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Picada de aranhas

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 04/07/2014

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Introdução

As picadas de aranhas são um evento médico raro, mas ainda assim são objeto de medo dos pacientes. A preocupação particular é principalmente com as lesões necróticas que podem ser causadas por estas picadas. No entanto,  as picadas de  aranha do gênero Loxosceles não provocam este tipo de lesão.

As reações locais são usualmente similares as de uma picada por abelha, com aparecimento de hiperemia e nodulação no local da picada. Passados alguns minutos, em raros casos podemos ter dramáticas lesões necróticas.

Existem cerca de 41.000 espécies de aranha, todas produzem uma espécie de veneno em suas quelíceras, na maior parte dos casos inofensivo para humanos, sendo assim, poucas  espécies têm alguma relevância do ponto de vista médico. Com distribuição mundial, há  dois tipos de síndromes secundárias a picadas de aranhas que podem ocorrer:  o Latrodetismo e o Loxsocelismo. Caracteristicamente, as aranhas do gênero Loxosceles são pacíficas e picam geralmente ao serem apertadas contra o corpo em roupas ou calçados. As Phoneutrias, entretanto, são muito agressivas. As aranhas caranguejei­ras são conhecidas por atingirem grandes dimensões, entretanto, na maioria das vezes possuem um tipo de veneno de baixa toxicidade.

A epidemiologia das picadas de aranha depende de fatores ambientais e da interação entre seres humanos e aracnídeos. O diagnóstico de picada de aranha é usualmente clínico, baseado na história do paciente de ter recebido uma picada de inseto identificado como aranha, esta identificação se torna mais eficaz  se a aranha for capturada. Na maioria dos casos, a identificação é realizada pelo próprio paciente. Raramente o diagnóstico laboratorial é disponibilizado  para estes casos.

A melhor forma de prevenir as picadas é evitar situações de risco para picadas de insetos. Existem antídotos para muitos dos grupos de aracnídeos, porém o efeito destes antídotos é menor do que o obtido com os antídotos para veneno de ofídeos e escorpiões. No Brasil, raramente é usado soro contra picadas de aranhas do gênero Photoneutria, no entanto, frequentemente é usado para picadas do gênero Loxsocelles, embora se saiba que a apresentaçãoo clínica mais demorada e a natureza irreversível das lesões necróticas da picada de Loxsocelles tornam este tratamento menos efetivo. Por outro lado, o soro contra funnel-web spider é extremamente eficaz.

 

Picadas de aranhas do gênero lactrodectus (Lactrodectus spp ou widow spiders)

Resulta de picadas pelas chamadas widow spiders ou também denominadas de "viúva negra". Existem pelo menos 30 espécies diferentes destas aranhas, a sua epidemiologia é diferente, dependendo da localização mundial, na Oceania, por exemplo, são frequentes picadas em ambiente peridomiciliar incluindo aranhas que se encontram em sapatos, capacetes de bicicleta e equipamentos de jardinagem. Por sua vez, na América do Sul  são mais frequentes picadas em trabalhadores rurais quando em ambientes externos. A maioria destas aranhas tem uma aparência negra brilhante com marcas vermelhas pelo corpo. Suas picadas caracteristicamente produzem alterações sensoriais no local da picada, o sistema nervoso autônomo é envolvido com liberação de neuromediadores podendo ocorrer contratura facial e trismo, retenção urinária, hipertensão arterial, taquicardia ou bradicardia.

A apresentação clínica apresenta diferenças conforme diferentes regiões do mundo, sendo comum Síndrome Dolorosa Isolada, na Australasia, e manifestações mais sistêmicas em outros locais do mundo, como na Europa.

Os pacientes na sua apresentação no serviço de emergência têm tipicamente uma história de  atividade de risco para ocorrer à picada nas últimas 8 horas. Cerca de 75% das picadas ocorrem nas extremidades, em particular nos membros inferiores.

A dor é uma manifestação universalmente presente nas picadas deste gênero, costuma ocorrer no local da picada com irradiação para dorso, tórax e região abdominal. O seu aparecimento é gradual com piora progressiva em períodos de horas a dias, a irradiação da dor em membro para região superior é uma apresentação típica. Em pacientes com manifestações sistêmicas, a mialgia é a mais comum entre elas.

