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Trombose venosa de membros superiores

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 18/04/2016

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Aproximadamente 10% de todos os casos de trombose venosa profunda envolvem as extremidades superiores, resultando em uma incidência anual de 0,4 a 1 caso a cada 10.000 pessoas, a maioria desses casos tem associação com a presença de cateter venoso central ou algum outro fator e a trombose venosa profunda de membros superiores primária é extremamente rara. A trombose venosa profunda (TVP) de membros superiores se tornou  mais comm  por causa do aumento do uso de cateteres venosos centrais e de marcapassos e desfibriladores. Veias subclávias axilares são muitas vezes envolvidas. Em comparação com os pacientes que têm uma trombose da extremidade inferior, pacientes com trombose venosa profunda de uma extremidade superior são geralmente mais jovens, mais magros, mais susceptíveis de ter um diagnóstico de câncer e menos propensos a ter trombofilias.

A trombose venosa profunda de membro superior recorrente pode ocorrrer por alterações anatômicas da veia subclávia e suas estruturas circundantes, por anormalidades anatômicas dentro da junção costoclavicular, o que pode causar inflamação, hiperplasia íntima venosa e fibrose, as quais podem causar a síndrome do desfiladeiro torácico. Aproximadamente dois terços dos pacientes com TVP primária de uma extremidade superior, a maioria dos quais são jovens e do sexo masculino, relatam a atividade física que envolve força ou abdução do braço dominante antes do desenvolvimento de trombose, conhecido como a síndrome de Paget-Schroetter.

As complicações da trombose venosa profunda são menos comuns na TVP de extremidades de membros superiores do que nas extremidades inferiores, as complicações incluem embolia pulmonar (6% nas extremidades superiores contra 15 a 32% para membros inferiores), recorrência em 12 meses (2 a 5% para membros superiores contra 10% para membros inferiores) e a síndrome pós-trombótica (5% para membros superiores vs. até 56% para membros inferiores). A trombose das veias subclávias axilares (em comparação com trombose em outros locais) e trombose residual em seis meses estão associadas com um risco aumentado do síndrome pós-trombótica; o risco é menor para a TVP de membros superiores associadas a cateter venoso central. Em um estudo prospectivo de 512 pacientes com TVP de extremidade superior, em que 38% dos quais tinham câncer, a taxa de mortalidade em três meses foi de 11%, e apenas uma morte foi atribuída a embolismo pulmonar.

 

Etiologia

Menos de 20% dos casos são idiopáticos ou primários. Alterações anatômicas e a síndrome do desfiladeiro torácico com compressão da veia subclávia resultante de anormalidades de uma ou mais estruturas na junção costoclavicular são uma causa frequente. Em pacientes sem causa aparente é frequente história de esforço significativo dos membros superiores (Síndrome de Paget-Schroetter), nesse caso a teoria é que ocorram microtraumas da veia subclávia por movimentos repetitivos do braço  durante atividades gerais ou após exercício vigoroso.

As causas secundárias representam pelo menos 80% dos casos, a principal etiologia é a trombose associada a cateter venoso central ou marca-passo. Alguns fatores relacionados aos pacientes podem ser causa isolada de TVP de membros superiores ou aumentam o risco de TVP de membros superiores associado a cateter, esses fatores incluem câncer de ovário, adenocarcinoma de pulmão ou outros sítios, câncer metastático, entre outros. Certos procedimentos como radioterapia do tórax, infusões de quimioterapia por cateter de longa permanência e nutrição parenteral são fatores que aumentam significativamente o risco da TVP de membros superiores.

A TVP de membros superiores associada a cateter venoso central é, conforme já discutido  a principal etiologia, com alguns fatores aumentando muito esse risco. Estes fatores incluem má locação de ponta do cateter, cateter com grande número de lumens, várias tentativas de colocar cateter, infecção de cateter, cateter de silicone, entre outras. A TVP de membros superiores é menos frequentemente associada a trombofilias, mas alterações de coagulação associadas ao câncer ou induzidas pela quimioterapia são frequentes. Fatores compressivos da veia cava ou subclávia ou infiltração do mediastino por massa tumoral são também outra etiologia que deve ser lembrada.

