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Fibrose Intersticial Idiopática

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 04/06/2018

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As doenças pulmonares intersticiais (DPI) representam um grande número de condições que envolvem o parênquima pulmonar, ou seja, o alvéolo, a membrana alvéolo-capilar, o endotélio, estruturas perivasculares e linfáticos. Apesar da diversidade de causas, essas doenças são colocadas no mesmo grupo devido a manifestações fisiopatológicas, clínicas e radiológicas semelhantes, e apesar do termo utilizado para sua definição ser doença intersticial as alterações podem ser extensas envolvendo alvéolos e vias aéreas. São doenças que acarretam considerável morbi-mortalidade e existe pouco consenso no manejo ideal delas.

Podem se manifestar apenas com comprometimento pulmonar ou como parte de uma doença sistêmica; podem ter causas conhecidas ou não conhecidas; a doença pode ser aguda, subaguda ou crônica. O processo patológico de base pode ser inflamação com fibrose ou um processo granulomatoso. O nosso paciente não tem manifestações sistêmicas de forma que sugere um quadro causado por uma doença apenas com comprometimento pulmonar.

 

Dentre o imenso número de causas, as causas mais frequentes são:

-Etiologia não conhecida:

-Sarcoidose.

-Pneumonia intersticial fibrosante idiopática (antigamente denominada de fibrose pulmonar idiopática).

-Doença intersticial associada a doenças do tecido conectivo.

-Etiologia conhecida:

-Doenças ocupacionais ou ambientais.

-Pneumonite de hipersensibilidade.

-Medicamentosa.

 

A tabela abaixo cita as principais causas de doenças pulmonares intersticias não granulomatosas:

 

Tabela  – Doenças pulmonares intersticiais não granulomatosas

 

Causas conhecidas

AMBIENTAIS

- Asbestose, gases tóxicos.

MEDICAMENTOSAS

-Amiodarona, antibióticos, quimioterápicos e sais de ouro.

SEQUELARES

-Pneumonia aspirativa crônica, síndrome do desconforto respiratório do adulto (ARDS).

Causas desconhecidas

PNEUMONIAS INTERSTICIAIS IDIOPÁTICAS

-Pneumonia intersticial fibrosante idiopática (antigamente denominada de fibrose pulmonar idiopática).

-Pneumonia intersticial descamativa.

-Pneumonia intersticial associada com bronquiolite.

-Pneumonia intersticial aguda.

-Pneumonia em organização criptogênica (também conhecida como BOOP).

DOENÇAS DO TECIDO CONECTIVO

-Dermatopolimiosite, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia sistêmica progressiva, artrite reumatoide, espondilite anquilosante, síndrome de Sjögren.

TRATO GASTROINTESTINAL

-Doença inflamatória intestinal, hepatite crônica ativa, cirrose biliar primária.

HEREDITÁRIAS

-Esclerose tuberosa, neurofibromatose, Niemann-Pick, Gaucher.

OUTRAS

-Amiloidose, proteinose alveolar, pneumonias eosinofílicas, pneumonias intersticiais linfóides, etc.

 

 

Tabela – Doenças pulmonares intersticiais granulomatosas

 

Causas conhecidas

AMBIENTAIS

-Berílio, sílica e pneumonite de hipersensibilidade.

Causas desconhecidas

VASCULITES GRANULOMATOSAS

-Granulomatose de Wegener e síndrome de Churg-Strauss.

OUTRAS GRANULOMATOSES

-Sarcoidose, granulomatose das células de Langerhans, granulomatose linfomatoide e granulomatose broncocêntrica.

 

Fisiopatologia

 O mecanismo através do qual vários agentes diferentes leva à destruição do interstício pulmonar não é completamente conhecido. De maneira geral, após insulto pulmonar (único ou de repetição), a resposta biológica pode ocorrer de duas formas:

 

-Processo granulomatoso: ocorre acúmulo de linfócitos T, macrófagos e células epitelioides organizadas em estruturas discretas, embora, difusamente presentes, denominadas de granulomas. As lesões granulomatosas podem evoluir para fibrose pulmonar. A maioria dos doentes permanece pouco sintomática até fases avançadas e costuma melhorar com o tratamento. Além de vasculites sistêmicas, um grande diagnóstico diferencial é entre a sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade e infecções (tuberculose).

