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Artrite Reumatoide Precoce

Autores:

Iêda Maria Magalhães Laurindo

Médica Colaboradora da Disciplina de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP. Médica Assistente Doutora do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Lissiane Karine Noronha Guedes

Médica Assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP.

Última revisão: 25/10/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A artrite reumatoide (AR) apresenta um curso variável e imprevisível. Para um grande número de pacientes, a AR acarreta lesões ósseas e articulares irreversíveis e um aumento da morbidade e da mortalidade. As lesões ósseas ocorrem precocemente no curso da doença, sendo que a diminuição do espaço articular e erosões ocorrem em 67 a 76% dos pacientes nos primeiros dois anos de evolução.

A ideia de realizar um tratamento agressivo com drogas modificadoras de doença é amplamente aceita e praticada há cerca de duas décadas, porém não consegue evitar ainda as perdas funcionais e da capacidade laborativa de forma satisfatória. Cerca de 50% dos pacientes são incapacitados para o trabalho após 10 anos de AR e 90% têm algum grau de perda funcional em duas décadas de doença.

Muitos esforços têm sido feitos para o desenvolvimento de novas drogas (biológicos) e esquemas terapêuticos eficazes. Porém, ainda podemos notar que a remissão completa da doença é um objetivo de difícil alcance e sustentação e que há sempre um grupo de pacientes resistentes às terapias ou esquemas de associação existentes. Por exemplo, mesmo em estudos recentes de associação de metotrexato a agentes inibidores da citocina pró-inflamatória TNFa, observou-se cerca de 30% de pacientes não responsivos.

Especula-se que esta dificuldade em obter uma resposta adequada e definitiva na AR se deva a um atraso no início do tratamento com drogas modificadoras de doença. Estamos interferindo na doença em estágios muito avançados, onde a quantidade de pannus (sinóvia proliferada e invasiva) é grande e lesões na articulação já ocorreram e se autoperpetuaram a despeito da alta carga medicamentosa.

Acredita-se que este atraso no tratamento da AR ocorra por uma série de fatores que englobam problemas de ordem social, educacional e outros inerentes a própria doença, como as características clínicas iniciais mais leves e inespecíficas do que as presentes na AR de longa evolução. Fatores da ordem social e educacional que podem ser citados incluem a demora dos pacientes em procurar a assistência médica por sintomas articulares característicos de uma artrite inflamatória inicial, o uso indiscriminado de antiinflamatórios não hormonais (AINH) sem a devida prescrição médica (que ocorre em muitos países), assim como a falta de médicos nas unidades básicas de saúde capazes de detectar e encaminhar aos especialistas problemas articulares suspeitos de doença inflamatória crônica. O encaminhamento ao reumatologista é comprovadamente benéfico nestes casos, pois leva a uma perda funcional significativamente menor quando comparado ao tratamento realizado por não especialistas, devido à introdução e progressão no uso das drogas modificadoras de doença de forma mais rápida e efetiva.

Para tentar minimizar estes obstáculos ao tratamento precoce da AR, vários grupos de artrite inicial foram criados por reumatologistas ao redor do mundo. Dedicam-se à difícil tarefa de tentar definir e classificar AR precoce: quando ou com quanto tempo de sintomas uma AR seria precoce ou deixaria de ser precoce? Além disso, tentam descobrir a melhor forma de intervenção medicamentosa, os fatores preditivos ao desenvolvimento da AR erosiva e a melhor maneira de orientar o encaminhamento de pacientes suspeitos das unidades básicas de saúde ao reumatologista.

Hoje, baseados em estudos realizados nestes grupos e em consensos de especialistas como o do EULAR de 2007 (European League Against Rheumatism), já foram desenvolvidos guias de encaminhamento de pacientes ao reumatologista, que basicamente selecionam aqueles com alto índice de suspeita para AR, o que se traduz pela presença de pelo menos um dos 3 achados apresentados na Tabela 1. O ideal é que o encaminhamento ocorra dentro das primeiras 6 semanas a partir do início dos sintomas, pois é a fase em que a intervenção potencialmente apresenta os maiores benefícios.

Também já foi possível determinar alguns fatores preditivos ao desenvolvimento de AR erosiva (Tabela 2).

