometido com freqüência em algumas doenças do tecido conjuntivo, causando anemia, citopenias, distúrbios da coagulação como tromboses e plaquetopenia, que acarreta hemorragias, petéquias, equimoses e hematomas. Na tabela 15 encontram-se as doenças que cursam mais freqüentemente com manifestações hematológicas.
Tabela 15: Manifestações hematológicas em doenças reumatológicas
Anemia hemolítica/Citopenias/Plaquetopenia |
Lúpus DDTC |
Tromboses arteriais e venosas/Plaquetopenia |
síndrome antifosfolípide |
As manifestações articulares das doenças reumatológicas devem ser caracterizadas principalmente quanto à duração (aguda ou crônica), número de articulações envolvidas (mono, pauci ou poliarticular), presença ou não de simetria, topografia (axial ou periférica) e tipo de dor (mecânica ou inflamatória).
Tanto a artrite reumatóide quanto as DDTC (principalmente o lúpus) guardam semelhanças em suas características: são quadros articulares crônicos, de padrão inflamatório, poliarticulares, simétricos e de envolvimento predominantemente periférico (com destaque para artrite de mãos na AR).
Nas artrites monoarticulares (principalmente crises agudas de artrite) destacam-se a Gota e as artrites infecciosas.
As doenças reumatológicas como um todo podem apresentar sintomas extra-articulares.
As alterações dermatológicas ocorrem predominantemente no lúpus (fotossensibilidade, eritema malar em “asa de borboleta”, alopecia, lesões discóides), mas há também as lesões típicas da esclerodermia (espessamento da pele com aspecto infiltrado) e da dermatopolimiosite (Heliótropo e Sinal de Gottron).
O Fenômeno de Raynaud pode ocorrer de forma isolada, mas também pode ser manifestação de doença reumatológica, principalmente ligado à ES e à DMTC.
Acometimento renal grave é uma característica muito associada ao lúpus (nefrite lúpica). Outra doença que pode cursar com lesão renal importante é a ES (crise renal esclerodérmica).
A Febre reumática é conhecida pela cardite reumática, que pode levar a lesões valvares importantes, inclusive com necessidade de correção cirúrgica.
Anemia é uma manifestação comum das doenças reumatológicas crônicas.
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