A diaforese é outra manifestação característica e pode ocorrer em apresentações atípicas, mas que sugerem o latrodectismo, como diaforese apenas no local da picada ou diaforese abaixo dos joelhos ou assimétrica. Outro achado relativamente específico é o aparecimento de dor abdominal severa ou rigidez de parede abdominal.

Manifestações sistémicas, por sua vez, ocorrem em um terço dos pacientes com sintomas inespecíficos como náuseas, vômitos e cefaleia na maioria dos casos. Fasciculações musculares e paralisia local podem ocorrer, a injúria miocárdica é rara e neste caso pode ocorrer alteração de marcadores cardíacos, o priapismo é outra manifestação rara.

Os sinais vitais estão dentro dos parâmetros de normalidade em 70% dos pacientes, nos casos graves a presença de rigidez muscular intermitente ocorre em 60% dos pacientes.

Em pacientes com manifestações apenas locais recomendam-se  os cuidados locais de limpeza e profilaxia antitetânica, se necessário. Vários tratamentos foram propostos incluindo analgésicos, antieméticos, benzodiazepínicos, antídotos, magnésio e cálcio. Existe pouca evidência de qualidade para validar o uso das diferentes medicações citadas, mas analgésicos, principalmente opioides, são utilizados frequentemente.

Os benzodiazepínicos podem ser utilizados em casos de fasciculações ou espasmos musculares. A evidência para o uso de soro específico nestes pacientes é insuficiente para indicar a sua utilização.

 

Picadas por aranhas do gênero steatoda (Steatoda sp)

As aranhas do gênero Steatoda pertence a mesma família das aranhas Latrodectus e suas manifestaçõrs clínicas são similares, com dor local e irradiada, que pode ser associada com sintomas sistêmicos como náuseas, vômitos, fadiga e cefaleia. Nos casos mais severos, a síndrome clínica é indistinguível do latrodectismo, também não existe evidência suficiente para recomendar o uso de soro específico para tratamento destes pacientes.

 

Picadas por aranhas do gênero loxsocelles (Loxsocelles sp)

As aranhas deste gênero são também denominadas de aranhas reclusas ou aranhas marrons e seu veneno tem atividades proteolíticas e hemolíticas. Existem mais de 100 espécies de distribuição mundial, mas a maioria delas se encontra na América do Sul. São aranhas de hábito predominantemente noturno, encontradas em lugares secos e escuros, sobre pedras ou madeira, estas espécies podem se adaptar ao ambiente doméstico e se esconder em roupas, móveis e lençóis. São aranhas marrons de características difíceis de diferenciar em relação a outras espécies de aranhas, mas que apresentam seis olhos com um par na frente e dois pares laterais, ao contrário dos oito olhos usuais divididos em duas fileiras.

A patogênese de suas manifestações clínicas não é completamente conhecida, mas parece ser importante o envolvimento de componentes da família fosfolipase D, que são envolvidas principalmente na necrose cutânea. A injeção do veneno de aranha inicia uma reação inflamatória de mediadores lipídicos, o veneno loxsocélico também tem ação direta hemolítica e leva a ativação e agregação  plaquetária, podendo causar trombose na microcirculação com isquemia local e consequentes necrose tecidual e dor intensa. A presença de hialoronidase no veneno loxsocélico, aumentando o potencial da lesão tecidual, também é uma característica típica do loxsocelismo.

As mulheres são um pouco mais afetadas que os homens por estas picadas, que  ocorrem principalmente nos meses de temperatura quente. Estas aranhas raramente picam espontaneamente seres humanos, isto ocorre em geral quando são atacadas, ou como última linha de defesa.

Inicialmente, a picada é pouco dolorosa e passa despercebida em grande número de casos, eventualmente pode ocorrer uma sensação de queimação local, além disso, poucos pacientes capturam a aranha, o que dificulta a identificação que ocorre em menos de 60% dos casos. A dor tipicamente apresenta um aumento progressivo nas próximas 2 a 8 horas e pode se tornar severa, a aparência inicial da lesão é de uma pápula avermelhada, alguns pacientes podem apresentar rash urticarifrome associado.

Certo número de casos provavelmente não apresenta evolução, porém é difícil saber qual é o verdadeiro número de casos assintomáticos ou oligossintomáticos destas picadas.