 

Tabela 1: Guia de encaminhamento de pacientes ao reumatologista

Presença de qualquer um dos seguintes:

> 1 articulação edemaciada

Envolvimento de MTC/MTT - teste de squeeze positivo

Rigidez matinal > 30 min

Siglas: metacarpofalangeanas (MCF); metatarsofalangeanas (MTT).

 

Tabela 2: Fatores de risco de dano radiográfico na avaliação inicial de AR precoce

FR IgM ou IgA = 1/80

Anticorpo anti-CCP positivo

Alto índice de atividade de doença inicial, mais relacionado a articulações edemaciadas que dolorosas

Envolvimento de 2 ou mais articulações grandes

Erosões evidentes no primeiro ano de doença

Artrite de mãos e pés

Raça branca

3 ou mais meses de duração de doença

Sexo feminine

Aumento da VHS ou PCR

Presença de HLA-DR4 positivo ou DR2 negativo

Sintomas de fadiga ou cansaço

Presença de Raynaud

Siglas: fator reumatoide (FR), antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP), velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C reativa (PCR).

 

Até o momento, não existe uma definição clara de AR precoce. Inicialmente, a maioria dos grupos atribuiu este termo arbitrariamente a pacientes com menos de 5 anos de sinais e sintomas de AR (de acordo com os critérios do ACR), a seguir, àqueles com menos de 3 anos, 2 anos, 1 ano e, finalmente, a tendência atual é conferir o nome “precoce” a pacientes com menos de 3 meses de doença. Isso porque, baseados em estudos de fisiopatologia da AR precoce, esta parece ser a época em que o processo inflamatório é diferente da AR definida e mais suscetível a intervenção medicamentosa. Um estudo publicado no Annnals of Internal Medicine por Pincus et al. demonstrou que, nesta fase da intervenção, o uso de estratégia com múltiplas drogas levou a benefício em controle da doença.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A causa da AR é ainda desconhecida. Supõem-se que fatores genéticos, ambientais, agentes bacterianos (antígenos) e alterações da autoimunidade precisam estar presentes durante uma fase preliminar assintomática, que pode durar dias, meses, anos ou toda a vida, sendo necessário algum novo estímulo para desencadear o processo agudo ou artrite inicial ou AR precoce. Para que esta persista ou não, outros elementos são necessários, provavelmente genes, fatores do meio ambiente, talvez persistência de algum antígeno e mesmo fármacos. É nesta fase que se propõe a existência de uma “janela de oportunidade” para o tratamento, que, introduzido dentro de um período de 12 semanas após o início dos sintomas, talvez 24 semanas, eventualmente ainda dentro de 1 ano, teria maiores probabilidades de induzir remissão do doença. Finalmente, uma vez estabelecido o quadro persistente, quer seja AR, espondiloartropatias ou indiferenciada, uma evolução crônica, sempre sob tratamento, é esperada (Figura 1).

 

Figura 1: Etiologia e fisiopatologia de artrite reumatóide.

 

Artrite reumatoide FR+

Artrite reumatoide FR -

Artrite soronegativa

Artrite indiferenciada

Artrite

 

Inflamatória

 

persistente

Genes (cronicidade)

Fatores

ambientais

fármacos

Persistência

do agente

Artrite

 

Inflamatória

 

aguda

Genes (suscetibilidade)

Fatores

Ambientais

Virus

Bactérias

Autoimunidade

(ACPA, FR)

assintomático

inicial /precoce

estabelecido

dias, semanas,meses,

anos, décadas, toda a vida

 12 semanas, 24 semanas??, um ano????

“janela de oportunidade”

anos???, toda a vida

 

ACHADOS CLÍNICOS

Os achados clínicos da AR precoce são extremamente variáveis e muitas vezes diferem dos achados clássicos da AR de longa duração, na qual o quadro de poliartrite é o mais comum, afetando pequenas articulações de mãos e pés e com rigidez matinal maior do que 1 hora.

