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Vesícula e Árvore Biliar

Autores:

Leonardo Rossi

Acadêmico da Faculdade de Medicina da UPF.

Raquel Scherer de Fraga

Coordenadora do Programa de Residência Médica em Gastrenterologia do Hospital da Cidade de Passo Fundo. Doutora em Gastrenterologia pela UFRGS.

Última revisão: 06/01/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso clínico

Uma paciente do sexo feminino, 42 anos, branca, procura auxílio médico no serviço de emergência devido a dor recorrente no hipocôndrio direito e náuseas frequentes após refeições. A paciente é internada com quadro de dor epigástrica de forte intensidade, com irradiação para as costas, icterícia e temperatura axilar de 38,5°C. Ao realizar exame físico, verifica-se bom estado geral, temperatura axial de 37,9°C e abdome com ruídos hidroaéreos e dor à palpação profunda do hipocôndrio direito. Obtiveram-se os seguintes resultados dos exames complementares: 8.000 leucócitos, aspartato-aminotransferase (AST) de 210 U/L (11-42), alanino-aminotransferase (ALT) de 180 UI/L (11-42), fosfatase alcalina de 380U/L (até300), gama-glutamiltransferase (GGT) de 190U/L (12-55), bilirrubina total de 3,6 mg/dL, bilirrubina direta de 2,8 mg/dL. A ecografia de abdome evidencia vesícula biliar de aspecto normal e ducto colédoco dilatado, ambos com cálculos no interior.

 

Introdução

O trato biliar compreende os canalículos biliares intra-hepáticos, os ductos biliares intra-hepáticos, os ductos hepáticos direito e esquerdo, o ducto hepático comum, o colédoco, a vesícula biliar, o ducto cístico e a ampola de Vater.

A vesícula é um órgão sacular e tem em torno de 7 a 10 cm de comprimento e 30 a 50 mL de capacidade. Quando obstruída, pode distender consideravelmente até cerca de 300 mL. Localiza-se no leito vesicular na borda inferior hepática, encontrando-se na linha que divide anatomicamente o fígado nos lobos direito e esquerdo. Ela é formada por fundo, corpo, infundíbulo e colo. O fundo é a parte menos vascularizada, sendo, portanto, o local onde ocorre a perfuração nos casos de colecistite. No corpo, há concentração do armazenamento de bile, devido à grande quantidade de tecido elástico. A área de transição entre o corpo e o colo é denominada infundíbulo. Histologicamente, a vesícula difere-se dos outros órgãos gastrintestinais pela inexistência de uma camada muscular da mucosa e uma camada submucosa.

A bile, formada nos lóbulos hepáticos, é secretada no interior de uma complexa rede de canalículos e pequenos ductos biliares, que acompanham os vasos linfáticos e os ramos da veia porta e a artéria hepática nos tratos portais, situados entre os lóbulos hepáticos. Esses ductos biliares interlobulares unem-se aos ductos biliares septais maiores, que também se ligam para formar o ducto hepático comum. O ducto hepático comum junta-se ao ducto cístico, proveniente da vesícula biliar, para formar o colédoco, que entra no duodeno (geralmente após união com o ducto pancreático principal) através da ampola de Vater.

A secreção diária basal da bile hepática é de 500 a 600 mL, sendo o fluxo biliar regulado por três mecanismos principais: transporte ativo de ácidos biliares dos hepatócitos para dentro dos canalículos biliares, transporte ativo de outros ânions orgânicos e secreção colangiocelular.

Em jejum, o esfincter de Oddi (no interior da ampola de Vater) proporciona uma zona de alta pressão de resistência ao fluxo biliar proveniente do colédoco para o duodeno. Essa contração tônica impede o refluxo de conteúdo duodenal para dentro dos ductos biliares e pancreáticos e promove o enchimento da vesícula biliar. A colecistocinina (CCK), que é liberada pela mucosa duo-denal em resposta à ingestão de gorduras e aminoácidos, é o principal fator que controla o esvaziamento da vesícula biliar. A CCK produz uma contração vigorosa da vesícula biliar, uma redução na resistência do esfincter de Oddi, um aumento na secreção hepática de bile e, portanto, um aumento no fluxo de conteúdo biliar para o duodeno.

