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Intoxicações por Cogumelos

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 22/04/2019

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Os cogumelos são uma exposição tóxica comum, com mais de 6 mil exposições a cogumelos venenosos. Felizmente, casos graves são raros, e apenas seis mortes foram relatadas diretamente relacionadas à intoxicação por cogumelos nos EUA em 2012, sendo mais da metade em crianças com menos de 6 anos de idade.

Existem cerca de 10 mil espécies de cogumelos pelo mundo, dos quais cerca de 50 a 100 são potencialmente tóxicos. Não existem diferenças facilmente reconhecíveis entre cogumelos não venenosos e venenosos; em 95% dos casos, não é possível reconhecer o cogumelo responsável por uma intoxicação específica. Toxinas de cogumelo não são sensíveis ao calor; portanto, não são destruídas ou desativadas por cozimento, enlatamento, congelamento, secagem ou outros meios de preparação de alimentos.

Dependendo do tipo de cogumelo envolvido, os efeitos adversos da ingestão variam desde sintomas gastrintestinais leves a grandes efeitos citotóxicos, resultando em falência de órgãos e morte. A toxicidade varia com base na quantidade ingerida, na idade do cogumelo, na estação do ano, na localização geográfica e na maneira como o cogumelo foi preparado antes da ingestão. Uma pessoa pode apresentar efeitos significativos, enquanto outros podem ser assintomáticos após a ingestão do mesmo cogumelo.

A toxicidade dos cogumelos é dividida em toxicidade precoce (dentro de 2 horas após a ingestão) e toxicidade retardada (6 horas a 20 dias depois). Considerando a dificuldade em relação à identificação de cada cogumelo, o manejo das intoxicações é realizado pelos sintomas do paciente e de acordo com a síndrome clínica que se enquadra, e não por tentativas de identificação de cogumelos.

Quase todas as mortes nos EUA e na Europa ocorrem por ingestão de cogumelos da espécie Amanita (Amanita phalloides, Amanita virosa e Amanita bisporigera), não identificados como tóxicos. Se há suspeita de ingestão de Amanita, a identificação da espécie pode ser útil, mas é difícil, pois há muitos que não são tóxicos. As espécies Amanita, geralmente, têm verrugas na capa (o que lhes confere uma aparência manchada). O caule tem, caracteristicamente, um anel de membrana ao redor e se alarga ao entrar no solo.

 

Manifestações Gastrintestinais Precoces (<6 Horas Da Ingestão)

 

A maioria das intoxicações induzidas por cogumelos é caracterizada por sintomas gastrintestinais, de leves a moderados, e não necessita de procura do departamento de emergência (DE), ocorrendo muito frequentemente com a ingestão de cogumelos encontrados em jardins. O C. molibdit é um dos mais comuns e pode, eventualmente, causar sintomas graves que não costumam ocorrer com outros cogumelos.

Os sintomas costumam ocorrer cerca de 1 a 3 horas após a ingestão com quadro agudo de vômitos e diarreia. Os pacientes podem apresentar dor abdominal em cólica, calafrios, cefaleia e mialgias. A diarreia, geralmente, é aquosa, mas pode ser sanguinolenta com leucócitos fecais presentes. Os sintomas, em geral, desaparecem em 24 horas, mas podem durar até vários dias.

Vômitos e diarreia podem causar desidratação e desequilíbrio eletrolítico. A apresentação pode ser confundida com gastrenterite aguda ou intoxicação alimentar aguda se o paciente não oferecer a história de ingestão de cogumelos. Os cogumelos Amanita Smithiana também podem causar quadro agudo de gastrenterite, mas evoluem depois com quadro de lesão renal aguda em 24 horas; assim, deve-se estar atento a essa possibilidade em pacientes com história de ingestão de cogumelos e quadro gastrintestinal.