O paciente com AR precoce pode apresentar-se com:

 

  artrite: uma oligoartrite persistente (< 4 articulações por mais de 6 semanas) ou classicamente uma poliartrite(> 4 articulações). A artrite se caracteriza por história de dor articular e presença, ao exame físico, de eritema local discreto, calor e aumento de volume articular com proliferação do tecido mole articular e sinóvia, gerando a chamada sinovite;

  sintomas gerais: febre, emagrecimento, cansaço e fraqueza;

  rigidez articular: é uma rigidez nos períodos de inatividade articular (ou matinal) de duração variável, mas, na maioria dos casos, é inferior a 1 hora;

  manifestações extra-articulares: vasculite, acometimento ocular (esclerite ou uveítes), fibrose pulmonar, entre outras, são extremamente raras nesta fase da doença.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Não há um teste específico para AR, sendo necessários para o diagnóstico definitivo da doença uma somatória de sinais e sintomas característicos. A maioria dos protocolos clínicos e das clínicas de artrite precoce baseiam-se ainda nos critérios revisados de classificação do Colégio Americano de Reumatologia para AR (ACR, 1987) para definir a doença. A necessidade de um novo critério para as fases iniciais da doença é reconhecida pela comunidade reumatológica, porém, até o momento, esta é uma questão em aberto.

Como se sabe, os quadros iniciais da doença nem sempre apresentam os mesmos achados clínicos e laboratoriais da AR de longa duração. Muitos pacientes das clínicas de artrite precoce são inicialmente classificados como artrite indiferenciada ou AR possível, ou seja, têm artrite persistente (mais de 6 a 8 semanas), porém não preenchem os critérios para AR ou para outras artropatias inflamatórias segundo as orientações do ACR.

Estes pacientes podem evoluir para a remissão completa (cerca de 10%), para AR, outra artropatia inflamatória ou colagenose, e/ou ainda permanecer com quadro indiferenciado por vários anos.

Quando estamos diante de um paciente com um quadro sugestivo de AR precoce, este normalmente está apresentando artrite em pelo menos 2 articulações, edema articular e rigidez matinal. O diagnóstico diferencial engloba toda a gama de diagnósticos possíveis de uma oligoartrite ou poliartrite inflamatória. Varia desde quadros infecciosos crônicos, como uma doença gonocócica disseminada ou hepatites virais crônicas, a outras doenças autoimunes.

É consenso entre a comunidade reumatológica que o exame clínico deve ser o método de escolha para o diagnóstico de artrite, porém, em casos dúbios, a ultrassonografia com Doppler e a ressonância magnética com contraste podem ser utilizadas para detectar sinovite. Estes métodos já se mostraram mais sensíveis que o exame físico em alguns poucos trabalhos controlados, sendo necessária sua melhor padronização antes do um emprego mais difundido.

Logo, para uma melhor avaliação do diagnóstico e desfecho nas artrites, tem-se proposto que o primeiro passo no diagnóstico dos pacientes deva ser o reconhecimento correto da presença de uma artrite inflamatória (exame articular realizado por pessoas treinadas) e o próximo passo, a exclusão de diagnóstico definido de outras doenças, como lúpus eritematoso sistêmico, espondiloartropatias, osteoartrite, etc. O passo final nessa sequência é estimar o risco de desenvolvimento de artrite persistente e erosiva (análise de fatores prognósticos) para se propor, assim, a melhor opção terapêutica.

Para a exclusão de outras doenças no paciente com artrite inicial, devemos realizar uma história clínica e um exame físico detalhados, e incluir pelo menos os seguintes exames laboratoriais: hemograma completo, urianálise, transaminases e dosagem de fator antinuclear (FAN). O procedimento diagnóstico também pode incluir a análise de ácido úrico sérico e urinário, bem como sorologias para Lyme e hepatites de acordo com o contexto. Testes de VHS, PCR, anti-CCP são testes úteis para a avaliação de prognóstico e extensão de inflamação mais do que com o diagnóstico.

A faixa etária do paciente costuma ajudar no diagnóstico. Por exemplo, pessoas idosas podem ter quadros de osteoartrite nodal de mãos com características muito inflamatórias. Mulheres jovens e sexualmente ativas são mais propensas aos quadros de autoimunidade, como o lúpus eritematoso sistêmico e a síndrome de Sjögren, ou infecciosos, como a doença gonocócica disseminada. Porém, para todos estes quadros de poliartrites, existem características marcantes de cada doença que podem ser descobertas pela anamnese, exame físico e exames complementares, como orientado na Tabela 3.

