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Gastrinoma

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 19/09/2017

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Os gastrinomas são tumores pancreáticos ou duodais caracterizados por hipersecreção ácida pelo estômago e diarreia. Em 1955, Zollinger e Ellison descreveram dois pacientes com úlcera péptica intratável e tumores de células de ilhotas pancreáticas. Estudos posteriores demonstraram níveis elevados de gastrina circulante associada ao aumento da secreção ácida gástrica, caracterizando hipersuperfície de ácido gástrico em pacientes com a síndrome de Zollinger-Ellison.

Os gastrinomas são tumores neuroendócrinos que cursam com hipersecreção de gastrina, com incidência anual de 0,5?2,0 casos a cada milhão de pacientes. A maioria dos casos são diagnosticadas entre 20 e 50 anos de idade com maior incidência em homens em relação às mulheres. Ainda que o gene da gastrina não seja normalmente expresso no pâncreas adulto, os gastrinomas costumam ser pancreáticos e manifestam-se como adenoma solitário, microadenoma, carcinoma endócrino metastático ou hiperplasia de células endócrinas.

O gastrinoma e o insulinoma representam os dois tumores endócrinos pancreáticos mais comuns; apesar disso, a maioria dos gastrinomas tem origem duodenal, localizando-se sobretudo na primeira porção do duodeno, com apenas 30% sendo originária do pâncreas. A maioria dos casos (75%) é esporádica, mas cerca de 25% estão associados à síndrome NEM do tipo 1.

Os gastrinomas esporádicos duodenais são, em geral, pequenos (<1cm) e múltiplos, comumente localizados no duodeno proximal e associados a metástases linfonodais regionais em 60% dos pacientes e metástases hepáticas em 10% dos casos. Por outro lado, os gastrinomas originários do pâncreas costumam ser maiores, com menor frequência múltiplos, com metástases hepáticas em 30% dos pacientes na época do diagnóstico.

Os pacientes com gastrinoma como componente da síndrome NEM1 desenvolvem tumor hipofisário em 60% dos casos; em adrenal em 45%; tumores carcinoides em 30%. Uma proporção substancial de pacientes com NEM1 também apresenta lesões benignas na pele, como angiofibromas e colagenomas. Os pacientes com gastrinomas duodenais relacionados à síndrome NEM1 exibem, com frequência, focos hiperplásicos de gastrina imunopositivos no tecido duodenal adjacente.

Os gastrinomas esporádicos podem conter mutações no gene menina. Os pacientes com NEM1 tendem a ser mais jovens no momento do diagnóstico tumoral do que aqueles sem NEM1. Devido a um longo período entre o início das manifestações e o diagnóstico, 50 a 60% dos gastrinomas apresentam metástases, linfonodais ou outras. Os tumores secretores de gastrina são, com frequência, de crescimento lento e associados a uma sobrevivência prolongada apesar das complicações decorrentes de ulceração intestinal.

Os gastrinomas podem ser classificados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em:

Tumores neuroendócrinos bem diferenciados, que podem ser de baixo grau (G1) ou de grau intermediário (G2);

 

Tumores neuroendócrinos pobremente diferenciados ou de alto grau (G3).

 

A secreção de gastrina excessiva pelas células do gastrinoma resulta em alto débito de secreção gástrica devido à ação trófica da gastrina nas células parietais gástricas e ao aumento da secreção de histamina pelas células enterocromafins. Devido ao alto volume de secreção gástrica que não pode ser completamente reabsorvida no intestino delgado, pela secreção ácida aumentada no estômago que não pode ser totalmente tamponada pela secreção de bicarbonato e pela inibição de absorção de sódio e de água, ocorre uma diarreia secretória nos pacientes.

 

Manifestações Clínicas

 

As manifestações clínicas mais comuns são dor abdominal, que ocorre em 75% dos pacientes e diarreia crônica descrita em 73% dos casos, com cerca de 50% dos pacientes descrevendo pirose retroesternal devido ao refluxo gastroesofágico.

As manifestações clínicas mais características dos gastrinomas estão, em geral, relacionadas à secreção excessiva de ácido gástrico, resultando em ulcerações pépticas refratárias severas complicadas por hemorragia, perfuração e estenose, com sintomas muitas vezes descritos por 5 a 6 anos antes do diagnóstico de Zollinger-Ellison. Os pacientes apresentam perda de peso em 15 a 20% dos casos e sangramento gastrintestinal em 25%.

A terapia antissecretória elimina, em geral, a diarreia e diminui muitas características clínicas da síndrome de Zollinger-Ellison. Embora muito menos comum, os tumores também podem secretar colecistoquinina e ocasionar diarreia, piorar a perda de peso e levar ao aparecimento de cálculos biliares, imitando algumas das características associadas com gastrinomas. Cerca de 90% dos pacientes apresentam úlceras pépticas, frequentemente como úlceras solitárias ou múltiplas de menos de 1cm de diâmetro, ocorrendo em 75% dos casos na primeira porção do duodeno.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico deve ser suspeitado em pacientes com doença ulcerosa péptica com úlceras múltiplas ou refratárias ao tratamento clínico, sobretudo se associadas à diarreia. Nos pacientes com outras manifestações de NEM tipo 1 como tumor hipofisário, também há suspeita da presença de gastrinoma.

