Autores:
Mariana de Almeida Camargo Lautenschläger
Especialista em Ginecologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Raquel Martins Arruda
Especialista em Ginecologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Raquel Cristina Bianco Moraes Figueiredo
Especialista em Ginecologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Ricardo Muniz Ribeiro
Especialista em Ginecologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Última revisão: 10/02/2011
Comentários de assinantes: 0
Incontinência urinária (IU) é definida como queixa de qualquer perda involuntária de urina. Apesar de ocorrer também com homens, a Incontinência urinária é 2 vezes mais comum em mulheres, sendo considerada quase que um problema clínico especificamente feminino. Acredita-se que a Incontinência urinária afetará 50% das mulheres em alguma fase de sua vida, atingindo índices de 60% acima dos 60 anos de idade.
Em 1989, estimava-se que existissem 10 milhões de adultos incontinentes nos Estados Unidos. Os custos gerados por esse sintoma ultrapassariam 10,3 bilhões de dólares/ano. Em 2003, novos estudos indicaram 17 bilhões de adultos incontinentes. Estimou-se um custo de 1,5 bilhão de dólares/ano, referentes apenas às fraldas para adultos. Esses números tendem a crescer com o aumento da expectativa de vida.
Apesar da alta prevalência, a Incontinência urinária não deve ser considerada fato natural do processo de envelhecimento feminino, mas sim, ser investigada e tratada, uma vez que diminui a qualidade de vida.
A primeira padronização da terminologia em uroginecologia foi publicada em 1976 e permanece parcialmente em vigor até os dias atuais. Em 2002, a Sociedade Internacional de Continência (ICS) revisou e modificou algumas das principais definições dos sintomas do trato urinário baixo. A nova terminologia baseia-se na queixa da paciente, independentemente de sua frequência ou comprovações por exame. As principais definições são:
Incontinência urinária uretral – perda de urina que ocorre através da uretra;
Incontinência urinária extrauretral – perda urinária por qualquer outra via que não a uretra; as causas mais comuns desse tipo de perda são as fístulas (pós-cirúrgicas, obstétricas, secundárias a doenças ginecológicas ou pós-radioterapia);
Incontinência urinária de esforço (IUE) – queixa de perda involuntária de urina no esforço, (exercício, espirro, tosse etc.);
urgência – queixa de desejo repentino e imperioso de urinar que é difícil de inibir;
incontinência de urgência ou urgeincontinência – queixa de perda involuntária de urina durante ou após episódio de urgência;
hiperatividade do detrusor – caracterizada por contração involuntária do músculo detrusor durante a fase de armazenamento vesical, podendo ocorrer espontaneamente ou após manobras provocativas. A hiperatividade pode ser de causa neurogênica, quando secundária a doenças neurológicas ou não neurogênica, geralmente idiopática;
Incontinência urinária mista (IUM) – queixa de perda involuntária de urina ao esforço físico e também após episódio de urgência;
aumento da frequência miccional diária ou frequência – queixa do aumento do número de micções ao dia, não fazendo parte da definição o número de micções/dia;
noctúria – queixa de acordar uma ou mais vezes durante a noite para urinar;
enurese noturna – qualquer perda involuntária de urina que ocorra durante o sono;
Incontinência urinária por transbordamento – perda involuntária de urina que ocorre após a capacidade vesical máxima ser ultrapassada;
Incontinência urinária transitória – perda urinária secundária a distúrbio clinicamente reversível.
A etiologia da Incontinência urinária é multifatorial. Destacam-se número de gestações, partos vaginais, tempo prolongado do período expulsivo, doenças e cirurgias ginecológicas, idade avançada e estado hormonal.
Várias teorias tentam explicar a fisiopatologia da Incontinência urinária, tendo em vista que a bexiga e a uretra são definidas como uma unidade funcional que sofre influência de vários fatores, tais como:
posição anatômica do colo vesical em relação à sínfise púbica em repouso e esforço;
composição da matriz extracelular, a distribuição e a proporção de seus componentes;
musculatura vesical e uretral e vasos periuretrais;
trofismo da mucosa vesical e uretral;
integração do sistema nervoso central e periférico e fibras sensitivas vesicais;
sensibilidade do detrusor a acetilcolina, entre outros.