Procedimentos cirúrgicos ou trauma no membro superior ou imobilização do mesmo com gesso ou outras formas leva a compressão venosa e estas  aumentam o risco de TVP de membros superiores.

Outros fatores associados incluem gravidez, uso de contraceptivos orais, síndrome de hiperestimulação ovariana e uso de hormônios sexuais femininos.

 

Manifestações clínicas

Os sintomas de trombose venosa profunda de membros superiores incluem desconforto, dor, parestesias e fraqueza no braço. Edema, descoloração e aparecimento de colaterais venososas visíveis são manifestações clássicas. A síndrome da veia cava superior se manifesta com edema facial, cefaleia, náuseas e dispneia e geralmente é causada por infiltração da cava pelo tumor. Alguns pacientes com TVP de membros superiores associada a cateter venoso central se apresentam com quadro de flebite, mas uma enorme quantidade desses pacientes é assintomática ou sua primeira manifestação é na forma de embolia pulmonar. Em exames de rastreamento TVP está associada com uso prolongado de cateter venoso central em 5 a 13% dos casos, mas em pacientes com neoplasias malignas associadas esse número ultrapassa 50%. Um outro estudo mostrou TVP de membros superiores em até dois terços dos pacientes com cateteres venosos centrais; a maioria dos pacientes com trombose associada a cateter venoso ou com obstrução pela ponta de marca-passo não tem nenhum sintomas ou sinais sugestivos. Ao avaliar o paciente deve-se lembrar de que o diagnóstico diferencial de edema assimétrico de membro superior não é extenso e a probabilidade pré-teste de diagnóstico de TVP é significativamente mais alta do que em pacientes com edema assimétrico de membros inferiores.

 

Diagnóstico

Um estudo investigou a utilização de um escore pré-teste de predição clínica para o diagnóstico de trombose venosa profunda de uma extremidade superior.

Cateter ou uso de marca-passo, dor e edema cada um desses adiciona um ponto à pontuação de um paciente, e uma probabilidade de um diagnóstico alternativo subtrai um ponto. Numa amostra de validação de 214 pacientes, trombose venosa profunda de uma extremidade superior foi encontrada em 13% dos pacientes com uma pontuação de 0 ou menos, 38% dos pacientes com uma pontuação de um, e 69% dos pacientes com uma pontuação de dois ou mais. Um resultado negativo em um teste d-dímero é um indicador significativo para excluir trombose de extremidades inferiores quando a probabilidade pré-teste clínico é baixa ou intermediária, mas um teste d-dímero não pode ser recomendado para uso na triagem considerando a enorme quantidade de comorbidades que esses pacientes apresentam que diminuem a utilidade do uso do exame.

Em um estudo com 52 pacientes com suspeita de TVP de membro superior  os níveis de dímero-D tiveram uma sensibilidade de 100%, mas uma especificidade de 14% para o diagnóstico de TVP de membro superior, mas apenas 10% do pacientes apresentaram d-dímero abaixo do valor de corte utilizado para o diagnóstico. A ultrassonografia com compressão venosa se baseia na premissa de que uma veia trombosada não pode ser comprimida, é o padrão-ouro para o diagnóstico clínico trombose de uma extremidade inferior e é também o teste de imaginologia preferida para pacientes com suspeita de trombose venosa profunda de uma extremidade superior com estudos mostrando uma sensibilidade de até 97% e especificidade de 96%. No entanto, a veia subclávia proximal e as veias braquicefálicas são difíceis de visualizar por causa da proximidade de estruturas ósseas. Nos casos em que as veias do braço distais aparecem patentes e trombose do braço proximal nas veias subclávia (ou inominada) é suspeita, a ultrassonografia doppler pode revelar um padrão anormal com a variabilidade reduzida ou nenhuma variabilidade na velocidade de fluxo durante uma manobra de Valsalva. A adição de doppler colorido à ultrassonografia de compressão não parece melhorar a acurácia diagnóstica em comparação com o uso de ultrassonografia de compressão isoladamente. Testes adicionais podem ser necessários se uma anormalidade em ultrassonografia doppler é presente. Considera-se que a ultrassonografia seriada deve ser considerada, se trombose venosa profunda de uma extremidade inferior é suspeita com doppler com compressão negativo, mas embora essa estratégia seja validada para TVP de membros inferiores faltam dados para apoiar essa abordagem para as extremidades superiores.