A bile hepática é concentrada, no interior da vesícula biliar, por uma absorção transmucosa de água e eletrólitos dependente de energia. Quase todos os poolsde ácidos biliares podem ser armazenados na vesícula biliar, durante o jejum noturno, para serem liberados no duodeno na primeira refeição do dia. A capacidade normal da vesícula biliar é de 30 a 50 mL de bile.

As funções do trato biliar podem ser vistas na Figura 40.1.

 

Epidemiologia

A litíase biliar é a terceira causa mais frequente de internação de emergência em cirurgia e a quinta dos portadores da doença. As mulheres são mais afetadas do que os homens, com uma relação de 3:1, considerando pacientes de até 50 anos. Dados apontam para cerca de 500.000 cirurgias/ano devido a casos de colecistite aguda. Se todos os pacientes entre 50 e 60 anos fossem operados devido à litíase biliar, essa doença corresponderia a cerca de 4.500.000 cirurgias anuais, configurando que, em muitos casos, o paciente é assintomático e, portanto, não é diagnosticado.

 

Patogênese

Os cálculos são divididos em dois grandes grupos de acordo com o aspecto macroscópico e a composição química: cálculos de colesterol e cálculos pigmentares. Os cálculos de colesterol, com 75% de incidência, são amarelados, únicos ou múltiplos e medem geralmente de 1 mm a 4 cm. Geralmente, esses cálculos formam-se devido a um excesso de colesterol em relação à capacidade carreadora, que pode ocorrer tanto por excesso absoluto de colesterol (mais comum) quanto por menor concentração de solubilizantes (p. ex., sais biliares). Exedido o limite dessa capacidade de solubilização de colesterol por parte da bile, esta é denominada supersaturada ou litogênica. O colesterol é essencialmente insolúvel em água e requer uma dispersão aquosa em micelas ou vesículas, ambas necessitando da existência de um segundo lipídeo para solubilizar o colesterol. Se há excesso de colesterol em relação aos fosfolipídeos, vesículas ricas em colesteróis instáveis permanecem e se agregam a vesículas maiores, causando precipitação dos cristais.

Os cálculos de cálcio e bilirrubina correspondem à taxa restante de incidência dos cálculos. Eles podem apresentar cor preta (bilirrubinato de cálcio), quando formados na vesícula, e estar relacionados a quadros de hemólise crônica. Esses cálculos também podem ser castanhos, com camadas de colesterol associadas, sendo formados, na maioria das vezes, no colédoco.

Recentemente, tem-se utilizado também o conceito de lama biliar (principalmente com a ultrassonografia), sendo esta uma mistura de mucina, bilirrubinato de cálcio e cristais de colesterol considerada precursora da litíase, embora nem todo portador de lama biliar desenvolva cálculos vesiculares.

 

Afinal, fisiopatologicamente, como ocorre a formação dos cálculos biliares?

Existem vários mecanismos de formação da bile litogênica (Fig. 40.2). Entre eles, estão os seguintes:

• Aumento da secreção do colesterol: é o mecanismo mais importante. Pode ocorrer em associação a obesidade, dietas hipercalóricas e ricas em colesterol ou drogas e pode resultar no aumento da atividade da HMG-CoA redutase (enzima que controla a síntese hepática de colesterol). Mutações no gene MDR3, responsável pela codificação da bomba de fosfolipídeos na membrana canalicular dos hepatócitos, podem causar secreção defeituosa destes na bile, resultando em supersaturação do colesterol na bile e consequentemente na formação de cálculos na vesícula e nos ductos biliares. A supersaturação de colesterol na bile é uma condição importante para litíase, mas geralmente não é suficiente para produzir a precipitação de colesterol, sendo necessários outros fatores adicionais patogênicos.

•Nucleação de colesteróis monoidratados com subsequente retenção e crescimento do cálculo.

•Hipomotilidade da vesícula biliar com esvaziamento lento e estase.

 

 

Figura 40.1

Funções do trato biliar.

 

Colecistite Aguda

Definição

A colecistite aguda é uma síndrome dolorosa do quadrante superior direito, associada a febre e leucocitose e caracterizada por inflamação vesicular, a qual geralmente está relacionada à doença litiásica. Aproximadamente 25% dos pacientes com colelitíase desenvolvem colecistite aguda em algum momento da vida (geralmente após surtos repetidos de cólica biliar). O agente mais encontrado nos quadros inflamatórios é Escherichia coli (41%)em seguida, Enterococcus (12%), Klebsiella (11%) e Enterobacter (9%).

