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Icterícia Neonatal

Autores:

Cristine Sortica da Costa

Médica Pediatra e Neonatologista. Fellowship em
Neonatologia do Addenbrooke’s Hospital, Cambridge, UK.

Luciana Friedrich

Médica Contratada do Serviço de Neonatologia do HCPA. Doutora em Pediatria UFRGS.

Última revisão: 14/02/2014

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Versão original publicada na obra Xavier Picon P, Cauduro Marostica PJ, Barros E. Pediatria. Consulta rápida. Porto Alegre: Artmed; 2010.

 

Icterícia Fisiológica

A icterícia do recém-nascido (RN) é um processo benigno, mas, devido à sua potencial toxicidade, deve ser monitorada. Entre 25-50% dos RNs a termo e uma maior porcentagem de pré-termos irão desenvolver icterícia clínica.

O RN a termo apresenta icterícia visível com bilirrubina > 7 mg/dL, alcançando um pico de 6-8 mg/dL em torno do 3º dia de vida. Nos pré-termos, o pico é de até 10-12 mg/dL no 5º dia de vida, podendo alcançar 15 mg/dL sem nenhuma alteração específica no metabolismo da bilirrubina.

 

Hiperbilirrubinemia não Fisiológica

Os seguintes fatores sugerem icterícia não fisiológica, devendo ser sempre investigados:

         Início da icterícia antes de 24 horas de vida

         Aumento da bilirrubina sérica > 0,5 mg/dL/hora

         Sinais de doença subjacente, como vômitos, letargia, recusa alimentar, perda de peso, apneia, taquipneia ou instabilidade térmica

         Icterícia persistente após 8 dias de vida no RN a termo e após 14 dias no pré-termo

 

Investigar:

–História familiar de icterícia, anemia, esplenectomia ou litíase biliar: sugere anemia hemolítica hereditária

–História familiar de doença hepática: sugere galactosemia, deficiência de a-1-antitripsina, tirosinose, doença de Gilbert ou de Crigler-Najjar, fibrose cística

–Irmão com icterícia ou anemia: sugere incompatibilidade sanguínea ou icterícia do leite materno

–Doença materna durante a gestação: sugere infecções congênitas do grupo STORCH

–Drogas maternas que interferem na conjugação da bilirrubina (p. ex., sulfonamidas)

–Tocotraumatismo: associado a sangramento extravascular

–Atraso na eliminação de mecônio ou eliminações infrequentes: sugere icterícia por baixo aporte ou obstrução intestinal com aumento da circulação êntero-hepática

 

Icterícia Associada à Falta de Leite Materno

A incidência de um pico de bilirrubina > 12 mg/dL em RNs a termo amamentados ao seio é de 12-13%. O principal fator responsável por esse tipo de icterícia é o baixo aporte inicial de leite, que leva ao aumento da circulação êntero-hepática.

 

Icterícia Causada pelo Leite Materno

Incidência de 2-4% em RNs a termo. Tem início tardio, podendo chegar a níveis de 20-30 mg/dL em torno dos 14 dias de vida, com redução gradual até as 12 semanas de vida. Se a ingestão de leite materno é suspensa, os níveis caem rapidamente em 48 horas e não retornam aos valores prévios quando este é reintroduzido. Esses RNs apresentam um bom ganho de peso, função hepática normal e não há evidência de hemólise. O mecanismo exato é desconhecido, mas parece ser devido a fatores presentes no leite materno que interferem na conjugação da bilirrubina. Apesar de raros, existem relatos de kernicterus em RNs anteriormente saudáveis, sem fatores de risco e amamentados ao seio.

 

Avaliação e Manejo Do Rn Ictérico

Exame físico. A icterícia pode ser visualmente detectada por meio da digitopressão na pele do RN, e apresenta uma progressão craniocaudal. Os mais altos níveis de bilirrubina estão associados à icterícia abaixo dos joelhos e nas mãos. No entanto, a inspeção visual não costuma ser fidedigna do nível sérico de bilirrubina.

 

Pesquisar. Prematuridade, pequenos para a idade gestacional (policitemia, STORCH), microcefalia (STORCH), sangramentos extravasculares (cefaloematomas), palidez (hemólise), petéquias (STORCH, sepse, hemólise), hepatoesplenomegalia (hemólise, STORCH, doenças hepáticas).

 

Laboratório

         Bilirrubina total e frações. Bilirrubina direta > 2 mg/dL ou > 15% da bilirrubina total indicam colestase, devendo esta ser prontamente investigada.