Em pacientes muito sintomáticos, pode-se considerar a utilização de carvão ativado de 0,5 a 1,0g/kg, VO, ou via sonda nasogástrica, mas essa conduta não se aplica a pacientes que procuram o DE sem sintomas. O tratamento é, principalmente, de suporte e inclui reposição de fluidos e eletrólitos quando necessário. O uso de antieméticos pode ser realizado, mas não se indica o uso de agentes antidiarreicos, porque podem prolongar a exposição à toxina. Na maioria dos casos, os sintomas são autolimitados, resolvendo-se dentro de 12 a 24 horas.

Uma vez que o vômito tenha diminuído e o paciente esteja tolerando fluidos orais, a alta do DE é segura. Raramente, os sintomas persistem, e a hospitalização pode ser necessária para reposição de fluídos e eletrólitos. Recomenda-se o retorno ambulatorial em até 5 dias.

 

Manifestações Neurológicas Precoces

 

Várias classes de cogumelos podem causar sintomas neurológicos. Esses incluem os cogumelos alucinógenos (“cogumelos mágicos”) que contêm a psilocibina e a psilocina. A psilocina atua nos neurônios serotoninérgicos no sistema nervoso central (SNC), causando efeitos semelhantes aos da dietilamida do ácido lisérgico (LSD). Os do gênero Psilocybe são pequenos cogumelos marrons ou dourados que, comumente, crescem em climas mais quentes; eles, caracteristicamente, se tornam azuis esverdeados quando cortados.

Cogumelos contendo os derivados isoxazol, o ácido ibotênico e o muscimol também têm efeitos neurológicos; acredita-se serem mediados pelo ácido ?-aminobutírico e atividade anticolinérgica. Nesse caso, a Amanita muscaria é o principal representante desse grupo de cogumelos, e é facilmente identificável. Os sintomas, geralmente, se desenvolvem de 30 minutos a 2 horas após a ingestão de cogumelos alucinógenos, incluindo euforia, imaginação desvairada, perda do sentido do tempo e distorções visuais ou alucinações.

Taquicardia e hipertensão podem ser notadas devido à presença de feniletilamina em cogumelos contendo psilocibina. Febre e convulsões foram relatadas em casos raros. Os sintomas costumam durar de 4 a 12 horas. Há relatos pouco frequentes de flashbacks por até 4 meses após a ingestão, particularmente em associação com outras substâncias que alteram a cognição, como o álcool ou a maconha.

Os cogumelos contendo isoxazol, geralmente, apresentam sintomas dentro de 30 minutos a 3 horas após a ingestão. Sinais de intoxicação muscarínica são os primeiros a aparecer (náuseas, vômitos, diarreia, vasodilatação, diaforese, salivação). Posteriormente, os pacientes apresentam sintomas anticolinérgicos como os associados à atropina, que ocorrem cerca de 30 minutos após a ingestão (midríase, xerostomia, temperatura elevada, aumento da pressão arterial), juntamente com sonolência, ansiedade, tontura, fotossensibilidade, euforia, hiperatividade motora, ataxia, contrações musculares, alucinações e alterações sensoriais. Convulsões foram relatadas em crianças.

Os sintomas são, tipicamente, autolimitados, resolvidos dentro de 4 a 6 horas após a ingestão. Cefaleia e fadiga podem ocorrer no dia seguinte à ingestão, podendo durar até algumas semanas. O tratamento para ingestão de cogumelos alucinógenos é, principalmente, de suporte. O paciente deve, idealmente, permanecer em uma sala escura, silenciosa, sem estímulos visuais, e segura. Se a sedação for necessária, os benzodiazepínicos, como o diazepam ou o lorazepam, são indicados. Não devem ser usados agentes anticolinérgicos porque eles podem agravar o delirium.

Os pacientes com a ingestão sintomática de cogumelos contendo isoxazol podem receber carvão ativado. Não deve ser administrado xarope de ipeca devido ao potencial para depressão do SNC e convulsões, que colocam o paciente em risco de aspiração. Considera-se o tratamento com fisostigmina apenas para pacientes com sintomas anticolinérgicos graves.