 

-Inflamação e fibrose sem granulomas: a injúria é iniciada na superfície epitelial causando inflamação dos espaços aéreos e alvéolos. Uma vez continuado o processo, a inflamação pode estender-se para estruturas adjacentes (interstício, linfáticos e vasculatura) culminando com fibrose intersticial. O desenvolvimento de fibrose avançada é uma condição grave, temida e que pode levar a graves limitações ao doente (alterações na troca gasosa e na função ventilatória). Histopatologicamente, os doentes podem ser classificados como:

 

-Pneumonia intersticial usual (pneumonite fibrosante ou fibrose idiopática).

-Pneumonia intersticial inespecífica.

-Predomínio de bronquiolite respiratória.

-Pneumonia em organização criptogênica (também conhecida como BOOP - pneumonia com bronquiolite obliterante em organização).

-Pneumonia intersticial descamativa.

-Infiltração linfocítica.

 

No caso da fibrose intersticial idiopática ou também denominada de alveolite fibrosante criptogênica sua característica anatomopatológica é a proliferação anormal de células mesenquimais, fibrose e deposição desorganizada de colágeno e desorganização arquitetural. Os fatores precipitantes ainda são desconhecidos, mas predisposição genética parece ter um papel. Um processo inflamatório antecede o desenvolvimento de fibrose, parecem ocorrer várias microlesões parenquimatosas que predispõem o início do processo fibrótico e fatores de crescimento são secretados pelas células epiteliais lesionadas e recrutam fibroblastos, posteriormente o colágeno é depositado.

 

Avaliação inicial

História e exame clínico

Os doentes podem procurar assistência médica devido a sua própria doença de base (exemplo: lúpus, polimiosite, doença inflamatória intestinal, etc.) ou devido ao aparecimento de sintomas respiratórios (dispneia, tosse, sibilância, hemoptise, dor torácica, etc.). Alguns dados importantes incluem:

 

-Respiratório: dispneia costuma ser a principal queixa referida pelo doente. De início, ocorre aos esforços, devido dificuldade de troca de oxigênio pela barreira à difusão imposta pela doença intersticial, entretanto, pode evoluir com dispneia em repouso, ortopneia e mesmo dispneia paroxística noturna, o que torna o diagnóstico diferencial com insuficiência cardíaca obrigatório. Dor torácica não é comum; o súbito surgimento de dor tipo pleurítica deve sugerir complicação com pneumotórax. Escarro com laivos hemoptóicos e hemoptise pode ocorrer.

 

-Gerais: fadiga, perda de peso, anorexia são comuns.

 

-Duração da doença: as manifestações clínicas podem surgir de qualquer forma, em uma escala temporal, que é citada na tabela 1. Entretanto, a forma mais frequente é a apresentação insidiosa e crônica.

 

Tabela 1  – Padrão temporal e causas mais frequentes

 

Início dos sintomas

Comentários

AGUDO:
(dias a semanas)

Pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia eosinofílica, pneumonia intersticial idiopática aguda e reações imunonológicas (medicamentos, helmintos, fungos).

Um grande diagnóstico diferencial é com pneumonia bacteriana de apresentação intersticial (Mycoplasma, Legionella, Chlamydia, etc.)

SUBAGUDO: (semanas a meses)

Pode ocorrer com todas as DPI

Mais frequente com a sarcoidose, pneumonia intersticial induzida por medicamentos, pneumonia em organização criptogênica (também conhecida como BOOP) e formas intersticiais associadas a doenças do tecido conectivo (especialmente lúpus e polimiosite).

CRÔNICO:
(vários meses)

Globalmente, forma mais comum de apresentação.

Protótipo é a pneumonia intersticial fibrosante idiopática.

 

 

- Idade e sexo: em geral, há duas grandes faixas etárias: após 50 anos de idade (pneumonia intersticial fibrosante idiopática) e entre os 20 a 40 anos (histiocitose, sarcoidose, formas familiares ou doenças genéticas). Doenças do tecido conectivo também são mais comuns em mulheres, exceto vasculite reumatoide (mais comum em homem). A maioria das outras doenças, inclusive aquelas ocupacionais, é mais comum em homens.

 

- História ambiental e ocupacional: essa pesquisa deve ser exaustiva e detalhada, inclusive com amigos e familiares. Várias formas de exposição crônica podem levar à DPI (asbesto, sílica, gases, berílio, etc.). Outras vezes, a exposição a determinado agente se segue de um quadro clínico de febre, calafrios, tosse, sibilos e dispneia. Novas exposições podem ocasionar quadros semelhantes (exemplos: agricultor, fazendeiro, criador de pombos, etc.)