Embora a ultrassonografia com compressão tenha substituído a flebografia convencional no diagnóstico da trombose venosa de uma extremidade superior, a última é ocasionalmente realizada em pacientes com ultrassonografia inconclusiva, ou antes de trombólise. A flebografia é realizada durante a abdução do braço e é útil para diagnosticar estenose de veia residual,  estenose no interior da junção costoclavicular depois de um episódio de trombose venosa profunda. A flebografia tem a desvantagem de exposição ao contraste, com exposição à radiação similar a da  tomografia (TC), e dificuldades no acesso das veias periféricas do braço. Os dados sobre a precisão do diagnóstico da angiotomografia venosa ou angiorressonância magnética são limitados.

 

Manejo

Em pacientes com trombose associada a cateter, a retirada do cateter de rotina não é recomendada. Vários fatores devem ser considerados na decisão de remover o cateter. A remoção é geralmente indicada quando existe um mau funcionamento do cateter ou infecção ou uma contraindicação para terapia anticoagulante, quando há sintomas ou sinais de trombose venosa persistentes, trombose de uma extremidade superior durante terapia anticoagulante inicial, ou quando o cateter não é mais necessário. Para os casos em que a remoção considera-se adequada, faltam dados para definir o momento ótimo (por exemplo, imediatamente a três ou cinco dias após o início da terapia anticoagulante).

Os objetivos do tratamento são para aliviar os sintomas de trombose venosa profunda de uma extremidade superior para prevenir a progressão do trombo, recidiva precoce, embolia pulmonar e  síndrome pós-trombótica. As estratégias incluem terapia de anticoagulação,  trombólise, trombólise mecânica, intervenções no cateter e procedimentos cirúrgicos.

Ao contrário da TVP de membros inferiores, estudos randomizados controlados com heparina convencional ou heparina de baixo peso molecular não foram realizados em pacientes com trombose venosa profunda de uma extremidade superior, assim os dados de estudos que envolvam pacientes com trombose de membro inferior são utilizados para orientar o manejo. Uma meta-análise de 22 ensaios (8867 pacientes), comparando a heparina de baixo peso molecular com a heparina não fracionada, mostrou uma menor taxa de recorrência com a heparina de baixo peso molecular em seis meses (3,6% vs.5,4%) e uma menor mortalidade (4,5% vs. 6,0%). A heparina de baixo peso molecular também foi associada a uma menor taxa de sangramento maior (2,0% vs. 1,2%). A heparina não fracionada é preferida em pacientes com grave disfunção renal. Os efeitos de uma vez por dia contra duas doses diárias não foram comparados em pacientes com trombose venosa profunda de uma extremidade superior. O tempo ideal de tratamento é mal definido, mas costuma ser de três a seis meses. Os antagonistas da vitamina K podem ser utilizados após fase aguda da TVP, exceto em pacientes com câncer, para quem heparina de baixo peso molecular é preferida.

A trombólise dirigida por cateter deve ser considerada em pacientes com trombose venosa profunda de uma extremidade superior de início recente que se apresenta com extenso edema e comprometimento funcional do braço e que estão em baixo risco de complicações hemorrágicas. Tal como acontece com terapia de anticoagulação, a evidência para apoiar a trombólise é derivada principalmente de pacientes com trombose de uma extremidade inferior, estão disponíveis dados limitados sobre o resultado da trombólise em pacientes com trombose venosa profunda de uma extremidade superior. A taxa de recanalização parcial ou total em um estudo foi de 97%,  a taxa de complicações hemorrágicas foi de 9%, e a taxa de síndroma pós-trombótica leve foi de 21%. Embora a taxa de recanalização pareça  ser satisfatória, ainda não está claro se, em comparação com a trombólise, a anticoagulação só reduz o risco de recorrência (72% vs. 12%) e uma menor frequência de refluxo venoso (11% vs 41%). Se, em comparação com a trombólise a anticoagulação só reduz o risco de recorrência, de qualquer forma considerando os riscos e benefícios associados com o procedimento este não costuma ser indicado.

