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Febre

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 02/11/2008

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

            Desde a Antigüidade, a febre já era reconhecida como um sintoma cardinal relacionado a doenças. Em pacientes pediátricos, é um dos principais motivos que levam à procura de atendimento médico. Em adultos, geralmente, o aumento de temperatura faz parte de um quadro sindrômico, sendo a procura do serviço médico motivada por sintomas associados a um grande número de doenças que cursam com o aumento de temperatura.

            Em termos fisiológicos, resumidamente, tem-se o seguinte: a temperatura corporal varia ao longo do dia, sendo regulada pelo centro termorregulador localizado no hipotálamo anterior. Esse centro faz o balanço entre a produção de calor gerada pelo metabolismo hepático e pela musculatura esquelética e as perdas criadas pela pele e pelos pulmões. A temperatura média de um indivíduo é geralmente considerada em torno de 36,8 ± 0,4oC, quando aferida na região oral, podendo variar até 0,5 a 1,0oC com o ritmo circadiano (temperaturas mais baixas cerca de seis horas da manhã e picos entre as quatro e seis horas da tarde) e o ciclo menstrual. Ambiente, uso de drogas e até processos fisiológicos podem causar alterações na temperatura de um indivíduo (atividade física pode elevar a temperatura em 3oC). A temperatura axilar é em torno de 0,5°C abaixo da oral.

            Algumas definições são importantes. febre é uma elevação da temperatura corpórea que ultrapassa a variação diária normal, que ocorre associada a uma mudança no set-point hipotalâmico de um estado normotérmico para um estado febril. A literatura é um pouco controversa quanto a um valor de corte. Considera-se, na prática, como febre uma temperatura axilar > 37,8°C. Há causas infecciosas e não-infecciosas envolvidas na sua patogênese. Hiperpirexia é um termo utilizado para febres > 41,5oC, o que normalmente ocorre em hemorragias no SNC e, mais raramente, em infecções graves. Hipertermia é um aumento de temperatura corpórea que ultrapassa a capacidade do corpo de perder calor, sem mudança no set-point hipotalâmico, causada por exposição excessiva ao calor ou produção endógena de calor de forma exacerbada. febre de origem indeterminada em sua definição clássica implica febre acima de 38,3°C por vários dias, com duração de pelo menos três semanas e que permanece sem diagnóstico após uma semana de investigação.

            Tendo em mente essas definições, partiremos agora para a discussão das causas envolvidas nos quadros descritos.

 

ACHADOS CLÍNICOS

 

História clínica

            Em poucas situações na prática clínica uma história meticulosa tem tanta importância quanto na investigação dos quadros de febre. A anamnese e o exame físico somados ditarão a conduta, incluindo a necessidade de exames complementares e tratamento específico. É fundamental ser sistemático na investigação, e procura-se mostrar aqui quais os pontos que não devem ser esquecidos na anamnese do paciente:

 

         Realmente houve aumento de temperatura?

            Procure sempre confiar na história do paciente. Um pico febril medido é verdadeiro até prova em contrário. Se nenhuma medida foi feita, procure usar dados da história que sugiram febre. Temperatura em ascensão causa sensação de frio que é seguida pelo surgimento de tremores, configurando os “calafrios”, que persistem até que a nova temperatura determinada pelo hipotálamo seja atingida. Queda de temperatura, por diminuição dos pirógenos ou uso de antitérmicos, apresenta-se com vasodilatação e sudorese. Em pacientes internados dificilmente há erro nos controles aferidos, nesses casos é mais fácil definir o quadro febril. febre factícia é possível, porém, é sempre um diagnóstico de exclusão.

 

         Quais são as outras queixas do paciente?

            As queixas são grandes diferenciais na investigação e funcionam como pistas para localizar a origem ou foco da febre. Alguns sintomas podem ser simplesmente associados ao quadro febril, como mialgia, cefaléia e fraqueza. Tosse produtiva e dispnéia podem apontar uma pneumonia, bem como disúria pode apontar uma infecção urinária. Síndrome consuptiva pode ser uma indicação de um linfoma ou leucemia. Queixa articular pode ser compatível com um quadro de artrite reumatóide ou lúpus. Lembre-se que todos os sintomas devem ser valorizados até se ter um diagnóstico firmado. Há também aqueles diagnósticos mais raros como as febres familiares (genéticas) e a febre factícia, aquela gerada pelo próprio paciente e que na maior parte das vezes não se acompanha de nenhum outro achado.

 

         É um paciente vindo da comunidade ou internado em um serviço médico?

            Esse dado é importante porque, no caso do paciente internado, pode-se pensar em infecções hospitalares, muitas vezes secundárias a procedimentos médicos (paciente cirúrgico, procedimentos invasivos), e aumento de temperatura secundário a agentes e procedimentos como transfusão de hemoderivados e uso de contrastes endovenosos. Já em pacientes vindos da comunidade, além das causas infecciosas, que são as mais freqüentes, torna-se importante lembrar de causas neoplásicas, colagenoses e processos inflamatórios.

 

         Há um padrão temporal característico para a febre?

            O comportamento da febre pode fornecer um indício da doença que está por trás de seu surgimento. Febres agudas são na maior parte das vezes causadas por infecções de vias aéreas, gastroenterites agudas e infecções urinárias. Febres prolongadas sugerem inflamação crônica causada por micobacteriose, infecção fúngica, colagenose ou coleção (abscessos). Há ainda padrões classicamente descritos como as febres terçã e quartã da malária (Tabela 1).

 

Tabela 1: Padrões Característicos de febre e seus Diagnósticos

Característica Temporal da febre

Possível Diagnóstico

febre Terçã (febre no 1º e no 3º dia)

malária por Plasmodium vivax

febre Quartã (febre no 1º e no 4º dia)

malária por Plasmodium falciparum

Dias de febre alternados com Dias sem febre (quantidade de dias variável)

Infecção por Borrelia e febre por Mordida de Rato

febre que dura 3 a 10 dias seguida por período afebril que dura 3 a 10 dias

febre de “Pel-Ebstein” – Doença de Hodgkin e outros Linfomas

febre a cada 21 dias acompanhada de Neutropenia

Neutropenia Cíclica

febre diária recorrente

Micobacterioses, HIV, Micoses Sistêmicas, Colagenoses, Abscesso

febre intermitente

Migração de parasitas intra-luminais (Amebíase, Esquistossomíase, Tripanossomíase) ou Lise celular por parasitas intra-celulares (Bartonella, Ehrlichia) e lise tumoral.

febre periódica (há história familiar em geral de até 7 dias de febre alternando com grandes períodos afebris)

Febres Periódicas Familiares – febre do Mediterrâneo, Síndrome da Hiper IgD, Síndrome Periódica associada ao receptor de TNF-alfa

 

         Há diagnóstico ou suspeita de imunodepressão?