A fisostigmina pode produzir bradicardia, hipotensão e convulsões, sendo, por esse motivo, evitada em casos menos drásticos. A dose é de 1 a 2mg, IV, em adultos e 0,5mg, IV, em crianças, administradas lentamente. Devem ser monitorados os efeitos cardiorrespiratórios e a pressão arterial durante a administração. A decisão de alta do DE varia de acordo com a duração dos sintomas e a necessidade de sedação ou intubação farmacológica contínua.

 

Sintomas Muscarínicos Precoces

 

A muscarina foi a primeira toxina de cogumelos a ser identificada. Cogumelos dos gêneros Inocybe e Clitocybe são causas comuns de intoxicação muscarínica. Os cogumelos Inocybe são pequenos e marrons. Os cogumelos Clitocybe são, em geral, encontrados individualmente em gramados e parques e apresentam coloração de branco a cinza, com uma tampa em forma de copo. A A. muscaria, apesar de seu nome, contém muito menos muscarina que esses outros grupos e, raramente, causa sintomas colinérgicos. Cogumelos contendo isoxazol podem causar sintomas muscarínicos transitórios logo após a ingestão.

A muscarina é um composto parassimpaticomimético, que é estável ao calor e semelhante à acetilcolina. Não é degradado pela colinesterase e, portanto, tem uma longa duração de ação. Os receptores de acetilcolina no coração, glândulas e músculo liso são ativados pela muscarina. Os cogumelos contendo muscarina causam sintomas neurológicos e efeitos muscarínicos ou colinérgicos.

Os efeitos costumam ocorrer 30 minutos após a ingestão com uma síndrome de hipersalivação, lacrimejamento, micção, defecação, hipermotilidade gastrintestinal, broncoespasmo e êmese. Além desses sintomas, os pacientes com ingestões de muscarina podem desenvolver diaforese, fasciculações musculares, miose, bradicardia e broncorreia. Os sintomas, em geral, desaparecem espontaneamente em 4 a 12 horas.

Na maioria dos casos, os sintomas muscarínicos são leves e autolimitados. O tratamento de suporte é suficiente. Como a êmese é um sintoma comum de apresentação, a administração de carvão ativado é, frequentemente, difícil. Pacientes com vômitos graves podem necessitar de reposição de líquidos e eletrólitos. A atropina é um antídoto para os sintomas muscarínicos, e pode ser administrada em pacientes com sintomas graves. Pode ser eficaz no tratamento de bradicardia e hipotensão não responsiva à administração de fluidos IV. A atropina também é útil no tratamento de diaforese, aumento das secreções orais e broncorreia.

A dose é de 0,5 a 1,0mg, IV, para adultos e 0,01mg/kg, IV, para crianças (dose mínima, 0,1mg; máximo, 1mg). A dose pode ser repetida conforme necessário para controlar broncorreia, bradicardia ou hipotensão. Grandes doses podem ser necessárias para tratar a toxicidade grave. Os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados durante a administração.

Oxigênio e ß-agonistas inalados (albuterol) são recomendados para o tratamento de pacientes com secreções oníricas e broncoespasmo. Como os sintomas frequentemente desaparecem dentro de 12 horas após a ingestão, muitos pacientes podem ser liberados com segurança do DE após observação quando os sintomas diminuírem.

 

Toxicidade Gastrintestinal e Hepática Tardias (Após 6 Horas da Ingestão)

 

Cogumelos de dois gêneros diferentes, Gyromitra e Amanita, causam toxicidade significativa, que caracteristicamente se apresenta várias horas após a ingestão. O Gyromitra esculenta (o falso morelo) é uma causa incomum de intoxicação na América do Norte, mas é mais comum na Escandinávia e na Europa. O G. esculenta tem um topo marrom e convoluto que lembra um cérebro. A. phalloides e A. bisporigera são comuns no Hemisfério Norte e no Oriente Médio. Cogumelos do gênero Amanita são responsáveis por 95% das mortes associadas a cogumelos.

