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Alterações Hepáticas na Infecção pela COVID-19

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 18/01/2021

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Asporfirias são doenças metabólicas resultantes de deficiências geralmente genéticasna atividade de enzimas específicas na via do heme. Nesse caso, os intermediáriosdessa via, que são o ácido alfa aminolevulínico e o porfobilinogênio, sãoproduzidos em excesso e se acumulam nos tecidos. Manifestações neurovisceraispodem ocorrer com dor abdominal significativa e neuropatia periférica comfotossensibilidade cutânea, assim como manifestações neuropsiquiátricas.

Apesar de o heme ser produzido em todos os tecidos, os locais maisimportantes de produção são o fígado e a medula óssea. Cerca de 80% da produçãode heme diária é realizada na medula óssea, e quase todo o heme produzido namedula óssea é utilizado como substrato para a produção de hemoglobina. Ofígado é responsável pela maior parte do restante da produção e, portanto, pelaprodução dos outros produtos derivados do heme, como a mioglobina, a catalase, oscitocromos respiratórios, o óxido nítrico sintase, entre outros produtos. Aprimeira enzima envolvida nessa via é a delta-aminolulinato sintase; outrasenzimas seguem e catalisam a formação do porfobilinogênio. Com exceção daprotoporfirina, todos os intermediários da porfirina se encontram em suasformas reduzidas.

As porfirias podem ser divididas em eritropoiéticas ou hepáticas.O termo porfiria foi utilizado pela primeira vez por Stekss em 1889,descrevendo o caso de uma mulher com urina avermelhada que evoluiu para óbito depoisque dois irmãos foram afetados.

 

Etiologia e Patogênese

 

Oheme é essencial para a função das células aeróbicas, além da hemoglobina, funcionandotambém como substrato para a produção de outras proteínas, como mioglobina,citocromos mitocondriais, catalase, peroxidase, entre outras. Essas proteínassão envolvidas no transporte de oxigênio e elétrons no metabolismo oxidativo.

Oheme, ou protoporfirina 9, é constituído de citocromo de ferro com quatro anéispirrólicos de protoporfirina. Na sua biossíntese, o primeiro passo é dependenteda alfa-aminolevulânico-sintase, que catalisa a condensação da glicina e da succinilcolinapara formar o ácido aminolevulínico, ou ALA. Esse processo ocorre parte no citosole parte na mitocôndria. A segunda enzima da via do heme é a ALA-dehidrase, queé inibida quando ocorre intoxicação pelo chumbo, o que explica o aparecimentode protoporfirina e urina avermelhada no saturnismo. Outros passos na cadeia doheme incluem:

-formaçãodo porfobilinogênio;

-formaçãodo uroporfobilinogênio;

-formaçãodo uroporfirinogênio III;

-formaçãodo coproporfirinogênio;

-formaçãodo protoporfirinogênio IX (coproporfirinogênio oxidase);

-formaçãoda protoporfirina IX;

-formaçãodo heme.

 

 

Tabela1: Classificação das porfirias

 

Deficiência enzima

Porfiria

Sítio principal

Transmissão

ALA dehidrase

Porfiria deficiente da ALA-dehidrase

Fígado

Recessiva

PBG desaminase

Porfiria intermitente aguda

Fígado e medula óssea (MO)

Dominante

PBG deaminase

Porfiria intermitente aguda 1

Fígado e MO

Dominante

PBG dease

Porfiria intermitente aguda 2

MO

Dominante

PBG deaminase

Porfiria intermitente aguda 3

Fígado e MO

Dominante

Uroporfirinogênio III sintetase

Porfiria eritropoiética congênita

Fígado e MO

Recessiva

Uroporfobilinogênio descarboxilase

Porfiria cutânea tarda

Fígado

Recessiva

Uroporfirinogênio descarboxilase

Porfiria cutânea tarda 1

Fígado

Adquirida

Uroporfobilinogênio descarboxilase

Porfiria cutânea tarda 2

Fígado

Dominante

Uroporfobilinogênio descarboxilase

Porfiria cutânea tarda 3

Fígado

Dominante

Coproporfirina oxidase (não totalmente determinado)

Coproporfiria hereditária

Fígado

Dominante

Protoporfirinogênio oxidase

 

Porfiria variegata

Fígado

Dominante

Ferroquelatase

Porfiria eritropoiética

Fígado

Dominante

 

Asporfirias podem ser divididas em:

Porfirias agudas:

-porfiria por deficiência da ALA-dehidrase;

-porfiria intermitente aguda;

-coproporfiria hereditária;

-porfiria variegata.

Porfirias cutâneas: as manifestações podem ser por meio de fotossensibilidadecom erupções em geral vesiculares. Entre elas temos:

-porfiria eritropoiética congênita;

-coproporfiria hereditária;

-porfiria hepatoeritropoiética;

-porfiria cutânea tarda;

-porfiria variegata.

