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esclerose sistêmica

Autores:

Roberta Gonçalves

Especialista em Reumatologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Romy Beatriz Christmann de Souza

Especialista em Reumatologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Última revisão: 01/07/2013

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A esclerodermia sistêmica (ES) é uma doença autoimune do tecido conectivo, rara e de causa desconhecida. É caracterizada por vasculopatia proliferativa e obliterativa de pequenos vasos, mecanismos autoimunes com produção de autoanticorpos e lesão tecidual com ocorrência de fibrose.

Alguns estudos sugerem uma incidência anual de 1 a 2 casos por 100.000 habitantes. No Brasil, esses dados estão sendo compilados em um grande estudo epidemiológico de todas as regiões, denominado GEPRO. A ES tem um pico de início entre 30 e 50 anos de idade e é pelo menos 4 vezes mais prevalente em mulheres. A doença foi relatada em todas as áreas geográficas e em todas as raças. A raça negra apresenta maior risco para o desenvolvimento da doença, principalmente a forma difusa e com início mais precoce.

A ES é uma doença autoimune que acomete diversos órgãos, como pele, pulmão, sistema vascular arterial, trato gastrintestinal (TGI), coração e rim. A doença tem dois subtipos: a forma difusa e a forma limitada. A extensão do espessamento da pele é que diferencia esses dois subtipos.

 

1.   Forma difusa: evolução mais rápida, caracterizada pelo endurecimento da pele na porção distal, estendendo-se até a porção proximal dos membros, face, tórax e abdome.

2.   Forma limitada ou CREST (calcinose, fenômeno de Raynaud, acometimento esofágico, esclerodactilia, telangiectasia): evolução mais lenta, caracterizada pelo endurecimento da pele abaixo do cotovelo, principalmente mãos e dedos, parte distal dos membros inferiores e face. Tronco, braços e coxas são poupados. Precedida em anos pelo fenômeno de Raynaud

 

Em 10% dos pacientes, a pele é normal, não ocorre espessamento e é denominado esclerodermia sine-esclero. O diagnóstico é feito na presença do fenômeno de Raynaud e acometimento de órgãos, como o esôfago e o pulmão, associado à presença de autoanticorpos específicos da doença.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A ES é uma doença complexa de etiologia desconhecida com provável causa multifatorial, incluindo fatores ambientais e influência genética. O grande predomínio da doença no sexo feminino também sugere a influência dos hormônios sexuais femininos no seu desenvolvimento.

Possíveis fatores envolvidos na patogênese da ES:

 

1.   Fatores ambientais: síndrome do óleo tóxico (ingestão de óleo contaminado na Espanha no início da década de 1980) e sílica.

2.   Solventes: cloridrato de vinil e benzeno.

3.   Drogas: bleomicina e L-triptofano (síndrome de eosinofilia/mialgia).

4.   Reconstrução mamária com prótese de silicone. O aparecimento de ES ou outras doenças autoimunes não foi confirmado por grandes estudos epidemiológicos e meta-análise.

5.   Vírus: retrovírus e citomegalovírus. Acredita-se que alguns vírus têm a mesma sequência da proteína topoisomerase 1 (Scl-70), que é um alvo na ES, e podem, portanto, ser um fator precipitante da doença por mimetismo molecular.

6.   Microquimerismo fetal: células fetais no sangue periférico na maioria das grávidas normais e persistência delas mesmo após décadas. Mulheres com ES apresentam um número maior destas células quando comparadas com mulheres sadias. Por outro lado, estudo da FMUSP mostrou que a gravidez, o aborto e a multiparidade não são fatores de risco pra o desenvolvimento da ES, questionando a hipótese de o microquimerismo causar a doença.

7.   Genética: incidência familiar aumentada; tribo indígena Choctaw no estado de Oklahoma (EUA) com prevalência de mais de 20 vezes quando comparado com a população geral.

 

Três componentes são importantes na patogênese da ES: lesão vascular, ativação imune e ativação de fibroblastos com a produção excessiva de colágeno.

 

Lesão Vascular

O endotélio é lesado desde as fases iniciais da ES, tendo como possível evento patogênico a apoptose de células endoteliais. Além disso, há um excesso na reatividade vascular levando a um aumento do tônus e diminuição da luz dos vasos. Alguns mediadores foram demonstrados como relevantes no processo de lesão endotelial:

 

1.   Endotelina 1 (ET1): potente peptídeo vasoconstritor, fibrinogênico e claramente envolvido na patogênese da ES. Pacientes com ES têm aumento da endotelina sérica que, por usa vez, está associada com a hipertensão pulmonar arterial. Além disso, a ET1 estimula a síntese de colágenos.

