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Intoxicação por Agentes Barbitúricos

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 23/04/2018

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Os barbitúricos são uma classe medicamentosa comumente utilizada para tratamento de convulsões e como sedativos, mas seu uso tem sido paulatinamente substituído pelos benzodiazepínicos e outras medicações sedativos-hipnóticas com melhor perfil de efeitos colaterais. Os barbitúricos são medicações que causam adicção, e sua retirada pode causar síndrome de abstinência.

O estado de mal epilético, síndromes graves de abstinência de etanol e sedativos e convulsões são tipicamente manejadas com benzodiazepínicos, mas os barbitúricos têm um papel útil como agente de segunda linha. Ainda podem ser utilizados, embora raramente, para o tratamento de cefaleia tensional e enxaqueca, embora a eficácia de qualquer seja controversa. São usados no manejo farmacológico de hipertensão intracraniana refratária por lesão cerebral focal e difusa, mas a evidência de melhores desfechos é praticamente inexistente.

 

Farmacologia

 

Os barbitúricos deprimem a atividade de todas as células excitáveis em particular no sistema nervoso central (SNC), aumentando a atividade do sistema gabaérgico.

Essas medicações são geralmente classificadas de acordo com a duração da ação, que depende principalmente da solubilidade lipídica e da distribuição dos tecidos, em vez da meia-vida de eliminação, podendo ter ação ultrarrápida com ação em minutos por via endovenosa como no caso do pentotal, ação rápida ou intermediária como o pentobarbital que age em 15 a 60 minutos ou longa ação como o fenobarbital, que demora para agir mais de 60 minutos e tem duração de 10 a 12 horas.

Os barbitúricos distribuem-se facilmente em todo o corpo na maioria dos tecidos, atravessam a barreira hematoencefálica e a placenta, com níveis semelhantes aos maternos, podendo ser excretados em baixas concentrações no leite materno. As concentrações de barbitúricos do sangue fetal refletem, aproximadamente, os níveis plasmáticos maternos, criando o potencial para a síndrome de abstinência fetal.

A maioria dos barbitúricos é metabolizada por via hepática em metabólitos inativos, sobretudo através do sistema do citocromo P450. A meia-vida de eliminação de barbitúricos pode ser menor em lactentes e crianças e muito prolongada em idosos e em pacientes com doença hepática ou renal. O uso crônico de barbitúricos induz a atividade das enzimas do citocromo P450, e pode acelerar o metabolismo de outras medicações, como contraceptivos orais, anticoagulantes e corticosteroides quando tomadas simultaneamente.

A ação principal dos barbitúricos é a depressão da atividade no SNC e do sistema musculoesquelético agindo nos receptores gabaérgicos. No SNC, isso é atingido através do aumento da ação do neurotransmissor primário do ácido ?-aminobutírico no seu receptor. Quando o ácido ?-aminobutírico se liga ao seu receptor de canal de cloro, ocorre o aumento do tempo de abertura desse canal, resultando em despolarização, que se estabiliza temporariamente o potencial de membrana em repouso e inibe o disparo de novos potenciais de ação, mantendo os receptores inativos.

Os agentes barbitúricos agem diretamente na medula causando depressão respiratória, de forma similar ao sono normal, mas os reflexos de vias aéreas são mantidos inclusive se tiver sedação total. A medicação em doses habituais é associada a pequenas quedas na frequência cardíaca e na pressão arterial.

Os benzodiazepínicos se ligam a um local diferente na subunidade a do receptor de ácido ?-aminobutírico e aumentam a frequência com a qual o canal de cloreto se abre. O aumento da duração, em oposição ao aumento da frequência, é uma das razões para o aumento da morbidade e da mortalidade com intoxicações por barbitúricos em comparação com os benzodiazepínicos.

Os barbitúricos inibem a atividade do neurotransmissor excitatório, o glutamato, e a liberação de neurotransmissor excitatório mediada pelo cálcio no terminal pré-sináptico. O bloqueio do canal de cálcio pode contribuir para o comprometimento da contratilidade cardíaca observado com overdoses de barbitúricos.

Os barbitúricos também têm efeitos nos canais de sódio e potássio dependentes da tensão, mas em concentrações normalmente bastante acima da faixa terapêutica. Esses efeitos podem contribuir para a toxicidade ou ações paradoxais vistas com alguns barbitúricos em overdoses.

 

Manifestações Clínicas

 

A intoxicação leve por barbitúricos apresenta quadro de tontura, fala arrastada, instabilidade postural, nistagmo, labilidade emocional e alteração cognitiva, o que, em muitos aspectos, se assemelha à intoxicação alcoólica e à toxicidade por outras medicações sedativo-hipnóticas. Na intoxicação severa aguda, pode ocorrer profunda sedação, que pode evoluir até o coma e a parede respiratória.