 

As lesões crônicas ocorrem principalmente em áreas expostas aosol, principalmente no dorso das mãos; se graves, podem infectar e sermutilantes. A fotossensibilidade nas porfirias cutâneas ocorre pela ativaçãodas porfirinas por raios ultravioleta.

 

Porfirias cutâneas agudas sem vesículas (blistering efotossensibilidade):

-protoporfiria eritropoiética;

-protoporfiria ligada ao X.

 

 

Diagnóstico Laboratorial

 

O diagnóstico laboratorial depende da mensuração dos precursoresda porfirina ALA e PBG e de porfirinas na urina, no plasma, nos eritrócitos enas fezes. Deve-se considerar sua investigação em todos pacientes com sintomasneuroviscerais, como dor abdominal, que é o sintoma mais comum da porfiriaintermitente aguda, ocorrendo sem grandes alterações no exame físico.

Nas porfirias agudas, o diagnóstico é realizado prontamente se navigência de um ataque houver aumento substancial do PBG urinário. O diagnósticopode ser excluído se não houver essa elevação. O PBG pode ser mensurado noplasma em pacientes com disfunção renal, quando a excreção urinária pode estarprejudicada.

O ácido delta-aminolevulínico tem excreção urinária normal < 7mg/24 horas. Em um ataque de porfiria intermitente aguda, a excreção urinária é10 vezes maior (25 a 100 mg/dia). O porfobilinogênio, por sua vez, tem excreçãourinária menor que 2 a 4 mg/24 horas, que aumenta de 5 a 10 vezes duranteataques agudos. Nas porfirias cutâneas com erupção vesicular, o diagnóstico geralmenteé realizado com a mensuração das porfirinas plasmáticas. Nas porfirinas cutâneasagudas sem vesiculação, o exame diagnóstico mais sensível é a dosagem deprotoporfirina eritrocitária, que normalmente tem dosagens menores que 80 mcg/dL,mas que em ataques agudos pode ter dosagens acima de 500 mcg/dL.

A seguir, serão comentadas brevemente as principais manifestaçõesdos mais importantes e prevalentes tipos de porfirias.

 

 

Porfiria Eritropoiética Congênita

 

Apresentaherança autossômica dominante. Os principais achados clínicos são lesões defotossensibilidade de ocorrência precoce após exposição à luz, comdesenvolvimento de lesões bolhosas subepidérmicas que evoluem para lesõescrostosas. Os pacientes podem evoluir com hemólise e cálculos biliares comporfirinas. Nessa forma de porfiria, os pacientes apresentam aumentocompensatório da medula óssea com ocorrência de fraturas patológicas, compressãovertebral com diminuição da altura e raramente lesões osteolíticas e escleróticasno esqueleto.

Adoença pode ser reconhecida no útero por causa do líquido amniótico amarronzado;em crianças, pode aparecer pigmento nas fraldas. A confirmação laboratorialpode ser realizada pela dosagem das porfirinas urinárias, que estão aumentadas em20 a 60 vezes o limite da normalidade.

Otratamento envolve evitar o sol com o uso de protetores solares, além de evitartrauma e infecções. Pode ser necessária a transfusão de hemácias para evitar ahemólise, além de esplenectomia em pacientes com hemólise muito importante. Asuplementação de ácido ascórbico e tocoferol pode levar à melhora da anemia.

 

 

Protoporfiria Eritropoiética

 

Ocorrepor deficiência parcial de ferroquelatase. A biópsia cutânea mostra paredescapilares espessadas circuladas por depósitos hialinos, imunoglobulinas,mucopolissacárides e substância PAS positiva.

Ossintomas pioram na primavera, com sensação de queimação na pele, seguida poreritema e edema com púrpura e vesículas. Uma série de 32 casos mostrou osseguintes sintomas:

-queimação(97%);

-edema(94%);

-prurido(88%);

-eritema(69%);

-formaçãode cicatrizes (19%);

-vesículas(3%);

-anemia(27%);

-colelitíase(12%);

-alteraçãode resultados de exames hepáticos (4%).

 

Odiagnóstico é confirmado pelo aumento de protoporfirinas nos eritrócitos, nas fezese no plasma, embora em níveis menores que em outras porfirias, e porfirinasnormais na urina. Os pacientes podem apresentar anemia leve e hipertrigliceridemia.

Otratamento consiste em evitar o sol com o uso de protetores solares e nasuplementação de betacaroteno. Transfusões podem diminuir as lesões porfotossensibilidade, mas não costumam ser recomendadas. A colestiramina diminui afotossensibilidade e a concentração das protoporfirinas hepáticas.

 

Porfirias Hepáticas Agudas

 

Porfirias Por Deficiência de Ala-Dehidrase

 

Adoença é autossômica recessiva e é rara, com poucos casos documentados, todos emhomens. Os achados clínicos incluem vômitos, dores em membros inferiores eneuropatia. Assim como ocorre em outras porfirias, o estresse, a ingestão deálcool e alguns tipos de alimentos podem precipitar sintomas, inclusive dorabdominal, como ocorre na porfiria intermitente aguda. Os pacientes podemdesenvolver paralisia de membros e hipotonia muscular.