            Imunodeprimidos podem ser acometidos por doenças infecciosas oportunistas, agentes atípicos ou formas agressivas de doenças comuns no paciente imunocompetente. Diferenciar esses pacientes implica chegar a diagnósticos como infecção por bacilos Gram-negativos em neutropênicos e infecções oportunistas como pneumocistose, neurotoxoplasmose e micobacterioses nos pacientes HIV.

 

         O paciente fez uso de alguma medicação suspeita?

            É verdade que qualquer agente pode gerar uma reação adversa que se manifeste como febre. Porém, há situações que são mais sugestivas, principalmente as ligadas a quadros de hipertermia, como o uso de neurolépticos e antidepressivos com efeito anticolinérgicos como os tricíclicos. Antibióticos b-lactâmicos e sulfas, assim como a associação metotrexato e azatioprina, alopurinol e anticonvulsivantes, em particular fenitoína, são os mais comumente associados à reação adversa com febre. Lembrar, porém, que aumento de temperatura por medicações constituem diagnósticos de exclusão.

 

         Há história de contato com doenças ou vetores conhecidos?

            Aqui incluímos contato com pessoas acometidas por doenças transmissíveis como tuberculose, infecções de via aérea e gastroenterite. Contato sexual de risco deve ser lembrado pela possibilidade de DST. Contato com alguns animais pode sugerir ligação com algumas doenças (por exemplo, gatos – toxoplasmose; cachorros e morcegos – raiva). História de picada de insetos é presente em dengue, febre amarela, malária e doença de Chagas.

 

         Há elementos específicos na história?

            Histórico de viagem recente que sugira, por exemplo, uma doença tropical (isso vale por meses em suspeitas de malária); profissões ou hobbies de risco (trabalhadores de abatedouros – brucelose; exploradores de cavernas – histoplasmose); portadores de próteses estão sujeitos a infecções como endocardite em usuários de prótese valvar; usuários de drogas, principalmente injetáveis, estão sujeitos a infecções por agentes Gram-positivos (stafilococus) que penetrem na corrente sangüínea.

 

         Há elementos que sugiram ser um quadro de hipertermia?

            Pacientes com história de atividade física extenuante sob altas temperaturas, uso de neurolépticos ou suspensão abrupta desses, abuso de drogas lícitas (antidepressivos, litio) ou ilícitas (ecstasy, LSD) e lesões do SNC, podem ter hipertermia, e não febre, o que modifica totalmente a conduta em relação ao caso.

 

Exame físico

            O exame físico é o segundo ponto de grande importância na investigação da etiologia do aumento de temperatura.

 

         Procurar sinais localizatórios

            Um exame físico detalhado pode ser a chave para se chegar a um diagnóstico. Obviamente ele deve ser direcionado em casos com queixas específicas. Mas em casos complexos, não deixar de pesquisar todos os segmentos do corpo. Examinar a pele em busca de icterícia, lesões localizadas como celulites ou erisipela, ou algum rash característico, percutir seios da face, pesquisar sinais de irritação meníngea, sinais neurológicos focais, alteração do nível de consciência, realizar oroscopia e otoscopia, fundo de olho, palpar tiróide, pesquisar adenopatias em todas as cadeias, ausculta pulmonar buscando crepitação, derrame pleural, ausculta cardíaca buscando sopros, atrito pericárdico, exame abdominal em busca de hepatoesplenomegalia, ascite, massas, sinais de peritonismo (descompressão brusca), sinal de Giordano, lesões genitais, corrimento, abscesso perianal, avaliar articulações, verificar sinais de flebite ou trombose venosa. Na prática, uma boa história clínica é o maior orientador da extensão e do foco da propedêutica (Tabela 2).

 

Tabela 2: Alguns dados do Paciente relacionados à febre

Dados de Anamnese e  Exame Físico

Doenças Associadas

Espirros, coriza, tosse seca, odinofagia

Infecções de via aérea, gripe, resfriado comum

Bócio, exoftalmo

Hipertiroidismo, tireotoxicose

Confusão mental

Meningite, encefalite, lesões de SNC, ou infecções sistêmicas (ex: ITU, BCP) levando a quadro de delirium

Convulsões

Meningite, encefalite, lesões SNC, quadros de hipertermia

Irritação Meníngea

Meningite, hemorragia subaracnóidea (HSA)

Descoramento

Anemia por doença crônica: (colagenoses, micobacteroses, neoplasias) ou hemólise aguda (anemia hemolítica auto-imune, hemólise intravascular)

Dissociação Pulso - Temperatura

febre Tifóide, brucelose, Leptospirose, febre por Drogas, febre Factícia

Linfonodomegalias

Linfomas, síndromes “mono-like”, doenças do tecido conectivo, tuberculose, micoses sistêmicas

Icterícia

Leptospirose, dengue, febre Amarela, malária, parasitoses intestinais, hepatites, hemólise.

Diarréia

 

Doença inflamatória intestinal, hipertiroidismo, enterites, parasitoses intestinais, neoplasias, HIV

Disúria, sinal de Giordano

Infecções urinárias baixas, pielonefrite

Taquicardia

Feocromocitoma, tireotoxicose, sepse

Dispnéia

Pneumonia, pneumocistose, tuberculose, neoplasia, TEP

Hepato-esplenomegalia

Doenças linfoproliferativas, esquistossomose, leishmaniose visceral, síndromes “mono-like”

Dor torácica

Miocardite, pericardite, TEP

Sopro cardíaco

endocardite

Crepitação pulmonar, achados de derrame pleural

Pneumonia, tuberculose, neoplasia, lupus

Ascite

Peritonite bacteriana, neoplasias

Sinais de peritonismo

Apendicite, pancreatite, perfuração de alças intestinais, diverticulite

Dor pélvica, corrimento

Moléstia Inflamatória Pélvica Aguda (MIPA), endometrite, neoplasia genital

Lesões de pele localizadas

Celulite, erisipela, impetigo

Rash cutâneo

 