 

Tabela 3: Diagnóstico diferencial

Osteoartrite nodal

Ocorre em idosos, mais comumente mulheres, atinge IFPs das mãos como na AR, porém caracteristicamente acomete as IFDs, e causa rigidez matinal > 60 minutos. FR pode ser positivo em até 5% da população idosa normal e as provas inflamatórias são normais.

Lúpus eritematoso sistêmico

Ocorre mais comumente em mulheres jovens, em idade fértil, e após grandes oscilações hormonais. É um quadro complexo, que pode afetar vários órgãos e sistemas ao mesmo tempo. A paciente pode apresentar alopécia, fotossensibilidade, lesões de pele em asa de borboleta e em áreas fotoexpostas, hematúria e/ou proteinúria, pleurites e pericardites, acometimento de sistema nervoso central, poliartrite não erosiva com deformidades redutíveis, FAN em 95% das pacientes e FR em 20 a 30% dos casos. Provas inflamatórias normalmente alteradas.

Síndrome de Sjögren primária

90% dos pacientes são mulheres ao redor dos 50 anos de idade, com quadro de poliartrite geralmente não erosiva ou deformante, associado a sintomas de olhos e boca secos, pois esta doença afeta a secreção das glândulas lacrimais e salivares. Apresenta FAN em 70 a 90% dos casos, anti-Ro em 70%, anti-La em 50% e FR em 80 a 95%.

Miosites inflamatórias

Polimiosite ou dermatomiosite, mais comum em mulheres entre 10 e 15 anos e entre 45 e 55 anos de idade, possíveis quadros de poliartrite não-erosiva, mas acompanhados de sinais e sintomas de fraqueza muscular proximal ou lesões de pele típicas. FAN positivo em 50 a 80% e FR em 5 a 10% dos casos.

Doenças infecciosas crônicas

Podem levar a poliartrite ou oligoartrite crônica; deve-se sempre solicitar sorologias de hepatite e outras doenças virais na investigação inicial de uma AR precoce. Rubéola e parvovírus B19 também podem mimetizar uma AR precoce. Doença gonocócica disseminada deve ser suspeitada se mulheres em idade fértil, múltiplos parceiros e com tenossinovites generalizadas.

Artropatias soronegativas

A dor em esqueleto axial e sacroilíaca sempre deve ser questionada e, se presente com características inflamatórias, deve-se levar à suspeita de espondiloartropatia soronegativa: espondilite anquilosante, artropatia enteropática, artrite reativa, artrite psoriásica. As três primeiras comumente se apresentam com quadro oligoarticular associado. Poliartrite semelhante à da AR pode estar presente em 15 a 25% dos casos de manifestação articular da psoríase, embora as formas oligoarticulares e axiais sejam as mais comuns. Na psoriásica poliarticular, sempre se observa, porém, alguma assimetria nas artrites, maior acometimento das interfalangeanas distais e das unhas, dedos em salcicha e ausência de FR.

Condrocalcinose DRE-like

Doença de depósito de pirofosfato de cálcio intra-articular que pode ter uma forma AR-like (5%) e FR positivo em 10%. O diferencial se faz com a pesquisa de cristais de pirofosfato no líquido sinovial e depósitos destes cristais visíveis em radiografias de mãos, bacia etc.

Siglas: interfalangeanos proximais (IFPs), interfalangeanos distais (IFDs), fator reumatoide (FR), fator antinúcleo (FAN).

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Recomenda-se solicitar, na primeira avaliação de um paciente com artrite precoce, hemograma, provas de fase aguda, FR, pesquisa de anti-CCP e radiografias das articulações afetadas.

Hemograma: geralmente normal nos quadros de artrite precoce, mas, em períodos de atividade articular, pode revelar anemia normocrômica, hipocrômica, com níveis séricos de ferro baixos e capacidade total de ligação de ferro normal.

Provas de atividade inflamatória: classicamente, a VHS está elevada durante a atividade da doença e a dosagem da PCR é frequentemente positiva. Entretanto, nos casos iniciais, estes exames podem estar dentro dos limites da normalidade em até 50% dos pacientes. Níveis elevados são considerados como sugestivos de progressão para doença crônica.