A giromitrina (N-metil-N-formilidrazona) é uma toxina instável ao calor, volátil, e é a principal responsável pelos sintomas. A giromitrina (metabolizada até N-metil-hidrazina) liga-se à piridoxina e interfere com enzimas que requerem a piridoxina como cofator. O ácido ?-aminobutírico é reduzido no SNC, o que pode ser uma causa de convulsões associadas.

A N-Metil-N-formil-hidrazina é convertida em um radical livre no fígado e causa necrose hepática local, bloqueando a atividade do sistema do citocromo P-450, glutationa e outros sistemas de enzimas hepáticas. Esses dois produtos químicos atacam o SNC e o fígado. Os pacientes apresentam quadro de náuseas, vômitos e diarreia de 6 a 10 horas após a ingestão, que podem ser intensos. A hipovolemia é comum durante essa fase de toxicidade. Em casos graves, a insuficiência hepática é evidente no dia 3 e pode resultar em morte já no dia 7.

Os sintomas hepáticos podem evoluir, inclusive, com insuficiência hepática fulminante. Os níveis séricos de transaminases podem ser bastante elevados. A hipoglicemia ocorre durante a fase gastrintestinal e, novamente, na fase aguda da insuficiência hepática. Os sintomas gastrintestinais iniciais podem ser acompanhados por tontura, cefaleia, convulsões, incoordenação e câimbras musculares. Os sintomas gastrintestinais iniciais se resolvem dentro de 2 a 5 dias.

Pacientes que ingerem cogumelos contendo giromitrina apresentam dano hepatocelular difuso e nefrite intersticial. Pacientes que ingerem cogumelos contendo amatoxina apresentam degeneração gordurosa do fígado, com extensa necrose hepática. A microscopia eletrônica mostra vacuolização da mitocôndria e aglomeração da cromatina nos nucléolos. Existem extensas alterações na peroxidação lipídica no núcleo e no citoplasma.

Em uma ingestão leve, os sintomas neurológicos persistem por vários dias e se resolvem sem sequelas. Os pacientes que ingerem cogumelos contendo amatoxina também apresentam um atraso no início dos sintomas gastrintestinais (6 a 24 horas). A mortalidade pela ingestão de Gyromitra é estimada em 15 a 35%, sendo, geralmente, atribuída a insuficiência hepática, insuficiência renal ou distúrbios hidroeletrolíticos. Em séries mais recentes, a mortalidade é de 10 a 15%, devido à melhoria da assistência insuficiência hepática e ao transplante hepático.

O diagnóstico da toxicidade da giromitrina costuma ser presumido a partir das características clínicas e da identificação do cogumelo ingerido, tanto pelo paciente quanto pelas amostras. A. phalloides é uma causa importante de insuficiência hepática aguda; esse cogumelo contém várias toxinas. As amatoxinas são rapidamente absorvidas pela mucosa intestinal; são levadas ao fígado e entram na circulação êntero-hepática, o que resulta em exposição prolongada à toxina após a ingestão.

As amatoxinas não são ligadas a proteínas, mas são ativamente transportadas para hepatócitos, onde se ligam à RNA polimerase II e inibem a formação de RNA mensageiro. A formação de radicais livres também pode estar envolvida na toxicidade. Existem quatro fases no envenenamento por amatoxina. O primeiro estágio é caracterizado pela ausência de sinais ou sintomas e dura até 24 horas após a ingestão.

Durante as 12 a 24 horas do segundo estágio, sintomas gastrintestinais como cólicas abdominais intensas, náuseas, vômitos e diarreia dominam o quadro clínico. Tanto as fezes quanto o vômito podem ficar com sangue. Embora a sensibilidade do quadrante superior direito e a hepatomegalia possam ser notadas, os resultados dos testes de função hepática costumam ser normais. Os pacientes que se apresentam nessa fase são, com frequência, diagnosticados erroneamente com gastrenterite.