Em 1990, Petros e Ulmsten propuseram a teoria integral, segundo a qual todas as formas de Incontinência urinária são decorrentes da frouxidão da parte suburetral da vagina e/ou de seus ligamentos de sustentação. De acordo com tal teoria, sem a integridade anatômica do assoalho pélvico, ocorre um desequilíbrio entre as forças que determinam a abertura e o fechamento do colo vesical e da uretra proximal, ocasionando a perda urinária. Esses defeitos anatômicos podem ainda levar à ativação prematura do reflexo de micção, representada clinicamente pela hiperatividade do detrusor.
A investigação da Incontinência urinária deve ser sistemática: anamnese, exame físico e exames complementares.
Etiologicamente, a maioria das pacientes com Incontinência urinária estão na peri ou pós-menopausa e são de etnia branca, na qual a alteração quantitativa e/ou qualitativa de colágeno e elastina parecem favorecer a Incontinência urinária.
Tabela 1. Particularidades na pesquisa de identificação
Grupo |
Subgrupo |
Pesquisa especial |
Idade |
Crianças |
Malformações geniturinárias, alterações neurológicas e psicológicas. |
Adultas |
Pesquisa segundo fluxograma final. | |
Idosas |
Alterações neurológicas, ortopédicas, neoplasia ou Incontinência urinária transitória. |
Para as pacientes idosas que desenvolvem a Incontinência urinária transitória, Resnick inventou o útil mnemônico “DIAPPERS” (diaper = fralda): delírio, infecção, uretrite e vaginite atróficas, causas “pharmacológicas”, causas psicológicas, excessiva produção de urina, restrição de mobilidade, impactação fecal (Stool), facilitando a lembrança de suas principais causas.
A apresentação da Incontinência urinária, o tempo de sintomatologia, o volume de perda e as condições que levam a Incontinência urinária são os principais aspectos a ser analisados na tentativa de se estabelecer um diagnóstico.
Tabela 2. Pesquisa da apresentação da Incontinência urinária
Grupo |
Subgrupo |
Correlação clínica |
Volume |
Gotas / Jatos |
Correlacionadas a aumento da pressão abdominal – a favor de Incontinência urinária de esforço. |
Grande volume |
Pesquisar contração do detrusor – simula a micção esvaziando a bexiga ou Incontinência urinária de esforço tipo III – secundária a defeito esfinctérico – a uretra permanece entreaberta e assim Incontinência urinária com mínimas pressões. | |
Condição da perda |
Esforço |
Mais comum na Incontinência urinária de esforço – porém não afasta hiperatividade. |
Urgência |
Mais comum na Incontinência urinária pós-urgência por hiperatividade do detrusor. | |
Contínua |
Pesquisar fístulas, malformações, Incontinência urinária por transbordamento. | |
Início |
Preciso (recente) |
Primeira hipótese: ITU – Outras causas: gestação, trauma, medicações, cálculos, fístulas, corpo estranho, Incontinência urinária transitória. |
Impreciso (antigo) |
Fazer avaliação retrógrada do quadro inicial, assim como da progressão dos sintomas para formação do pensamento clínico. |
Os antecedentes obstétricos e ginecológicos não são suficientes para se esclarecer a hipótese diagnóstica, mas são fatores etiológicos importantes. Antecedentes de cirurgias tocoginecológicas, doença ginecológica maligna ou radioterapia podem direcionar a pesquisa.
Tabela 3. Pesquisa de antecedentes tocoginecológicos
Grupo |
Subgrupo |
Correlação clínica |
Ginecologia |
Cirurgias, radioterapias, doenças |
Podem levar a denervação e/ou mudança da anatomia da pelve. Favorecem a Incontinência urinária em qualquer de suas apresentações: Incontinência urinária de esforço, Incontinência urinária mista, bexiga hiperativa, fístulas ou cistite actínica. |
Obstetrícia |
Gestações, partos, peso dos RN |
O parto vaginal e o peso do RN estão diretamente relacionados ao sintoma de Incontinência urinária, pois causam flacidez do assoalho pélvico. A gestação também causa alterações funcionais à pelve, explicando, por si só, Incontinência urinária em mulheres que só tiveram parto cesariano. |
Identificar doenças sistêmicas que tenham relação direta ou indireta com a Incontinência urinária, pois o tratamento delas será necessário para evitar fatores de confusão que dificultam o tratamento da Incontinência urinária.
