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Infecções Articulares por Micobactérias

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 12/03/2018

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 A infecção musculoesquelética pelo mycobacterium tuberculosis é responsável por 1 a 5% dos casos de tuberculose (TB) e pode produzir espondilite (doença de Pott), artrite, osteomielite, tenossinovite, bursite e piomiosite. A TB musculoesquelética era, até 1999, uma entidade raramente diagnosticada pelos reumatologistas; depois da introdução da terapia com os agentes anti-fator de necrose tumoral (anti-FNT), tem ocorrido um aumento dos casos de TB articular.

Nos países em desenvolvimento, onde a prevalência da TB é elevada, a TB musculoesquelética apresenta morbidade e mortalidade significativas, sobretudo entre as crianças. Em países desenvolvidos, a TB musculoesquelética afeta principalmente os adultos. A infecção musculoesquelética por TB tem sido verificada em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) e em doentes cuja TB reativou-se no contexto da terapia com FNT.

A TB da coluna vertebral representa, aproximadamente, 50 a 60% dos casos de TB musculoesquelética. As vértebras torácicas e lombares são as mais atingidas. A maioria dos pacientes não tem TB ativa em locais fora do esqueleto, mas a TB pulmonar, que é a forma mais comum de doença extraesquelética concomitante, ocorre em menos de 20% dos casos. Os pacientes normalmente não apresentam sintomas sistêmicos como febre e perda de peso.

A infecção, em geral, começa dentro do corpo anterior de uma vértebra e, em seguida, se estende para envolver vértebras adjacentes e discos. No entanto, o acometimento de vértebras não contíguas não é raro. O envolvimento dos tecidos moles é comum, e abscessos paravertebrais se desenvolvem em 75% dos casos, podendo, eventualmente, estender-se para o espaço pleural e o parênquima pulmonar.

O envolvimento isolado dos elementos posteriores da coluna vertebral é incomum (5% dos casos em uma grande série). A destruição óssea pode causar colapso vertebral na região anterior, podendo levar à deformidade em giba na coluna vertebral.

 

Achados Clínicos

 

A queixa mais comum é a dor localizada na coluna vertebral. A dor, normalmente, não é aliviada pelo repouso e pode estar presente por meses antes que o paciente procure atendimento médico. Em contraste com a TB pulmonar, os sintomas constitucionais (perda de peso, febre e sudorese noturna) ocorrem em menos de 50% dos casos.

A dor radicular é comum, com, aproximadamente, 50% dos pacientes apresentando fraqueza nas extremidades inferiores na apresentação. A paraparesia e a paraplegia são incomuns, sendo descritas em 1 a 27% dos casos. A compressão da cauda equina ou da medula espinal por uma massa inflamatória ou abscesso é a principal causa de comprometimento neurológico. A meningite e a meningomielite são menos comuns.

A instabilidade espinal grave pode levar à compressão ou à isquemia do cordão vertebral. O acometimento da coluna cervical é raro; quando ocorre, os sintomas mais comuns são dor e rigidez na região de pescoço. A destruição do corpo vertebral anterior pode resultar em cifose angular grave: a deformidade gibosa da doença de Pott.

Os abscessos paravertebrais podem disseminar a partir da vértebra lombar ao longo do músculo psoas e apresentar-se como massas inguinais ou podem se estender da coluna torácica para o espaço pleural. As fístulas ocorrem em um pequeno número de pacientes. Em uma pequena porcentagem de casos, o osso pode apresentar infecção secundária bacteriana.

Outro achado da TB osteoarticular é o envolvimento de articulações sacroilíacas, que ocorre em 10% dos pacientes, sobretudo quando o envolvimento é unilateral; nesse caso, deve-se suspeitar de TB osteoarticular. Dor em região de nádegas no lado envolvido é o sintoma mais comum, podendo ainda haver dor em região proximal de membro inferior e dor radicular.

A osteomielite por TB pode ocorrer, sendo o fêmur e a tíbia os ossos mais comumente envolvidos; a dor óssea é o sintoma mais comum e pode ocorrer dactilite e formação de abscessos ósseos. A monoartrite séptica também é uma complicação possível da TB, envolvendo sobretudo grandes articulações, principalmente quadril e joelhos.

Outras articulações incluem ombros, cotovelos, tornozelos e articulações de tarso e carpo. A maioria dos casos ocorre em homens e com mais de 50 anos de idade. Os pacientes apresentam edema articular significativo e perda de função e dor local; não é comum haver eritema e aumento de temperatura da articulação e outros sinais de infecção aguda.

A doença de Poncet, por sua vez, representa uma poliartrite simétrica aguda, envolvendo grandes e pequenas articulações, normalmente associada à TB em outras articulações, ocorrendo inflamação articular, mas sem identificação de mycobaterium tuberculosis na articulação; esse quadro costuma se resolver semanas após iniciar a terapia anti-TB.

 

Exames Complementares

 

As investigações laboratoriais de rotina são de pouca ajuda diagnóstica. Os pacientes podem ou não manifestar leucocitose. Normalmente, ocorre aumento de provas inflamatórias com elevação moderada na velocidade de hemossedimentação de hemácias (VHS), mas, em 10% dos casos, a VHS é <20mm/h.

As radiografias simples podem ser normais no início da doença, porém, durante a evolução, podem demonstrar evidências de espondilite, incluindo osteólise, com uma combinação de lesões líticas e escleróticas e destruição óssea classicamente confinada ao corpo vertebral. Embora, inicialmente, possa haver preservação relativa do disco intervertebral, o estreitamento do disco é comum durante a evolução da doença.

A tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética (RNM) revelam alterações de forma precoce em relação à radiografia simples, fornecem maiores detalhes da extensão do envolvimento ósseo e podem revelar abscessos paravertebrais não suspeitados clinicamente. A RNM permite a detecção imediata de compressão da medula espinal ou da síndrome da cauda equina, e é a técnica de imagem preferida em casos com sinais ou sintomas de comprometimento neurológico.

A maioria dos pacientes (75 a 90%) tem uma reação positiva ao derivado de proteína purificada (PPD). Em uma série recente da Índia, a sensibilidade de um ensaio de liberação de interferon-? para a TB foi de 84%. O diagnóstico definitivo é realizado com microscopia e cultura do material infectado.

As culturas de material obtidas por aspiração percutânea com agulha de abscessos, biópsia percutânea com agulha de lesões espinhais e biópsia cirúrgica aberta são positivas para o mycobaterium tuberculosis em 70 a 90% dos casos. A análise do líquido sinovial mostra um líquido inflamatório, mas os achados são inespecíficos, podendo ocorrer predomínio, tanto neutrofílico, quanto linfocítico.

Os esfregaços de material de biópsia revelam o bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) em cerca de 20 a 25% dos casos, enquanto os esfregaços de aspirados de abscessos paravertebrais têm positividade em 60% dos casos. A biópsia, normalmente, demonstra granulomas caseosos característicos em 70% dos pacientes. A carga bacilar na TB vertebral é baixa, e alguns autores estimam que as taxas falso-negativas de aspirados e biópsias se aproximam de 50%.

Os testes de amplificação de ácidos nucleicos podem facilitar o diagnóstico precoce; entretanto, foram estudados apenas em um pequeno número de pacientes com TB vertebral. Em pacientes com doença extravertebral sugestiva de TB, a identificação de TB em outro local é suficiente para estabelecer o diagnóstico de TB vertebral.

 

Diagnóstico Diferencial

 

A osteomielite fúngica pode causar doença clinicamente indistinguível da espondilite tuberculosa. A osteomielite vertebral piogênica, em geral, tem uma apresentação mais aguda e é mais comumente associada à febre e à toxicidade clínica do que a TB vertebral. As hemoculturas são positivas para staphylococcus aureus, streptococcus ou organismos entéricos gram-negativos em, aproximadamente, 50% dos casos de osteomielite vertebral piogênica, mas, em até 25% dos casos, culturas de rotina de ossos e hemoculturas não produzirão um organismo.

Os estudos de imagem não podem diferenciar de forma confiável a espondilite bacteriana e tuberculosa. Os granulomas não caseosos, que, ocasionalmente, são a única evidência histológica de TB vertebral, podem ser vistos em espécimes de biópsia de osteomielite vertebral devido a Brucella ou fungos.

 

Tratamento

 

A terapia antimicrobiana é o esteio do tratamento para a TB vertebral, normalmente de forma semelhante a outras formas de TB. A duração ótima do tratamento da TB osteoarticular é controversa, mas, a menos que exista uma forte suspeita de resistência aos medicamentos de primeira linha, a maioria dos autores recomenda um período de 6 a 9 meses de tratamento, sendo utilizados medicamentos como isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol durante 2 meses, seguidos de isoniazida e rifampicina durante 4 a 7 meses.

Cursos maiores de tratamento com 12 a 18 meses de terapia eram indicados por grande parte dos autores devido à penetração precária da terapia tubercolostática em tecido ósseo e fibroso, porém os estudos sugerem que o tratamento por 6 a 9 meses tem eficácia semelhante aos esquemas de tratamento de maior duração.

Quando as culturas e os estudos histopatológicos não conseguem produzir um diagnóstico definitivo, deve-se considerar a terapia empírica para TB; aqueles com evidência de TB passada ou indivíduos que testam positivamente em testes cutâneos com PPD ou ensaios de liberação de interferon-? para TB.

O papel da intervenção cirúrgica é controverso. Os casos não complicados costumam responder bem à terapia antituberculosa isoladamente. São consideradas indicações de tratamento cirúrgico:

               pacientes com doença vertebral com déficits neurológicos significativos;

               pacientes com doença vertebral com piora dos sintomas neurológicos, apesar do tratamento apropriado;

               pacientes com doença vertebral com cifose >40º no momento da apresentação;

               pacientes com abscesso de parede torácica.

Um neurocirurgião ou ortopedista deve avaliar todos os pacientes com sinais ou sintomas de comprometimento neurológico ou com instabilidade ou deformidade da coluna para o tratamento apropriado.

 

Complicações

 

As complicações da TB espinal incluem a destruição de corpos vertebrais e discos com consequentes deformidades e instabilidade da coluna vertebral, paraparesia ou paraplegia e rastreamento de abscessos paravertebrais a frio para locais distantes no tórax, no abdome, na virilha e no pescoço.

 

Referências

 

1-Ruderman EM, Flaherty JP. Mycobacterial infection of bones and joints in Kelley’s Textbook of Reumathology 2015.

2-Chambers HF, Imboden JB. Mycobacterial and fungal infections of bone and joints in Current Rheumatology 2016.

3- Diagnostic Standards and Classification of Tuberculosis in Adults and Children. This official statement of the American Thoracic Society and the Centers for Disease Control and Prevention was adopted by the ATS Board of Directors, July 1999. This statement was endorsed by the Council of the Infectious Disease Society of America, September 1999. Am J Respir Crit Care Med 2000; 161:1376.

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