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Vasculite Urticariforme

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 10/08/2017

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Vasculite Urticariforme

 

A Vasculite Urticariforme não faz parte das subdivisões das urticárias nas atuais diretrizes da doença. É definida como uma vasculite leucocitoclástica que se apresenta, clinicamente, com pápulas semelhantes às encontradas na urticária tradicional. Em contraste com as da urticária induzida por histamina, as pápulas na Vasculite Urticariforme não são fugazes e, muitas vezes, permanecem por mais de 24 horas, deixando pequenas manchas de uma cor acastanhada devido aos microsangramentos.

São as características mais evidentes da Vasculite Urticariforme:

               manifestações clínicas de urticária;

               evidência histopatológica de vasculite leucocitoclástica.

 

Sinais histológicos mínimos de vasculite também podem ocorrer em pacientes com urticária crônica, de modo que pode haver confusão diagnóstica. O quadro clínico da Vasculite Urticariforme varia, e as manifestações envolvem sobretudo a pele, embora outros órgãos também sejam afetados. A hipocomplementemia pode estar presente – associada, em geral, com doença mais severa.

O diagnóstico é raro e tem uma prevalência incerta. Em algumas séries, a Vasculite Urticariforme representou de 5 a 20% dos casos de urticária crônica. As mulheres representam cerca de 60 a 80% dos casos, podendo envolver desde jovens até a meia-idade com pico na quarta década de vida. Os achados histopatológicos não são exclusivos da vasculite urticáriforme, incluindo injúria e edema de células endoteliais de vênulas capilares, extravasamento de hemácias, fragmentos de leucócitos, depósitos vasculares de fibrina e infiltrado perivascular neutrofílico.

A síndrome de Schnitzler, por sua vez, está relacionada com a Vasculite Urticariforme, sendo definida como uma doença monoclonal, sobretudo como gamopatia por imunoglobulina M (IgM) cursando com aumento dos marcadores inflamatórios como a proteína C-reativa (PCR) e o aparecimento de pápulas crônicas, que, no exame histopatológico, mostram sinais de Vasculite Urticariforme.

 

Aspectos Clínicos

 

Tanto na vasculite urticáriforme, quanto na síndrome de Schnitzler, as pápulas são generalizadas na distribuição e, por vezes, ligeiramente eritematosas. Com frequência, porém, sobretudo na Vasculite Urticariforme, são bastante eritematosas ou apresentam coloração vermelho-púrpura. As lesões são pruriginosas em apenas um terço dos indivíduos, em contraste com os pacientes com urticária; diferentemente da urticária, as lesões podem ser dolorosas.

As lesões da Vasculite Urticariforme têm maior duração, persistindo por mais de 24 horas, chegando a 72 horas. Na sua resolução, as púrpuras da Vasculite Urticariforme mantêm uma hiperpigmentação residual leve, com pequenos sinais de sangramento – o que não é visto na urticária espontânea crônica –, e mesmo a fricção pouco vigorosa ou o ato de coçar causam hematomas. Os pacientes podem apresentar edema, semelhante ao encontrado no angioedema, em até 40% dos casos. Outras manifestações cutâneas incluem livedo reticular, lesões bolhosas ou similares ao eritema polimorfo.

Além das pápulas, sinais e sintomas extracutâneos costumam ser observados tanto na vasculite urticáriforme, quanto na síndrome de Schnitzler. Sintomas constitucionais estão presentes em cerca de 60% dos pacientes com hipocomplementemia, e podem incluir artropatias como a de Jaccoud, com artralgia e artrite, acometimento renal com proteinúria e hematúria, eventualmente com uma glomerulonefrite leve.

O comprometimento pulmonar pode se manifestar com tosse, dispneia, hemoptise e efusões pleurais. Dor abdominal, náuseas e diarreia podem ocorrer. Manifestações neurológicas incluem mononeurites, pseudotumor cerebral e meningite asséptica; envolvimento oftalmológico ocorre em 10% dos casos, incluindo episclerite, conjuntivite e uveítes. O fenômeno de Raynaud é comum nesses pacientes.

O curso clínico da Vasculite Urticariforme é, com frequência, benigno, com a resolução da doença dentro de 1 ano em 30 a 40% dos pacientes. Na síndrome de Schnitzler, a doença dura, normalmente, toda a vida, embora tenham sido relatados casos isolados de resolução permanente da doença observada em conjunto com a resolução de gamopatia monoclonal.

Outras doenças relacionadas, por vezes, mostram sinais de vasculite urticáriforme, como síndromes autoimunes como doença de Muckle-Wells, lúpus eritematoso sistêmico (LES), doença de Still, ou síndrome de Sjögren. A doença do soro e distúrbios do complemento também têm uma associação documentada com a doença.

Na síndrome de Schnitzler, um dos principais sinais clínicos é a febre recorrente, o que é observado em mais de 90% dos pacientes. A gamopatia monoclonal, um elemento-chave da síndrome de Schnitzler, não está necessariamente presente no início da doença, e pode ocorrer apenas depois de muitos anos.

O Quadro 1 apresenta os indicativos do diagnóstico de Vasculite Urticariforme.

 

Quadro 1

 

SINAIS INDICATIVOS DO DIAGNÓSTICO DE Vasculite Urticariforme

               urticária idiopática crônica, com danos nos vasos, pápulas com duração >24h

               vasculite leucocitoclástica histológica

               lesões multiforme-like, purpúricas, ou eritema

               sinais clínicos da doença multissistêmica

               aumento de VHS, imunocomplexos circulantes, imunofluorescência direta positiva, diminuição de complemento sérico

               resistência à terapia com anti-histamínicos

               ausência de evidência sorológica de doença do tecido conjuntivo (anti-DNA dupla-hélice)

DNA: ácido desoxirribonucleico; VHS: velocidade de hemossedimentação.

