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Avaliação da Dor Escrotal Aguda

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 11/07/2018

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Existe um grande espectro de condições que podem afetar os testículos, desde condições agudas que necessitem de intervenção no departamento de emergência (DE) até condições benignas que podem ser manejadas ambulatorialmente. As causas mais comuns de dor escrotal aguda são as epididimites e as torções do testículo.

Um atraso no tratamento da torção testicular além de 6 horas é associado a um risco aumentado de perda testicular e infertilidade. Entre as causas de dor escrotal aguda, há, ainda, condições cirúrgicas emergentes, como a gangrena de Fournier e hérnias encarceradas, enquanto outras exigem terapias menos invasivas e dependentes do tempo, como antibióticos para epididimite e observação para massas benignas ou torção dos testículos.

O testículo normal é relativamente simétrico, ovoide, com cerca de 3 a 5cm, e ambos os testículos são de igual massa e volume. O testículo esquerdo frequentemente é maior do que o direito, porque seu fluxo sanguíneo é drenado na veia cava que trabalha em sistema de baixa pressão, enquanto o direito drena para a veia renal relativamente pequena e de alta pressão.

Um testículo normal é encontrado no eixo vertical com uma ligeira inclinação para a frente, e o epidídimo está acima do polo superior na posição posterolateral. Um testículo pode ser um pouco maior que o outro e ficar em posição relativamente mais alta em comparação com o outro. O epidídimo, por sua vez, consiste em uma estrutura tubular localizada póstero-lateralmente ao testículo e normalmente sendo mais firme e armazenando o esperma produzido nos testículos; também tem função na maturação do esperma armazenado.

 

Manifestações Clínicas

 

As manifestações são dependentes da etiologia. Os pacientes que procuram o DE geralmente relatam um aparecimento súbito de dor de progressão rápida no escroto, no abdome ou na área inguinal que os impede de dormir ou se desenvolve várias horas após a atividade física. Apesar de um curto período de tempo desde o início dos sintomas até a apresentação favorecer a torção, não pode ser usado de forma confiável para diferenciá-lo de outras causas de dor escrotal.

Em um grande estudo, 72% dos pacientes de torção apresentaram mais de 12 horas após o início dos sintomas. Até 29% dos pacientes com torsão testicular descrevem dor similar no passado, causada por torsão intermitente anterior em um testículo predisposto. A causa mais comum de dor testicular é a orquiepididimite, com mais de 600 mil casos ao ano nos EUA.

A maioria dos casos tem etiologia infecciosa com N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis como etiologias. Os pacientes apresentam dor testicular localizada, com hipersensibilidade à palpação e edema do epidídimo afetado, normalmente na porção posterior dos testículos. Em casos avançados, podem se apresentar eritema local e hidrocele.

A torção testicular, por sua vez, é uma emergência urológica, podendo ocorrer em qualquer idade, mas principalmente em neonatos e crianças pós-púberes, sendo a causa de dor testicular com indicação de admissão hospitalar em 25 a 40% dos casos. Estudos mostram que a torção testicular está presente em 3 a 17% das crianças trazidas para o DE com dor escrotal. Tem uma incidência bimodal com picos no primeiro ano de vida e na puberdade, quando o rápido aumento do volume testicular predispõe o testículo a torção.

Até 40% dos casos ocorrem em adultos, podendo ocorrer espontaneamente ou após um evento precipitante como trauma local. É mais comum nos meses de inverno, presumivelmente porque a baixa temperatura ambiente induz a contração dos músculos cremastéricos.

A torção testicular ocorre devido à fixação inadequada do polo inferior dos testículos à túnica vaginal, que é comumente um defeito congênito do testículo, que pode resultar em rotação testicular anormal durante a contração cremastérica. Isso leva à torção do cordão espermático, resultando em obstrução da saída venosa, subsequente fluxo arterial comprometido e isquemia testicular.

Em crianças, é comum a torção testicular cursar com dor de aparecimento noturno, o que perturba o sono; em adultos, os sintomas geralmente iniciam-se algumas horas após atividade física vigorosa ou traumas testiculares menores; o edema escrotal aparece precocemente, enquanto o eritema ocorre tardiamente e pode ser sinal de pouca viabilidade dos testículos.

Os pacientes geralmente relatam náuseas e vômitos ou dor abdominal causada pela estimulação reflexa do gânglio celíaco. Como até 10% dos casos de torção podem apresentar dor abdominal sem dor escrotal, o escroto deve ser examinado em todos os pacientes com dor abdominal.