 

- Tabagismo: quase 75% dos doentes com pneumonia intersticial fibrosante idiopática têm história de tabagismo. Quase todos os pacientes com histiocitose, pneumonia intersticial descamativa, bronquiolite respiratória, síndrome de Goodpasture e proteinose alveolar têm história de tabagismo.

 

- Exame físico: taquipneia é comum e os doentes podem ter respirações rápidas e superficiais. Crepitações em ambas as bases, eventualmente difusas (“crepitações secas”) são comuns e podem ser audíveis, assim como roncos difusos. Sibilos são raros, mas podem ocorrer na síndrome de Churg-Strauss, pneumonite de hipersensibilidade, pneumonias eosinofílicas, bronquiolite respiratória e sarcoidose. Sinais de hipertensão pulmonar podem surgir em fases mais avançadas. Baqueteamento digital e cianose podem surgir. Dados da doença de base também podem predominar (exemplos: artrite, rash malar, vasculite de pele, linfonodomegalias, eritema nodoso, etc.).

 

Exames Laboratoriais

Poderão ser solicitados de acordo com a hipótese clínica. Em geral, o mínimo de hemograma, eletrólitos, função renal, exames de coagulação, urina tipo 1, eletrocardiograma (ECG) e radiografia de tórax são solicitados. Uma medida da oximetria de pulso deve ser feita e geralmente uma gasometria arterial deve ser colhida. A gasometria pode ser normal em repouso, mas mostrar hipoxemia após exercício; ela pode mostrar hipoxemia em repouso e sequencialmente hipoxemia com hipocapnia, hipoxemia grave com hipercapnia (indicando estádio avançado da doença).

 Vários cenários clínicos podem alterar os exames laboratoriais, tais como: lúpus (anemia, leucopenia, plaquetopenia, lesão renal, etc.), vasculites sistêmicas (função renal alterada, hipercalemia, etc.). Outros exames podem ser solicitados, tais como:

 

- Fator antinúcleo e outros autoanticorpos: poderão indicar lúpus (FAN positivo, anti-Sm, anti-DNA de dupla fita), esclerodermia (anti-Scl 70 ou antitopoisomerase III), polimiosite (anti-Jo 1 ou anti histidil t-RNA sintetase), etc. O fator antinúcleo é recomendado ser realizado de rotina.

 

- Fator reumatoide: positivo em várias doenças. Altos títulos são comuns na vasculite reumatoide. A recomendação é para sua dosagem de rotina.

- Anticorpo antiproteinase 3 (cANCA): também denominado de anticorpo anticitoplasma de neutrófico padrão citoplasmático. A sua positividade pode ser associada com granulomatose de Wegener em atividade.

 

- Anticorpo antimieloperoxidade (pANCA): também denominado de anticorpo anticitoplasma de neutrófico padrão perinuclear. Pode ser positivo em várias doenças (hepatite crônica ativa, poliangeíte microscópica), inclusive, na vasculite de Churg-Strauss, na granulomatose de Wegener.

 

- Anticorpo antimembrana basal glomerular (domínio não colagenoso do colágeno tipo IV): ocorre na síndrome pulmão-rim ou síndrome de Goodpasture.

 

- Enzimas musculares: aumentadas significativamente, podem sugerir polimiosite.

 

- Desidrogenase lática: inespecífica; costuma aumentar na maioria das DPI.

 

- Dosagem da enzima conversora de angiotensina: pode ocorrer na sarcoidose.

 

- Cálcio sérico: pode estar aumentado na sarcoidose.

 

Testes de função pulmonar

Costumam indicar um distúrbio restritivo: capacidade vital forçada (CVF) diminuída, volume expiratório forçado de 1º segundo (VEF1) e relação VEF1/CVF normais ou aumentados.

         Medidas diretas de volumes pulmonares confirmam uma doença restritiva, mostrando uma redução importante da capacidade pulmonar total (CPT). Muito raramente, algumas doenças podem cursar com distúrbio combinado ou misto (restritivo e obstrutivo), tais como a linfangioleiomiomatose e a  esclerose tuberosa (mais raro: sarcoidose e pneumonite de hipersensibilidade).

 

a) Testes de difusão:

A redução na capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO) é muito comum, embora, não específico de DPI. Embora pareça mais lógico pensar que a redução da difusão se deva a “espessamento” do espaço entre o alvéolo e o capilar, o mais importante determinante da redução do DLCO é o desequilíbrio ventilação-perfusão (distúrbio V/Q). Isso ocorre devido a regiões infiltradas e fibróticas apresentarem redução da ventilação.

