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Candidemia e Candidíase Invasiva

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 28/08/2014

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        A candidemia é definida pela presença de cândida na corrente sanguínea, que nunca deve ser considerada uma contaminante apenas e tem indicação formal de tratamento. Infecções da corrente sanguínea são associadas a um grande aumento na mortalidade intra-hospitalar, em particular nos casos da candidemia, em que é descrita mortalidade de 35-75%. A candidemia representa aproximadamente  17% de todas as infecções adquiridas na UTI, representando a quarta etiologia mais frequente de infecções nosocomiais. Colonização por cândida ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes em UTI.

 

Fatores de risco e epidemiologia

        Os fatores de risco para desenvolvimento de candidemia incluem principalmente internação em UTI e imunossupressão. A candidemia é particularmente importante e ocorre principalmente como infecção nosocomial em terapia intensiva, e fatores de risco para seu aparecimento incluem:

 

-Presença de cateteres venosos centrais;

-Nutrição parenteral total;

-Uso de antimicrobianos de amplo espectro, principalmente se o tempo for prolongado;

-Escores APACHE aumentados;

-Insuficiência renal aguda, principalmente em pacientes em hemodiálise;

-Cirurgia prévia, em particular cirurgia abdominal;

-Perfurações e fístulas gastrointestinais.

 

        Outro fator de risco que deve ser lembrado é a colonização por cândida, infecções por este micro-organismo, em dados recentes, tem descrição de aumento de 50% nos últimos 10 anos.

        A cândida albicans é a principal etiologia das infecções por cândida, embora nas últimas duas décadas tenha se observado uma crescente  proporção de infecções causadas por espécies não-albicans. Os dados de um grande estudo de vigilância mostraram que a proporção de infecção da corrente sanguínea devido à C. Glabrata nos EUA subiu de 18% para 25% em um intervalo de 20 anos.

        As estatísticas norte-americanas apontam que a C. Albicans representa 42% dos casos, C. Glabrata representa 27% dos casos, a C. parapsilosis 16%, C. Tropicalis 9% e a C. krusei 3% dos casos. Em estatísticas europeias, a C. parapsilosis é a espécie não albicans mais comum de infecção.

        Os pacientes com candidemia têm uma mortalidade global que pode chegar a 70% e uma estimativa de mortalidade atribuível de 15 a 60%, embora seja provável que estes números sejam superestimados. A candidemia ou candidíase representa um custo adicional de cerca de 16.000 euros por episódio.

        A remoção de cateteres venosos centrais é associada com a diminuição de mortalidade na infecção por estes agentes, e por este motivo deve fortemente ser encorajado o uso de equinocandinas para seu tratamento, também é associada à diminuição de mortalidade neste tipo de infecção, porém o alto custo destas medicações e indução de resistência são fatores que tornam a recomendação de seu uso na candidemia não ser universal. Outros fatores associados com diminuição de mortalidade neste tipo de infecção incluem neoplasia ativa, uso de corticoesteroides e terapia antifúngica inicial inadequada ou indicada com atraso.

 

Fisiopatologia

        Existem vários fatores precipitantes potenciais para CI, incluindo principalmente cateteres venosos centrais, que são associados ao desenvolvimento de biofilmes ao redor dos mesmos. As mãos de profissionais de saúde podem ser colonizadas por espécies de cândida o que influencia a transmissão nosocomial da infecção. Fatores como imunosupressão, infecção bacteriana concomitante, uso recente de antibióticos de amplo espectro, diabetes, cirurgia abdominal recente, nutrição parenteral, hemodiálise, pancreatite, e neutropenia são outros fatores determinantes para ocorrência desta infecção.

 

Existem três vias principais para ocorrência de candidemia:

-Através de mucosa gastrointestinal

-Cateter venoso central

-Por foco localizado de infecção como pielonefrite ou outros

 

        A infecção via mucosa gastrointestinal é provavelmente a via mais comum deste tipo de infecção e por este motivo alguns especialistas não são favoráveis à remoção de cateter venoso central em todos os pacientes com candidemia, o risco de infecção por esta via é excepcionalmente elevado em pacientes submetidos à cirurgia abdominal recente ou com outros eventos gastrointestinais como perfuração gastroduodenal, fístula, ou pancreatite aguda necrosante. Em contraste, os pacientes com apendicite rota não apresentam aumento de risco deste tipo de infecção. A identificação destes fatores tem implicação na importância da remoção destes fatores de risco sempre que possível, assim a um paciente com candidemia e cateter venoso central é recomendado, pela maioria dos especialistas, que este seja retirado. Os pacientes em nutrição parenteral total, em particular uso de emulsões lipídicas têm descrição de formação de biofilme com fungos e infecção de corrente sanguínea.

