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Intoxicação por Cádmio

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 04/08/2020

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Introdução

 

O cádmio (CD) é um metal que pode causar toxicidade agudaou crônica grave em humanos. A maioria dos casos de toxicidade pelo metal écausada por exposição crônica. A exposição crônica ao cádmio em baixo nívelpode afetar uma variedade de órgãos, sendo os rins e os ossos os principaisalvos. A toxicidade aguda é menos comum. Dependendo da via de exposição, atoxicidade aguda pelo metal afeta principalmente os pulmões e o tratogastrintestinal.

 

Exposição Humana Crônica

 

O cádmio é um metal pesado relativamente raro que ocorrenaturalmente em combinação com o zinco. A contaminação ambiental e aconsequente exposição humana ao cádmio aumentaram drasticamente nos últimos 100anos. Esse metal geralmente contamina o meio ambiente na forma de lixodoméstico, nas emissões industriais e no solo, como produtos contendo cádmiojogados no lixo doméstico, ou emissões de cádmio por mineração. O solo pode sercontaminado por emissões atmosféricas e esgoto. Os terrenos utilizados para aagricultura também podem conter cádmio, devido ao uso de fertilizantesfosfatados contendo o metal. Esse metal é prontamente absorvido pelas plantascultivadas em solo no qual ele está presente, principalmente grãos, arroz evegetais.

A exposição ao cádmio resulta principalmente da ingestãode alimentos contaminados e do trabalho em locais contaminados com o metal. Aingestão diária do metal por meio dos alimentos varia, em parte, por regiãogeográfica. Como exemplo, é relatado que a ingestão é de aproximadamente 8 a 30mcg na Europa e nos Estados Unidos, contra 59 a 113 mcg em várias áreas doJapão. A absorção gastrintestinal média é de 5%. Assim, a quantidade líquidaabsorvida de cádmio é de aproximadamente 1 a 2 mcg por dia na Europa e nosEstados Unidos e de até 5 mcg em áreas no Japão. A absorção gastrintestinal do metalna dieta é aumentada pela deficiência de ferro.

O tabagismo é uma via potencialmente importante deexposição ao cádmio. Indivíduos que fumam 20 cigarros por dia absorvem quase 1mcg de cádmio pelos pulmões, quantidade semelhante à absorvida pelos alimentosna Europa e nos Estados Unidos.

O local de trabalho constitui a fonte mais importante deexposição ao cádmio entre indivíduos envolvidos na produção desse metal e no seuuso industrial. As principais aplicações industriais de cádmio estão naprodução de ligas, pigmentos de galvanização e baterias de níquel-cádmio.Acredita-se que mais de 1 milhão de pessoas em todo o mundo estejam expostasocupacionalmente a esse metal.

A absorção gastrintestinal após ingestão oral érelativamente baixa, com as estimativas mais altas de biodisponibilidadelistadas em cerca de 10%. A absorção inalatória é muito mais eficiente, combiodisponibilidade de até 25%. A dose total absorvida depende do tamanho daspartículas inaladas. Partículas pequenas (< 0,1 micrômetro) têm maiorprobabilidade de penetrar nos alvéolos, onde ocorre a absorção de cádmio. O cádmioé transportado para o fígado, onde é sintetizada a metalotioneína, uma proteínade ligação ao cádmio e ao zinco. A metalotioneína serve como uma proteínadesintoxicante ao ligar o cádmio e impede que os íons livres do metal perturbemas funções celulares normais. Também é responsável pelo acúmulo pronunciado decádmio no fígado e nos rins.

A metalotioneína migra lentamente das células do fígadopara a corrente sanguínea, onde é transportada para os rins. Nas célulastubulares, a metalotioneína entra nos lisossomos, onde é degradada porlisozimas, liberando íons cádmio livres no citoplasma da célula tubular. Ascélulas tubulares renais têm capacidade considerável de sintetizarmetalotioneína, que liga os íons cádmio tóxicos. Em algum momento, no entanto,a capacidade desintoxicante dos rins é superada, e o cádmio livre causa danostubulares, inflamação intersticial e, eventualmente, fibrose e lesão glomerular.