Um paciente com história de dor testicular após trauma tem bem menos chance de ter torção testicular como seu diagnóstico, mas, aproximadamente, 10% dos pacientes com torsão testicular relatam um trauma contuso escrotal agudo anterior, que pode ter sido o fator precipitante da torção testicular. Deve-se ter cuidado em não interpretar erroneamente os sintomas de torção testicular como secundários ao trauma.

O exame físico é muito mais confiável do que a história na determinação da presença de torsão testicular. O reflexo cremastérico geralmente está ausente em pacientes com torção; no entanto, sua presença não pode ser usada para descartar a torção. Os pacientes com torção frequentemente têm um testículo firme e macio que pode ser maior do que o testículo contralateral devido ao encurtamento do cordão espermático enquanto torce.

A torção também pode deixar o testículo na posição transversal e deslocar o epidídimo da sua localização usual ao longo do aspecto posterior do escroto. Muitas vezes, o escroto do paciente está tão edemaciado que um exame físico completo é impossível. Após 24 horas, o exame físico não é particularmente útil porque muitos dos achados mencionados não estão mais presentes.

O resgate testicular depende do grau de torção e da duração da isquemia, sendo possível reparar a torção suavemente a partir da linha média; o alívio da dor indica o sucesso da manobra. A torção que apresenta no DE dentro de 6 horas está associada a taxas de recuperação testicular de 80 a 100%, enquanto os sintomas que persistem por mais de 6 horas apresentam melhora apenas em 44% dos casos; após 12 horas de sintomas, alguns estudos sugerem que não existe mais viabilidade nos testículos.

 

 

Diagnóstico Diferencial e Exames Complementares

 

Qualquer paciente com início agudo de dor escrotal em quem o diagnóstico de torção não pode ser descartado deve ser submetido a testes diagnósticos. Deve-se lembrar que, apesar de a torção testicular ou a orquiepididimite serem os principais diagnósticos diferenciais, outras etiologias devem ser consideradas. A gangrena de Fournier, por exemplo, cursa com dor escrotal significativo, edema tenso normalmente iniciando-se em períneo e parede abdominal com irradiação para os testículos.

A torção do apêndice testicular é um diagnóstico praticamente exclusivo de crianças e tem apresentação e evolução mais lentas e graduais que a torção testicular. O trauma testicular pode cursar com hematocele ou ruptura testicular. Após procedimentos de vasectomia, podem ocorrer dor e edema pós-procedimento, normalmente de caráter limitado e manejados com anti-inflamatórios não esteroidais e medidas locais.

A hérnia inguinal pode cursar com dor escrotal, mas, comumente, os sintomas ficam em região inguinal. Outros diagnósticos diferenciais incluem a orquite após caxumba, câncer testicular e patologias de órgãos adjacentes com dor referida em região testicular. Em pacientes em que a história sugere fortemente a torção, é necessária uma consulta cirúrgica de emergência. Se o diagnóstico for duvidoso, devem ser realizados testes para determinar a causa da dor.

Embora os resultados do exame de urinálise sugestivos de infecção sejam consistentes com a epididimite, tais achados também podem ser observados em pacientes com torsão e infecção urinária concomitante. No exame de imagem, a ultrassonografia (USG) tem sensibilidade de 64 a 100% e especificidade de 97 a 100%. O testículo torcido tipicamente é hipoecoico e com uma diminuição de fluxo ao doppler; por outro lado, um fluxo sanguíneo normal era presente em 33 de 34 pacientes avaliados, devido à dor escrotal, os quais tinham torção testicular, o que mostra uma boa especificidade do exame.

Os achados falsos negativos ocorrem quando o testículo é examinado no início da doença, quando o fluxo sanguíneo ainda está presente e com torção intermitente. O exame do cordão espermático para a torção, em vez do próprio testículo, mostrou reduzir a frequência desses resultados falso-negativos. Os estudos com Doppler podem ser mais difíceis de interpretar em meninos mais jovens, pois o fluxo sanguíneo é fisiologicamente baixo nos testículos de meninos prepúberos.

Até 50% dos meninos com menos de 8 anos não apresentam fluxo intratesticular. Essa dificuldade com o Doppler pode resultar em diagnósticos falso-positivos, o que poderia levar a uma exploração cirúrgica desnecessária. A comparação com o testículo contralateral pode ajudar a evitar esse diagnóstico errado, pois, em pacientes normais, o fluxo sanguíneo para os dois testículos será semelhante.