A terceira fase, ou de convalescença, dura de 12 a 24 horas. Durante esse estágio, o paciente sente-se e parece melhor, mas os níveis de enzimas hepáticas, como aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase e bilirrubina, começam a subir, anunciando o aparecimento de danos no fígado. A função renal também pode se deteriorar. No quarto e no último estágios, que começa de 2 a 4 dias após a ingestão, os níveis de transaminases aumentam drasticamente e a função hepática e renal se deteriora.

Hiperbilirrubinemia, coagulopatia, hipoglicemia, acidose, encefalopatia hepática e síndrome hepatorrenal podem ocorrer. Em ambos os casos, pode ocorrer aumento do tempo de protrombina e não responsivo à administração de vitamina K ou plasma fresco congelado. Os pacientes com intoxicação por Amanita podem cursar com elevação de amilase e lipase, embora a pancreatite sintomática seja rara.

Achados laboratoriais anormais incluem diminuição de neutrófilos, linfócitos e plaquetas e resultados anormais da função tireoidiana. Hipofosfatemia (principalmente observada em crianças), hipocalcemia e níveis elevados de insulina ocorrem. Nenhuma dessas anormalidades laboratoriais se correlaciona com a doença clínica, e sua causa é desconhecida.

O teste colorimétrico de Meixner é usado para procurar a presença de amatoxina. Embora ele seja sensível, não é muito específico, e outros cogumelos podem dar um resultado positivo. Testes utilizando cromatografia líquida de alta performance e radioimunoensaio foram desenvolvidos para detectar a amatoxina. Infelizmente, esses testes não estão disponíveis e são usados com mais frequência em cenários de pesquisa.

A amatoxina pode ser detectada no plasma, na urina, no conteúdo do trato gastrintestinal e nas fezes. No entanto, a sua presença apenas confirma intoxicação por amatoxina. Os níveis parecem não se correlacionar com a gravidade clínica, e ela pode não ser detectada em muitos pacientes, presumivelmente por causa da depuração rápida.

É recomendado administrar carvão ativado ao paciente que apresenta vômito grave e diarreia dentro de algumas horas após a ingestão de cogumelos. Doses repetidas de carvão, pelo menos, nas primeiras 24 horas podem ser eficazes, particularmente na presença de amatoxina (porque sofre circulação êntero-hepática).

A reposição de líquidos e eletrólitos é importante na gastrenterite grave. A glicemia deve ser monitorada, particularmente em pacientes que desenvolvem hepatite. A hipoglicemia é uma das causas mais comuns de morte na toxicidade por cogumelos. Todos os pacientes que ingeriram cogumelos contendo amatoxina ou giromitrina devem ser monitorados de perto por 48 horas para o desenvolvimento de insuficiência hepática e renal. Os níveis de eletrólitos, os níveis de enzimas hepáticas e o tempo de protrombina devem ser monitorados várias vezes ao dia.

Os pacientes devem receber uma dieta hipoproteica e devem receber terapia de suporte padrão para insuficiência hepática. O plasma fresco congelado e a vitamina K podem ser usados para o tratamento do tempo prolongado de protrombina, mas, em muitos casos, a coagulopatia não responde ao tratamento. Os pacientes que desenvolvem insuficiência hepática devem ser monitorados e, em casos graves, devem ser feitos preparativos para o transplante hepático.

Devem ser tratados os sintomas neurológicos associados à giromitrina com alta dose de piridoxina. A piridoxina fornece o cofator necessário para a regeneração do ácido ?-aminobutírico. Doses elevadas de piridoxina, 25mg/kg, IV, durante 30 minutos, até um máximo de 25g/dia, são recomendadas. A piridoxina não afeta o desenvolvimento ou curso da insuficiência hepática, e não existe terapia específica para a insuficiência hepática induzida pela giromitrina.