 

Achados Clínicos na Exposição Crônica

 

A exposição crônica ao cádmio causa toxicidade nos rins enos ossos. A exposição crônica também pode estar associada ao câncer de pulmãoe ao enfisema.

 

1-           Alteraçõesrenais

 

Manifestações precoces incluem aumento da excreção deproteínas de baixo peso molecular, como beta2-microglobulina. Em quase todos oscasos, a proteinúria tubular é irreversível, mesmo que a exposição tenhacessado. Nos casos mais graves de toxicidade por cádmio, os pacientesapresentam evidências de lesão intersticial renal, incluindo os seguintesachados:

- glicosúria renal;

- aminoacidúria;

- perdas renais de fosfato;

- hipercalciúria;

- poliúria devido à diminuição da capacidade deconcentração;

- capacidade reduzida para lidar com uma carga ácida(NH4Cl).

 

Apesar dos danos tubulares, a doença renal não pareceprogredir na maioria dos indivíduos. Em um estudo de seguimento de cinco anoscom quase 600 indivíduos belgas com evidência inicialmente leve de dano tubulare diminuição da exposição ao cádmio, não houve evidência de dano renalprogressivo. Pode ocorrer, ainda, formação de cálculos renais secundários ahipercalciúria. Raros casos de doença renal terminal foram relatados, e níveisde cádmio entre 2 e 3 mcg/g de creatinina parecem ter maior risco de causardano renal. Fatores de risco para nefrotoxicidade induzida por cádmio incluemidade, diabetes melito e deficiência de ferro.

 

2-           Alteraçõesósseas

 

A doença óssea devida à exposição prolongada ao cádmiofoi relatada pela primeira vez no Japão, em uma área fluvial altamentecontaminada com o metal. A exposição ao cádmio foi causada pelo uso de água dorio contaminada na irrigação dos campos de arroz. A toxicidade pelo metalresultou em acometimento ósseo caracterizado por múltiplas fraturas, um padrãomisto de osteoporose e osteomalácia e danos renais. O diagnóstico deosteomalácia foi feito por manifestações clínicas, incluindo múltiplasfraturas, compressões vertebrais, encurtamento da estatura e outros achados deradiografia e autópsia. As biópsias ósseas geralmente não foram realizadas. Umaassociação dose-dependente da exposição ao cádmio com osteoporose e fraturasósseas foi descrita em vários estudos observacionais.

O mecanismo da doença óssea associada ao cádmio não é bemconhecido. Uma hipótese sugere que o acúmulo do metal nas células tubulares dosrins causa redução na ativação do calcidiol em calcitriol, resultando nadiminuição da absorção de cálcio do intestino e na mineralização ósseaprejudicada e, eventualmente, osteoporose ou osteomalácia. Outros mecanismospodem estar envolvidos. Um efeito tóxico direto do cádmio no osso é sugeridopor vários estudos epidemiológicos que documentaram associações entre aexposição ao metal e a menor densidade mineral óssea na ausência de qualquerevidência de lesão tubular renal.

 

3-           Alteraçõespulmonares

 

A incidência de câncer pulmonar aumenta com a exposiçãoao cádmio, com uma taxa de risco que varia entre 2 e 4 vezes. A exposiçãoinalatória contínua ao cádmio pode dar origem a doença pulmonar obstrutiva eenfisema.

 

4-           Alteraçõesneurológicas

 

Exposição a longo prazo ao cádmio pode levar a alteraçõescerebrais, e existem descrições de doença do neurônio motor pelo cádmio. Omecanismo, de forma similar às alterações renais, é secundário à metalotioneína,que pode causar alterações microvasculares com danos neuronais e aumento deestresse oxidativo. O cádmio pode atravessar a barreira placentária e éexcretado no leite, podendo ter efeito significativo no desenvolvimentoneuropsicomotor, mas também pode causar sintomas cognitivos, ataxia, entreoutras alterações, em pacientes adultos.