2.   Oxido nítrico: potente vasodilatador que contrabalanceia a ação da ET1 para manter o tônus muscular. Na ES, demonstrou-se um aumento de ânions superóxidos liberados pelo endotélio lesado; estes ânions, por sua vez, neutralizam a ação do óxido nítrico levando a uma consequente vasoconstrição.

 

Ativação Imune

A atividade celular e a humoral parecem ter um papel importante na patogênese da ES.

 

1.   Componente humoral: alguns anticorpos são extremamente específicos para a doença, como o anticentrômero para a forma limitada e o anti-Scl-70 (antitopoisomerase I) para a forma difusa da ES. Os níveis de anticorpos anti-Scl70 correlacionam-se fortemente com a doença intersticial pulmonar.

2.   Componente celular: destacam-se os linfócitos T helper no sangue, na pele e no pulmão de pacientes com ES. Citocinas, como a interleucina 2 (IL2) e seu receptor, IL4, IL6, IL8 são encontrados em maior quantidade no soro de pacientes com ES. A IL2 é capaz de ativar células natural killer, as quais podem causar lesão endotelial. O TGF-beta é o mais potente indutor de síntese de colágeno e de fibronectina pelos fibroblastos. Os macrófagos alveolares de pacientes com ES sintetizam grandes quantidades de fibronectina e TGF-beta, fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), fator de necrose tumoral (TNF), IL1, IL6, proteases e outros mediadores que podem ser importantes na patogênese da ES. Além disso, há evidências de que as moléculas de adesão endotelial também possam participar no processo de estímulo à produção de mediadores de fibrose. Os mastócitos também são encontrados em grande número na derme de pacientes com ES e substâncias derivadas dos grânulos, como a histamina, estimulam os fibroblastos a proliferarem e a sintetizarem matriz extracelular, provocando a retração do endotélio.

 

Lesão Fibrótica

Um dos achados mais marcantes nos pacientes com ES é o intenso depósito de colágeno, fibronectina e glicosaminoglicanos nos tecidos envolvidos.

 

1.   Fibroblastos: na ES, demonstrou-se a proliferação persistente e um fenótipo anormal de fibroblastos, tanto in vivo como in vitro, provocando uma síntese contínua de grandes quantidades de colágeno por várias gerações celulares in vitro.

2.   Modelo experimental de doença autoimune ES-like: a partir da exposição de coelhos ao colágeno V, uma potente molécula imunogênica, ocorre a ativação de células T com liberação de citocinas, dano endotelial, produção de anticorpos e fibrose de vários órgãos, semelhante à doença humana ES. Além disso, o tratamento destes animais com a tolerância nasal utilizando o colágeno V promoveu regressão do remodelamento da pele. Reforçando esta hipótese de fisiopatogênese da esclerodermia, nosso serviço também investigou a expressão de colágeno V nos fibroblastos pulmonares obtidos por biópsia de pulmão de pacientes com ES e fibrose pulmonar. Verificamos que há realmente uma produção aumentada e anômala do colágeno V e sua intensidade correlacionou-se com uma pior capacidade pulmonar destes pacientes.

 

ACHADOS CLÍNICOS

Fenômeno de Raynaud

O fenômeno de Raynaud caracteriza-se pela mudança de cor dos dedos em resposta ao frio ou ao estresse, provocando extremidades frias, formigamento e dor. Ocorre em três fases, iniciando por palidez intensa, seguida de cianose e hiperemia reacional. Este fenômeno é o sintoma ou o sinal que direciona para a suspeita diagnóstica de doença do tecido conectivo, especialmente a ES.

Na forma limitada da ES, o fenômeno de Raynaud pode ser a única queixa durante longo período, muitas vezes só sendo valorizado ao surgir alguma complicação isquêmica (úlcera ou gangrena). Na forma difusa, surge associado a outros sinais da doença, podendo ser um sinal isolado durante um curto período.

A capilaroscopia pode auxiliar no diagnóstico de fenômeno de Raynaud associado a colagenoses, por exemplo, à ES, apresentando caracteristicamente hemorragias e ectasias capilares, além de áreas avasculares.