 

 

 

Meningococcemia, síndrome do choque tóxico (estreptococo e estafilococo), endocardite, síndromes “mono-like”, lupus, micobactérias, micoses sistêmicas, púrpura trombocitopênica, sífilis, exantema por drogas, doenças exantemáticas da infância, neoplasias, outras vasculites

Artrite, artralgia

Lupus, artrite reumatóide juvenil, febre reumática, gota, pseudo-gota, monoartrite infecciosa

Ferida Cirúrgica

Infecção de ferida cirúrgica, abscessos

Intubação Orotraqueal, Ventilação Não-Invasiva

Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica

Presença de Sonda e/ou Cateter

Infecção associada ao Sítio de Inserção do Dispositivo

 

         Procurar Rash cutâneo característico

            O rash pode ser o único sinal característico da doença por trás do quadro de febre, por isso é importante reconhecer as lesões e seus padrões. É importante saber se houve pródromo, como o rash progrediu e se mudou de padrão. Lesões purpúricas podem ocorrer na meningococcemia e na púrpura trombocitopênica trombótica. Vesículas e bolhas ocorrem em doenças por vírus da família herpes. Lesões descamativas podem ocorrer em síndrome do choque tóxico e em exantemas por drogas (mais detalhes na seção de diagnóstico diferencial). É também importante determinar as lesões no paciente HIV. Há estudos que mostram acometimento dermatológico em 80% a 90% dos casos, daí a importância de se fazer o diferencial.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

            O diagnóstico diferencial da febre é vasto e exige um amplo conhecimento epidemiológico e etiopatogênico por parte do médico (Tabela 2). É de extrema importância, portanto, racionalizar esse conhecimento para facilitar a abordagem diagnóstica dos quadros de febre. Os casos de hipertermia já têm etiologia mais bem caracterizada em grandes síndromes. Apresenta-se aqui uma classificação que busca facilitar o raciocínio diagnóstico:

 

1 - Causas de febre:

         febre no paciente vindo da comunidade

         febre no paciente internado

         febre no paciente imunocomprometido

         febre no paciente que se apresenta com rash

         febre em viajantes

         febre por drogas

 

2 - Causas de Hipertermia

         Heat Stroke

         Hipertermia Maligna

         Síndrome Neuroléptica Maligna

         Outras: Síndrome Serotoninérgica, Endocrinopatia, Dano ao Sistema Nervoso Central

 

3 - Causas de febre de Origem Indeterminada

         Infecções

         Neoplasias

         Colagenoses

 

Causas de febre

 

Paciente vindo da comunidade

            Com certeza, este é o paciente que pode ter o maior número possível de diagnósticos diferenciais. Grosso modo, pode-se dividir a etiologia da febre entre causas infecciosas e não-infecciosas (Tabela 3). A anamnese seguida de um exame físico detalhado revela essas possibilidades com mais facilidade. Na maior parte das vezes trata-se de infecções limitadas, como as de via aérea e gastroenterites. Outras causas infecciosas freqüentes são as pneumonias de comunidade, infecções urinárias, meningites e infecções de partes moles como celulite e erisipela. É importante lembrar que no Brasil a prevalência de tuberculose é grande, o que a torna um diagnóstico sempre possível. Outras infecções devem ter seu diagnóstico guiado pela epidemiologia do paciente, como malária, Leptospirose, leishmaniose, e há as situações que geram riscos mais específicos como DST e endocardite em usuários de drogas injetáveis. Entre as causas não-infecciosas, merecem destaque as causas auto-imunes, como artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico e granulomatose de Wegner, e as neoplasias, principalmente linfomas e leucemias.

 

Tabela 3: Causas de febre no Paciente vindo da Comunidade

Causas Infecciosas

Causas Não-Infecciosas

  • Gripe, Resfriado Comum
  • Faringite, amigdalite
  • Otite
  • Sinusite
  • Pneumonia
  • Gastroenterite Aguda
  • Infecção de trato urinário baixo
  • Pielonefrite
  • Hepatites
  • Meningite, Encefalite
  • Síndromes “Mono-Like”
  • Erisipela, Celulite, Impetigo
  • Tuberculose, Micobacterioses
  • Micoses Sistêmicas
  • endocardite, Miocardite
  • malária
  • febre Amarela
  • dengue
  • Leptospirose
  • doença de Chagas
  • Abscessos
  • MIPA
  • Osteomielite
  • Monoartrite infecciosa
  • Parasitoses intestinais
  • Síndrome de abstinência
  • Pós-operatório imediato
  • Reação transfusional
  • Drogas
  • AVC (isquêmico e hemorrágico), HSA
  • IAM
  • TVP/TEP
  • flebite, tromboflebite
  • Reação a contraste IV
  • Neoplasias
  • Doenças do colágeno e vasculites
  • Gota
  • Úlceras de pressão
  • Hematoma
  • Sangramento do TGI
  • Pancreatite
  • Isquemia intestinal
  • Apendicite
  • Cirrose com necrose
  • Pneumonite aspirativa
  • Embolia gordurosa
  • Rejeição de transplante
  • Doença inflamatória intestinal
  • Exercício extenuante
  • Sarcoidose
  •  

    Paciente internado

                Neste grupo deve-se dar especial atenção às infecções hospitalares, principalmente por poder se tratar de patógenos multirresistentes. Infecção hospitalar é aquela que se diagnostica após 48 horas de internação, o que ocorre em até 15% dos pacientes internados. As mais importantes são as pneumonias, ITU e infecções relacionadas a cateteres. No paciente internado também é importante lembrar da febre por agentes, especialmente quando há uma dissociação entre a melhora clínica e laboratorial e o início da febre. O surgimento de eosinófilos no hemograma fortalece essa hipótese. Como a gama de pacientes internados difere bastante, vamos relatar duas situações especiais em que o diagnóstico diferencial deve ser dirigido: o paciente em terapia intensiva e o paciente no pós-operatório.