 

5-           Neoplasiasmalignas

 

Além do câncer de pulmão, tem sido descrito aumento dorisco de outras neoplasias, como:

- câncer de mama: parece haver ação tecidual similar noestrogênio em alguns pacientes;

- câncer de próstata: por alterações nas célulasepiteliais prostáticas, mas os dados são relativamente pobres;

- câncer renal: considerado carcinógeno do tipo I para câncerrenal; poucos estudos avaliando;

- câncer pancreático: verificado como fator de risco emum estudo do National Institute of Health dos Estados Unidos.

 

6-           Outrasalterações

O cádmio ainda pode ser associado com diminuição dafunção reprodutiva e, devido à alteração em células pancreáticas, aumenta orisco de desenvolvimento de diabetes. Doses do metal entre 0,5 e 2 mg/kg/dia emestudos experimentais aumentaram o risco de diabetes.

 

Diagnóstico

 

A maioria dos pacientes com toxicidade crônica por cádmioé assintomática para doença renal, embora possa apresentar sintomas e/oudiagnóstico previamente estabelecido de osteoporose. Pacientes com doença renalassociada ao cádmio podem apresentar anormalidades laboratoriais leves que sãodetectadas como parte da avaliação da apresentação não relacionada. Essas anormalidadesincluem a excreção proteica levemente aumentada, bem como acidose metabólica eglicosúria leves, aminoacidúria ou fosfatúria, consistente com defeito tubularproximal com síndrome de Fanconi.

Aumentos leves na excreção de proteínas (ou seja, < 500mg/dia) podem ser detectados pela quantificação de proteínas em coleta de urinade 24 horas ou pela proporção de proteína/creatinina em urina local.

Alguns pacientes apresentam queixas de noctúria oupoliúria. Outros pacientes chamam a atenção por causa de cálculos recorrentescontendo cálcio, e a avaliação revela hipercalciúria.

O diagnóstico de toxicidade crônica por cádmio deve serconsiderado em pacientes com histórico de exposição que apresentem sinais dedoença renal intersticial ou sinais ou sintomas de osteoporose.

Para o diagnóstico, é necessário demonstrar o aumento decádmio na urina e maior excreção de proteínas tubulares. Não existe uma razãoabsoluta de cádmio/creatinina que seja considerada diagnóstica, mas, em casosclaros de nefrotoxicidade do cádmio, geralmente é > 5 nmol Cd/mmol decreatinina. No cenário de história de exposição ao cádmio ou evidência clínicade toxicidade (como síndrome de Fanconi e excreção urinária aumentada debeta2-microglobulina), a concentração sanguínea de cádmio anormalmenteaumentada e a proporção urinária de cádmio/creatinina podem ser consideradasevidências de toxicidade crônica.

A excreção aumentada de pelo menos uma proteína tubulardeve ser demonstrada para confirmar o diagnóstico de nefrotoxicidade porcádmio, sendo a mais comumente mensurada a beta2-microglobulina. Aumento naexcreção de beta2-microglobulina > 0,3 mg/g de creatinina é sugestivo dodiagnóstico. A beta2-microglobulina é filtrada livremente pelo glomérulo equase completamente (> 99,9%) reabsorvida no túbulo proximal. Mesmo pequenasalterações na capacidade reabsortiva tubular resultam em aumento acentuado naexcreção urinária de beta2-microglobulina. A mensuração da beta2-microglobulinaé menos sensível para o diagnóstico entre os pacientes que têm urina ácida,pois a proteína se degrada em pH ácido. Assim, entre os pacientes que têm urinaácida (pH < 5,6) e não apresentam ou apresentam apenas leve aumento nabeta2-microglobulina urinária, podem ser mensuradas a proteína de ligação aoretinol, a glicoproteína formadora de complexos humanos (proteína HC ou alfa1-microglobulina)ou a apolipoproteína.

 

Profilaxia e Tratamento

 

Minimizar a exposição ao cádmio é a medida terapêutica maisimportante. Para isso, é recomendado parar de fumar. Além disso, a exposiçãoocupacional deve ser mantida tão baixa quanto tecnicamente possível, depreferência abaixo de 0,005 mg/m3. A exposição por meio dosalimentos deve ser mantida bem abaixo de 30 mcg Cd/dia.