 

Manifestações Cutâneas

O comprometimento da pele na ES é caracterizado por três fases: fase inicial edematosa (principalmente mãos e dedos), seguida por uma fase de espessamento cutâneo e tardiamente evoluindo para a atrofia cutânea.

O endurecimento da pele começa nos dedos e mãos, denominado esclerodactilia. De acordo com o grau de esclerodactilia, pode ocorrer uma importante retração dos dedos evoluindo para a mão em garra, dificultando o manuseio de objetos e até o cuidado pessoal. A pele se torna aderida, seca, brilhante, com perda das pregas naturais e diminuição dos fâneros. Na face e no pescoço, ocorre o apagamento dos sulcos naturais. O nariz e os lábios se tornam afilados e a abertura da boca torna-se reduzida (microstomia). A observação de atrito durante a mobilização das articulações, principalmente punhos, está relacionada com a forma difusa e sugere também pior prognóstico, indicando intenso espessamento da pele.

O escore de Rodnan modificado, escore de avaliação da pele em 17 regiões do corpo, é utilizado para quantificar o grau de espessamento. A graduação vai de zero (pele normal) a 3 (muito espessada), com graduação máxima de 51 pontos. Além de ajudar a quantificar o espessamento da pele, esse escore possui ainda valor prognóstico e resposta ao tratamento. Um escore acima de 40 é indicador de mau prognóstico.

A hiperpigmentação da pele pode ser extensa dependendo da distribuição e da cor da pele do paciente. A associação de hiper e hipopigmentação que ocorre mais comumente no dorso e próximas ao couro cabeludo são denominadas em “sal e pimenta” e é característica da ES. Alguns pacientes desenvolvem lesões do tipo vitiligo em estágios muito avançados, principalmente na forma difusa da doença.

Telangiectasias, conhecidas como aranhas vasculares, ocorrem na face, palma das mãos e mucosas, tendem a aumentar em número com o passar dos anos e ocorrem mais frequentemente na forma limitada.

Calcinose são depósitos anômalos de cálcio que ocorrem em regiões periarticulares, ponta dos dedos, cotovelo, bursa pré-patelar e superfície extensora do antebraço. Sua presença pode levar a inflamação local, ulceração da pele e drenagem de material calcificado, o que predispõe à infecção.

Úlceras isquêmicas de pele, comuns na ES, podem ocorrer em várias regiões do corpo, sendo mais comuns nas regiões periungueais e região maleolar. São úlceras secundárias à diminuição da irrigação arterial, recidivantes, muito dolorosas e às vezes múltiplas. A cicatrização é lenta deixando sequelas e, às vezes, levando à reabsorção de polpas digitais. Em casos de difícil controle, pode evoluir para gangrena e amputação de dedos.

 

Manifestações do Sistema Musculoesquelético

Artralgia, artrite e rigidez matinal são sintomas frequentes nos pacientes com ES, principalmente nas fases iniciais de doença, levando muitas vezes a um diagnóstico inicial de artrite reumatoide ou lúpus eritematoso sistêmico.

Fraqueza muscular é frequente em pacientes com ES, sobretudo na forma difusa. Embora os pacientes apresentem uma sintomatologia leve, apresentando enzimas musculares (CPK e aldolase) e eletroneuromiografia geralmente normais, há casos em que ela pode ser grave e debilitante, semelhante à polimiosite. Várias causas estão relacionadas com a fraqueza muscular, desde drogas (corticoide, D-penicilamina) até atrofia muscular por desuso.

 

Manifestações do Trato Gastrointestinal

O trato gastrointestinal é acometido em mais de 90% dos casos. O esôfago é o órgão mais acometido (esofagite), seguido pela região anorretal, intestino delgado, estômago e cólon. Disfagia, odinofagia, dor em queimação retroesternal, regurgitação e sensação de parada do alimento no esôfago são sintomas comuns e, algumas vezes, incapacitantes.

Pacientes com ES que apresentam refluxo gastroesofágico têm maior incidência de esofagite, constrição do esôfago distal e metaplasia de Barrett, sendo de extrema importância o seguimento com endoscopia digestiva alta.

O envolvimento gástrico e do intestino delgado com pseudo-obstrução ocorre devido à proliferação bacteriana apresentando sintomas de anorexia, saciedade precoce, halitose, náuseas, vômitos, distensão, dor abdominal, perda de peso e diarreia.