     

    Paciente em terapia intensiva

                Em UTI, segundo as sociedades internacionais, deve-se considerar como febre temperaturas = 38,3°C. A febre aparece em 70% dos pacientes em terapia intensiva, sendo em 50% das vezes atribuída a infecções (febre entre 38,9 e 41°C são mais específicas para determinar infecção). É mandatório iniciar a pesquisa da febre por meio de hemoculturas, e na presença de instabilidade do paciente deve-se administrar antibióticos de largo espectro,  pois a mortalidade relacionada à sepse é alta. Em UTI, muitas vezes a febre está relacionada com um procedimento invasivo como IOT (pneumonia associada à ventilação mecânica), cateter venoso central (infecção de corrente sangüínea) ou SNG (Sinusite). A retirada ou troca do dispositivo invasivo faz parte da conduta terapêutica em muitos casos. Não se deve esquecer de causas não-infecciosas já que algumas podem mimetizar uma sepse como a insuficiência adrenal. Na Tabela 4 apresentamos as causas de febre no paciente em terapia intensiva.

     

    Tabela 4: Causas de febre nos pacientes em UTI

    Causas infecciosas (em ordem de importância)

    Causas não-infeccicosas

       Pneumonia associada a ventilação mecânica

       Infecções de corrente sanguínea

       Infecções relacionadas a cateteres

       Infecções intra-abdominais

       Urosepse

       Infecções de feridas cirúrgicas

       Sinusite

       Colite Pseudomembranosa

         Reação Transfusional

         Similares a Sepse: Tempestade tireotóxica e Insuficiência Adrenal

         Drogas

         TVP/TEP, IAM

         Abdominais: colecistite acalculosa, isquemia mesentérica, pancreatite aguda

         Úlceras de pressão

     

    Paciente no pós-operatório

                Na maior parte das vezes, os picos febris são precoces e têm relação direta com a síndrome de resposta inflamatória sistêmica desencadeada pelo estresse cirúrgico, sendo um quadro benigno e autolimitado. Porém, há outras causas, e para chegar ao diagnóstico leva-se em conta o momento em que a febre teve início e o procedimento em si (Tabelas 5 e 6). A investigação laboratorial deve ser guiada pela suspeita clínica, não havendo nenhuma recomendação de screening infeccioso (como urina 1, hemograma, radiografia de tórax) sem que haja necessidade. Um ponto importante é o papel das atelectasias como causas de febre. Há trabalhos que mostram que sua presença tem uma relação apenas de coincidência com a febre apresentada pelo paciente, independente do seu tamanho; portanto, outras causas devem ser pesquisadas para que não se cometa um erro diagnóstico.

     

    Tabela 5: Classificação da febre no Pós-operatório pelo Tempo e Causas Relacionadas

    Tempo de Início Da febre

    Causas Relacionadas

    Imediata (pós-operatório imediato)

             Resposta ao trauma cirúrgico (mais comum, pode durar até 3 dias conforme o tamanho da cirurgia, em geral mais prolongado em abordagens neurocirúrgicas)

             Reação adversa a medicação

             Reação a transfusão de hemoderivados

             Hipertermia Maligna (pode ter início até 10 horas após o início da anestesia)

    Aguda (1ª semana)

             Infecção de comunidade (IVAS)

             Infecção Nosocomial (Pneumonia e ITU são as mais freqüentes, principalmente se ocorreu IOT ou SVD)

             Infecção de sítio cirúrgico (em geral são sub-agudas, em apresentações agudas tendem a ser mais graves, causadas por estreptococos do grupo A e Clostridium difficile)

             IAM, TVP/TEP, flebite, crise de gota, pancreatite

    Sub-aguda ( do final da 1ª ao final da 4ª semana)

             Infecção de sítio cirúrgico (mais comum, diferencial com seromas e hematomas)

             Colite pseudomembranosa

             febre por drogas (beta-lactâmicos, antibióticos à base de sulfas, heparina, fenitoína, procainamida)

             TVP/TEP

    Tardia (após 1 mês)

             Infecções como causa geral (principalmente em pacientes em cuja cirurgia foi usado enxerto ou prótese, destaque também para endocardite)

     

    Tabela 6: Causas específicas de febre Conforme o Tipo de Cirurgia

    Local Da Cirurgia

    Causas De febre

    Cardiotorácica

             Pneumonia, mediastinite, infecção do esterno

             Derrame pleural é comum no pós-operatório – não puncionar

             Síndrome pós-pericardiotomia – pode aparecer dias a semanas após o procedimento

    Neurocirurgia

             Meningite

             TVP/TEP

    Vascular

             Infecção do enxerto

             Síndrome do “dedo-azul” (embolia arterial)

    Abdominal

             Abscesso

             Pancreatite em cirurgia de abdômen superior

    Urológica

             ITU

    Gineco-obstétrica

             Endometrite

             ITU

             Abscesso

    Ortopédica

             TVP/TEP

             Embolia gordurosa

    Oncológica

     

             Crise de gota

             TVP/TEP

    Cabeça e Pescoço

             Crise tireotóxica

    Transplantes

     

     

             Rejeição

             linfoma associado a imunossupressão

             Reativação de infecções latentes

               

    Paciente imunocomprometido

                Pacientes com câncer, em uso de corticoesteróides ou outros imunossupressores, cirróticos, diabéticos, falciformes e principalmente pacientes com HIV (Tabela 7) são considerados imunocomprometidos. As infecções são responsáveis por até 75% dos casos de febre nesses pacientes, 10% dos casos são não-infecciosos, e em 15% das vezes não se encontra explicação. Em relação específica aos pacientes HIV, uma estimativa africana mostrou que em 50% dos casos há uma infecção bacteriana, dessas, 62% são infecções do trato respiratório e enterites e, dos casos que evoluem mal, um pouco mais de 25% são por micobacterioses. Em pacientes com câncer, principalmente os neutropênicos, os bacilos Gram-negativos ganham força na proporção das causas de febre. Como regra geral, as bactérias são as grandes responsáveis por febre nos imunocomprometidos.

     

    Tabela 7: Alguns Diagnósticos em Imunocomprometidos

    Situação de Imunocomprometimeto

    Doenças Associadas

    Neutropenia febril (febre associada a leucócitos < 500 ou < 1000 e com tendência a queda) e neoplasias (principalmente hematológicas)

    Em ordem de importância: bacilos gram-negativos (especilamente Pseudomonas aeruginosa), agentes gram-positivos, fungos (principalmente Candida albicans), piora da doença de base

    HIV

    Infecções pulmonares (pneumococo é o principal agente), pneumocistose, quadros de diarréia, micobacterioses, vírus (CMV tem grande importância), toxoplamose (forma neurológica), criptococose (meningite), neoplasias (linfoma, sarcoma de Kaposi)

    Anemia falciforme

    Cocos gram-positivos, salmonela

    Diabetes

    Infecções polimicrobianas

    Esplenectomizados (cirurgia ou funcionalmente)

    Germes capsulados: pneumococo, meningococo e Haemophilus influenzae

     

    Paciente com rash

                O padrão do rash pode ser de grande valia na diferenciação dos quadros de febre. Há alguns padrões que englobam grupos de doenças, a saber: maculopapular de distribuição central, distribuição periférica, descamativos-confluentes, vesículo-bolhosos, urticariformes, nodulares, purpúricos e ulcerosos. Há três situações que merecem destaque pela gravidade associada aos quadros: meningococcemia, endocardite bacterina e síndrome do choque tóxico. A Tabela 8 apresenta as principais doenças associadas aos padrões de rash.