Em geral, ocorre por uma evolução progressiva que se manifesta de forma previsível como um intervalo desde estupor até o coma para até a ausência de reflexo corneano e reflexos tendinosos profundos. As pupilas costumam ser normais e reativas, mas, caso ocorra hipóxia por hipoventilação, as pupilas podem se tornar midriáticas e fixas, e o tônus muscular, flácido. Um nível de consciência flutuante é comum.

As anormalidades de sinais vitais mais comuns observadas em overdose são depressão respiratória, hipotermia e hipotensão, com depressão respiratória geralmente ocorrendo primeiro. O controle anormal da temperatura e a depressão respiratória são fenômenos mediados centralmente, enquanto que a hipotensão é um resultado de diminuição do tônus vascular, que pode ocorrer com níveis séricos de barbitúricos elevados.

Os altos níveis séricos de barbitúricos também estão associados com alteração da motilidade gastrintestinal, com retardo na absorção da medicação, podendo ocorrer íleo adinâmico. As lesões bolhosas da pele são incomuns, mas pode ocorrer uma reação semelhante à síndrome de Dress com eosinofilia, rash cutâneo e alterações sistêmicas, podendo ter evolução rápida.

As mortes precoces por intoxicação por barbitúricos ocorrem por depressão respiratória, podendo haver parada respiratória e colapso cardiovascular; a intoxicação por barbitúricos pode evoluir com edema pulmonar não cardiogênico, por alteração da permeabilidade capilar associada à intoxicação e por hipoperfusão. Outras complicações comuns incluem hipoglicemia, pneumonia por aspiração, que tem aparecimento tardio e lesão pulmonar aguda. As taxas atuais de mortalidade variam entre 1 e 3%.

Os barbitúricos são associados com rápido desenvolvimento de tolerância, o que predispõe a ocorrência de síndrome de abstinência com a sua interrupção. Os sintomas de abstinência incluem tremores, alucinações, delirium e convulsões, e pode progredir para um quadro de delirium tremens semelhante ao observado na síndrome de abstinência alcoólica grave. Crises convulsivas são, frequentemente, a primeira manifestação da abstinência aos barbitúricos.

A descontinuação abrupta de barbitúricos em um usuário crônico dependente pode produzir sintomas de abstinência menores dentro de 24 horas e sintomas graves dentro de 2 a 8 dias. A gravidade da abstinência reflete o grau de dependência física e a meia-vida da medicação. A interrupção de barbitúricos de ação curta resulta em sintomas de abstinência mais severos do que os barbitúricos de ação prolongada.

Os bebês nascidos de mães fisicamente dependentes de barbitúricos correm risco de dependência e posterior abstinência. A abstinência pode se manifestar dentro dos primeiros a 3 dias de vida. Os sinais e sintomas incluem choro agudo, vômitos, diarreia, tremores e, possivelmente, convulsões. A abstinência é tratada com doses gradualmente decrescentes de fenobarbital.

 

Diagnóstico

 

O principal exame na avaliação da intoxicação por barbitúricos é a dosagem dos níveis séricos deles. Em relação ao fenobarbital, por exemplo, dosagens entre 15 a 40mcg/mL são consideradas terapêuticas, com doses acima de 50mcg/mL associadas a coma, sobretudo em pacientes que não são usuários crônicos, e níveis maiores que 80mcg/dL podem cursar com depressão respiratória potencialmente fatal.

Apesar da utilidade, os níveis séricos dos barbitúricos têm suas limitações e, devido à ampla distribuição dessas medicações no corpo humano, os níveis séricos podem não ser fidedignos. A dosagem dos níveis séricos de barbitúricos é particularmente útil para estabelecer o diagnóstico de um paciente comatoso; no entanto, as decisões de tratamento devem ser baseadas clinicamente.

Os níveis de barbitúricos séricos relatados em overdoses letais variam amplamente em diferentes estudos, e as medidas séricas podem não refletir as concentrações de barbitúricos cerebrais e subestimar a condição clínica de um paciente. Os níveis de barbitúricos também são de menor utilidade em usuários crônicos de barbitúricos que desenvolveram tolerância fisiológica e em pacientes com insuficiência renal ou doença hepática.

Outros exames na intoxicação por barbitúricos incluem glicemia, bioquímica, hemograma completo, gasometria arterial (se indicado), toxicologia (para intoxicações associadas), radiografia de tórax e um eletrocardiograma. A radiografia de tórax pode verificar a possibilidade de pneumonia por aspiração ou edema pulmonar não cardiogênico. O eletroencefalograma pode ser utilizado nesses pacientes e pode ser silente na intoxicação por barbitúricos; assim, deve-se tomar cuidado antes de declarar morte encefálica em pacientes com intoxicação por barbitúricos.

 

Tratamento

 

Não existem antídotos específicos para intoxicação por barbitúricos; dessa forma, o tratamento é principalmente de suporte. Os pacientes com intoxicação severa têm dificuldade em proteger as vias aéreas e podem necessitar de entubação orotraqueal. A suplementação de oxigênio costuma ser suficiente para intoxicações leves com pacientes com sedação apenas parcial.