Tabela 4. Pesquisa de antecedentes pessoais
Doença |
Mecanismo da Incontinência urinária |
Diabete melito |
Produz diurese osmótica e alterações da sensibilidade vesical. |
Insuficiência vascular |
Pode levar a Incontinência urinária noturna por reabsorção de líquidos no repouso. |
Doenças pulmonares |
Induzem à tosse crônica. |
Doenças alérgicas |
Induzem a espirros em salva frequentes. |
Doenças ortopédicas |
Dificultam a movimentação da paciente e seu acesso ao banheiro. |
Doenças neurológicas |
Alteram o funcionamento do eixo corticospinovesical e dificultam a movimentação da paciente e seu acesso ao banheiro (Tabela 13). |
Diversas medicações influenciam o funcionamento do trato urinário e devem ser pesquisadas. Em caso de medicações que pioram a Incontinência urinária, considerar a hipótese de substituição.
Tabela 5. Drogas que influencia o trato geniturinário
Medicação |
Ação |
Sedativo |
Causa confusão mental e Incontinência urinária |
Álcool |
Causa confusão mental, aumento da diurese e Incontinência urinária |
Anticolinérgico |
Diminui contratilidade do detrusor, Incontinência urinária por hiperfluxo |
Bloqueador alfa |
Diminui o fechamento uretral podendo causar Incontinência urinária de esforço |
Bloqueador de canais de Ca |
Altera a contração da musculatura lisa e pode gerar Incontinência urinária e noctúria |
Durante o exame físico, procuram-se analisar objetivamente a perda urinária, a quantidade e a via de incontinência (uretral ou extrauretral). Distopias associadas devem ser avaliadas para tratamento concomitante.
A paciente deve ser primeiramente examinada em posição ginecológica, quando serão analisados os itens mostrados na Tabela 6.
Tabela 6. Exame físico em uroginecologia
Exame |
Evidência |
Trofismo vulvovaginal |
O hipoestrogenismo leva a atrofia das mucosas vaginal e uretral, e a formação de carúncula uretral que favorece a Incontinência urinária. |
Dermatite amoniacal |
Sinal que indiretamente comprova a Incontinência urinária e seus agravos. |
Distopias |
Inspeção dinâmica: durante esforço, tosse ou Valsalva. Cistocele: pode alterar a transmissão da pressão abdominal à uretra. Retocele ou enterocele: fator provocativo por contato excessivo das paredes vaginais anterior e posterior, podem gerar hiperatividade do detrusor. |
Perda urinária |
Inspeção dinâmica: Incontinência urinária uretral sincrônica com esforço – poderá confirmar a queixa de Incontinência urinária de esforço. Incontinência urinária uretral assincrônica – pensar em hiperatividade do detrusor. Incontinência urinária extrauretral – pesquisar fístulas e malformações. |
Especular |
Mucosa vaginal: trofismo, coloração, tumorações, corrimentos. Se houver urina intravaginal: mobilização especular e cateterização vesical com solução de azul de metileno para evidenciar o extravasamento urinário nos casos de fístulas vesicovaginais, uretrovaginais ou vesicouterinas. Fístulas “altas”: ureterovaginais ou ureterouterinas. Pesquisar por solução de azul de metileno intravenoso ou urografia excretora. |
Corrimentos vaginais |
Inflamação vaginal irrita indiretamente a bexiga e uretra, além de poder estar relacionada a ITU de repetição. |
Em caso de não se observar a perda urinária durante o exame em posição ginecológica, repeti-lo com a bexiga cheia, em posição ortostática e com pernas afastadas. As manobras de tosse e Valsalva devem ser solicitadas. Nessa posição, as distopias poderão ser mais bem identificadas.