         Importante, a gravidade da redução da DLCO não se correlaciona tão bem quanto a gravidade da doença.

         Um grande aumento da  DLCO pode significar sangue no interstício pulmonar e ocorre em síndromes de hemorragia alveolar.

 

b) Testes ergoespirométricos

Mesmo com grande acometimento pulmonar, doentes com DPI podem apresentar gasometria de repouso normal. Entretanto, quando o doente é induzido a exercitar-se, ele deve recrutar uma parte do espaço morto, com intuito de aumentar a troca gasosa (a fração de espaço morto normal é menor do que 0,4).

Normalmente, o espaço morto consiste de duas formas: o espaço morto anatômico e o espaço morto fisiológico ou funcional. O espaço morto anatômico é aquela porção do volume corrente que não entrou em contato com alvéolos perfundidos e por isso não participa da troca gasosa. Já o espaço morto funcional ou fisiológico é a soma do excesso de ventilação em relação à perfusão (ou seja, locais com muito ar e pouco sangue), que são áreas onde o V/Q é maior do que 1.

Um volume fixo de gases é requerido, em cada respiração, para preencher o espaço morto anatômico (gases que estão em vias aéreas proximais até bronquíolos). Por isso, em geral, durante testes com esforço físico, doentes com DPI podem não conseguir recrutar esse espaço morto funcional, compensando através do aumento da frequência respiratória, na prática, reduzindo o volume corrente (VT). O que acontece é o desenvolvimento de hipoxemia com hipocapnia ao esforço.

Medidas seriadas de testes ergoespirométricos podem ser úteis no seguimento de doentes com DPI.

 

Exames de Imagem

A radiografia de tórax em geral é o exame que faz a suspeita inicial de DPI. Muitas vezes, os achados radiológicos são inespecíficos e duvidosos. Doentes com DPI podem ter radiografia de tórax normal. Entretanto, quando alterado, o acometimento pulmonar pode ocorrer com as seguintes formas:

 

- Infiltrado reticular bibasal ou infiltrado reticular e nodular (mais frequentes).

 

- Opacidades nodulares predominantemente em campos pulmonares superiores: sarcoidose, histiocitose, pneumonite de hipersensibilidade, silicose, beriliose, vasculite reumatoide nodular.

 

- Padrão em favo de mel (honeycomb) indica múltiplos pequenos espaços císticos com fibrose e se correlaciona com doença avançada.

 

a) Tomografia de tórax de alta resolução (TCAR):

Além de definir a extensão da doença, ela pode mostrar alterações torácicas adicionais (exemplo: gânglios hilares, mediastinais, câncer, linfangite carcinomatosa, enfisema, etc). Muitas vezes, o achado da TCAR é suficiente para diagnosticar pneumonia intersticial fibrosante idiopática, sarcoidose, asbestose, pneumonite de hipersensibilidade e histiocitose das células de Langerhans (tabela 1). Pode também ser útil no seguimento dos doentes (resposta à terapia) e delinear o melhor local para biópsia pulmonar.

 

Tabela 2 – Métodos de imagem e diagnóstico específico

 

Achados

Considerações diagnósticas

ADENOPATIA HILAR*

Sarcoidose, infecções granulomatosas, linfoma, linfangite carcinomatosa.

DERRAME PLEURAL

Doenças do tecido conectivo, asbestose, infecções.

PNEUMOTÓRAX

Histiocitose, linfangioleiomiomatose, infecções.

PREDOMÍNIO DE CAMPOS SUPERIORES

Silicose, sarcoidose, histiocitose.

PREDOMÍNIO DE ZONAS PERIFÉRICAS

Medicamentosa, pneumonia eosinofílica, pneumonia em organização criptogênica (BOOP).

* Também pode sugerir diagnósticos diferenciais: linfomas, carcinomas.

 

 

Diagnóstico Histológico

Um diagnóstico de certeza propicia algumas vantagens:

- Permite diagnosticar doenças “tratáveis”: sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade crônica, pneumonia em organização criptogênica (também conhecida como BOOP), etc.

 

- Evita confusão e ansiedade, especialmente, quando não há resposta terapêutica.

 

- Evita terapêuticas potencialmente tóxicas em situações onde ela não é indicada.    