 

Sinais e sintomas

Os sintomas causados pelos cálculos são comumente inespecíficos e incluem náuseas, sensação de estufamento abdominal e dor no hipocôndrio direito. A cólica biliar é descrita como uma dor intermitente, de forte intensidade, localizada no hipocôndrio direito ou epigastro e ocorren do 15 a 30 minutos após a refeição, frequentemente com irradiação para o dorso. A dor persiste por cerca de 3 a 4 horas e pode estar associada a náuseas e vômitos. Na coleciscite não complicada, não há febre e leucocitose, e a dor pode ser tratada com uma dose simples de analgésicos ou anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), geralmente regredindo em aproximadamente 6 horas. Nota-se hiper-sensibilidade à palpação na região subcostal direita, com defesa muscular e ocasionalmente contratura involuntária local. O exame físico evidencia o sinal de Murphy em metade dos pacientes. Há massa palpável (vesícula distendida e hipersensível) em apenas cerca de um quarto dos pacientes; entretanto esse achado confirma a suspeita diagnóstica. Em torno de 10% dos pacientes apresentam leve icterícia, causada por dilatação do colédoco adjacente, por cálculos neste ou pela síndrome de Mirizzi (obstrução do ducto hepático comum devido à compressão de cálculo grande no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico) (Tab. 40.1).

 

 

Figura 40.2

Diagrama de fases da litogênese.

 

Diagnóstico

O diagnóstico de colecistite aguda (ou crônica) calculosa depende da ocorrência de sintomas típicos e da evidência de cálculos em exames de imagem. A ultrassonografia abdominal (US) é o teste diagnóstico padrão para a identificação de cálculos. Nos casos em que o paciente apresenta sintomas característicos e US da vesícula e da árvore biliar com cálculos, deve-se priorizar a intervenção cirúrgica. Já para pacientes assintomáticos com cálculos diagnosticados acidentalmente, deve-se estabelecer uma abordagem conservadora (sem cirurgia). Ocasionalmente, em pacientes com crises típicas de cólica biliar, pode não haver evidências de doença calculosa na US. Algumas vezes, a US evidencia apenas lama biliar na vesícula. Dessa forma, se o paciente tem crises recorrentes típicas de cólica biliar e a lama biliar é verificada em duas ou mais ocasiões, a colecistectomia é o método de escolha. Outras causas também podem causar sintomas típicos biliares, como colesterolose (acúmulo de colesterol em macrófagos na mucosa vesicular) e adenomiomatose (feixes musculares lisos hipertróficos e penetração de glândulas mucosas na camada muscular da vesícula), ambas observadas por meio do exame de US.

Os exames laboratoriais de colecistite podem evidenciar 12.000 a 15.000 leucócitos/mm3 (se a leucometria for muito alta, suspeitar de perfuração), aumento discreto nos níveis de bilirrubina (se for maior do que 4 mg/dL, suspeitar de coledocolitíase associada), aumento discreto nos valores de fosfatase alcalina e AST (aspartato aminotransferase) e elevação da amilase sérica, que não indica necessariamente pancreatite aguda.

A US é o primeiro exame a ser solicitado em caso de suspeita de colecistite aguda, pois é excelente na detecção de cálculos biliares e permite a avaliação dos órgãos próximos. Esse exame apresenta sensibilidade e especificidade acima de 90% para o diagnóstico de colecistite e pode, inclusive, descartar causas comuns de obstrução. O achado mais comum que sugere colecistite é o espessamento da parede da vesícula (maior ou igual a 3 mm), porém ele não é específico, podendo ocorrer em casos de colecistite crônica, ascite, insuficiência cardíaca congestiva, sepse, etc.