O carvão ativado, a silimarina e a N-acetilcisteína estão sendo utilizadas nesses pacientes. Acredita-se que o carvão seja benéfico ao reduzir a absorção da amatoxina quando ela é submetida à circulação êntero-hepática. Existem evidências de que a silimarina tenha efeitos hepatoprotetores adicionais, que resultam da estimulação da síntese proteica e da inibição da liberação do fator de necrose tumoral a em células hepáticas danificadas.

É administrada como dose de ataque de 5mg/kg por 1 hora, seguida por 20mg/kg por 6 dias. Esse tratamento não é, atualmente, aprovado pela Food and Drug Administration dos EUA. A N-acetilcisteína também é benéfica como meio de reduzir os metabólitos reativos, fornecendo grupos sulfidrila para essa finalidade. É administrada por via intravenosa em 3 doses sequenciais de 150mg/kg ao longo de 1 hora, 50mg/kg ao longo de 4 horas e 100mg/kg ao longo de 16 horas.

Apesar dessas terapias, a toxicidade da amatoxina pode levar à insuficiência hepática fulminante. Nos casos de insuficiência hepática induzida por amatoxina, a própria amatoxina é rapidamente absorvida e excretada, o que limita a utilidade da hemoperfusão e/ou hemodiálise. O uso de um novo dispositivo denominado de Molecular Adsorbent Recirculation SystemTM pode dar suporte à função hepática enquanto os hepatócitos se recuperam ou até que o transplante se torne viável.

Embora estudos randomizados controlados não estejam disponíveis, vários relatos de casos mostraram melhora da função hepática coincidindo com o uso desse dispositivo. O transplante de fígado ortotópico e o transplante parcial de fígado ortotópico auxiliar (uma parte do fígado nativo é removida e substituída por um enxerto até que a recuperação ocorra) são opções.

Altas dose de penicilina G e ceftazidima demonstraram capacidade de diminuir a captação de amanita pelos hepatócitos. Entretanto, essas terapias parecem ser menos efetivas do que o uso de silimarina. Os pacientes com suspeita de ingestão de cogumelos contendo amatoxina ou giromitrina devem ser admitidos e monitorados por 48 horas, com monitorização da função hepática e renal.

 

Insuficiência Renal Tardia

 

A insuficiência renal tardia pode ser observada após a ingestão de cogumelos Cortinarius, Mycena, Omphaletus e A. smithiana. As espécies de Cortinarius são encontradas principalmente na Europa. A orelanina e a ortinarina são toxinas nefrotóxicas em espécies de Cortinarius (C. orellanus, C. speciosissimus e C. gentilis). Essas toxinas são estáveis ao calor e seus mecanismos de ação não são bem conhecidos.

Acredita-se que a orelanina e seus derivados inibem a síntese proteica nos rins. O exame histopatológico indica nefrite intersticial com edema e infiltração de leucócitos, necrose tubular, ruptura da membrana basal e fibrose sem lesão glomerular em pacientes intoxicados por orelanina.

A norleucina alênica e clorocrotilglicina são as nefrotoxinas encontradas em A. smithiana. A norleucina alênica, por sua vez, induz necrose epitelial tubular renal com lesão renal, ocorrendo mais precocemente do que as lesões induzidas por orelanina. Os sintomas iniciais são inespecíficos - sintomas gastrintestinais, incluindo náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia não sanguinolenta, mialgias e tonturas. Ocasionalmente, parestesias, paladar anormal e disfunção cognitiva são relatados. Os sintomas começam várias horas a dias após a ingestão e podem persistir por 3 dias.

A intoxicação por orelanina pode ser confirmada por cromatografia de camada fina de amostras de biópsia renal ou testes de plasma para orelanina ou orelina, mas esses testes não são comumente disponíveis na prática clínica. Muitos pacientes que ingerem esses cogumelos nunca desenvolvem disfunção renal, o que sugere variabilidade na sensibilidade do hospedeiro aos seus efeitos tóxicos.