 

Há duas maneiras de se obter tecido pulmonar para estudo anatomopatológico:

 

- Lavado e biópsia transbrônquica: é a mais indicada inicialmente. A maior vantagem da biópsia transbrônquica é o menor risco para o doente. A maior desvantagem é a incapacidade de fornecer um diagnóstico definitivo na maioria das vezes. As situações onde ela pode ser mais útil são: sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia eosinofílica, proteinose alveolar, infecções. Todos os pacientes com doença intersticial pulmonar e hemoptise na apresentação devem ser submetidos a broncoscopia com lavado broncoalveolar.

- Biópsia a céu aberto: pode ser feita por vídeotoracoscopia (mais indicada) ou por toracotomia. Em geral, é feita após uma transbrônquica ser inespecífica. Obviamente, acarreta risco ao doente (inerentes à anestesia, fístula pleural, infecção, sangramento, óbito).

 

Características das Doenças Intersticiais

O curso clínico e tratamento das DPI são altamente variáveis  e em parte dependem da causa de base. Todas as causas potencialmente tratáveis devem ser buscadas antes que fibrose sequelar ocorra. Por isso, é importante identificar doenças que possam ter alguma resposta benéfica com corticoides, descritas na tabela abaixo. Os achados clínicos das principais doenças intersticiais estão descritos nas tabelas seguintes.

 

Tabela  - Situações em que corticosteróides podem ser benéficos

 

Pneumonias eosinofílicas.

Pneumonia em organização criptogênica (bronquiolite obliterante com pneumonia em organização)

Sarcoidose.

Doenças do tecido conectivo.

Pneumonites de hipersensibilidade.

Pneumonite aguda associada à radiação.

Síndromes de hemorragia alveolar.

Pneumonites associadas  medicamentos.

 

 

Tabela  – Características das doenças intersticiais

 

 

Sarcoidose

Pneumonia intersticial descamativa

Pneumonia intersticial linfocítica

Doenças do tecido conectivo

ACHADOS CLÍNICOS

Mulheres negras; sintomas mínimos; lesões cutâneas

Homens de idade média, tabagistas; dispnéia progressiva

Mulheres idosas com doenças associadas

Assintomáticos; pode evoluir com dispnéia progressiva, tosse, dor torácica, hemoptise.

RADIOGRAFIA DE TÓRAX

Adenopatia hilar bilateral; predomínio de campos superiores

Predomínio bibasal; pode ser normal.

Reticulonodular

Infiltrados bilaterais, difusos ou focais.

TC DE CORTES FINOS

Adenopatia hilar e mediastinal.

Nódulos, distribuição perilinfática e broncovascular.

Fibrose com distorção alveolar.

Padrão vidro despolido

Padrão vidro despolido, nódulos centrilobulares, espessamento septal e broncovascular

Fibrose com ou sem vidro despolido.

ACHADOS EXTRA-TORÁCICOS

Exuberante.

Nenhum

Depende da doença associada (HIV, transplante, auto-imune, drogas, etc)

Exuberante  e depende da doença auto-imune de base.

PATOLOGIA

Granulomas não caseosos,

Preenchimento homogêneo peribronquiolar

Infiltrado das paredes alveolares com linfócitos

Variável: inclui destruição alveolar difusa, bronquiolite, etc.

TERAPIA

Maioria não necessita de tratamento. Boa resposta a corticoide.

Parar de fumar e corticoide

Tratar a doença de base; boa resposta a corticoides

Tratar a doença de base; em geral, necessita de corticoide e imunossupressor.

PROGNÓSTICO

Excelente

Sobrevida de 12 anos; mortalidade de 20 a 30%.

Depende da doença de base

Depende da doença de base.

 

 

Tabela – Características das doenças intersticiais

 

 

Granuloma eosinófilo

Proteinose alveolar

Pneumonia eosinofílica

Linfangioleio-miomatose

ACHADOS CLÍNICOS

Idade de 20 a 50 anos; insidioso com tosse e dispneia.

Tabagistas

Tosse e dispnéia progressivos;

Mulher jovem; tosse, febre, dispnéia, sibilos.

Mulher em idade de procriação; dispneia, hemoptise, pneumotóra, quilotórax.

RX DE TÓRAX

Nódulos, cistos, pneumotórax, derrame pleural.