 

 

Achados que sugerem colecistite aguda na US

•Manifestação de cálculos no colo da vesícula

•Espessamento da parede da vesícula

•Líquido perivesicular

•Aumento da interface entre o fígado e a vesícula

•Sinal de Murphy ultrassonográfico (dor quando o transdutor está sobre a vesícula)

•Aumento significativo do diâmetro transverso do fundo da vesícula

 

Tratamento

O tratamento inicial dos pacientes com cálculos sintomáticos consiste em internação hospitalar, hidratação venosa, analgesia, jejum e antibioticoterapia parenteral. Os esquemas de tratamento com antimicrobianos mais utilizados são ampicilina e aminoglicosídeo de 7 a 10 dias, podendo ser indicada monoterapia com cefalosporina de terceira geração. O tratamento definitivo é cirúrgico, por meio de colecistectomia, por via aberta ou videolaparoscópica, sempre priorizando o tratamento precoce. Pacientes diabéticos devem ser prontamente encaminhados à cirurgia, pois estão propensos a desenvolver quadros mais graves. Gestantes não devem ser tratadas com condutas expectantes, devendo ser realizada a colecistectomia durante o segundo trimestre de gestação. A colecistectomia proporciona excelentes resultados a longo prazo. Cerca de 90% dos pacientes com sintomas típicos e cálculos não apresentam mais os sintomas após o procedimento. A morbimortalidade da colecistectomia para o tratamento da colecistite aguda é extremamente baixa (< 0,3%), certificando a segurança do procedimento.

O manejo e a conduta nas colecistites agudas, de acordo com a classificação dos riscos definidos pelo American Society of Anestheriologists (ASA) podem ser vistos na Figura 40.4.

 

Complicações

Perfurações e fistulas;

Íleo biliar (mais comum);

Síndrome álgica pós-colecistectomia;

Outras (colangite, pancreatite aguda, abscesso subfrênico, etc.).

 

 

Figura 40.3

Manejo e conduta nas colecistites agudas.

 

Coledocolitíase

Definição

A coledocolitíase caracteriza-se pela existência de cálculos no interior do ducto colédoco. Essa condição pode ser primária, com formação de cálculos no próprio colédoco (ocorre geralmente quando há dilatação prévia do ducto por obstrução crônica, como estreitamento e estenose ampular), ou secundária (a mais comum), correspondendo a 90 a 95% dos casos e resultando da migração de um cálculo da vesícula biliar através do ducto cístico. A coledocolitíase pode afetar também pacientes pós-colecistectomia, nos quais alguns cálculos são retirados durante a cirurgia (2%).

 

Patogênese

Os cálculos secundários resultam do processo litogênico vesicularJá os cálculos primários do colédoco são causados por estase e infecção biliar secundária (formados por pigmento biliar devido à desconjugação bacteriana da bilirrubina).

 

Sinais e sintomas

Os cálculos de colédoco podem não ocasionar sintomas nos pacientes, sendo muitas vezes descobertos acidentalmente. Eles podem causar obstrução (completa ou incompleta) e manifestam-se como colangite ou pancre tite. A dor gerada pela coledocolitíase é muito similar à desencadeada pela impactação de cálculo no ducto cístico. Náuseas e vômitos são sintomas comuns. Essa dor normalmente é contínua, durando menos de 4 horas, podendo irradiar-se para a escápula direita ou para o dorso. Ela pode ou não estar associada à icterícia, em geral leve a moderada, bem como à colúria e à acolia. O exame físico pode ser normal, e pode haver leve hipersensibilidade epigástrica ou no hipocôndrio direito e discreta icterícia. Os sintomas podem ser também intermitentes, como a dor e a icterícia flutuante causadas pelo cálculo, que temporariamente impacta a ampola, mas subsequentemente move-se, agindo como uma válvula. Um cálculo pequeno pode passar através da ampola espontaneamente com a resolução dos sintomas.

 

Diagnóstico

O diagnóstico deve ser pesquisado em todo paciente com síndrome colestática, em especial quando de caráter flutuante, ou em qualquer indivíduo que será submetido à colecistectomia devido à colelitíase, que também apresente um dos seguintes fatores de risco: alterações do hepatograma (transaminases, fosfatase alcalina e bilirrubinas), dilatação do colédoco (> 5 mm) no pré-operatório e pancreatite biliar (Fig. 40.4).