Pacientes com bexiga hiperativa podem ou não apresentar perda urinária nessas condições, já que a sua etiologia não é totalmente ligada à alteração de pressão vesical.
Os primeiros exames a serem solicitados são sedimento urinário quantitativo e cultura de urina. O diário miccional é um importante instrumento na avaliação das perdas. Pacientes com sensação de esvaziamento incompleto podem se beneficiar da medida da urina residual após micção. O estudo urodinâmico é fundamental nos casos de Incontinência urinária recidivada e antes de se decidir por tratamento cirúrgico, porém outros exames específicos poderão ser solicitados de acordo com a suspeita diagnóstica.
Segue Tabela 7 com principais exames complementares, suas indicações, principais resultados e possíveis correlações clínicas.
Tabela 7. Exames complementares em uroginecologia
Exame |
Indicação |
Resultado/correlações clínicas |
Urinálise |
Todas as pacientes |
Urina tipo I e urocultura para excluir infecção, alterações metabólicas e doenças renais. Hematúria isolada: exame físico, descartar carúncula uretral. Considerar cistoscopia, ultrassonografia de vias urinárias e biópsia para se afastar neoplasia ou tuberculose vesical. |
Citologia de urina |
> 50 anos de idade Tabagistas |
Pesquisa de células neoplásicas em pacientes com sintomas irritativos da bexiga. |
Medida da urina residual pós-miccional |
Todas as pacientes |
Esvaziamento incompleto é causa de Incontinência urinária, pois a urina retida diminui a capacidade máxima funcional e propicia o aparecimento de infecções, causas de Incontinência urinária transitória. A micção repetida (2 ou mais vezes em curto espaço de tempo), cirurgias em casos de cistocele ou até a sondagem intermitente podem ser necessárias. |
Gráfico de frequência/volume vesical |
Todas as pacientes |
Paciente anota o horário e o volume de todas as micções, assim como de sua ingestão líquida por dias. Episódios de Incontinência urinária ou de urgência devem ser registrados. Instrumento que permite avaliar o débito urinário em 24 horas, o número de micções do dia e da noite, a capacidade funcional da bexiga, além de gerar um autoconhecimento não comum à paciente. Pode ajudar a notar erros de ingesta e validar a queixa. |
Pad test |
Principalmente na Incontinência urinária de esforço do “tipo zero” |
Avaliação objetiva da perda urinária mediante sua mensuração em gramas. É realizada pesagem, em balança de precisão, de um absorvente seco que é usado pela paciente durante o pad test. Nova pesagem demonstrará ou não a Incontinência urinária. É usado antes e após a instituição de tratamentos para avaliação de eficácia. |
Estudo urodinâmico* |
Todas as pacientes |
Obrigatório nos casos em que se cogita tratamento cirúrgico. Exame realizado por especialista mediante medidas das pressões vesicais (PV), abdominais (PA) e a partir da subtração PV-PA, a inferência da pressão do músculo detrusor. |
Cistoscopia |
Sintomas irritativos obstrutivos |
Exame endoscópico realizado por especialista, consiste na visualização da uretra e paredes internas da bexiga por meio de ótica – cistoscópio acoplado a fonte de luz e sistema de irrigação contínua. Não é rotina na investigação inicial da Incontinência urinária, mas será útil nos casos com suspeita de obstrução pós-cirúrgica, corpo estranho, neoplasias, hematúria persistente, fístulas, cistite intersticial ou após falha do tratamento para Incontinência urinária pós-urgência. |
Ultrassonografia de vias urinárias |
Obstrução, Refluxo, cálculos |
Pode identificar alterações renais, cálculos, alterações anatômicas e medição do volume urinário residual. |
Urografia excretora |
Fístulas |
Exame radiológico demonstra, por contraste, pertuitos não anatômicos: ureterovaginais ou ureterouterinas. |
Biópsia vesical |
Suspeita de neoplasia |
Exame anatomopatológico de biópsia realizada durante cistoscopia cirúrgica ou ambulatorial. |
*Estudo urodinâmico (EUD): o objetivo do exame é reproduzir a queixa clínica da paciente. Permite o diagnóstico das queixas urinárias nas fases de armazenamento e esvaziamento. Durante o armazenamento vesical, o músculo detrusor deve se manter em repouso, contraindo-se apenas no momento de micção; alterações desse padrão podem ser demonstradas durante o exame, identificando-se a bexiga hiperativa. Ainda na fase de armazenamento, manobras de tosse e Valsalva desencadeiam contração da musculatura perineal e periuretral que impedem as perdas urinárias; falhas deste o mecanismo caracterizam a Incontinência urinária de esforço.