Preenchimento alveolar bibasal (semelhante edema pulmonar, mas sem congestão)

Infiltrado bilateral

-

TC DE CORTES FINOS

Cistos em formas bizarras, com nódulos disseminados

Opacidades em vidro despolido, espessamento dos septos interlobulares

Padrão vidro despolido bilateral

Cistos de paredes finas, tamanhos variados, dilatação do ducto torácico, derrame pericárdico e pleural, pneumotórax.

ACHADOS EXTRA-TORÁCICOS

Lesões ósseas e diabetes insipidus

Não

Eosinofilia

Angiomiolipomas renais

PATOLOGIA

Lesões nodulares contendo células de Langerhans com gânulos de Birbeck

Material alveolar, eosinofílico com coloração positiva para o PAS

Intenso infiltrado misto, rico em eosinófilos

Proliferação difusa de células musculares lisas com formação de cistos.

TERAPIA

Parar de fumar.

Lavagem pulmonar total

Boa resposta à corticoides

Progesterona e/ou ooforectomia

PROGNÓSTICO

Péssimo; sobrevida de 6 anos.

Bom prognóstico.

Bom prognóstico.

Mortalidade de 25% em 8 anos.

 

 

Diagnóstico Diferencial

O primeiro passo é tentar afastar doenças ou condições que possam simular uma doença pulmonar intersticial (DPI), tais como:

 

- Obesidade: pode cursar com dispneia, espirometria com padrão restritivo e a radiografia de tórax pode falsamente sugerir infiltrado intersticial (aumento de partes moles).

 

- Linfangite carcinomatosa: quadro clínico subagudo (semanas a poucos meses) com tosse, dispneia, taquipneia, espirometria com padrão restritivo, radiografia com achados variados (pode cursar com infiltrado intersticial bilateral, simétrico ou não, nodulações, etc). A tomografia de tórax costuma sugerir o diagnóstico, mostrando um envolvimento pulmonar linfático. Em geral, cursa com um prognóstico muito ruim, podendo ser causada por câncer primário de pulmão ou câncer metastático.

 

- Edema pulmonar cardiogênico: sinais e sintomas de ICC, derrame pleural bilateral, área cardíaca aumentada, etc. A dosagem do BNP pode auxiliar no diagnóstico diferencial, estando aumentado em casos de disfunção cardíaca.

 

- Medicações: vários medicamentos podem causar infiltrado intersticial. Se houver suspeita, deve-se suspendê-lo imediatamente, a tabela abaixo cita as principais medicações associadas a presença de infiltrado intersticial.

 

Tabela  – Medicações associadas a infiltrado intersticial

 

 

QUIMIOTERÁPICOS

Bleomicina

Dose-relacionada.

Bussulfan

Fibrose pulmonar; pode cursar com proteinose alveolar.

Ciclofosfamida

Curso muito variável.

Vimblastina

Sinérgico com mitomicina-C.

Nitrosureias

Início retardado e dose-relacionado.

CARDIO-VASCULARES

Amiodarona

 

Longa meia-vida; pode causar SARA e pneumonite de hipersensibilidade.

Hidralazina

Síndrome lúpes-símile.

ANTI-INFLAMATÓRIOS

Metotrexate

Pode produzir granulomas.

Penicilamina

 

Síndrome lupus-símile, pneumonia em organização criptogênica (também conhecida como BOOP).

 

ANTIBIÓTICOS

Nitrofurantoína

DPI aguda ou crônica; variável curso clínico

Sulfasalazina

Fibrose, pneumonia em organização criptogênica (também conhecida como BOOP), pneumonite intersticial.

 

 Pneumonia Intersticial Fibrosante Idiopática

Em pacientes sem história de exposição ambiental, ocupacional, uso de medicamentos, doenças autoimunes, em geral, apresentam provavelmente uma pneumonia intersticial fibrosante idiopática ou fibrose intersticial d (PIFI - anteriormente denominada de fibrose pulmonar idiopática).

Um passo importante no diagnóstico de PIFI é excluir as causas conhecidas. Em geral, a doença é confirmada pelo anatomopatológico. As principais formas da PIFI, bem como os achados clínicos, anatomopatológico, radiológico, tratamento e prognóstico estão descritos na tabela 11.

A fibrose pulmonar idiopática (FIP) é uma doença de caráter progressivo e insidioso com sobrevida média a partir do momento do diagnóstico de 4 a 6 anos. Uma das suas principais características é o desenvolvimento de infiltrados intersticiais com predomínio em bases pulmonares com dispneia progressiva e piora da função pulmonar.