Infelizmente, a candidíase intra-abdominal apresenta sintomas inespecíficos, o que torna difícil sua identificação e profilaxia antes do desenvolvimento de candidemia.

 

Manifestações clínicas

        As manifestações clínicas da candidemia são extremamente variáveis, podendo ser leves e oligossintomáticas, e em alguns casos com uma rápida evolução com sepse grave ou choque séptico, além de candidemia invasiva, que é definida pela disseminação hematogência da infecção por cândida em outros órgãos como olhos, rins, coração, cérebro entre outros. A presença de cândida ocular ou endoftalmite por cândida que é associada com lesão característica que é a corioretinite com ou sem vitrite, além do aparecimento de lesões cutâneas e abscessos musculares, que são pistas para o diagnóstico de candidemia.

        As lesões cutâneas variam entre aparecimento de pústulas não dolorosas de base eritematosa até lesões que podem evoluir com necrose, em pacientes em que candidemia ou candidíase invasiva é suspeitada, mas com hemoculturas negativas a biópsia destas lesões de pele pode auxiliar o diagnóstico.

 

Diagnóstico

        A base do diagnóstico da candidemia é a positividade de hemoculturas, que devem ser obtidas em todos os pacientes. Culturas de outros locais poderiam ser úteis para profilaxia da candidemia ou candidíase invasiva, mas as culturas de fontes intra-abdominais e drenos são muitas vezes polimicrobianas com bactérias e leveduras presentes, o que torna difícil a sua interpretação. A especificidade de cultura de tecidos superficiais, feridas cirúrgicas, ou de material de drenagem é ruim, o que prejudica seu uso rotineiro.

        O uso de marcadores precoces de infecções fúngicas é uma alternativa importante para o diagnóstico de candidemia. Um destes marcadores são os ensaios de dosagem do beta-D-glucano, que são um constituinte da parede celular da cândida e outros fungos. Vários ensaios de detecção baseados na ativação da cascata de coagulação pelas d-glucanas foram desenvolvidos. O ensaio BG Fungitell é aprovado para este propósito e valores acima de 80 pg /mL são considerados positivos. Resultados falso-positivos ocorrem em coletas de tubos contaminados, diálise com membranas de celulose; bacteremia por bactérias gram-positivas, em particular o Streptococcus pneumonia e utilização de produtos com filtros de celulose e uso de antibióticos como amoxicilina/clavulonato. A sensibilidade e a especificidade do ensaio variam de 57-97% e 56-93%, respectivamente. Outro estudo demonstrou valor preditivo positivo de 72% e um valor preditivo negativo de 80% para candidíase intra-abdominal.

       Outro exame com boas possibilidades é a dosagem de antígenos ou anticorpos contra as mananas. A manana é um componente polissacárido da parede da cândida que aparece na circulação periférica em pacientes com candidemia ou candidíase invasiva. Os métodos disponíveis para sua dosagem incluem aglutinação por látex e imunoensaio enzimático. A sensibilidade e a especificidade para o diagnóstico variam de 58 a 93%, e 59 e 83%, respectivamente. A dosagem de anticorpos anti miceliais é  outra abordagem descrita e é possível por imunofluorescência com sensibilidade de 77-89% e uma especificidade de 91-100% para o diagnóstico.

        Apesar de ser o padrão-ouro para diagnóstico de candidemia ou candidíase invasiva, a sensibilidade das hemoculturas é de apenas 50% e seus resultados têm atrasos de pelo menos 72 horas após a suspeita, o uso de novos métodos de cultura como o método de lise-centrifugação e mudanças no meio de cultura utilizada no BACTEC levaram ao aumento desta positividade, mas esta ainda é de apenas 50%. Por este motivo, o uso de ensaios do beta-D-glucano, que em um ensaio utilizando ponto de corte de 60 picogramas/ml, em outro estudo teve valor preditivo positivo de 70%, e têm sido cada vez mais utilizado.