Fator reumatoide: consiste na detecção de um anticorpo, geralmente da classe IgM, dirigido contra a região constante de uma IgG. O teste do FR realizado por meio da aglutinação de partículas de látex é positivo na maioria dos pacientes (80%) com doença estabelecida. Nos quadros iniciais, seria positivo em apenas 40 a 60% dos pacientes. Anticorpos de outras classes de imunoglobulinas também podem ser pesquisados, mas, apesar de o FR IgA estar associado a evolução para doença crônica, só são detectados em situações de pesquisa. Apenas o FR da classe IgM é avaliado com a utilização das técnicas habituais (Látex e Waaler-Rose ou nefelometria).

É importante salientar, principalmente em relação ao diagnóstico de AR precoce, que o FR, embora presente na maior parte dos pacientes já no primeiro ano de doença, acompanhando ou precedendo as manifestações clínicas, não é específico. Pacientes com doenças não reumatológicas, geralmente de natureza infecciosa, como tuberculose, hanseníase, sífilis, endocardite bacteriana subaguda, parasitoses, influenza, hepatite viral e mononucleose, podem apresentar FR positivo. A presença do FR também é observada em outras doenças reumatológicas e ainda na fibrose pulmonar idiopática, pneumoconiose, sarcoidose, púrpura hipergamaglobulinêmica, crioglobulinemia mista, macroglobulinemia de Waldenström, hepatite crônica ativa, cirrose, linfoma, transplantes renais e transfusões de sangue repetidas. Estudos populacionais com indivíduos saudáveis demonstraram a maior prevalência do FR com a idade, atingindo 40% em populações com mais de 60 anos, embora com títulos baixos, próximos dos limites superiores da normalidade.

Concluindo, pode-se afirmar, principalmente diante de uma doença de poucas semanas de evolução, que a ausência do FR não exclui a AR nem a sua positividade garante este diagnóstico; é um exame que deve ser sempre interpretado com cautela.

Anticorpos antipeptídeos citrulinados: Por meio de testes laboratoriais, os anti-CCP podem ser avaliados e, embora ainda em estudo, recomenda-se sua pesquisa nos pacientes com suspeita clínica de AR e FR negativo ou em títulos baixos, inferiores a 50 IU/ml. Inúmeros estudos têm confirmado a especificidade e mesmo valor prognóstico da positividade deste anticorpo, encontrado em 40 a 60% dos pacientes com AR precoce.

Radiografias: inicialmente, solicitar radiografias de mãos e pés e articulações afetadas. Nas fases iniciais da doença, observa-se apenas aumento de partes moles e porose justa-articular. A seguir, surgem erosões na margem das articulações, particularmente nas 4ª e 5ª articulações metatarsofalangeanas e face radial da 1ª e 2ª MCFs e falangofalangeanas proximais e também no processo estiloide da ulna. À medida que ocorre destruição da cartilagem, observa-se diminuição do espaço articular. Com a progressão da doença, aparece destruição do osso subcondral e osteoporose difusa. Anquilose óssea e subluxações são comuns nos quadros mais avançados. É necessário salientar que já se observam erosões em cerca de 13% dos pacientes em uma primeira avaliação dentro dos primeiros 3 meses de doença.

As radiografias ainda são consideradas o padrão-ouro para avaliar a presença de erosão na AR precoce. Exames mais sensíveis como ultrassonografia e ressonância magnética estão ainda em fase de estudo e padronização, não podendo ser recomendados como parte da avaliação de rotina destes pacientes. Persiste em discussão a especificidade dos métodos, dependência do operador e interpretação das imagens.

 

TRATAMENTO

As metas do tratamento da AR precoce são similares às da AR clássica: controle da dor e do edema (sinovite), evitando a progressão da doença com um mínimo de efeitos adversos, e com um acréscimo importante: procurar induzir remissão o mais rapidamente possível.

Diferentes estudos têm sugerido que o momento “ótimo” para isso seria dentro do primeiro ano dos sintomas, preferencialmente antes dos 6 meses, nas primeiras 12 semanas de sintomas – a chamada “janela de oportunidade”.