Assim como os sintomas, os valores laboratoriais também podem ser flutuantes. Os achados incluem hiperbilirrubinemia (predomínio da fração direta), em geral oscilando entre 2 e 5 mg/dL. O valor da enzima que mais se eleva é o da fosfatase alcalina (> 150 U/L), mas aumentos moderados dos níveis das transaminases (> 100 U/L) também são registrados e podem ocasionar falso diagnóstico de doença hepática.

Comumente, o primeiro exame, a US, é útil para a verificação dos cálculos na vesícula (se eles ainda estiverem presentes), bem como para determinar o tamanho do colédoco. Como os cálculos nos ductos biliares tendem a se mover para a parte distal do colédoco, a presença de gases no intestino pode impossibilitar o diagnóstico na US. Um colédoco dilatado (> 8 mm em diâmetro) em um paciente com cálculos, icterícia e dor do tipo biliar sugere acentuadamente coledocolitíase. A realização de colangiografia por ressonância nuclear magnética pode evidenciar detalhes anatômicos, e esse exame apresenta sensibilidade e especificidade de 95% e 89%, respectivamente, no diagnóstico de coledocolitíase. A colangiografia endoscópica retrógrada (CPRE) é considerada o exame padrão-ouro no diagnóstico de cálculos no colédoco. Após a realização da US transabdominal, deve-se classificar os pacientes em três grupos, conforme apresenta a Tabela 40.2.

 

 

Figura 40.4

Algoritmo diagnóstico da coledocolitíase.

 

Tratamento

A coledocolitíase deve sempre ser tratada, mesmo se assintomática, devido ao risco de complicações graves, como a colangite e a pancreatite aguda. A terapia endoscópica inclui esfincterotomia e extração do cálculo. Pequenos cálculos (< 2 cm) podem ser removidos facilmente, assim como os maiores podem ser triturados com litotripsia antes da extração. Após a terapia endoscópica, deve-se realizar colecistectomia laparoscópica. Sempre que for realizada coledocotomia, é obrigatória a colocação do dreno de Kehr para drenagem e controle no período pós-operatório. A cirurgia para coledocolitíase é obrigatoriamente indicada após falha do procedimento endoscópico. Em alguns casos mais complexos de litíase da via biliar (p. ex., cálculos intra-hepáticos, estenose do esfincter de Oddi, coledocolitíase primária, etc.), indica-se a derivação biliodigestiva por meio de técnicas como coledocoduodenostomia ou coledocojejunostomia em Y de Roux.

 

 

Complicações

As principais complicações manifestadas em pacientes com coledocolitíase são as seguintes:

Colangite bacteriana aguda;

Abscesso hepático piogênico;

Pancreatite aguda biliar;

Cirrose biliar primária.

 

Colangite Aguda

Definição

A colangite aguda é uma síndrome clínica caracterizada por febre, icterícia e dor abdominal causada por estase e infecção do trato biliar, ocorrendo, na maioria das vezes, devido à obstrução deste.

 

Patogênese

Para que a colangite se desenvolva, são necessárias duas condições: existência de bactérias no trato biliar e obstrução parcial ou completa. As bactérias originam-se devido à ascensão do duo-deno, invadem o sistema porta e alcançam o trato biliar. Embora o sistema biliar seja estéril, havendo alguma doença obstrutiva, a estase predispõe esse sistema à colonização e ao crescimento bacteriano. Os organismos mais encontrados no sistema biliar são E. coli, Klebsiella pneumoniae, Enterococcus e Bacteroides fragilis. Contudo, mesmo com altas concentrações de bactérias nas vias biliares, a colangite não se desenvolve sem elevadas pressões intraductais (de 18 a 29 cm H2O). (Quadro. 40.1).

 

Sinais e sintomas

tríade de Charcotcomposta por febre, dor abdominal ou no hipocôndrio direito e icterícia, ocorre em 50 a 70% dos pacientes com colangite em um atendimento de emergência, havendo febre, dor abdominal e icterícia em 90%, 70% e 60% deles, respectivamente. Hipotensão e alteração do estado mental são observadas quando há sepse, formando, junto com o quadro descrito, a pêntade de Reynolds, a qual evidencia uma colangite supurativa.

 

 

 

 

O diagnóstico diferencial inclui as ocorrências de colecistite aguda, abscesso hepático piogênico e cisto de colédoco infectado.