O achado do Doppler colorido do testículo depende do grau de torção do cordão espermático. Com 180º ou menos de torção do cordão, o fluxo venoso testicular cessa, mas o fluxo arterial persiste. Isso leva ao edema do testículo, o que pode ser mal interpretado como inconsistente com a torção. Em contraste, com mais de 180º de torção do cordão, o fluxo arterial também cessa, levando à falta de sinal Doppler. A textura do eco parenquimatoso na USG pode ajudar a prever a viabilidade do testículo. Uma textura de eco homogênea do parênquima tem sido associada a uma maior probabilidade de recuperação testicular.

A imagem de ultrassom doppler colorido é um teste barato e rápido, prontamente realizável no DE. É útil quando demonstra torção em pacientes com achados equívocos na história e exame físico, mas não possui sensibilidade suficiente para descartar o diagnóstico de torção. Uma análise de 669 USGs escrotais apresentou um valor preditivo negativo de 98% para torsão.

Um urologista deve avaliar qualquer paciente em que os achados de USG sejam negativos se a história e o exame físico sugerirem torção. Além disso, uma USG nunca deve atrasar a avaliação por um urologista em qualquer paciente com provável torção. A ressonância nuclear magnética (RNM) e a cintilografia por radionuclídeos do escroto também foram usadas para diagnosticar a torção testicular, mas são demoradas. Eles foram amplamente substituídos pela USG. Em pacientes em que o diagnóstico de torção testicular não pode ser excluído pelo exame físico ou USG, é recomendado realizar a exploração cirúrgica.

 

Manejo

 

O primeiro passo no manejo da torsão testicular suspeita é a consulta imediata com um urologista, com o reparo da torção testicular e fixação do testículo para evitar a recorrência. Quanto mais tempo o cordão espermático permanece torcido, menor a probabilidade de recuperação testicular. Além disso, a consulta precoce permite que o urologista acompanhe o paciente na USG; assim, as imagens podem ser revistas em tempo real com o radiologista.

Após a consulta, o acesso IV é estabelecido e a analgesia é fornecida sistematicamente ou com um bloco do cordão espermático. Se o urologista não estiver prontamente disponível, a reversão da torção manual é indicada. O alívio deve ser sentido quando o operador gira o testículo afetado longe da linha média, como se girasse as páginas de um livro. Se essa manobra é bem-sucedida, os pacientes referem melhora imediata dos sintomas.

Se apenas uma melhora parcial da dor for notada, uma tentativa deve ser feita para desencadear 360º passados, pois um maior grau de rotação pode estar presente. Se a dor aumenta ou não há alívio, deve-se considerar reverter a direção da redução porque até um terço dos casos podem ser torcidos lateralmente. O uso de USG pode ajudar a orientar esse procedimento.

Além disso, a avaliação por um urologista nunca deve ser adiada para realizar esse ou qualquer outro teste ou manobra. Independentemente do resultado da reversão manual ou da duração dos sintomas antes da apresentação, os pacientes ainda necessitam de avaliação cirúrgica. Um cirurgião pode confirmar a redução e estabilizar os testículos com orquiopexia. Mesmo para sintomas com duração superior a 24 horas, o resgate testicular é possível para a torção incompleta, e a orquiopexia pode ajudar a prevenir a recorrência. A remoção de um testículo necrótico acelera a recuperação.

O diagnóstico rápido da torção testicular é essencial e deve ser seguido por exploração escrotal cirúrgica emergente e orquiopexia bilateral se necessário. A perda do testículo, geralmente, é resultado do atraso na busca de atendimento médico. No entanto, quase 30% dos casos de resgate testicular falhado foram atribuídos a diagnósticos errados e outros 13% a um atraso no tratamento após o diagnóstico adequado ter sido estabelecido.

O diagnóstico misto quase sempre leva à orquiectomia e representa uma fonte comum de litígio. Em pacientes com orquiepididimite, o tratamento é sintomático com anti-inflamatórios e medidas locais; o uso de antibióticos como cefuroxima e azitromicina é recomendado.

 

Referências

 

1-Germann CA, Holmes JA. Selected urologic problems in Rosen’s Emergency Medicine 2016.

2-Tajchner L, Larkin JO, Bourke MG, et al. Management of the acute scrotum in a district general hospital: 10-year experience. ScientificWorldJournal 2009; 9:281.

3-Davis JE. Male genital problems in Tintinalli Emergency Medicne 2016.

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