A Incontinência urinária mista é caracterizada pela identificação, ao estudo urodinâmico, de perda urinária ao esforço e de contrações não inibidas do músculo detrusor.
Durante a fase de esvaziamento, as pressões do músculo detrusor são monitoradas durante o fluxo urinário. Suspeitas clínicas de obstrução ou bexiga flácida podem ser mais bem investigadas com esse exame.
Um estudo urodinâmico com resultado normal, ou seja, no qual não se caracterizou perdas ou contrações não inibidas do detrusor, não invalida a queixa da paciente. Deverá, então, ser realizado pad test na suspeita de Incontinência urinária de esforço, ou teste terapêutico nos casos sugestivos de bexiga hiperativa.
Conforme descrito, a Incontinência urinária é um sintoma amplo no qual nem sempre há correlação direta entre queixa clínica e causa específica. A classificação inicial da Incontinência urinária será um primeiro passo para a formulação da hipótese diagnóstica (Tabela 8). Já o diagnóstico preciso do tipo de Incontinência urinária será baseado na combinação dos achados de exame físico e estudo urodinâmico, o que é fundamental para o sucesso do tratamento (Tabela 9).
Tabela 8. Classificação e causa da Incontinência urinária
Classificação |
Extrauretral |
Uretral |
Congênitas |
Ureter ectópico Extrofia vesical |
Hidrocefalia Espinha bífida Agenesia sacral Meningomielocele Epispádia Hipospádia |
Adquiridas |
Fístulas: 1. ureteral 2. vesical 3. uretral 4. combinações delas |
Infecção do trato urinário Trauma neurológico Medicações Gestação Corpo estranho Incontinência urinária transitória Incontinência urinária de esforço Hiperatividade do detrusor Incontinência urinária mista Incontinência por transbordamento Incontinência psicogênica Divertículo uretral Instabilidade uretral Tumores neurológicos ou vesicais |
A Incontinência urinária uretral deve ser avaliada segundo a clínica do paciente e o resultado do estudo urodinâmico.
Tabela 9. Classificação e causa da Incontinência urinária
Hipótese |
Diagnóstico | ||
Incontinência urinária de esforço |
Queixa clínica + achado urodinâmico de perda involuntária de urina sincrônica ao aumento da pressão abdominal, na ausência de contração do músculo detrusor. De acordo com o valor da mínima pressão abdominal capaz de gerar Incontinência urinária (mínima PPE) ou Valsalva leak point pressure (VLPP), classificamos a Incontinência urinária de esforço em: Incontinência urinária de esforço por hipermobilidade vesical: se VLPP > que 90 cmH2O; Incontinência urinária de esforço com lesão esfinctérica uretral ou Incontinência urinária de esforço tipo III: se VLPP < que 60 cmH2O; Incontinência urinária de esforço com VLPP entre 60 e 90 cmH2O: deve se correlacionar com a queixa clínica da paciente. | ||
Hiperatividade do detrusor |
Queixa clínica + achado urodinâmico de perda involuntária de urina durante a fase de enchimento vesical secundária à contração do músculo detrusor espontaneamente ou secundária a manobras provocativas (tosse ou Valsalva). | ||
Incontinência urinária mista |
Queixa clínica + achados urodinâmicos compatíveis com Incontinência urinária de esforço e hiperatividade do detrusor. | ||
Incontinência urinária por transbordamento |
Queixa clínica + ausência de Incontinência urinária de esforço ou hiperatividade do detrusor. Achado urodinâmico compatível com perda urinária involuntária que ocorre após se ultrapassar a capacidade cistométrica máxima – máxima capacidade volumétrica de armazenamento da bexiga. As capacidades vesicais estão aumentadas nos casos de bexiga flácida. | ||
Incontinência urinária psicogênica |
Queixa clínica + alterações psiquiátricas pelas quais a paciente apresenta micções voluntárias, mas em hora e local inapropriados. | ||
Outros tipos |
Cada causa deve ser pesquisada separadamente | ||
Divertículo uretral Instabilidade uretral Corpo estranho |
Tumor Trauma Incontinência urinária da atleta |
Gestação Incontinência urinária transitória Medicações |
Queixa clínica e extravasamento urinário durante a fase de enchimento vesical na ausência de Valsalva ou contração do detrusor, por qualquer orifício que não o meato uretral, caracteriza a Incontinência urinária extrauretral. As causas principais são as malformações ou as fístulas, principalmente pós-cirúrgicas ou pós-radioterápicas.