Patologicamente caracteriza-se por zonas fibróticas com favos de mel associadas a áreas de tecido relativamente não afetadas, normalmente  o processo inflamatório é relativamente leve considerando a extensão da doença, já a doença intersiticial pulmonar com bronquiolite usualmente associa-se com espessamento relativamente uniforme dos bronquíolos do septo alveolar e acúmulo de macrófagos intra-alveolares.

O insulto que leva a doença pulmonar não é identificado, mas inicia um processo de inflamação crônica do tipo Th2. Cerca de 75% dos pacientes com doença têm antecedente de tabagismo, pode ainda haver associação com infecções por alguns herpes-vírus.

A apresentação típica é de dispneia aos esforços com tosse seca, que aparece usualmente na quinta a sexta década de vida e é mais frequente em homens do que em mulheres. Sintomas associados incluem febre baixa e mialgias, que são incomuns e em raros caos procedem  o aparecimento de dispneia. Os pacientes apresentam estertores bibasilares teleinspiratórios em velcro. O baqueteamento digital é descrito em cerca de 50% dos pacientes.

Anormalidades laboratorias nesses pacientes são inespecíficas, alguns pacientes podem apresentar leve anemia, outros entretanto podem ser pletóricos devido hipoxemia crônica, marcadores inflamatórios podem estar aumentados. Fator reumatoide e FAN são descritos positivos em até 30% dos pacientes que não apresentam LES e artrite reumatoide associadas.

A prova de função pulmonar revela nesses pacientes distúrbio restritivo com diminuição de capacidade pulmonar total, capacidade funcional residual e volume residual devido à diminuição da complacência pulmonar.

Radiologicamente os pacientes apresentam opacidades bilaterais reticulares, principalmente em periferia e bases pulmonares, sendo que virtualmente todos os pacientes apresentam radiografia anormal, em TC pode-se observar fibrose progressiva com dilatação cística dos espaços aéreos vistos como “favos de mel” principalmente subpleurais, as anormalidades reticulares são salteadas com espessamento septal, bronquiectasias de tração são comuns também. Achados como derrame pleural, broncograma aéreo, sombras confluentes ou adenopatia hilar sugerem fortemente outros diagnósticos.

Para pneumologistas experientes alguns casos podem ter seu diagnóstico baseado apenas na história e achado tomográfico, porém em mais de 50% dos casos será necessária a realização de biópsia para diagnóstico definitivo.

A história natural é de uma doença progressiva, com piora da fibrose e diminuição de complacência pulmonar com aumento progressivo do esforço para respirar. Infecções respiratórias baixas são comuns, pois os pacientes apresentam bronquiectasias de tração, dificuldade de clearence de muco, também incidência maior de refluxo gastroesofágico pode ocorrer nesses pacientes.

Disfunção ventricular esquerda ocorre em menos de 10% dos pacientes, quando presente está na maioria das vezes associada a insuficiência cardíaca direita, também ocorre uma incidência maior de carcinoma broncogênico. A sobrevida media é de três anos, mesmo na ausência de outras doenças complicadoras.

 

Tratamento

Educação e tratamento de suporte são fatores importantes no tratamento desses pacientes, com oxigenoterapia suplementar e reabilitação pulmonar, também deve-se sugerir a realização de vacinação para pneumococo e influenza.

Nenhum tratamento farmacológico até hoje mostrou benefício claro em alterar o curso da doença. Entretanto, dado o mau prognóstico, recomenda-se o uso de corticoide e/ou drogas imunossupressoras sempre que não houver contraindicações. O tratamento da PIFI baseia-se na hipótese inflamatória da doença, com expectativa de que a resolução do componente inflamatório possa prevenir a subsequente formação/progressão de fibrose. Os pacientes com doença leve-moderada pela avaliação de prova de função pulmonar devem ser considerados para tratamento medicamentoso, estudos recentes têm mostrado benefício com os agentes bloqueadores de receptores de tirokinases, essas medicações mostraram diminuições de exarcebações e declínio mais lento de função pulmonar. O nintedanib em dose de 150 mg 2 vezes ao dia e o imatinib por sua vez não mostrou benefícios em um estudo. Outra opção terapêutica é o pirfenidone, que é um agente antifibrótico que inibe o fator de crescimento beta é o TGF-b, a dose é de 1800 mg ao dia e também foi associado à diminuição de exacerbações agudas, mas com pouca diminuição do declínio da função pulmonar.