        A biópsia de lesões suspeitas e uso de técnicas de PCR (Polymerase chain reaction) são outra alternativa importante. O uso de PCR para detecção de DNA de cândida permite detecção precoce de candidemia. Em uma recente meta-análise de 54 estudos com 4.894 pacientes a sensibilidade e a especificidade da PCR para suspeita de candidemia invasiva foram de 95 e 92%, respectivamente.

A abordagem provavelmente mais efetiva é a combinação de técnicas para o diagnóstico. Um estudo mostrou que o uso combinado de hemocuturas, beta-D-glucano e PCR mostrou sensibilidade superior a 90%.

        A identificação de pacientes em risco de desenvolver candidemia tem grande importância. A colonização por cândida é um pré-requisito para a maior parte das candidemias. Um estudo com 1699 pacientes internados em UTI por mais de sete dias demonstrou que 52% destes pacientes são colonizados por cândida e 6% desenvolvem infecção. A colonização frequentemente é de múltiplos sítios, particularmente em pacientes internados por mais de sete dias, podendo variar entre 56 e 70%. Os locais de colonização mais frequentes são aspirado gástrico (45,6%), seguido por amostras de orofaringe (34,3%), secreção traqueal (23,4%), cotonetes perirretais (21,2%)  urina (18,7%). Outro estudo demonstrou que pacientes com swab retal ou coproculturas com infecção por cândida têm risco aumentado de desenvolver candidemia, de forma que culturas de vigilância podem ser úteis nestes pacientes. A colonização de pelo menos três sítios diferentes documentados, duas ou mais ocasiões consecutivas representam alto risco de desenvolver candidemia e candidíase invasiva. A maioria dos casos de CI ocorre nos primeiros 5-12 dias de internação na UTI, em pacientes com suspeita de candidemia a indicação de terapia antifúngica empírica é difícil e presença de colonização por cândida ajuda a tomar esta decisão. A avaliação de fatores de risco para desenvolvimento de candidemia, como  sexo feminino, peritonite de origem em infecção de abdome superior, perioperatório, falência cardiovascular e terapia antimicrobiana anterior são outros fatores que auxiliam na decisão de terapia empírica.

        Existem critérios específicos para determinação do risco de desenvolvimento de candidemia na literatura, com critérios maiores que incluem diabetes, antibióticoterapia prévia e presença de cateter venoso central e critérios menores que incluem nutrição parenteral, grandes cirurgias, pancreatite, uso de glicocrticoides ou outros imunossupressores. Utilizando para o diagnóstico pelo menos um critério maior e dois menores, além da colonização por cândida, temos neste modelo sensibilidade de 66% e especificidade de 87% para diagnóstico de candidemia ou candidíase invasiva, neste caso é possível que a terapia empírica seja benéfica.

        A recomendação para o tratamento empírico deve ser balanceada, baseada no fato que nos EUA 7,5% dos pacientes em UTI acabam utilizando antifúngicos empíricos em determinado momento de sua internação. O uso de antifúngicos em pacientes que não precisam deles não é somente associado com potenciais efeitos adversos, mas com mudanças de flora e surgimento de resistência, desta forma esta não é, portanto uma decisão fácil e a criação de ferramentas para auxílio nesta decisão é de suma importância.

 

Tratamento

        A candidemia deve ser tratada em todos os pacientes e remoção de cateter venoso central isoladamente, embora auxilie no manejo destes pacientes, jamais pode ser considerada como medida suficiente para tratamento, os princípios de tratamento destes pacientes incluem a remoção e drenagem de quaisquer abscessos que por ventura os pacientes apresentem.

 

A suscetibilidade das diferentes espécies de cândidas é variável e deve ser discutida, podemos pontuar que:

-Cândida albicans: apenas 1,5% de resistência ao fluconazol, a maioria é suscetível a equinocandinas e azois também.

-Cândida Krusei: intrínsecamente resistente ao fluconazol, a maioria é suscetível ao voriconazol. Tem sensibilidade universal às equinocandinas e  sensibilidade à anfotericina B está diminuindo.

-Cândida glabrata: muitas espécies resistentes aos azois sendo necessárias altas doses, caso utilize  a anfotericina B, devem ser utilizadas  doses maiores também, são suscetíveis às equinocandinas.