Evidentemente, existem os pacientes com artrite precoce que entram em remissão espontânea (artrite autolimitada) e aqueles com doença leve, com pouca probabilidade de progressão radiológica. Logo, a decisão de tratamento nas artrites precoces não deve seguir uma conduta padronizada. Cada caso deve ser avaliado com bom senso, e a busca por pacientes potencialmente mais graves deve ser contínua, visando a um tratamento mais intenso nestes casos. Para isso, os fatores prognósticos e de evolução para artrite erosiva devem ser sempre pesquisados durante o acompanhamento do paciente, pois em cerca de 54% dos doentes com artrite inicial não se consegue a classificação da doença em seus primeiros meses.

O seguimento destes pacientes deve ser cuidadoso, recomendando-se retornos mensais tanto para identificar resposta como persistência do processo inflamatório, realizando-se as necessárias alterações terapêuticas de forma mais rápida. Atualmente, para realizar o acompanhamento destes pacientes, recomendamos o uso de:

 

  provas de atividade inflamatória (VHS ou PCR), que devem normalizar indicando resposta ao tratamento;

  radiografias seriadas de mãos e pés na consulta inicial, a cada 6 meses durante o primeiro ano e então, a critério clínico, anualmente. A presença de novas erosões indica necessidade de reavaliar a estratégia terapêutica;

  medidas mais objetivas de atividade de doença como índices compostos de avaliação, entre os quais podemos citar o DAS 28, que ajuda a definir níveis de atividade e remissão de doença (DAS 28 < 2,6). A remissão é sempre o objetivo principal.

 

Em termos práticos, antiinflamatórios e analgésicos devem ser utilizados para melhora dos sintomas, assim como fisioterapia, terapia ocupacional, programas educacionais, apoio psicológico e exercícios devem ser oferecidos aos pacientes desde o início do tratamento.

A introdução de uma droga modificadora da artrite reumatoide (DMARD) deve ser realizada tão logo o diagnóstico de uma AR precoce ou de uma artrite indiferenciada possa ser estabelecido. O uso de corticosteroide em baixas doses (5 a 7,5 mg/dia) ou intra-articular pode ser de grande valia enquanto se aguarda a resposta a uma DMARD.

Entre as DMARD, o metotrexato é considerado a droga de primeira escolha naqueles pacientes com risco de progressão para doença erosiva, pois vários trabalhos randomizados e controlados com esta droga já demonstraram sua eficácia e superioridade em relação a outros DMARD tradicionais em pacientes com AR não precoce. Em pacientes precoces, seu uso foi tão eficaz quanto o dos inibidores do TNFa em monoterapia.

Outro argumento ao uso precoce do metotrexato é sua fácil associação a outras medicações DMARD que possam ser necessárias, inclusive os agentes biológicos.

A administração do metotrexato pode ser associada ao uso de ácido fólico (1 a 2 mg/dia) para minimizar efeitos adversos. O metotrexato pode ser usado por via oral, subcutânea ou intramuscular. A dose máxima sugerida é de 25 a 30 mg, 1 vez/semana, em uma única tomada para reduzir efeitos colaterais, administrada por via oral (10 cps de 2,5 mg) ou injetável. A via injetável frequentemente permite atingir doses maiores e é melhor tolerada, constituindo uma alternativa quando há intolerância oral. Os pacientes em uso de metotrexato devem, no início do tratamento, ter hemograma, perfil hepático e função renal monitorada pelo menos a cada 6 semanas.

Leflunomide e, em menor extensão, sulfassalazina têm eficácia clínica similar ao metotrexato na AR precoce, sendo o primeiro tão eficaz quanto o metotrexato em reduzir dano radiográfico. Os antimaláricos, embora com resultados clínicos inferiores e sem muitos dados que comprovem redução da progressão radiográfica, podem ser utilizados em casos leves e em associação com metotrexato.

Em resumo, o metotrexato, se não houver contraindicações, deve ser a primeira droga empregada, sendo a leflunomide uma boa alternativa e, em menor escala, a sulfassalazina e antimaláricos (difosfato de cloroquina 250 mg/dia (< 3~4 mg/kg/dia) ou sulfato de hidroxicloroquina 400 mg/dia (<6,5 mg/kdg/dia)).