As intervenções mecânicas por cateter (aspiração, fragmentação, angioplastia trombectomia, balão ou colocação de stent) devem ser consideradas apenas em pacientes que têm sintomas graves, persistentes ou sinais de trombose venosa profunda após terapia anticoagulante ou trombólise e apenas quando suficientes recursos estão disponíveis. Em uma série de casos de 49 pacientes, stents venosos fornecem um benefício clínico temporário na maioria dos pacientes, mas uma nova intervenção foi necessária em 62% dos casos em dois anos. Os stents não devem ser utilizados para tratar estenose subclávia residual ou dentro da junção costoclavicular por estarem associados com taxas inaceitavelmente elevadas  de deformação do stent, fraturas do stent e trombose recorrente.

Como é o caso com as intervenções mecânicas do cateter, procedimentos cirúrgicos devem ser reservados para pacientes que têm manifestações graves, persistentes episódios de trombose venosa profunda, apesar da administração de anticoagulante ou terapia trombolítica e deve ser limitado aos centros especializados. Faltam dados  de ensaios clínicos randomizados  para avaliar os benefícios e os riscos da cirurgia para o tratamento da trombose venosa profunda de uma extremidade superior. No entanto, um estudo randomizado que comparou a trombectomia cirúrgica com anticoagulação isoladamente em pacientes com trombose iliofemoral mostraram que aos seis meses, o grupo cirúrgico teve uma maior taxa de permeabilidade venosa (76% vs.35%) e uma taxa mais baixa de síndrome pós-trombótica (7% vs 42%), o valor desses resultados em pacientes com TVP de membro superior é questionável.

A descompressão cirúrgica adequada do desfiladeiro torácico venoso exige a ressecção da primeira costela ou a utilização de via supraclavicular ou incisões infraclaviculares. Alguns cirurgiões também defendem a ressecção do ligamento costoclavicular, escalenectomia anterior e venólise. Em duas séries de casos, as taxas de permeabilidade venosa após a descompressão da saída torácica foram relatados como excelente em até 85% dos doentes não apresentando evidências de síndrome pós-trombótica no seguimento.

Complicações pós-operatórias incluem hemopneumotórax, lesão do nervo torácico ou do nervo frênico, hematoma de ferida operatória requerendo reoperação e trombose subclávia recorrente. O procedimento pode ser considerado em pacientes com sintomas moderados a severos com estenose secundária a obstrução por alterações anatômicas, mas após a desobstrução a anticoagulação deve ser mantida por pelo menos um a três meses.

No seguimento, a angioplastia com balão é normalmente realizada se a síndrome pós-trombótica está presente (como evidenciada por sintomas como sensibilidade, dor, sensação de peso, ou fraqueza ou por meio de sinais, tais como edema, veias colaterais, eritema, ou endurecimento da pele) e se a estenose da veia restante na saída torácica venosa for confirmada por flebografia. Em um estudo com 50 pacientes com trombose venosa profunda de uma extremidade superior que receberam esse atendimento multidisciplinar não houve casos de trombose recorrente, e 80% dos pacientes não tiveram nenhuma evidência de síndrome pós-trombótica em uma avaliação de acompanhamento de três anos.

 

Prevenção

Não existem evidências para apoiar o uso da tromboprofilaxia de rotina em pacientes com cateteres venosos centrais e profilaxia farmacológica de rotina, por isso não é recomendada. Uma meta-análise de sete ensaios randomizados, envolvendo pacientes com câncer e cateteres venosos centrais mostrou  reduções não significativas em trombose sintomática com o uso de heparina de baixo peso molecular ou heparina não fraccionada em comparação com o placebo.

 

Referências

1-Kucher N. Deep vein thrombosis of the upper extremities. New Eng J Med 2011; 364: 861-868.

 

2-Mustafa S et al. Upper extremity deep vein trombosis. Chest 2003; 123: 1953.

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