Não há terapia específica para doença renal crônicaassociada ao cádmio. A osteomalácia induzida por cádmio pode ser tratada com grandesdoses de vitamina D. As fontes de exposição ao metal devem ser evitadas omáximo possível.

 

Toxicidade Aguda

 

A toxicidade aguda por cádmio é rara, mas pode terefeitos adversos potencialmente graves, ocorrendo tanto na exposição inalatóriaquanto na oral. A exposição inalatória ao cádmio pode causar pneumonite grave,com relatos de caso com óbito por pneumonite grave em 25 dias após exposição. Aexposição pulmonar aguda ao óxido de cádmio ocorre quando os soldadores usamsoldas contendo cádmio sem as devidas precauções pulmonares. A intoxicaçãoocorre principalmente quando partículas menores que 100 nm ou nanopartículassão inaladas. Essas partículas, em estudos anatomopatológicos, podem serencontradas em alvéolos e células bronquiolares.

Os sintomas iniciais da pneumonite por cádmio são geralmentetosse e dispneia. A pneumonite precoce pelo cádmio se assemelha à febre defumaça de metal, uma condição mais comum causada pela inalação de óxidos deoutros metais, como zinco ou magnésio. No entanto, a febre de fumaça de metal équase sempre benigna e autolimitada, enquanto a pneumonite de cádmio podeprogredir para dispneia grave, hipóxia e insuficiência respiratória. Aradiografia de tórax inicial na pneumonite por cádmio pode ser normal, mas, emcasos graves, progredirá para mostrar um padrão respiratório agudo (SDRA). Apneumonite grave por cádmio pode ser fatal. Embora sejam relatadas sequelaspulmonares crônicas após pneumonite por cádmio, não está claro até que ponto essemetal seja o agente causador.

A exposição aguda ao cádmio oral é muito rara. Em doiscasos documentados de intoxicação pelo metal em dose única, edema orofaríngeo esangramento gastrintestinal foram achados clínicos importantes. Um terceirocaso de suspeita de exposição oral, que pode ter ocorrido durante meses,apresentou anemia hemolítica autoimune.

 

Profilaxia e Tratamento

 

Evitar a exposição ao cádmio é a medida preventiva maisimportante. A exposição ocupacional deve ser mantida tão baixa quantotecnicamente possível. A exposição inalatória pode ser evitada usando-seequipamento de proteção apropriado.

O diagnóstico de toxicidade aguda por cádmio baseia-seinteiramente na apresentação clínica e no histórico de exposição ao metal. É confirmado,se possível, pela análise de cádmio no sangue, que reflete a recente exposiçãoao metal. Também se verifica o cádmio na urina para determinar se há exposiçãocrônica concomitante. O cádmio na urina (ajustado para diluição pelo cálculo darazão cádmio/creatinina) indica acúmulo ou carga renal do metal.

Além da terapia de suporte geral, não existem métodosespecíficos disponíveis para o tratamento da ingestão ou inalação aguda decádmio. Embora vários agentes quelantes tenham sido experimentados em animais,não foi verificado nenhum com eficiência em humanos.

 

Bibliografia

 

1.            WHO. Cadmium. Environmental Health Criteria. WHO, Geneva, 1992. p.280.

2.            Bernhoft RA. Cadmium toxicity and treatment. Scientific World Journal 2013;2013:394652.

3.            Friberg L, Elinder CG, Kjellström T, et al. Cadmium and Health: Atoxicological and epidemiologic appraisal, CRC Press, Boca Raton, FL 1986. VolVol II: Effects and Response, p.307.

4.            Nordberg GF, Nogawa K, Nordberg M, Friberg LT. Cadmium. In: Handbook onthe Toxicology of Metals, Nordberg GF, Fowler BA, Nordberg M (Eds), AcademicPress/Elsevier, Amsterdam 2014. Vol 2, p.667.

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