Para pacientes com quadros potencialmente graves de doença, a terapia combinada (ou tratamento intensivo) com mais de uma DMARD (com ou sem biológicos) deve ser cogitada, pois já existem trabalhos mostrando melhor evolução radiológica e clínica, bem como de indução de remissão e manutenção desta, em pacientes que tiveram este tipo de tratamento em fases precoces da doença.

As terapias combinadas podem ser constituídas pela associação das drogas anteriormente citadas, aos pares (metotrexato + antimalárico; metotrexato + sulfassalazina; metotrexato + leflunomide; metotrexato + biológicos) ou tripla combinação (metotrexato + antimalárico + leflunomide; metotrexato + antimalárico + sulfassalazina; metotrexato + sulfassalazina + biológicos; metotrexato + sulfassalazina + leflunomide). Existem trabalhos, embora em pequeno número, demonstrando a eficácia das combinações citadas de dois fármacos, enquanto que, para a combinação tripla, existem trabalhos apenas com a associação de metotrexato, sulfassalazina e antimalárico.

Os agentes biológicos são uma nova geração de medicamentos para a AR. Os termos terapia biológica e biológicos surgiram para definir um grupo de agentes terapêuticos derivados de produtos biológicos (proteínas, fragmentos de proteínas), basicamente anticorpos monoclonais ou receptores solúveis que têm como alvos específicos as citocinas ou moléculas de superfície celular.

Na AR, dispomos atualmente de inibidores de citocinas (TNFa e IL-1) e agentes dirigidos contra moléculas da superfície dos linfócitos B (anti-CD20 - rituximabe) e das células apresentadoras de antígeno (CD80-86-abatacepte). Na AR precoce, existem estudos apenas com os seguintes inibidores de TNFa: infliximabe (Remicade®), etanercepte (Enbrel®) e adalimumabe (Humira®) (Tabela 4) Estima-se que cerca de 20 a 30% dos pacientes com AR precoce não respondam às drogas tradicionais, sendo necessário introduzir um agente anti-TNF. Não há elementos que permitam determinar a superioridade de um inibidor do TNF em relação aos demais, embora algumas análises sugiram que o risco de infecções graves parece ser menor com o etanercepte em comparação com o infliximabe, além de custo menor com o etanercepte.

Infliximabe (Remicade®) deve ser usado em associação com MTX (ou outro imunossupressor) por se tratar de um anticorpo quimérico (metade humano e metade murino), ou seja, pode ser alvo da elaboração de anticorpos quiméricos e assim perder seu efeito.

Etanercepte e adalimumabe podem ser utilizados como monoterapia ou associados a outros DMARD, sendo a maior experiência com a combinação com metotrexato. Quando empregados em pacientes com AR com menos de 3 anos de evolução, a resposta clínica com metotrexato comparada a adalimumabe e etanercepte foi similar. Melhores resultados foram sempre observados com a combinação de medicamentos, metotrexato e qualquer um dos três inibidores de TNF. Quanto à progressão das alterações radiográficas, os estudos têm demonstrado uma tendência clinicamente significativa de menor progressão nos pacientes que utilizaram a combinação dos medicamentos. Entretanto, para que tais produtos possam ser recomendados inicialmente para pacientes com artrite precoce, resultados em longo prazo ainda são necessários.

 

Tabela 4: Doses de anti-TNFa

Anti-TNF

 

Via de administração

Dose

Frequência

Associação

Adalimumabe

Anticorpo monoclonal humano

SC

40 mg

A cada 2 semanas

Monoterapia/DMARD

Etanercepte

Receptor solúvel

SC

25 ou 50 mg

2 vezes/sem ou 1 vez/sem

Monoterapia/metotrexato

Infliximabe

Anticorpo monoclonal quimérico

EV

3 a 10 mg/kg

A cada 8(6) sem

Metotrexato/DMARD

 

Os eventos adversos mais comuns dos anti-TNFa são cefaleia, náusea, dor abdominal e faringite, além de infecção de via aérea superior, pele e vias urinárias. Anticorpos anti-DNA de dupla fita podem se desenvolver, sendo, porém a ocorrência de lúpus induzido por drogas extremamente rara.