Os glicocorticoides podem apresentar resposta em cerca de 10% dos pacientes, resposta radiográfica com diminuição da opacidade em vidro despolido pode ocorrer, mas o efeito na evolução da doença é relativamente pequeno. Era recomendado realizar um teste terapêutico por 3-6 meses com glicocorticoides e observar se ocorre melhora em parâmetros fisiológicos, caso negativo a medicação deveria ser retirada, atualmente essa abordagem não tem sido recomendada, exceto em situações em que não exista disponibilidade do ninfetanib ou do pirfenidone, ainda assim a maior parte dos autores não recomenda mais o uso rotineiro de glicocorticoides. Terapia combinada com glicorticoide, azatioprina e n-actilcisteína é sugerida pela literatura, em um estudo em que a n-acetilcisteína  600 mg por três vezes ao dia combinado a prednisona e azatioprina foi superior ao uso dos imunossupressores isoladamente, com diminuição da velocidade da queda da capacidade vittal e da DLCO, posteriormente um segundo estudo mostrou aumento de mortalidade com essa abordagem e por este motivo foi abandonada. A dose típica do corticoide é prednisona 0,5 mg/Kg de peso e a azatioprina em geral dose de 2mg/Kg de peso, em geral a terapia combinada é mantida por oito semanas quando depois o paciente é reavaliado.

A colchicina era utilizada devido ao seu efeito antifibrótico, por diminuir o processamento intracelular de colágeno, aumento da expressão das enzimas degradadoras de colágeno e supressão da liberação pelos macrófagos por fatores e crescimento de fibroblasto, não existem grandes evidências de seu benefício e, portanto, seu uso não é recomendado.

A pirferidona, mostrou também benefício para fibrose associada a síndrome de Hermansky-Pudlak que cursa com albinismo óculo-cutâneo e alterações plaquetárias. O uso de antagonistas de receptores da endotelina como o bosentan não mostrou benefícios, também as estatinas estão sendo avaliadas nesses pacientes. A associação da doença com tromboembolismo venoso foi avaliada e alguns autores sugerem que anticoagulação pode ser benéfica com diminuição de mortalidade em um pequeno estudo.

Em algumas séries pode ocorrer refluxo gastroesofágico em até 90% dos pacientes com FIP, o tratamento adequado pode auxiliar o controle da doença. Outras medicações avaliadas incluem interferon, ciclofosfamida,  ciclosporina, etarnecept, penicilamina e ciclosporina, mas ainda não existem evidências para seu uso.

Exacerbações agudas podem ocorrer por infecções, tromboembolismo, pneumotórax ou disfunção cardíaca e por vezes idiopática, são associadas com piora importante de prognóstico, critérios para sua definição incluem:

 

-Diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática;

-Aparecimento ou piora da dispneia nos últimos 30 dias;

-TC de alta resolução com anormalidades novas com infiltrado em vidro opaco ou consolidações ou padrão em “favo de mel”;

-Sem evidência de infecção respiratória em aspirado traqueal ou lavado broncoalveolar;

-Exclusão de diagnósticos alternativos.

 

Na presença desses cinco critérios temos uma exacerbação suspeita, pacientes com novas alterações tomográficas de padrão periférico apresentam melhor prognóstico. O tratamento inclui antibióticos de amplo espectro e, devido ao mau prognóstico, corticoterapia com prednisona 1 mg/Kg ao dia por via oral ou metilprednisolona 1-2 mg/Kg EV, pode ser necessário ventilação invasiva mas a taxa de insucesso é alta chegando a 78%, recorrência é comum.

 

A pneumonia intersticial fibrosante ou  fibrose intersticial idiopática é a maior causa de referenciamento para transplante pulmonar, os pacientes que devem ser considerados para indicação de transplante pulmonar incluem:

 

-DLCO < 40% do predito;

-CVF < 80% do predito;

-Dispneia ou limitação funcional significativa;

-SaO2 < 90%.

 

Referências

Raghu G, Collard HR, Egan JJ, et al. An official ATS/ERS/JRS/ALAT statement: idiopathic pulmonary fibrosis: evidence-based guidelines for diagnosis and management. Am J Respir Crit Care Med 2011; 183:788.

 

King TE Jr, Pardo A, Selman M. Idiopathic pulmonary fibrosis. Lancet 2011; 378:1949.

 

Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes Brasileiras de doenças pulmonares intersticiais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. v.38, Suplemento 2, p. S1-S133 junho 2012.

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