A desnutrição é uma importante causa de mortalidade nos pacientes com ES, sendo resultante da síndrome de má absorção. Nos casos mais graves, há indicação de nutrição parenteral.

 

Manifestações Pulmonares

O comprometimento pulmonar é a principal causa de morbidade e mortalidade na ES.

A doença intersticial pulmonar é a forma de comprometimento pulmonar mais frequente e ocorre em 70% dos casos. Em geral, manifesta-se nos primeiros 5 anos de doença e ocorre principalmente na forma difusa. Os pacientes costumam ser assintomáticos e, quando surgem os sintomas como dispneia aos esforços e tosse seca, a extensão da lesão é grande e compromete a resposta ao tratamento. Recentemente, um estudo realizado pelo nosso grupo definiu, por meio de biópsia pulmonar, uma lesão histológica compatível com fibrose centrilobular (FCL), padrão associado à aspiração de conteúdo gástrico pelo refluxo gastroesofágico. Este achado pode ser relevante para modificar a conduta terapêutica da doença pulmonar.

Hipertensão pulmonar arterial isolada é uma alteração quase exclusiva da forma limitada da doença. O paciente pode permanecer assintomático até evoluir com hipertensão pulmonar grave e irreversível. Os sinais da segunda bulha aumentada e palpável, galope de ventrículo direito, sopros de insuficiência tricúspide ou pulmonar, refluxo hepatojugular e edema de membros inferiores refletem a presença de hipertensão pulmonar. A hipertensão pulmonar também pode ocorrer em pacientes já com fibrose intersticial estabelecida.

Outras manifestações pulmonares como hemorragia pulmonar, bronquiolite obliterante, reação pleural e pneumotórax são mais raras.

 

Manifestações Cardíacas

O acometimento cardíaco ocorre mais na forma difusa, e os pacientes são geralmente assintomáticos. O derrame pericárdico é um achado do ecocardiograma em até 50% dos pacientes.

Sinais de insuficiência ventricular direita, como edema de membros inferiores e hepatomegalia, sugerem hipertensão pulmonar. Pode ocorrer quadro de arritmia com episódios de síncope e, mais raramente, morte súbita.

 

Manifestações Renais

A crise renal é a manifestação mais importante do comprometimento renal na ES. É caracterizada por um início súbito de hipertensão arterial grave, associado ou não a insuficiência renal rapidamente progressiva. Ocorre em aproximadamente 10% dos pacientes, sobretudo na forma difusa e nos primeiros 5 anos de doença. Sua incidência tem diminuído nos últimos 10 anos pelo controle da hipertensão arterial com os inibidores da enzima conversora da angiotensina.

 

Outras Manifestações

Síndrome sicca (sensação de olho e boca secos) e neuropatia do trigêmeo podem ser observadas especialmente nas fases iniciais de doença.

Outros achados são as síndromes do túnel do carpo, mononeurite multiplex e comprometimento do sistema nervoso central.

 

DIAGNÓSTICO

A ES é uma doença na qual a anamnese e o exame físico são essenciais, e em 90% dos casos são suficientes para o diagnóstico. Os exames laboratoriais e de imagem são importantes somente para a avaliação da extensão e acompanhamento da doença.

O Colégio Americano de Reumatologia, objetivando uniformizar as pesquisas clínicas, propôs os critérios diagnósticos para ES (Tabela 1).

 

Tabela 1: Critérios diagnósticos e classificação*

Critério maior

Espessamento da pele proximal às articulações metacarpofalângicas

Critérios menores

Esclerodactilia

Cicatrizes em polpas digitais

Fibrose pulmonar

*Para o diagnóstico, é necessário o critério maior ou dois critérios menores.

 

Este critério é importante na identificação de pacientes com ES, mas não exclui outras patologias que apresentam semelhanças com esta doença.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Exames Laboratoriais

Autoanticorpos

1.   FAN: encontrado em mais de 95% dos pacientes.

2.   Anticorpos específicos da doença:

     anticorpo anticentrômero (ACA): mais frequente na doença limitada, é encontrado em 60 a 90% dos pacientes;

     anticorpo antitopoisomerase 1 (Scl-70): presente em 40 a 85% dos pacientes com a forma difusa. A presença deste anticorpo está mais associada com doença intersticial pulmonar e maior extensão de espessamento da pele;

     anticorpos contra RNA polimerase I, II e III e fibrilarina: encontrados na forma difusa;

     outros anticorpos são encontrados na ES, como o anti-Ku e PM-Scl, encontrados em pacientes com ES e miosite.