     

    Tabela 8: padrões de Rash e principais doenças associadas

    Padrão do rash

    Doenças mais frequentemente associadas

    Máculo-papular de distribuição central

    sarampo, rubéola, exantema súbito, HIV primário, mononucleose infecciosa, exantema por drogas, Leptospirose, doença de Lyme, febre tifóide, dengue, eritema marginatum da febre reumática, lupus eritematoso sistêmico, doença de Still,

    Padrão periférico de distribuição

    Gonococcemia disseminada, meningococcemia crônica, sífilis secundária, eritema multiforme, endocardite bacteriana

    Eritema descamativo confluente

    Escarlatina, doença de Kawasaki, síndrome do choque tóxico por cocos gram positivos, síndrome da pele escaldada estafilocócica, necroepidermólise tóxica

    Vesículo-bolhosos

    varicela, herpes vírus, ectima gangrenoso (pseudomonas e estafilococo)

    Urticariforme

    Vasculites

    Nodulares

    Infecções disseminadas (micobacterioses, micoses), eritema nodoso

    Purpúricas

    Meningococcemia aguda, dengue, púrpura fulminans, púrpura trombocitopênica trombótica/síndrome hemolítico-urêmica, vasculite de pequenos vasos

    Úlceras e escaras

    Tularemia, ectima gangrenoso, antrax

     

    Febre em viajantes

                febre é um sintoma relatado por até 3% dos pacientes com história de viagem recente, incluindo os últimos meses. Mais da metade já relata o sintoma entre o final da viagem e a primeira semana após o retorno. As causas mais comuns são infecções de via aérea e a “diarréia dos viajantes”, que conta com várias causas (E. coli, salmonela, shiguela, campilobacter, cólera, parasitas, febre tifóide, entre outros). Portanto, deve-se primeiro descartar infecções corriqueiras e então pensar em doenças relacionadas à exposição geográfica. O ponto mais importante é a relação entre a viagem em si e o início dos sintomas, pois o período de incubação pode ajudar muito no diagnóstico. A Tabela 9 apresenta as principais doenças conforme o tempo de incubação. De acordo com o CDC norte-americano, a malária deve ser sempre considerada independentemente do local para onde se viaje, pois, em geral, é a doença mais grave. As regiões entre os trópicos têm uma epidemiologia semelhante. dengue, leishmaniose, hepatites, riquitesioses, Leptospirose, filariose, tuberculose, esquistossomose são as doenças mais relatadas. Algumas particularidades como doença de Lyme e riquitesioses são mais relatadas na América do Norte e na Europa Ocidental. febre amarela é freqüente no México à América do Sul e na África, bem como as tripanossomíases. O Caribe ainda conta com intoxicações por peixes exóticos; e no Sudeste Asiático encontra-se a encefalite japonesa. Deve-se lembrar das DST, pois até 20% dos pacientes relatam contato sexual durante a viagem. Uma causa não-infecciosa que deve ser citada é a síndrome da classe econômica ou “Jet-Leg”, na qual ocorre tromboflebite e TEP.

     

    Tabela 9: Diferencial de febre no Viajante segundo Período de Incubação

    Período De Incubação

    Causas mais freqüentes (relacionar com região geográfica)

    Curto – 7 a 10 dias

    malária, dengue, HIV, influenza, Leptospirose, febre amarela, doença de Lyme, encefalite japonesa, difteria, toxoplasmose, arbovirose.

    Médio – aproximadamente 1 mês

    Abscesso amebiano, coccidioidomicoses, CMV, hepatites A, C, E, leishmaniose visceral, esquistossome aguda, triponossomíases.

    Longo – mais de  3 meses

    brucelose, abscesso amebiano, filariose, hepatites B e C, sífilis, tuberculose, malária.

     

    Febre por agentes

                Diagnóstico de exclusão. febre pode ser a manifestação de uma reação adversa em até 5% dos casos. Os pacientes mais suscetíveis são aqueles em uso de diversas medicações, idosos e HIV-positivos. Define-se como febre por agente aquela coincidente com a administração de agente, desaparecendo com a suspensão desse (não há nenhuma outra causa evidente clínica ou laboratorialmente). Rash cutâneo, que muitos esperam encontrar como pista, só ocorre em 18% dos casos, mais freqüentemente nos pacientes HIV-positivos. Laboratorialmente, pode-se encontrar leucocitose com eosinofilia em cerca de 20% dos casos. A Tabela 10 mostra os principais agentes envolvidos segundo o mecanismo responsável pela febre.

     

    Tabela 10: Mecanismos de Surgimento de febre por Drogas e Fármacos mais Relacionados

    Mecanismo Envolvido

    Drogas Relacionadas

    Hipersensibilidade – mais comum, surge a partir do 2º dia até a 3ª semana (média de 8 dias), desaparece em 72 a 96 horas com a suspensão da medicação

             Anticonvulsivantes (carbamazepina e fenitoína)

             alopurinol

             Heparina

             Antibióticos (beta-lactâmicos, sulfas, nitrofurantoína)

             Associação metotrexate + azatioprina

    Alteração da termorregulação – drogas que agem no centro termorregulador do hipotálamo

             Hormônio tireoidiano

             Atividade anticolinérgica – antidepressivos tricíclicos, atropina, anti-histamínicos, fenotiazinas

             Atividade simpatomimética – anfetaminas, cocaína, ecstasy

    Administração da droga – relacionadas à infusão

             Anfotericina B

             Bleomicina

             Vancomicina

    Efeito farmacológico da droga – lise celular ou bacteriana

             Quimioterapia para tumores sólidos, linfoma e leucemia (nesses casos a febre é precoce com início na 1ª semana pós quimioterapia o que a diferencia de uma possível Neutropenia Febril)