Deve ser a primeira linha de tratamento por ter boa eficácia e não ser invasivo. A fisioterapia visa fortalecer o assoalho pélvico como um todo.
Tabela 10. Tratamento fisioterápico da Incontinência urinária de esforço
Tratamento |
Descrição |
Cinesioterapia |
Exercícios perineais, também chamados exercícios de Kegel. São realizados pela paciente com auxílio de fisioterapeuta e posteriormente sozinha. Baseiam-se na contração, em especial, do músculo levantador do ânus. |
Cones vaginais |
O cone é um dispositivo que pode ser inserido na vagina para fornecer resistência e propriocepção aos músculos do assoalho pélvico. Têm pesos progressivos de 25 a 75 g e devem ser usados passivamente, na tentativa de mantê-los na vagina, e depois ativamente realizando os exercícios de Kegel. |
Eletroestimulação |
Estímulos elétricos agem nos nervos eferentes da musculatura perineal. além de aumentar o fluxo sanguíneo local e a conexões neuromusculares. Normalmente são usados eletrodos vaginais com frequência de 50 Hz. |
Biofeedback |
Fornece informação imediata sobre a força da sua contração do assoalho pélvico para, posteriormente, levá-lo ao controle voluntário desta função. É constituído de eletrodo vaginal ou anal que emite sinais luminosos, sonoros ou numéricos durante os exercícios perineais. |
A escolha do tipo de cirurgia baseia-se nos achados urodinâmicos, condições clínicas da paciente e experiência do cirurgião.
Tabela 11. Tratamento cirúrgico da Incontinência urinária de esforço
Tipo de cirurgia |
Nome do procedimento |
Hipermobilidade do colo vesical | |
Suspensão retropúbica do colo vesical |
Colpouretrocistopexia retropúbica – cirurgia de Burch |
Cirurgias de alça com material sintético |
Faixas retropúbicas: TVTâ, Safireâ,LIFTâ, Monarkâ etc. Transobturatórios: TVT-oâ, Safire-oâ, LIFT-oâ, IVSâ, TOT etc. |
Cirurgias de alça com material orgânico |
Slings autólogos: fáscia do músculo reto abdominal, fáscia lata. Slings heterólogos: derme suína, dura-máter bovina. |
Defeito esfinctérico intrínseco | |
Cirurgias de alça com material orgânico |
Slings autólogos: fáscia do músculo reto abdominal, fáscia lata. Slings heterólogos: derme suína, dura-máter bovina. |
Operações de alça com material sintético |
Retropúbicos: TVTâ, Safireâ,LIFTâ, Monarkâ etc. Transobturatórios: TVT-oâ, Safire-oâ, LIFT-oâ, IVSâ, TOT etc. |
Injeções periuretrais com material autólogo |
Gordura |
Injeções periuretrais com material heterólogo |
Colágeno bovino, partículas de teflon®, partículas de silicone etc. |
Esfíncteres artificiais |
Material sintético: gera compressão extrínseca da uretra |
Pode causar hipertensão, já que se baseia no aumento da atividade alfa-adrenérgica do sistema simpático, que atua no tônus uretral. O principal agente usado é o cloridrato de imipramina; os demais agentes devem ser usados com cuidado: efedrina, pseudoefedrina, fenilpropanolamina, noradrenalina.