 

Os critérios diagnósticos para síndrome de Schnitzler incluem gamopatia monoclonal IgM e rash urticariforme com, pelo menos, dois dos seguintes sinais:

               febre recorrente*;

               artralgia;

               dor óssea ou sinais de remodelamento ósseo;

               linfadenopatia palpável;

               hepatomegalia e esplenomegalia;

               velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada;

               leucocitose;

               alterações em medula óssea;

               dermatose neutrofílica infiltrativa na biópsia de pele.

 

*A febre, para ser considerada um critério, deve ser >38ºC. Em geral, costuma ocorrer junto com a erupção cutânea.

 

Os pacientes com macroglobulinemia de Waldenström e síndrome de Schnizler correspondem a cerca de 15% dos casos, embora não esteja claro quais pacientes estão em maior risco. A síndrome de Schnitzler deve ser suspeitada em pacientes com idade superior a 40 anos, com pápulas e gamopatia monoclonal, ao aparecerem os sintomas já citados.

Por outro lado, como não existe um único teste laboratorial disponível para o diagnóstico definitivo, também é importante lembrar que a gamopatia monoclonal de significado desconhecido é relativamente comum em pacientes idosos, com possibilidade de coocorrência com urticária crônica. Outras enfermidades que precisam ser descartadas são a doença de Still do adulto e as síndromes periódicas associadas, sobretudo a síndrome de Muckle-Wells, que ocorre, em geral, em uma idade mais jovem.

 

Tratamento

 

Em contraste com a urticária, os anti-histamínicos são, em geral, ineficazes na Vasculite Urticariforme e na síndrome de Schnitzler, e não devem ser utilizados como monoterapia; no entanto, eles podem aliviar alguns sintomas, sobretudo em indivíduos com formas leves de Vasculite Urticariforme ou com urticária espontânea crônica com uma sobreposição que expressa apenas algumas características de vasculite. Os pacientes com prurido significativo podem ter resposta a anti-histamínicos como a loratadina (dose inicial de 10mg, 1x/dia), fexofenadina (60mg, 1-2x/dia) ou cetirizina (10mg, 1x/dia).

Em geral, no tratamento de Vasculite Urticariforme, fármacos anti-inflamatórios não esteroidais, fármacos citostáticos, tais como azatioprina ou ciclofosfamida, e antimaláricos podem ser benéficos. Quase todos os pacientes respondem aos corticosteroides administrados de forma sistemática. No entanto, devido aos seus efeitos secundários, no tratamento diário com corticosteroides, não deve ser considerada a terapia de primeira linha. Na Vasculite Urticariforme resistente ao tratamento, relatos de caso sugerem benefício com o uso de interferon-a, micofenolato de mofetila, colchicina, ou pulsoterapia com dexametasona e ciclofosfamida.

O tratamento da síndrome de Schnitzler mudou durante os últimos anos. É fundamental definir a necessidade exata do tratamento em conjunto com o paciente. Deve-se observar que a gravidade da doença varia de forma considerável entre os pacientes ao longo do tempo. Alguns indivíduos apresentam sintomas diários, enquanto que outros têm exacerbações uma ou duas vezes por ano. O tratamento tem de ser adaptado de acordo com os resultados.

Além das alterações significativas na qualidade de vida, é importante avaliar os níveis da PCR. Se ela é inferior a 30mg/L, é considerado apenas um baixo nível de atividade inflamatória persistente. Nesse caso, tem-se a escolha de observação e/ou tratamento de colchicina, 1-2mg/dia, fármacos anti-inflamatórios não esferoidais e, em caso de crises, hidroxicloroquina. O essencial, no entanto, é acompanhar a evolução desses pacientes de 3 em 3 meses, durante 1 ano, de preferência, para assegurar a estabilidade da doença.

Os casos em que há alterações significativas na qualidade de vida ou elevação persistente dos marcadores de inflamação (PCR >30mg/L) podem ter benefício com a anakira, que se tornou uma das terapias farmacológicas padrão para doença refratária. Além disso, o canakinumab e o rilonacept demonstraram ser eficazes, seguros e bem tolerados.

Apesar de a síndrome de Schnitzler ser definida como uma doença autoinflamatória de início tardio, envolvendo a interleucina-1 (IL-1), nem todos os pacientes respondem ao tratamento anti-IL-1, indicando que outras citocinas estão envolvidas. Ainda que o papel da terapia anti-IL-1 tenha sido amplamente estabelecido na síndrome de Schnitzler, também pode ser uma opção terapêutica na Vasculite Urticariforme severa. Os resultados do primeiro estudo clínico em Vasculite Urticariforme, avaliando os efeitos do anticorpo anti-IL-1b monoclonal humanizado, demonstraram que uma dose única de tratamento reduz a atividade da doença e marcadores inflamatórios.

 

Referências

 

1-Zuberier T, Maurer M. Urticarial vasculitis ans Schnitzler-Syndrome. Immunol Allergy Clin N Am 34 (2014) 141–147.

2-Jachiet M et al. The Clinical aspects and therapeutic management of Hypocomplementemic Urticarial Vasculitis. Arthritis and Rheumatol 2015; 67(2): 527-534.

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