Alguma forma de necrose cutânea ocorre na maioria das picadas sintomáticas por aranhas do gênero Loxsocelles e manifestações sistêmicas que, por sua vez, ocorrem em cerca de 10% dos casos, anemia hemolítica também ocorre em 10% dos casos.

O loxsocelismo cutâneo se manifesta inicialmente por dor discreta e eritema, que muitas vezes pode ser confundido com celulite e usualmente causa extenso envolvimento cutâneo com necrose cutânea e ulceração. A evolução lenta faz com que o diagnóstico da lesão ocorra de 12 a 24 horas após a picada, com aparecimento de equimoses e bolhas hemorrágicas.

A necrose cutânea, por sua vez costuma aparecer em torno de  72 horas após a picada, podendo ocorrer necrose de tecidos profundos em até metade dos casos, mas infecção secundaria é incomum, mesmo em casos de envolvimento cutâneo extenso. Alguns pacientes podem apresentar uma variante edematosa, principalmente em picadas de face com extenso edema e eritema, mas pouca necrose.

As manifestações sistêmicas são menos comuns e incluem hemólise intravascular como característica principal. A apresentação típica inclui febre, mal-estar, mialgias, vômitos, cefaleia e rash, com ou sem história de picada. Os níveis de hemoglobina apresentam queda progressiva em período de 7 a 14 dias, podendo chegar a níveis de 5 a 8 g/dl. A hemólise apesar de intravascular é consistente com processo autoimune ocorrendo teste de Coombs direto positivo. Insuficiência renal aguda pode ocorrer, mas é incomun, sendo associada com prognóstico muito ruim.

A CIVD é frequentemente descrita como sintoma comum ao loxsocelismo. Embora a evidência de sua ocorrência seja pequena, alguns pacientes evoluem com trombocitopenia e aumentos dos tempos de coagulação, mas raramente preenchendo os critérios diagnósticos para CIVD. Rabdomiólise é descrita no loxsocelismo, mas na maioria dos casos tem apenas pequenos aumentos de CPK.

A presença de lesões cutâneas, sintomas sistêmicos inespecíficos e história de picada de aranha são considerados suficientes para o diagnóstico de loxsocelismo. Apesar disso, deve-se lembrar de que o diagnóstico de loxsocelismo em lesões cutâneas necróticas tende a ser superestimado. Na presença de lesões cutâneas necróticas pode-se levantar a suspeita de picada de aranha, mas esta é uma causa infrequente e os pacientes devem ser orientados neste sentido, para evitar ansiedade.

Existem vários tratamentos propostos para o loxsocelismo como corticoesteroides, antídotos, anti-histamínicos entre outras opções, embora exista pouca evidência que dê suporte para seu uso.

O benefício do antídoto parece se limitar ao uso nas primeiras 4 horas, embora alguns estudos sugiram benefício até 48 horas. O Ministério da Saúde recomenda seu uso em casos de lesões cutâneas extensas, usualmente associado à glicocorticoides. A dose de prednisona recomendada é de 40-80 mg ao dia ou 1mg/Kg por 5 dias. Um estudo segeriu benefício com o uso de dapsona, embora esta não seja recomendada rotineiramente. A dose de soro específico é de cinco  ampolas, em casos sem hemólise, e 10 ampolas, no caso de hemólise associada.

 

Picadas de aranhas do gênero atrax e hadronyche spp (funnel-web spiders)

As aranhas do gênero Atrax e Hadronyche são as mais mortíferas espécies de aranhas, felizmente sua existência é limitada a certas áreas do globo, em particular na Austrália e têm pouca interação com seres humanos. Existem apenas 13 casos relatados de fatalidades relacionados a picadas deste tipo de aranha, sendo todos  anteriores a 1981.

As aranhas são de tamanho moderado a grande com quelíceras proeminentes, que  vivem principalmente em rochas. O veneno destas aranhas contém neurotoxinas, como os appendices são grandes, suas picadas costumam ser bastante dolorosas, mas na maioria dos casos sintomas sistêmicos não ocorrem. Envenenamento sistêmico consiste de sintomas neuromusculares e de sistema nervoso autônomo e podem ser acompanhados de edema pulmonar.