             Reação de Jarish-Herxheimer – equivalente da quimioterapia, só que com lise de microorganismos, mais comumente sífilis terciária, brucelose, esquistossomose e tripanossomíase

    Idiossincrasias – relação com fatores genéticos, são causas de Hipertermia e não de febre

             Succinilcolina, halotano – Hipertermia Maligna

             Haloperidol – Síndrome Neuroléptica Maligna

             Inibidores da recaptação de serotonina, LSD, Lítio, iMAO – Síndrome Serotoninérgica

     

    Causas de hipertermia

     

    Heat stroke

                Descrita como aumento de temperatura > 40,5oC e disfunção do SNC (delirium, convulsões, coma) na vigência de aumento de temperatura gerada pelo ambiente que não consegue ser dissipada. É dividida entre forma clássica, em que o problema reside na dificuldade em gerar perda de calor por condições de base: doença cardiovascular, neuropsiquiátrica, obesidade ou idade avançada. A outra forma é a por esforço, geralmente ocorrendo em situações de atividade física extrema em ambientes com alta temperatura. Achados comuns são leucocitose acima de 30 mil leucócitos e alcalose respiratória. Pode evoluir com complicações como SARA, CIVD e IRA.

     

    Hipertermia maligna

                Condição genética, provavelmente de padrão autossômico dominante, em que ocorre aumento de temperatura, em geral > 45oC, associado a rigidez muscular, taquicardia, cianose, arritmias e hipotensão. Tal quadro é visto como resposta idiossincrática na vigência de uso de anestésicos, mais especificamente succinilcolina e halotano e seus derivados. Em geral se desenvolve na primeira hora após administração dos anestésicos, mas pode se manifestar até dez horas depois da indução. Achados laboratoriais são o aumento na produção de CO2, acidose mista e distúrbios eletrolíticos. Evolui com rabdomiólise, IRA e CIVD em grande parte dos casos.

     

    Síndrome neuroléptica maligna

                Condição associada ao uso de neurolépticos (ocorre em 3% dos usuários) e ao bloqueio dos receptores dopaminérgicos no SNC. É composta por quatro sintomas cardinais: aumento de temperatura, rigidez muscular (com pouca freqüência há tremores, coréia e discinesia), alteração do SNC (rebaixamento, delirium, catatonia) e disautonomia, essa última responsável pela alta mortalidade por gerar alterações hemodinâmicas. Haloperidol é o neuroléptico mais associado, mas os outros também podem causar a síndrome (clorpromazina, clozapina, olanzapina e risperidona). Medicações que também estão associadas são metoclopramida e prometazina, e há relatos em relação à descontinuação do uso de levodopa em pacientes com Parkinson. Os sintomas em geral se desenvolvem nas primeiras duas semanas de uso, mas podem se manifestar a qualquer momento. É comum achar acidose metabólica, distúrbios de potássio e sódio, leucocitose importante, CPK > 1.000 U/L e evolução para IRA.

     

    Outras causas

                Síndrome Serotoninérgica: semelhante à Síndrome Neuroléptica Maligna, mas é desencadeada por inibidores de recaptação de serotonina. O quadro clínico é semelhante, mas chama atenção algumas diferenças: a presença de vômitos e diarréia, hiper-reflexia, mioclonia e ataxia.

    Causas endocrinológicas: causam aumento da termogênese, as mais descritas são a tireotoxicose e o feocromocitoma.

    Lesões de SNC: hemorragias cerebrais, lesão hipotalâmica e status epilepticus.

     

    Causas de febre de origem indeterminada (FOI)

     

    Infecções

                Principalmente após o advento da Aids, comporta-se como o grupo das principais causas de FOI. As casuísticas variam entre 20% e 40%. Sem sombra de dúvida, as infecções mais freqüentes são as tuberculoses em formas não-pulmonares (há casuísticas que sozinhas respondem por quase 60% dos casos). A seguir, vêm os abscessos e a endocardite bacteriana. Outras causas são CMV, micoses sistêmicas, toxoplasmose, hepatites e osteomielite.

     

    Neoplasias

                Chegam a ter participação de até 20% nas causas. Em algumas descrições perdem apenas para tuberculoses e abscessos em freqüência. Os maiores causadores de febre são: leucemias, linfoma (destaque para os não-Hodgkin), carcinoma de células renais, carcinoma hepatocelular, metástases hepáticas e ósseas.

     

    Colagenoses

                Chegam a corresponder a 25% dos casos. Entre os jovens, a causa mais descrita é a artrite reumatóide juvenil, e entre idosos, a arterite de células gigantes, que pode chegar a 15% dos casos de FOI em idosos. lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide e doença mista do tecido conectivo também podem causar febre. Outras vasculites que causam febre são: poliarterite nodosa, arterite de Takayasu, granulomatose de Wegener, crioglobulinemia e doença de Still.

     

    Outras causas

                Aqui se incluem agentes (muitas vezes é importante descontinuar todas as medicações suspeitas nos pacientes com FOI para se chegar ao diagnóstico), hematoma, TEP, febres familiares, causas endocrinológicas (feocromocitoma, insuficiência adrenal e hipertiroidismo), doença inflamatória intestinal e febre factícia.

     

    EXAMES COMPLEMENTARES

                Os exames complementares devem ser dirigidos. Em boa parte dos casos de febre eles são desnecessários pela simplicidade do diagnóstico: IVAS, GECA, ITU baixa em mulheres. Uma parcela dos casos irá necessitar de apenas um ou dois exames, como uma radiografia de tórax ou hemograma. Quadros de sepse podem precisar de hemoculturas para auxiliar no diagnóstico do agente infeccioso. Algumas condições exigem conduta invasiva por punção: meningites (pesquisar: celularidade, proteína, glicose e culturas para bactérias), derrames pleurais (pesquisar: proteínas, DHL e culturas), ascites (pesquisar: albumina, celularidade e culturas) e monoartrites (pesquisar: cristais, celularidade e culturas). Nas Tabelas 11 e 12 encontram-se os exames mais rotineiros na pesquisa de febre.