As contra-indicações são similares para os três produtos: contra-indicado em mulheres grávidas ou que estejam amamentando, em vigência de infecção ativa ou em pacientes com alto risco para o desenvolvimento de infecções, como úlcera crônica de membros inferiores, artrite séptica, infecções pulmonares recorrentes, esclerose múltipla e doenças malignas atuais ou nos últimos 10 anos.

Esses medicamentos devem ser empregados com extrema cautela em pacientes com suscetibilidade ou história prévia de tuberculose, devido à alta prevalência da doença em nosso meio e aos relatos de reativação da mesma. Estudos mostraram que a terapia com anti-TNFa desfaz o granuloma da tuberculose latente e libera a micobactéria. Logo, tratamento profilático com isoniazida 300 mg/dia por 6 meses deve ser feito, sempre que houver PPD (intradermorreação de Mantoux) > 5 mm nos pacientes, alterações radiográficas compatíveis com quadro cicatricial e história de contato prévio com portadores de tuberculose. Recomenda-se, portanto, a realização de radiografia do tórax para todos, antes do início da terapêutica e, se suspeita de acometimento pulmonar, tomografia de tórax e pesquisa de BAAR no escarro ou lavado.

Se não se obtém resposta com o primeiro biológico anti-TNF, podemos realizar a troca por um segundo tipo da mesma classe ou por rituximabe ou abatacepte. Rituximabe foi liberado para uso apenas em pacientes que não responderam a um agente anti-TNF e abatacepte foi aprovado para utilização em pacientes que não responderam a DMARDS ou agentes anti-TNF. Não há estudos com os dois últimos em pacientes com AR precoce.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      A AR é a doença inflamatória crônica mais comum, envolvendo cerca de 1% da população mundial.

      A doença ainda apresenta dificuldade em controle adequado, apesar de novas terapêuticas disponíveis, com 30% dos pacientes usando terapia anti-TNFa e metotrexato considerados não responsivos.

      Acredita-se que perda funcional poderia ser evitada com tratamento agressivo precoce. Assim, é recomendado que pacientes sejam encaminhados precocemente para avaliação com reumatologista, quando achados com mais de uma articulação edemaciada, rigidez matinal por mais de 30 minutos, envolvimento de metacarpofalangeanas, com compressão dolorosa de mãos e pés.

      Os achados clínicos da AR precoce podem apresentar diferenças em relação aos pacientes com artrite crônica, podendo manifestar-se inicialmente com sintomas articulares, rigidez matinal, sintomas gerais e manifestações extra-articulares.

      Os quadros iniciais da doença nem sempre apresentam os mesmos achados clínicos e laboratoriais da AR de longa duração, muitas vezes se apresentando com um quadro de artrite indiferenciada.

      O passo mais importante para o diagnóstico inicial é determinar se o paciente apresenta artrite inflamatória ou não.

      Para o diagnóstico diferencial, é recomendada a realização dos seguintes exames: hemograma completo, urianálise, transaminases e dosagem de FAN.

      Testes de VHS, PCR e anti-CCP são testes úteis para a avaliação de prognóstico e extensão de inflamação mais do que com o diagnóstico.

      Na avaliação inicial, é frequente que provas inflamatórias como PCR e VHS encontrem-se normais, e FR e anti-CPP apresentam positividade menor do que nos pacientes com artrite crônica.

      As radiografias ainda são consideradas o padrão-ouro para avaliação da presença de erosão na AR precoce.

      As metas do tratamento da AR precoce são o controle da dor, edema e evitar a progressão da doença.

      O momento mais importante do tratamento da AR é provavelmente nas primeiras 12 semanas de evolução da doença.

      O metotrexato é a droga de primeira escolha em pacientes com AR com fatores de risco para progressão para doença erosiva.

      A terapia combinada é o tratamento recomendado para pacientes de alto risco de progressão para doença erosiva.

      A terapia biológica é uma ótima opção criada recentemente para o manejo destes pacientes.

 

ALGORITMOS

Algoritmo 1: Encaminhamento e diagnóstico.

 

 

Algoritmo 2: Tratamento.

 

 

BIBLIOGRAFIA

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