Baseia-se na reeducação vesical por meio de medidas comportamentais e no fortalecimento do assoalho pélvico por meio de fisioterapia.
Tabela 12. Tratamento clínico não farmacológico da bexiga hiperativa
Tratamento |
Descrição |
Medidas gerais |
Orientar restrição líquida a 1,5 L/dia, restrição a álcool, cafeína e nicotina. |
Treinamento vesical |
Proposto por Jeffcoat e Francis, baseia-se na micção apenas em horários predeterminados. O tempo de intervalo entre micções é fixo e, no início, deverá ser a cada 15 minutos. Gradativamente, é aumentado até o intervalo de 3 a 4 horas. |
Eletroestimulação |
Acredita-se que, para hiperatividade, seu principal efeito seja o restabelecimento de mecanismos inibitórios com normalização de equilíbrio entre neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos. Normalmente são usados eletrodos vaginais com frequência de 5 a 20 Hz. |
Cinesioterapia Biofeedback Cones vaginais |
Pela teoria integral, alterações anatômicas causadas pela flacidez da parede vaginal estão relacionadas à hiperatividade do detrusor. Assim, começam a ser realizados estudos com as técnicas que visam a fortalecer todo o assoalho pélvico como tratamento para este tipo de Incontinência urinária, mas sem resultados conclusivos até o momento. |
O padrão de referência são os agentes anticolinérgicos. Tem altos índices de cura, porém o alto custo do tratamento e os efeitos colaterais das medicações, principalmente a “boca seca”, são inconvenientes. São contra indicadas em pacientes com glaucoma de ângulo agudo e em cardiopatas.
Tabela 13. Tratamento medicamentoso da bexiga hiperativa
Drogas |
Nome comercial |
Dose (mg VO) |
Anticolinérgicos | ||
Brometo de propantelina Brometo de metantelina |
Formulação Formulação |
15 a 30 mg – 4 vezes/dia 50 mg – 4 vezes/dia |
Antiespasmódicos | ||
Cloridrato de oxibutinina
Tartarato de tolteridina |
Retemicâ, Incontinolâ Retemic UDâ, Detrusitolâ Detrusitol LAâ |
5 mg – 2 a 4 vezes/dia 10 mg – 1 vez/dia 1 mg – 1 a 2 vezes/dia 2 ou 4 mg – 1 vez/dia |
Antidepressivos tricíclicos | ||
Cloridrato de imipramina |
Tofranil â |
25 mg – 2 a 3 vezes/dia |
Usados como última tentativa terapêutica, quando foram esgotadas as possibilidades de tratamento clínico/medicamentoso. Tem várias complicações e efeitos deletérios, secundários a mudança da fisiologia da bexiga.
Quadros severos de hiperatividade do detrusor, principalmente secundários a doença neurológica, podem ser tratados por cistoplastia (aumento do volume da bexiga com uso de tecido intestinal), autoampliação vesical (aumento do volume vesical por expansão com soro fisiológico e balões) ou denervação (rizotomias dorsais, secção dos nervos sacrais).
Nos casos de associação entre Incontinência urinária de esforço e Incontinência urinária pós-urgência, os resultados esperados para cada tratamento deixam de ser previsíveis.
Segundo a teoria integral, todas as formas de Incontinência urinária são secundárias a um mesmo defeito anatômico vaginal; assim sendo, há relatos de melhora do componente de hiperatividade em pacientes submetidas a procedimentos cirúrgicos para correção da Incontinência urinária de esforço e também melhora do componente de esforço após fisioterapia para tratamento da bexiga hiperativa.
De maneira geral, deve-se avaliar qual dos componentes da Incontinência urinária é responsável por maior sintomatologia e diminuição da qualidade de vida. Pode-se, então, tratar o principal componente da Incontinência urinária para posterior reavaliação da queixa e decisão sobre necessidade do tratamento do componente secundário.
A decisão sobre a forma de tratamento deverá ser, acima de tudo, individualizada.