A ressuscitação volêmica pode ser necessária em pacientes que evoluem com hipotensão, mas deve ser realizada com cuidado devido ao risco de edema pulmonar não cardiogênico; tem como alvo manter a pressão arterial diastólica acima de 90mmHg e débito urinário adequado.

Caso a ressuscitação volêmica não corrija a hipotensão, devem ser utilizadas medicações vasopressoras como a dopamina ou norepinefrina, com preferência para esta última. A hipotermia entre 30 e 36ºC é comum, e deve ser monitorada através da temperatura contínua do núcleo e tratada com medidas de aquecimento habituais.

Uma vez estabilizada a função pulmonar e cardiovascular, são consideradas opções para aumentar a depuração do fármaco. A lavagem gástrica não é normalmente indicada, os barbitúricos diminuem a motilidade gastrintestinal e, assim, atrasam a absorção da medicação, sendo indicado o uso de carvão ativado.

Uma dose única de carvão ativado deve ser administrada a pacientes cooperativos, clinicamente estáveis, que se apresentam dentro de 1 hora de ingestão oral aguda. O carvão ativado em múltiplas doses é benéfico na redução das concentrações séricas de fenobarbital, mas nenhum estudo mostrou diferença em desfechos clínicos com o uso de múltiplas doses de carvão ativada.

As diretrizes atuais consideram o carvão ativado em múltiplas doses se um paciente ingeriu uma quantidade potencialmente fatal de fenobarbital. Um regime típico de tratamento com carvão ativado nessa situação utiliza uma dose inicial de 50 a 100g, por via oral, seguida de 12,5 a 25g, por via oral, a cada 4 horas. A administração simultânea de agentes catárticos não é indicada.

Para um agente de ação prolongada, como o fenobarbital, os níveis séricos em série devem ser obtidos durante as 6 horas iniciais após uma intoxicação antes de concluir que o paciente pode receber alta ou ser transferido com segurança. A evidência de toxicidade após 6 horas exigirá admissão hospitalar, e os pacientes com toxicidade grave devem ir à unidade de terapia intensiva. Deve-se consultar um toxicologista médico ou centro local de intoxicação para auxiliar no tratamento de pacientes com intoxicação por barbitúricos.

Como o fenobarbital é um ácido fraco, a alcalinização da urina pode aumentar a presença da medicação na forma ionizada minimizando sua reabsorção tubular e aumentando o clearance. A alcalinização urinária, apesar de aumentar a depuração de fenobarbital, tem pouco benefício.

O tratamento é menos eficaz do que o carvão ativado em múltiplas doses na redução dos níveis séricos, não melhora os desfechos clínicos e não é eficaz para barbitúricos de ação mais curta e não é um tratamento de primeira linha nestes pacientes. A diurese forçada não é recomendada devido aos riscos de sobrecarga de sódio e fluidos e falta de eficácia comprovada.

A hemodiálise, a hemoperfusão e a hemodiafiltração podem aumentar a eliminação do fenobarbital, mas existe pouca evidência de mudança de desfechos clínicos, sendo reservadas para pacientes que estão deteriorando clinicamente apesar dos cuidados de suporte agressivos. Essas modalidades não são úteis para a intoxicação por barbitúricos que não sejam fenobarbital.

A hemoperfusão poderia ser benéfica em particular na toxicidade neonatal de fenobarbital, pois o fenobarbital tem ligação de 40 a 60% à proteína. Alguns autores indicam a hemodiálise em intoxicações agudas por fenobarbital quando os níveis da medicação excedem 100mcg/mL.

Todos os pacientes com intoxicação por barbitúricos, mesmo assintomáticos, devem ser observados por, pelo menos, 6 horas para verificar o aparecimento de alterações neurológicas ou depressão respiratória. Os sintomas da intoxicação por barbitúricos normalmente iniciam após 1 hora da ingestão. A intoxicação leve a moderada em barbitúricos responde bem aos cuidados de suporte, incluindo uma única dose de carvão ativado se apropriado.

A melhora do estado neurológico e sinais vitais após 6 a 8 horas de observação permitem considerar a alta, exceto se houver risco de suicídio em ingestões intencionais. Os pacientes ainda sintomáticos após 6 a 8 horas de observação devem ser internados idealmente em unidade com monitorização.

Os pacientes com sintomas de abstinência por interrupção do uso de barbitúricos têm como prioridade em seu tratamento, a estabilização cardiovascular e o controle de convulsões. As convulsões podem ser tratadas com benzodiazepínicos. Devido à mortalidade associada, é necessária a desintoxicação gradual no hospital.

 

 

Referências

 

1-Greshaw C, LoVecchio F. Barbiturates in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2- Gussow L, CarlsonA. Sedative hypnoptics in Rosen’s Emergency Medicine 2018.

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