O diagnóstico de gastrinoma baseia-se na detecção de níveis elevados de gastrina em jejum, com níveis superiores a 1.000pg/mL ou 10 vezes acima do limite superior da normalidade, sendo diagnósticos da condição caso o PH gástrico seja <2,0. Os valores de gastrina >200pg/mL são também sugestivos do diagnóstico. Um teste de estimulação com secretina pode ser realizado quando os níveis séricos de gastrina estão na faixa entre 200 a 500pg/mL para confirmar o diagnóstico.

O teste provocativo requer jejum durante a noite e a administração intravenosa de secretina 0,4µg/kg em 1 minuto (2 unidades/kg de bólus) seguida por mensuração em série dos níveis de gastrina circulante nos tempos 2, 5, 10, 15 e 20 minutos. Um aumento no nível de gastrina sérica maior que 120 a 200pg/mL (diferentes pontos de corte sugeridos pela literatura) no tempo 15 minutos ou uma duplicação do nível de gastrina em jejum sugere fortemente a presença de um gastrinoma; respostas falso-negativas são descritas em 5 a 10% dos casos.

O teste de infusão de cálcio pode ser útil em pacientes com resultado de teste de secretina equívoco, em particular ajudando a diferenciar o gastrinoma de outras causas de hipergastrinemia ulcerogênica como obstrução de saída gástrica, antro retido após uma gastrectomia com Billroth II, hiperplasia de células G antrais e infecção por Helicobacter pylori, que demonstram uma resposta de gastrina à secretina.

O teste de infusão de cálcio é muito menos sensível que o da secretina, mas pode ser positivo em 40 a 45% dos pacientes com teste da secretina negativa. O teste é realizado com a administração de gluconato de cálcio, 5mg/Kg/h por 3 horas, com dosagem da gastrina a cada 30 minutos; um aumento de 395pg/ml na gastrina tem especificidade de 100% para o diagnóstico de gastrinoma, mas uma sensibilidade de apenas 50%; acréscimos de 50% na concentração de gastrina aumentam a sensibilidade do teste, mas a especificidade é de apenas 80%.

Mais de 90% dos pacientes com gastrinoma têm pregas gástricas proeminentes no momento da endoscopia, consistentes com o efeito trófico da gastrina na mucosa estomacal. Os ensaios dos níveis séricos de cálcio e de hormônio da paratireoide (nota-se que a hipercalcemia, isoladamente, pode aumentar os níveis de gastrina), testes de função hipofisária de base e estudos de imagem devem ser considerados para descartar a síndrome NEM1.

A localização de pequenos tumores primários ou a hiperplasia endócrina pode ser difícil. A endoscopia convencional ou uma endoscopia digestiva alta, ocasionalmente, pode ser usada para visualizar diretamente lesões duodenais, mas os tumores são, muitas vezes, confinados à submucosa, tornando a detecção e a biópsia desafiadoras. A cintilografia com octreotide radiomarcado pode ser útil para detectar o tumor primário e as metástases.

A ressonância nuclear magnética (RNM) ou a tomografia computadorizada (TC) podem ser informativas, mas o tumor primário pode não ser detectado apenas com essas modalidades. A ultrassonografia endoscópica tem sido utilizada para a localização de tumores com sucesso crescente; menos comumente, a angiografia com amostragem venosa seletiva pode ser útil na localização de tumores ocultos. Os tumores primários podem ser localizados em linfonodos, e gastrinomas ectópicos foram encontrados em locais como o ovário.

 

Tratamento

 

O objetivo do manejo clínico é controlar as manifestações clínicas da síndrome de Zollinger-Ellison, podendo ser controlada a secreção ácida com o uso dos inibidores das bombas de prótons como omeprazol em dose inicial de 60mg/dia, esomeprazol em dose inicial de 120mg/dia com objetivo de limitar a secreção ácida para <10mL/h. Em pacientes em que isso não é possível, pode ser necessário o uso de octreotide.

Em indivíduos sem doença metastática, deve ser realizada laparotomia exploradora com ressecção do tumor, mesmo naqueles cujos exames de imagem não o identificam, o que ocorre em 15 a 20% dos casos, com linfadenectomia, aumentando a possibilidade de cura. Em pacientes com NEM1, não se costuma indicar laparotomia exploradora devido à natureza multifocal da doença, que não tem benefício com procedimento cirúrgico, exceto em lesões de rápido crescimento.

Quando é indicado o procedimento cirúrgico de ressecção, costuma ser realizada, concomitantemente, a vagotomia para diminuir a secreção ácida pelas células parietais gástricas. A doença metastática envolve sobretudo o fígado e, nesse caso, os análogos da somatostatina como o octreotide ou lanreotide podem ajudar a controlar os sintomas. A ressecção das metástases hepáticas, a embolização de artéria hepática e até mesmo o transplante hepático são opções.

A experiência com quimioterapia, nesses pacientes, é limitada com esquemas com estreptozocina/doxorrubicina e, mais recentemente, esquemas com temozolomida, mas o benefício é limitado. O prognóstico desses pacientes depende fundamentalmente da presença ou não de metástases hepáticas no diagnóstico; indivíduos com metástases hepáticas têm sobrevida de 30% em 10 anos, já os sem metástases hepáticas, acima de 80% em 15 anos.

 

Referências

 

1-Vella A. Gastrointestinal hormones and gut endocrine tumors. Williams textbook of endocrinology 2016.

2-Pallazo M et al. Gastroenteropancreatic neuroendocrine tumors (neoplasms) in Endocrinology in clinical practice.?

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