Tabela 14. Doenças neurológicas causas de disfunção vesical
Local |
Doença | |
Cerebral difusa |
Doença de Pick Mixedema |
Doença de Alzheimer Coreia de Huntington |
Cerebral focal ou multifocal |
Doença de Parkinson Doença vascular cerebral Traumatismo craniano |
Esclerose múltipla Tumor frontal Hidrocefalia |
Medula espinal |
Trauma Esclerose múltipla Mielite transversa |
Mielopatia espondilótica cervical Deficiência de vitamina B12 |
Cauda equina |
Trauma Prolapso do disco lombar central Herpes zóster |
Espinha bífida Agenesia sacral |
Nervos periféricos |
Neuropatia do diabete melito Neuropatia amiloide familiar Neuropatia alcoólica Neuropatia tóxica por drogas Neuropatia tóxica por metais pesados |
Degenerações autonômicas Síndrome de Guillian-Barré Disautonomia familiar (síndrome de Riey-Dray) Cirurgia Irradiação pélvica |
Congênitos |
Neuropatia porfírica Neuropatia sensomotora Neuropatia autossômica hereditária |
Atrofia muscular fibular Ataxia de Friedrich |
Outras causas |
Neuropatia urêmica Neuropatia vasculítica |
Doença de Chagas Neurite leprosa |
A Incontinência urinária é uma doença fundamentalmente feminina.
A Incontinência urinária interfere em todos os aspectos da vida da paciente, diminuindo sua qualidade de vida.
A queixa clínica nem sempre é suficiente para o diagnóstico etiológico da Incontinência urinária.
Exame físico e exames complementares devem ser avaliados cuidadosamente.
Urinálise e estudo urodinâmico são fundamentais para o diagnóstico e o tratamento da grande maioria das Incontinência urinária.
O tratamento da Incontinência urinária deve ser iniciado por métodos menos invasivos.
Algoritmo 1. Avaliação de Incontinência urinária.
Incontinência urinária Urina I e urocultura Positivo Negativo Tratar Fim da queixa CURA Mantém queixa Avaliar qualidade de vida (tipo de perda), história, AP (doenças e medicações), exame físico Iniciar investigação Suspeita: IUM Suspeita: IUE Suspeita: IU pós-urgência Avaliação por especialista + Estudo urodinâmico Suspeita: outras IU Tratamento clínico ou medicamentoso Mantém queixa
A bexiga hiperativa, a Incontinência urinária secundária a ITU e a Incontinência urinária secundárias a doenças clínicas poderão ser tratadas inicialmente pelo clínico geral. Em caso de falha terapêutica ou outra Incontinência urinária, encaminhar ao especialista.
1. Amaro JL, Haddad JM, Trindade JCS, Ribeiro RM. Reabilitação do assoalho pélvico nas disfunções urinárias e anorretais. s. l.: Segmento Farma, 2005.
2. Berek JS. Novak Tratado de Ginecologia. 12.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
3. Girão MJBC, Sartori MGF, Baracat EC, Lima GR. Cirurgia vaginal e uroginecologia. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
4. Moreno AL. Fisioterapia em uroginecologia. Barueri: Manole, 2004.
5. Petros PE, Ulmemsten U. An integral theory and its methods for the diagnosis and management of female urinary incontinence: theoretical, morphological, radiographical correlations and clinical perspectives. Scand J Urol Nephrol 1993; 27:1-28.
6. Ribeiro RM, Rossi P, Pinnoti JA. Uroginecologia e cirurgia vaginal. 1.ed. São Paulo: Roca, 2001.
7. Rock JA, Thompson JD. Te Linde Ginecologia operatória. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999.
8. Rubinstein I. Clínicas Brasileiras de Urologia – Incontinência urinária na mulher. São Paulo: Atheneu; 2001.
9. Clínica de Distúrbios da Micção. Disponível em: www.continencecenter.com.br.
10.International Continence Society (ICS). Disponível em: www.continet.org.
11.Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Disponível em: www.febrasgo.org.br.
12.Jornal da Incontinência urinária Feminina. Disponível em: www.jinuf.org.br.
13.Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Disponível em: www.sbu.org.br.
O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.
Medicinanet Informações de Medicina S/A Cnpj: 11.012.848/0001-57 | info@medicinanet.com.br |
MedicinaNET - Todos os direitos reservados.
Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.