Não existe tratamento específico para pacientes que desenvolvem insuficiência renal por ingestão de cogumelos Cortinarius ou A. smithiana. Devem ser monitorados o débito urinário, os níveis de eletrólitos, cálcio, magnésio, ureia e creatinina. A hemodiálise é indicada para hipercalemia refratária, acidose refratária, sintomas urêmicos ou disfunção renal grave. Alguns pacientes apresentam retorno espontâneo da função renal normal, mesmo após iniciar hemodiálise.

Como a melhora espontânea é relatada, a indicação de transplante renal deve ser considerada apenas após vários meses para monitorar a resposta do paciente. O transplante renal tem sido utilizado em vários pacientes com êxito. Os pacientes com suspeita de ingerir cogumelos contendo orelanina ou ortinarina devem ser monitorados por, pelo menos, 72 horas para anormalidades eletrolíticas e insuficiência renal.

 

Reação Disulfiram

 

A reação disulfiram é causada por uma toxina de cogumelos contida no gênero Coprinus. É um cogumelo alto, branco e fino. O cogumelo contém coprine, que é uma substância quimicamente relacionada ao disulfiram. A coprina causa inibição da desidrogenase do álcool em até 2 horas após a ingestão, e a atividade pode durar até 72 horas. Se o álcool é consumido durante esse período sensível, os pacientes desenvolvem uma reação típica de disulfiram. Cogumelos ingeridos ao mesmo tempo que o álcool não produzem toxicidade.

Por causa do atraso entre o consumo de cogumelos e o de álcool, poucos pacientes associam seus sintomas à ingestão de um cogumelo. Os sintomas incluem cefaleia, flushing facial, parestesias de extremidades distais, gosto metálico, rubor, palpitações, dor torácica, taquicardia, palpitações, náuseas, vômito e diaforese.

Os sintomas, geralmente, duram de 2 a 4 horas, mas podem durar até 2 dias. A maioria dos sintomas é leve. O diagnóstico é feito com base na presença dos sintomas e sua associação com o consumo de álcool. Como o álcool é prontamente absorvido pelo trato gastrintestinal, a descontaminação gastrintestinal não é indicada e a administração de carvão não é benéfica.

Os pacientes, ocasionalmente, se tornam hipotensos e respondem à administração de fluidos IV ou, em casos refratários, à norepinefrina. A atividade simpática excessiva pode ser inibida pelos ß-bloqueadores. A maioria dos casos é autolimitada, e os pacientes podem receber alta, uma vez que podem tolerar a ingestão de líquidos orais. Antes da alta, os pacientes devem ser informados sobre a relação entre o consumo de álcool e a ingestão de cogumelos.

 

Dermatite

 

A dermatite pode ser causada por cogumelos shiitake, sendo comum no Japão, na China e na Coreia, e alguns casos foram relatados na Europa e nos EUA. A dermatite por shiitake é um eritema característico cujas pápulas lineares aparecem dentro de 1 ou 2 dias da ingestão de cogumelos shiitake crus ou cozidos.

A erupção tende a ser pruriginosa e também pode envolver manchas ramificadas de eritema e petéquias dispersas. Resultados da biópsia da pele são inespecíficos. O teste de alergia em indivíduos afetados é negativo. Devem ser tratados os sintomas com pomada de triancinolona a 0,1%, 2x/dia, e anti-histamínicos orais. Independentemente do tratamento, a erupção desaparece de forma espontânea sem hiperpigmentação em 1 a 4 semanas. A erupção cutânea é autolimitada, e nenhuma sequela foi relatada.

 

Referências

 

1-Brayer AF, Froula L. Mushroom poisoning in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2- Goldfrank LR. Mushrooms. In: Goldfrank's Toxicologic Emergencies, 9th ed, Nelson LS, Lewin NA, Howland MA, et al. (Eds), McGraw-Hill, New York 2011. p.1522.

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