         Tipagem sanguínea, fator Rh, Coombs direto: devem ser realizados de rotina em mães Rh-negativo.

         Esfregaço de sangue periférico (avaliar morfologia da série vermelha) e contagem de reticulócitos: para detectar causas de doença hemolítica com Coombs direto negativo. Reticulocitose > 6% sugere hemólise, principalmente se acompanhada de anemia.

         Hemograma: detectar policitemia ou anemia. A hemoglobina normal do RN varia de 13,7-20,1 g/dL.

         Testes de função hepática, STORCH, triagem para sepse, doenças metabólicas e hipotireoidismo em casos de icterícia prolongada. Pesquisa de deficiência de G6PD é útil, principalmente em etnias específicas.

 

Um screening pré-alta com dosagem sérica de bilirrubinas ou utilização da medida de bilirrubina transcutânea (TcB) e a plotagem em um normograma específico se mostraram úteis em determinar RNs em risco de desenvolver hiperbilirrubinemia não fisiológica (Fig. 11.1). Se o valor estiver na faixa de alto risco, o RN deve ser reavaliado 24 horas após a alta. Quando o nível de bilirrubina estiver na faixa de baixo risco, a probabilidade do RN ter icterícia severa é pequena. A medida de bilirrubina transcutânea é um método não invasivo de estimar os níveis séricos de bilirrubina por meio de espectrofotometria direta sobre a pele do RN. Esse pequeno aparelho portátil (bilirrubinômetro) serve como triagem para selecionar aqueles RNs com níveis mais altos, que necessitarão de confirmação dos níveis de bilirrubinas por meio de coleta sanguínea periférica. Esse método independe da cor da pele do RN, da idade gestacional ou da exposição prévia à fototerapia.

 

 

Figura 11.1

Gráfico de Bhutani – Indicação de risco para desenvolver hiperbilirrubinemia.

Fonte: adaptado de American Academy Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia (2004).

 

Fatores de risco maiores para desenvolver hiperbilirrubinemia

         Icterícia nas primeiras 24 horas de vida

         Incompatibilidade sanguínea com Coombs direto positivo

         Prematuridade (idade gestacional < 37 semanas)

         Filho anterior que necessitou de fototerapia

         Cefaloematoma ou hematomas extensos

         RNs amamentados exclusivamente no seio materno, particularmente se há dificuldades na amamentação e a perda de peso inicial é excessiva

         Raça asiática oriental

 

Fototerapia

         Indicação de fototerapia para RNs < 2.500 gramas (ver Tab. 11.1).

         Indicação de fototerapia para RNs > 2.500 gramas (ver Fig. 11.2).

 

Técnica

         A irradiância deve ser superior a 5 µW/cm2 em um comprimento de onda luminosa de 425-475 nm.

         Manter o RN despido, exceto por uma proteção ocular, e trocá-lo de decúbito a cada 2 horas. Se o RN estiver em incubadora, a fototerapia deve ser mantida a uma distância de 5-8 cm para prevenir superaquecimento. Monitorar a temperatura corporal do RN.

         O RN deve ser pesado diariamente, e deve haver uma compensação na oferta hídrica de 10-20% devido ao aumento das perdas insensíveis.

         A cor da pele e a TcB não são parâmetros durante o uso de fototerapia, mas a bilirrubina sérica deve ser medida periodicamente. Quando o nível de bilirrubina estiver próximo dos valores de indicação de exsanguineotransfusão, devem-se solicitar controles a cada 2-4 horas. Com níveis < 20 mg/dL, os interva-los dos controles podem ser de 6-12 horas. Quando os níveis estiverem em queda, coletar a cada 12-24 horas.

 

 

 

 

Figura 11.2

Indicações de fototerapia conforme a faixa de risco (usar valor da bilirrubina total. Fatores de risco: doença hemolítica isoimune, deficiência de G6PD, asfixia, letargia, instabilidade térmica, sepse, acidose, albumina < 3 g/dL).

Fonte: adaptada de American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbiliburinemia (2004).

 

Quando suspender a fototerapia. Quando a bilirrubina total for próxima de 13 mg/ dL em RNs a termo e próxima de 10-11 mg/dL nos pré-termos. Após a suspensão da fototerapia, a bilirrubina sérica deve ser verificada entre 12-24 horas.