 

Exames Subsidiários

Capilaroscopia: exame simples, não invasivo e de grande auxílio nesta abordagem. Estudos mostram que 80% dos pacientes com anormalidades dos capilares ungueais evoluem para o desenvolvimento de doença autoimune, especialmente a ES;

radiografia de mãos: as alterações mais características são: reabsorção de tecidos moles nas polpas digitais, calcificações (calcinose) de tecidos moles, osteólise provocando perda das falanges distais e deformidades com tendência à luxação da primeira articulação carpometacarpal;

radiografia de tórax: insensível na detecção precoce da lesão pulmonar;

tomografia computadorizada de tórax (cortes finos): deve ser feita anualmente nos primeiros 5 anos de doença. É o exame mais sensível para detectar a lesão intersticial. As áreas basais, subpleurais e posteriores são os locais preferenciais de lesão. Imagens em vidro fosco nas bases pulmonares são as lesões mais encontradas. Outros achados como imagens “em favo de mel”, opacidades reticulares e cistos também são sugestivos de lesão pulmonar da ES;

prova de função pulmonar completa: é de grande auxílio no acompanhamento da doença. A espirometria mostra padrão restritivo, com diminuição progressiva da capacidade pulmonar total e a difusão de monóxido de carbono está reduzida. A redução da difusão de monóxido de carbono na ausência de restrição na espirometria é muito sugestiva de hipertensão pulmonar;

lavado broncoalveolar: pode mostrar alveolite com elevada proporção de linfócitos, neutrófilos e, ocasionalmente, eosinófilos;

manometria, esofagograma e endoscopia digestiva alta: avaliação do trato gastrintestinal, principalmente do esôfago;

trânsito intestinal: indicado se quadro de diarreia e desnutrição. A presença de dilatações do intestino grosso e pseudodivertículos são sugestivos de ES;

ecocardiograma transtorácico (ECO com medida da pressão sistólica da artéria pulmonar – PsAP): deve ser feito anualmente para investigação de hipertensão pulmonar, definida como PsAP > 40 mmHg, quando diagnóstico de hipertensão pulmonar pelo ECO encaminhar para especialista em pneumologia para realizar cateterismo cardíaco;

eletrocardiograma: mostra doença do sistema de condução e arritmias que geralmente são assintomáticas. Entre as arritmias, as contrações ventriculares prematuras são as mais comuns;

biópsia de pele: raramente é necessária para o diagnóstico. Pode ser útil em caso de suspeita de doenças que podem se assemelhar a ES (ver diagnóstico diferencial).

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial inclui outros distúrbios associados a fenômeno de Raynaud, doenças do tecido conectivo e condições com envolvimento cutâneo ou visceral semelhante à ES.

 

1.   Espessamento de pele das mãos e dedos: esclerose digital do Diabetes mellitus, distrofia simpático-reflexa, doença do cloridrato de vinil, esclerodermia induzida por bleomicina, amiloidose, doença celíaca do adulto.

2.   Espessamento de pele generalizado, sem atingir mãos e dedos: escleroderma de Buschke relacionado com diabetes insulino-dependente, escleromixedema relacionado ao hipotireoidismo, fasceíte eosinofílica, porfiria cutânea tardia, morfea generalizada, amiloidose, doença enxerto versus hospedeiro.

3.   Distúrbios com envolvimentos semelhantes de órgãos internos: cirrose biliar primária, hipertensão pulmonar primária, fibrose intersticial idiopática.

4.   Distúrbios com alterações de pele assimétrica (forma localizada): morfea, esclerodermia linear, golpe de sabre.

5.   Doenças do tecido conectivo: doença mista, superposição, lúpus eritematoso sistêmico.

 

TRATAMENTO

A abordagem terapêutica da ES deve ser uma combinação de medidas que atuem nos principais alvos da doença, como o sistema vascular, o sistema imune a fibrose nos órgãos envolvidos (Tabela 2).