Ocorre um misto nas picadas  de excesso de catecoaminas e manifestações colinérgicas neste gênero, podendo ocorrer tanto bradicardia como taquicardia, hipertensão, miose ou midríase, hipersalivação, lacrimejamento, diaforese e piloereção.

As manifestações neuromusculares incluem parestesias locais ou a distância, fasciculações locais ou generalizadas, principalmente envolvendo língua e espasmos musculares. Sintomas inespecíficos como vômitos, cefaleia e fadiga podem ocorrer, caso não seja utilizado antídoto,  eventos tardios incluem hipotensão, coma e disfunção de múltiplos órgãos.

Na suspeita de picada por este gênero de aranhas, deve-se aplicar uma bandagem com imobilização, como no caso de picadas por cobras. A resposta do antídoto é dramática e por este motivo não é considerado ético um estudo para avaliar sua eficácia.

 

Picadas por aranhas do gênero photoneutria

São as picadas pelas chamadas aranhas armadeiras, cujo veneno tem ação neurotóxica, com liberação de adrenalina e acetilcolina com manifestações de sistema nervoso central simpático e parassimpático.

Picadas por este tipo de aranha ocorrem principalmente na América do Sul e na Costa Rica, são aranhas noturnas e solitárias que ocasionalmente entram em domicílios, e neste local assumem postura agressiva característica, ocorrendo milhares de eventos no Brasil.

As picadas causam dor local imediata com diaforese localizada, piloereção e eritema. A dor apresenta irradiação proximal, na maioria dos casos os sintomas se limitam ao quadro soloroso, mas uma série de quase 500 casos descreveu taquicardia e sensação de inquietude. Os sintomas sistêmicos incluem náuseas, vômitos e tonturas, salivação, alterações visuais e priapismo.

Na maioria dos casos, apenas tratamento sintomático é necessário com aplicação de compressas quentes, opioides e sedativos, conforme necessidade e o uso de anestésicos locais.

O soro só é indicado em casos mais graves com manifestações autonômicas, sendo utilizado em cerca de 2% das picadas por este tipo de aranha. O soro é usado por 3 horas e a recuperação é completa em usualmente 24 horas.

 

A tabela abaixo sumariza as medidas a serem realizadas nos diferentes tipos de picada de aranhas.

 

Tabela: tratamento e manejo das picadas por aracnídeos

 

Gênero

Casos Leves

Casos Moderados

Casos Graves

Photoneutria

Observação por 6 horas, medidas e analgésicos simples ou locais

Internação e administração de soro antiaracnídeo 2 a 4 ampolas EV

Internação e administração de 5 a 10 ampolas de soro aracnídeo EV

Loxsocelles

Acompanhamento por 72 horas, com tratamento sintomático

5 ampolas de soro antiaracnídeo EV e prednisona 1 mg/kg dia em crianças e 40 mg ao dia em adultos por 5 dias

10 ampolas de soro antiaracnídeo EV e prednisona 1 mg/kg dia em crianças e 40-80 mg ao dia em adultos por 5 dias

Lactrodectus sp

Uso de analgésicos locais, descrito benefício com gluconato de cálcio, que raramente é usado

Analgésicos locais, principalmente opioides. Uso de benzodiazepínicos, se espasmos ou fasciculações musculares.

Soro antilatrodético 1 ampola IM

Analgésicos locais, principalmente opioides. Uso de benzodiazepínicos se espasmos ou fasciculações musculares.

Soro antilatrodético 1 a 2 ampolas IM

Adapatado de Marques FRB. Picadas de insetos, aranhas e escorpiões em Pronto-Socorro, Terceira edição, Editora Manole, 2012.

 

 

Referências

1-Isbister GK, Fan H W. Spider bite. Lancet 2011; 378: 2039-2047.

2-Vetter RS, Swanson RL. Approach to the patient with a suspected spider bite: An overview. Disponível em www.uptodate.com acessado dia 25 de março de 2014.

3- Vetter RS, Swanson RL. Bites of recluse spiders. Disponível em www.uptodate.com acessado dia 25 de março de 2014.

4- Vetter RS at al. Clinical manifestations and diagnosis of widow spider bites. Disponível em www.uptodate.com acessado dia 25 de março de 2014.

5-Marques FRB. Picadas de insetos, aranhas e escorpiões. Martins HS, Damasceno MCT, Awada SB Pronto-Socorro Terceira edição 2012.

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