 

Principais efeitos adversos da fototerapia

         Aumento das perdas insensíveis

         Diarreia e aumento das perdas insensíveis fecais

         Hipocalcemia

         Dano à retina

         Aumento da pigmentação cutânea em RNs negros, bem como eritema cutâneo por aumento do fluxo sanguíneo

 

Exsanguineotransfusão (Ext)

Indicações gerais (Fig. 11.3)

         Falha da fototerapia em prevenir o aumento da bilirrubina a níveis tóxicos

         Corrigir a anemia e melhorar a insuficiência cardíaca em bebês hidrópicos

         Interromper a hemólise e a produção de bilirrubinas pela remoção dos anticorpos e das hemácias sensibilizadas

 

Indicações de EXT imediata em doença hemolítica

         Bilirrubina de cordão > 4,5 mg/dL e/ou Hb de cordão < 11g/dL

         Bilirrubina sérica com aumento > 1 mg/dL/h apesar da fototerapia

         Hemoglobina 11-13 mg/dL e bilirrubina com aumento > 0,5 mg/dL/h apesar da fototerapia

         Bilirrubina > 20 mg/dL

         Progressão da anemia apesar do controle adequado da bilirrubina com fototerapia

         Sinais de encefalopatia bilirrubínica

 

Técnica

         O volume de sangue para EXT equivale a duas volemias (160 mL/kg), substituindo, assim, 87% da volemia do RN. É realizada com sangue total com menos de 7 dias, irradiado, aquecido em temperatura de 37°C, tipo O negativo, geralmente com plasma AB (para evitar a presença de anticorpos anti-A e anti-B).

         O RN deve permanecer em berço aquecido, monitorado. O cateter deve ser inserido na veia umbilical apenas o suficiente para possibilitar refluxo de sangue. As alíquotas devem ser de 5 mL (para RNs < 1.500 gramas), 10 mL (1.500-2.000 g), 15 mL (2.500-3.500 g) e 20 mL (RNs > 3.500 g) e a duração do procedimento deve ser de aproximadamente 1 hora.

 

 

Figura 11.3

Indicações de exsanguineotransfusão conforme faixa de risco.

Fonte: adaptada de American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia (2004).

 

Complicações. Hipocalcemia, hipomagnesemia, hipoglicemia, hipercalemia, distúrbio ácido-básico, sangramentos (trombocitopenia e distúrbios de coagulação), infecções, doença doador-versus-hospedeiro, hemólise (hemoglobinúria e hipercalemia devido ao superaquecimento do sangue), efeitos cardiovasculares (perfuração de vasos, embolização, vasoespasmo, trombose, infarto, arritmias), enterocolite necrotizante.

 

Gamaglobulina

Altas doses (0,5-1 g/kg, EV, em 2-4 horas) podem ser usadas em doença hemolítica grave. O mecanismo é incerto.

 

Kernicterus

Diagnóstico patológico referente à coloração amarelada do cérebro (principalmente gânglios da base, núcleos de nervos cranianos, núcleos do tronco e cerebelo, hipocampo e células anteriores da medula espinal) pela bilirrubina, associada a danos neuronais secundários à toxicidade pela bilirrubina.

 

Encefalopatia Bilirrubínica

O risco de toxicidade pela bilirrubina em RNs a termo com doença hemolítica é reduzido se os níveis são mantidos < 20 mg/dL. Em RNs hígidos sem doença hemolítica, há pouca evidência de desfechos neurológicos com níveis abaixo de 25-30 mg/dL. Os pré-termos são mais suscetíveis à toxicidade com níveis menores, principalmente se associados à anoxia, sepse, hipercapnia e outros fatores que aumentam a permeabilidade da barreira hematencefálica.

 

Aguda. Encontrada em RNs com doença hemolítica e bilirrubinas > 20 mg/dL, com kernicterus à necropsia. Tem classicamente três fases:

         Hipotonia, letargia, choro agudo e sucção débil.

         Hipertonia extensora com opistótono, rigidez, crises oculogíricas, convulsões e febre. Muitos RNs evoluem para óbito nessa fase. Todos os sobreviventes desenvolvem encefalopatia crônica.

         Hipotonia após uma semana de evolução.

 

Crônica. Atetose, surdez neurossensorial, displasia dentária e déficits intelectuais.

 

Referências

1.      American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia. Management of hyperbilirubinemia in the newborn infant 35 or more weeks of gestation. Pediatrics. 2004; 114 (1): 297-316. Erratum in: Pediatrics. 2004; 114 (4): 1138.

2.      Martin CR, Cloherty JP. Neonatal Hyperbilirubinemia. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR Manual of Neonatal Care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2008. p. 185-221.

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