-Cândida parapsilosis: são suscetíveis a quase todos agentes antifúngicos, mas com concentrações inibitórias mínimas altas em relação às equinocandinas, têm alta suscetibilidade aos azois.

-Cândida tropicalis: suscetíveis aos azois, equinocandinas e anfotericina B.

-Cândida lusitaniae: rapidamente resistentes à anfotericina B, mas suscetíveis a azois e equinocandinas.

-Cândida guilermondi: usualmente suscetível a anfotericina B, suscetibilidade menor para fluconazol e equinocandinas, a infecção ocorre principalmente em neoplasias hematológicas.

-Cândida dublinensis: suscetibilidade similar a albicans, pode ser tratada com fluconazol.

 

        Em pacientes leve a moderadamente doentes, a recomendação inicial é de tratamento com azois, como o fluconazol, em pacientes sem uso prévio. Por sua vez, em pacientes graves se recomenda o uso de equinocandinas ou polienos à base de lipídios como a anfotericina B. No entanto, evidências recentes apontam para o fato de que pode haver uma vantagem do tratamento inicial com equinocandinas sobre azois, assim algumas diretrizes já recomendam tratamento inicial para todos pacientes com equinocandinas e reservando azois para descalonamento em pacientes estáveis ??com culturas mostrando a susceptibilidade a estes agentes. Anfotericina B deve ser reservada para infecções de órgãos, como a meningite, a endocardite, ou a osteomielite ou para pacientes em que a coinfecção com outros fungos é documentada ou possível. Não há nenhuma vantagem significativa em combinar antifúngicos para o tratamento da candidemia.

        A duração do tratamento é geralmente considerada de 14 dias a partir da primeira hemocultura negativa, em casos sem abscessos ou doença disseminada. É recomendado em todos os pacientes com candidemia se realizar exame ocular para descartar disseminação hematogênica do fungo.

 

As recomendações das diretrizes da sociedade americana para tratamento de candidemia ou candidíase invasiva são as seguintes:

-Candidemia em não neutropênicos: primeira escolha fluconazol 800 mg/dia (12 mg/Kg) dose inicial e depois 400 mg (6 mg/Kg) ou equinocandina (capsofungin e amidalofungin). A dose inicial do capsofungin é de 70 mg e depois 50 mg ao dia, já para o amidalofungin dose inicial de 100 mg e depois 50 mg diários. Alternativamente, anfotericina B 3-5 mg/Kg dia ou voriconazol 400 mg (6 mg/Kg, por duas doses e depois 200 mg/dia, 3 mg/Kg).

-Candidemia em neutropênicos: usar equinocandinas ou anfotericina B, neste caso fluconazol é medicação alernativa.

 

        Para tratamento empírico, segue-se a mesma recomendação acima, dependendo a escolha se paciente é neutropênico ou não. Em pacientes em que se optou por equinocandinas deve-se tentar desescalonar para fluconazol se o antibiograma indicar suscetibilidade, no caso de C.parapsilosis se prefere fluconazol e em C.glabatra o uso de equinocandinas. A duração recomendada do tratamento é de duas semanas apos culturas negativas e resolução de sintomas, exceto em pacientes com óbvia disseminação metastática da infecção, caso em que se recomenda terapia por tempo ainda maior.

 

Referências

1-benjamin dk jr, calandra tf, edwards je jr, filler sg, fisher jf, kullberg bj, ostrosky-zeichner l, reboli ac, rex jh, walsh tj, sobel jd, infectious Diseases society of america (2009) clinical practice guidelines for the management of candidiasis: 2009 update by the infectious diseases Society of america. Clin infect dis 48:503–535

2-leon c et al. What’s new in the clinical and diagnosticmanagement of invasive candidiasis in critically ill patients. Intensive care med (2014) 40:808–819.

3-kauffmann ca: treatment of candidemia or invasive candidiasis in adults. Disponível em www.uptodate.com acessado 30 de junho de 2014.

4-kauffmann ca. Clinical manifestation and diagnosis of candidemia or invasive candidiasis in adults. Disponível em www.uptodate.com acessado 30 de junho de 2014.

5-kauffmann. Epidemiology and pathogenesis of candidemia in adults. Disponível em www.uptodate.com acessado 30 de junho de 2014.

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