 

Diagnóstico

A realização de uma anamnese adequada é essencial para o diagnóstico. Os achados laboratoriais indicam a natureza infecciosa e inflamatória da doença e a obstrução biliar associada, ou seja, leucocitose com desvio, associada a um padrão colestático das enzimas hepáticas (elevação nas transaminases, fosfatase alcalina, GGT e hiperbilirrubinemia direta). O nível de amilase sérica pode estar elevado cerca de 3 a 4 vezes acima do normal, sugerindo associação a pancreatite. Hemoculturas devem ser realizadas em todos os pacientes com suspeita de colangite a fim de orientar a escolha antibiótica.

O primeiro exame de imagem a ser realizado em um paciente com suspeita de colangite é a US para visualização de possíveis cálculos e dilatação do colédoco. Na sequência, deve-se indicar a CPRE, para a confirmação diagnóstica, e instituição terapêutica, com esfincterotomia, extração do cálculo e colocação de prótese quando for necessário. A colangiopancreatografia por ressonância magnética tem sido instituída como uma nova técnica para a avaliação de coledocolitíase, principalmente em pacientes pós-colecistectomia ou quando a CPRE não apresenta bons resultados para delinear anormalidades ductais. A US endoscópica é outra opção para a visualização de litíase biliar.

 

Tratamento

O tratamento do paciente com colangite deve ter como base dois princípios: controlar o quadro séptico e corrigir a condição subjacente. O primeiro princípio fundamenta-se no tratamento com antibioticoterapia intravenosa e monitoração em setor de cuidados intensivos, com suporte de vasopressores quando for necessário. Os antibióticos mais utilizados são aminoglicosídeos, para gram-negativos, ou associação de ampicilina e gentamicina, objetivando eficácia contra Enterococcus. A monoterapia com pipera-cilina-tazobactam, ampicilina-sulbactam, levofloxacino ou imipenem também são opções disponíveis. A maioria dos pacientes responde a essas medidas. Entretanto, as vias biliares obstruídas devem ser drenadas assim que possível. Deve-se realizar descompressão do trato biliar de forma endoscópica, via transhepática percutânea ou cirurgicamente. A escolha do tratamento depende do grau e da natureza da obstrução que o paciente apresenta. A colangite aguda está associada a uma taxa de mortalidade de aproximadamente 5%. Quando ela desenvolve-se junto a falência renal, insuficiência cardíaca, abscesso hepático e malignidades, as taxas de morbidade e mortalidade são muito maiores.

 

Caso Clínico Comentado

A paciente do caso clínico em questão apresentou quadro típico de coledocolitíase com colangite. Foi estabelecido tratamento com antibioticoterapia intravenosa com ampicilina e sulbactam, seguido por colecistectomia via laparoscópica com colangiografia transoperatória, a qual evidenciou cálculo localizado no colédoco distal. Realizou-se cirurgia do canal biliar comum, com coledo cotomia e remoção do cálculo. O paciente teve melhora da condição no período pós-operatório, sendo mantido com tubo T na via biliar. Ele recebeu alta com intenção de retirada do dreno de Kehr em três semanas, precedido de colangiografia pelo dreno.

 

Leituras Recomendadas

Brunicardi FC, Andersen DK, Billiar TR, Dunn DL, Hunter JG, Polock RE. Schwartz’s principles of surgery. 8th ed. New York: McGraw-Hill;2007.

Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ, editors. Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9th ed. Philadelphia: Saunders; 2010.

Goldman L, Ausiello D, editors. Cecil medicine. 23rd. ed. Philadelphia: Saunders; 2008.

Kasper D, Fauci A, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL, et al., editors. Harrison´s principles of internal medicine. 17th ed. New York:McGraw-Hill; 2008.

Strasberg SM. Clinical practice. Acute calculous cholecystitis. N Engl J Med. 2008;358(26):2804-11.

Townsend CM, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL, editors. Sabiston textbook of surgery: the biological basis of modern surgical practice. 17th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005

Zinner M, Ashley S Jr. Maingot’s abdominal operations. 11th ed. New York: McGraw-Hill; 2006.

Comentários

Por: Moacir Pivetta em 26/12/2013 às 16:47:58

"Na tabela 40.2 - diferencial de icterícia , as duas são bilirrubinas indiretas. Erro de digitação. Artigo muito bom."

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