                Provavelmente, as situações em que mais se obtém benefício de exames complementares são as febres de origem indeterminada, apesar de descrições de que até 40% dos casos ficam sem diagnóstico. A pesquisa de micobactérias por vezes se mostra difícil, vindo o diagnóstico muitas vezes por biópsia, culturas (que demoram a crescer) ou por insistência no diagnóstico. Tomografia de abdome tem acurácia de 20% para detectar abscessos. Cintilografia com tecnécio tem especificidade próxima de 95% para detectar inflamação ou infecção, porém com sensibilidade variando de 40% a 75%. Como TVP pode corresponder a 5% dos casos de FOI, Doppler venoso de membros inferiores pode ser útil.

                Todo e qualquer outro teste diagnóstico deve ser pensado e realizado conforme a suspeita clínica. Aqui se incluem biópsias, mielograma, entre outros.

     

    Tabela 11: Exames básicos na pesquisa de FOI

             Hemograma

             DHL

             Bilirrubinas

             Trasaminases

             Enzimas Canaliculares

             Urina 1

             Urocultura

             Pesquisa de hepatites

             Hemoculturas

             FAN

             FR

             Pesquisa de HIV

             Pesquisa de CMV e causas de síndrome “mono-like”

             Radiografia de tórax

             USG abdominal

     

    Tabela 12: Achados de exames e doenças associadas

    Exame

    Comentários e Doenças Associadas

    Radiografia de tórax

             Condensações e infiltrados sugerem pneumonia, procurar sinais de tuberculose: infiltrado em ápices, caverna. Procurar massas, padrões difusos, derrame pleural e alargamento do mediastino

    Hemograma

             Desvio á esquerda sugere infecção, mas não é uma verdade absoluta

             Leucocitose ou leucopenia importante podem apontar para doença linfoproliferativa

    Urina 1 e urocultura

             Em mulheres em idade fértil tem pouca utilidade

             O achado de piúria é o mais típico na Urina 1

             Devem ser pedidos em idosos, homens, diabéticos, falência terapêutica, pacientes internados e com doença estrutural de vias urinárias sabida

    Hemocultura

             3 pares de sítios de punção diferentes aumentam a positividade

             Útil em casos de suspeita de endocardite, pacientes internados, imunodeprimidos e na falência terapêutica

    VHS, PCR

             Provas inespecíficas de atividade inflamatória

    USG abdominal

     

     

             Direcionado a vias urinárias em suspeitas de pielonefrite pela chance aumentada de complicações

             na procura de abscessos e tumores

    Radiografia de ossos

     

             Suspeita de osteomielite (imagem surge após 10 a 14 dias)

    Transaminases e enzimas canaliculares

             Transaminases aumentadas em diversas condições, maiores valores em hepatites

             Aumento isolado de fosfatase alcalina sugere infiltração no fígado

    Testes imunológicos

             Os mais importantes são: pesquisa de HIV, sorologias para “mono-likes”, FAN e FR

     

    TRATAMENTO

                É importante lembrar que o verdadeiro tratamento da febre (ou da hipertermia) consiste em tratar a causa de base ou as complicações da doença subjacente, mas não é nossa intenção neste capítulo entrar em um campo tão vasto. O que mostraremos são as bases para tratamento do aumento de temperatura.

                Primeiro, é necessário separar os casos entre pacientes com febre e pacientes com hipertermia. O tratamento da febre envolve o uso de antipiréticos cujo papel é diminuir o set-point hipotalâmico facilitando a perda de calor. Já na hipertermia, as medidas físicas são as de maior importância, não necessitando de antipiréticos pela própria fisiopatologia envolvida.

                Em relação à febre, para exercer um raciocínio crítico, analisaremos prós e contras. A decisão de tratar a febre é favorecida pelos seguintes aspectos:

     

             Não há evidência de que a febre ajude no tratamento de infecções ou que exerça função de auxílio na resposta imune – não há por que deixá-la sem controle.

             Para cada 1ºC acima de 37ºC, há aumento de até 13% no consumo de oxigênio no organismo – um efeito deletério e agravante para a maior parte dos pacientes.

             Reduzir a febre também controla sintomas sistêmicos como cefaléia, mialgia, artralgia e mal-estar.

             Não há benefício comprovado do ponto de vista diagnóstico em deixar a febre persistir.

     

    Mas há alguns pontos que poderiam contrariar a decisão de tratamento da febre:

     

             A maior parte dos quadros febris se relaciona a infecções autolimitadas.

             Tratar a febre não altera a resolução da doença envolvida.

             Há algumas doenças onde o padrão da febre pode servir como pista para o diagnóstico.

     

                Levando em conta o custo das medicações com efeito antitérmico e os benefícios em relação ao paciente, a melhor opção é “tratar” a febre. Não é necessário manter medicação de forma a evitar a elevação da temperatura no paciente (medicação de horário). Basta deixar a medicação em uso conforme a temperatura, tanto para o paciente internado quanto para o que recebe alta para tratamento em casa. A Tabela 13 mostra os principais antipiréticos de utilização na prática clínica.

                Já em relação à hipertermia, a maior parte dos casos tende a ser grave, por isso ela deve ser tratada prontamente e, a seguir, verificadas possíveis complicações, principalmente eletrolíticas e renais (Tabela 14). A principal forma de terapia é a utilização de métodos físicos para diminuir a temperatura do corpo. Em especial na Hipertermia Maligna, a medicação dantrolene tem evidência de benefício nas formas fulminantes melhorando a mortalidade de 70% para menos de 10%. A Síndrome Neuroléptica Maligna também exige terapêutica específica, na qual a medicação de escolha é a bromocriptina cujo papel é restaurar o tônus dopaminérgico. Em casos refratários pode-se recorrer à eletroconvulsoterapia. Deve-se lembrar que fármacos que tiveram papel no desenvolvimento da hipertermia devem ser prontamente descontinuados.

     

    Tabela 13: Tratamento da febre

    Medicação e Doses

    Observações

             Dipirona IM/IV – 1 a 2,5g/dose até 4 x/dia, dose máxima preconizada: 3g/dia (apresentação 500mg/ml)

             Dipirona VO – 500 a 1000mg/dose até 4 x/dia (apresentação gotas: 500mg/ml = 20 gotas ou comprimidos de 500mg)

             Pode ser administrada por via parenteral

             Efeito analgésico potente

             Não se encontra citado seu uso na literatura médica (norte-americana em especial), mas é a medicação mais usada em nosso meio.