 

Tabela 2: Resumo dos principais tratamentos e órgãos-alvo

Fenômeno de Raynaud

Suspender tabagismo

Uso de meias/luvas

Drogas: bloqueador Canal de Ca++

Cirurgia: simpatectomia

Gangrena: AAS, pentoxifilina, sildenafil

Hipertensão pulmonar

Inibidores de endotelina 1

Anticoagulação

Renal

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina

Pele

D-penicilamina

Colchicina

Fibrose pulmonar

Ciclofosfamida EV ou oral

Trato gastrointestinal

Medidas antirrefluxo e procinéticos

Bloqueador de bomba de prótons

Antibióticos

Cardíaco

Antiinflamatórios hormonais e não-hormonais

 

Fenômeno de Raynaud

Devem-se eliminar todos os fatores que pioram o vasoespasmo: tabagismo, uso de drogas como betabloqueadores ou derivados da ergotamina. Dicas: usar meias, luvas e evitar a exposição de qualquer parte do corpo ao frio. Drogas: bloqueadores de canais de cálcio, como a nifedipina e o diltiazem. A simpatectomia cervical ou lombar pode ser eficaz em casos graves e resistentes.

No caso de úlceras de difícil cicatrização ou gangrena, terapias adicionais são necessárias: aumentar os vasodilatadores até a dose máxima tolerada, associar AAS (dose antiagregante) e pentoxifilina (Trental), sildenafil, análogos da prostaciclina.

Para o alívio da dor, são indicados esquemas isolados ou combinados de paracetamol, codeína, antidepressivos como a amitriptilina e neurolépticos.

Quando a úlcera se torna infectada, é importante a limpeza constante e o uso de antibióticos tópico e oral, cujo espectro tenha o Staphylococcus aureus.

 

Pele

A D-penicilamina (DPA), droga capaz de alterar a produção de colágeno e com provável efeito imunossupressor, tem sido utilizada rotineiramente no tratamento dos pacientes com ES. O efeito preciso e a dose efetiva da DPA ainda precisam ser melhor definidos. A colchicina, avaliada em estudo randomizado controlado com placebo, não mostrou benefício.

Nos quadros de acometimento cutâneo grave, utiliza-se o imunossupressor ciclofosfamida por via endovenosa na forma de pulsoterapia mensal por 6 meses a 1 ano.

 

Doença Pulmonar

Apenas recentemente, em dois estudos randomizados, controlados e duplo-cegos, foi demonstrado o efeito benéfico da ciclosfomida via pulsoterapia mensal e da ciclofosfamida via oral para a fibrose pulmonar da ES. Além disso, houve melhora do escore de Rodnan, da gravidade da dispneia e de medidas de bem-estar relatadas por questionário pelos pacientes em uso da droga.

A capacidade de difusão de monóxido de carbono (DCO), relacionada à sobrevida, não mudou em nenhum dos estudos.

As doses preconizadas de ciclofosfamida por via oral é de 1 a 2 mg/kg ou pulsos mensais por via endovenosa/mês na dosagem de 500 a 750 mg/m2 com ou sem corticoide.

Outras drogas utilizadas, porém sem adequada comprovação de sua eficácia, são metotrexato, azatioprina, ciclosporina e plasmaférese.

O melhor controle da hipertensão pulmonar ocorreu com o uso de prostaciclinas por via endovenosa e os inibidores de endotelina 1, levando a uma diminuição da mortalidade e da qualidade de vida. A terapia anticoagulante é mandatória.

 

Doença Esôfago-Gastrointestinal

Orientação de novos hábitos alimentares, como ingesta de refeições pequenas e frequentes, evitar comer até 2 horas antes de dormir e manter a cabeça elevada ao deitar. As drogas utilizadas são procinéticos, como a metoclopramida e a domperidona, e inibidores de bomba de prótons, como o omeprazol.

Quando há sinais de proliferação bacteriana devido à estase, o tratamento é o uso de antibióticos como ciprofloxacino, amoxicilina e metronidazol. Para preservar a eficácia dos antibióticos, é necessário um rodízio destes, reservando alguns períodos livres de droga.

 

Doença Cardíaca

Para a pericardite sintomática, o uso de anti-inflamatórios não hormonais ou baixas doses de corticoides são suficientes. Em pacientes com grandes derrames, a pericardiocentese pode ser requerida.

 

Doença Renal

O tratamento da crise renal é baseado principalmente no controle adequado da pressão arterial utilizando inibidores da enzima conversora da angiotensina. Esta medicação deve ser mantida mesmo que a insuficiência renal piore, ou mesmo se o paciente evoluir com indicação de diálise, pois este quadro pode ser revertido mesmo após alguns anos de diálise.

 

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