             Paracetamol VO – de 500 a 1000mg/dose até 4 x/dia

             Só apresentação VO

             Risco de hepatotoxicidade em doses elevadas (em geral > 4g/dia)

             Ácido acetil-salicílico (AAS) VO – 325 a 650mg/dose até de 4/4horas

             Contra-indicado em casos de suspeita de dengue e história de hipersensibilidade

             Cautela em pacientes com história de sangramento por úlcera péptica, outros sangramentos e trombocitopenia.

     

    Tabela 14: Tratamento da Hipertermia

    Terapia

    Observações

    Métodos Físicos Externos

             Evaporação: ventiladores, retirar roupas, manter corpo úmido

     

             Troca: bolsas de gelo no pescoço, virilhas e axilas, imersão em água, cobertor térmico

     

             Método de escolha – fácil, leva em conta aspectos fisiológicos

     

             Podem causar vasoconstrição piorando troca, bolsas podem ser incômodas no paciente consciente, imersão dificulta monitorização

    Métodos Físicos Internos

             Fluídos resfriados IV, por lavagem gástrica ou lavagem peritoneal

     

     

             Hemodiálise, Circulação Extra-corpórea

     

             Cuidado: intoxicação por excesso de água livre, lavagem peritoneal não deve ser realizada em gestantes ou pacientes com antecedente de cirurgia abdominal

             Em casos especiais e selecionados

             dantrolene IV – bolus 2mg de 5/5 min, dose máxima 10mg (pode ser repetido após 10 a 15 horas). Manutenção: 1mg/kg a cada 4 a 6h por 24 a 36 horas

             Indicado na Hipertermia Maligna, é um relaxante muscular potente

             Fazer ataque até sintomas regredirem, depois iniciar manutenção

     

    Outros fármacos na Hipertermia Maligna:

             Benzodiazepínicos IV

             procainamida

     

             para diminuir os tremores

             descrita como útil no surgimento de Fibrilação Ventricular, freqüente na Hipertermia Maligna

             bromocriptina VO/SNG – 2,5mg 3 a 4x/dia, pode-se subir a dose até um máximo de 40mg/dia

             Amantadina VO/SNG – 100mg /dose até um máximo de 200mg 12/12h

             Primeira escolha na Síndrome Neuroléptica Maligna

     

             Opção na ausência de bromocriptina

     

    TÓPICOS IMPORTANTES E RECOMENDAÇÕES

             febre é um sintoma cardinal de diversas doenças. Em poucas situações na medicina arte e tecnologia devem ser tão aliadas quanto nos casos de febre de difícil diagnóstico.

             A maior parte dos casos se trata de infecções de comunidade, boa parte delas auto-limitadas e sem necessidade de tratamento específico. Não faça diferenciais complicados em casos simples.

             Nunca esquecer de causas não infecciosas quando o diagnóstico não parece óbvio. Neoplasias e doenças do colágeno são as causas mais importantes de febre não-infecciosa e devem ser lembradas nessas situações.

             Rash cutâneo pode ser muito útil para diagnosticar uma doença. Reconhecer um padrão pode ser a única pista que você terá para estabelecer um diagnóstico.

             Não peça exames desnecessariamente. Exames demais podem aumentar a sua sensibilidade de detecção mas com certeza não trazem benefício em termos de especificidade. Nos casos simples basta anamnese e exame físico. Sempre faça a triagem da necessidade de uma radiografia de tórax, um hemograma ou análise de urina. Peça os demais exames de forma direcionada, com uma hipótese já formulada.

             Pensar em situações específicas pode auxiliar muito. Pacientes internados, imunocomprometidos, viajantes, entre outros, configuram grupos com etiologias mais direcionadas como causa de febre.

             Nunca esquecer das situações onde ocorre hipertermia. A mortalidade e as complicações nesses casos são altas e a conduta é totalmente diferente da tomada em quadros de febre, exigindo ações de emergência.

             Dentre as causas de febre de Origem Indeterminada merecem destaque a tuberculose e outras micobacterioses, abscessos, endocardite, neoplasias e doenças do colágeno. Boa parte dos casos pode ficar sem diagnóstico mas tendem a ter evolução benigna.

     

    ALGORÍTMO

    Algorítmo 1: Avaliação de aumento de temperatura

     

    BIBLIOGRAFIA

    1-     Kasper DL, Fauci AS, Longo DL, Baunwald E, et al.: Harrison´s Principles of Internal Medicine, McGraw-Hill, 16ª edição: Dinarello CA, Gelfand JA, Fever and Hyperthermia: Capítulo 16.

    2-     Kasper DL, Fauci AS, Longo DL, Baunwald E, et al.: Harrison´s Principles of Internal Medicine, McGraw-Hill, 16ª edição: Kaye ET, Kaye KM, Fever and Rash: Capítulo 17.

    3-     Kasper DL, Fauci AS, Longo DL, Baunwald E, et al.: Harrison´s Principles of Internal Medicine, McGraw-Hill, 16ª edição: Gelfand JA, Callahan MV, Fever of Unknown Origin: Capítulo 18.

    4-     Goroll, AH, Mulley AG.: Primary Care Medicine, Lippincott Williams & Wilkins, 5a Edição: Evaluation of Fever, Capítulo 11.

    5-     Pora R, Dinarello CA. Pathophysiology and treatment of fever in adults: Uptodate®: http://www.uptodate.com: Software 13.2: 2005

    6-     O’Grady NP et al.: Practice Guidelines for Evaluating New Fever in Critically Ill Adult Patients. Clinical Infectious Diseases 1998; 1042-59.

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    8-     Simon HB.: Hyperthermia. N Engl J Med 1993; 329:483

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    10-  Krause, T, Gerbershagen, MU, Fiege, M, et al.:dantrolene--a review of its pharmacology, therapeutic use and new developments. Anaesthesia 2004; 59:364.

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    12-  Mackowiak, PA, LeMaistre, CF. Drug fever: A critical appraisal of conventional concepts. Ann Intern Med 1987; 106:728.

    13-  Centers for Disease Control and Prevention. Health Information for International Travel,  website: www.cdc.gov/travel/

    14-  Anglaret X et al.: Causes and Empirical Treatment of fever in HIV-infected adult outpatients. Aids 2002; 16:909-918.

    15-  Mourad O et al.: A comprehensive evidenced-based approach to fever of unknown origin. Arch Intern Med 2003; 163: 545-551.

     

    Adaptado, com autorização, do livro: Clínica Médica: dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento – Editora Manole - 2007

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