Odiagnóstico é realizado por elevação do ácido aminolevulínico urinário e tambémpor protoporfirinas nas fezes e nos eritrócitos, mas o porfobilinogênio urinárioé normal.

Umdiagnóstico diferencial é a intoxicação por chumbo. Nesse caso, realiza-se adiferenciação pela dosagem da plumbemia, que é aumentada na intoxicação porchumbo e baixa na porfiria. A intoxicação por chumbo pode cursar com aumento deporfirinas e diminuição da função e da atividade da enzima ALA-dehidrase. Otratamento é semelhante ao da porfiria intermitente aguda. Outra situação queinibe a ALA-dehidrase é a tirosinemia tipo 1.

 

Porfiria Intermitente Aguda

 

Doençaautossômica dominante causada por deficiência da atividade da enzima PBG-deaminase.Entre as porfirias, é a mais importante tanto em incidência como em gravidade.Cerca de 90% dos pacientes apresentam deficiência da enzima em todos tecidos,incluindo eritrócitos.

Maisde 90% dos pacientes apresentam anormalidades no gene da PBG-deaminase, e quase90% podem permanecer assintomáticos durante a vida. As crises podem serdesencadeadas por diversos fatores exógenos ou endógenos, incluindo:

-indutoresde ALA-sintase hepáticos;

-fatoresendócrinos: papel importante dos estrógenos;

-ingestãocalórica: diminuição da ingesta calórica leva à exacerbação da porfiria, masdietas ricas em carboidratos diminuem a excreção de PBG e suprimem os ataques;

-drogase agentes químicos: muitos exacerbam por induzirem o citocromo P450, demandandosíntese do heme;

-estresse,álcool, cirurgias e outras patologias podem induzir ataques.

 

Adoença apresenta curso variável, com ataques que duram de poucos dias a váriosmeses. Dor abdominal é um dos sintomas mais precoces, ocorrendo em 85 a 95% dospacientes, podendo ser generalizada ou localizada e mimetizar abdome agudocirúrgico. Os sintomas incluem náuseas, vômitos e constipação, e, em muitoscasos, o paciente é submetido a laparotomia exploratória inapropriada. Ospacientes podem apresentar também dor torácica, dor lombar e em membros. Aneuropatia é principalmente motora e comum, mas qualquer tipo de neuropatiapode ocorrer, podendo envolver nervos cranianos. Os ataques são frequentementeacompanhados de convulsões, principalmente se hiponatremia associada. Outrossintomas frequentes incluem constipação, náuseas, vômitos, eructações, podendoocorrer ainda sintomas similares aos do íleo paralítico, além de disfunçãovesical, como retenção urinária. Uma forma de diferenciação do abdome agudoinflamatório é a característica neuropática da dor, não ocorrendo febre eleucocitose, embora infecções possam ser um fator precipitante da porfiriaintermitente aguda. A Tabela 2 sumariza os principais sintomas encontrados naporfiria intermitente aguda.

 

Tabela 2: Principais sintomas naporfiria intermitente aguda

 

Sintomas

Prevalência

Dor abdominal

85-95%

Vômito

43-88%

Diarreia

5-12%

Constipação

48-84%

Dores musculares

50%

Fraqueza muscular

42-68%

Perda sensorial

9-38%

Convulsões

10-20%

Depressão respiratória

9-14%

Sintomas mentais

40-58%

Hipertensão

36-54%

Taquicardia

28-80%

Febre

9-37%

 

 

Odiagnóstico pode ser realizado, mesmo fora da crise, pela verificação dadiminuição da atividade da PBG-deaminase em eritrócitos. Alguns pacientes com aforma II da porfiria intermitente aguda podem ter essa atividade normal.

Pacientescarreadores de genes silenciosos ou em latência clínica podem não ter aumento dePBG e ALA. Achados laboratoriais incluem hiponatremia com síndrome de secreçãoinapropriada do hormônio antidiurético (SIADH).

Odiagnóstico durante a crise pode ser realizado pela verificação do aumentoimportante dos precursores das porfirinas com produção de ALA de 25-100 mg aodia e PBG de 50-200 mg/dia. As porfirinas urinárias e em fezes também sãoimportantes, com elevações de transaminases e leves alterações de amilase elipase.

Ostratamentos da porfiria intermitente aguda, da porfiria por deficiência de ALA-hidrase,da coproporfiria hereditária e da porfiria variante agregatta são similares.Deve-se adequar a ingesta calórica e tratar rapidamente quaisquer infecçõesconcomitantes. Uma nova medicação, denominada givosiran, que faz up-regulationda delta-aminolevulínico sintase hepática. Em um estudo randomizado, uma dosede 2,5 mg/kg de givosiran por via subcutânea em 6 meses diminuiu em 74% a taxade ataques agudos na porfiria intermitente aguda e provavelmente deve ser adotadacomo parte do manejo desses pacientes.

Empacientes com crise aguda não responsivos, deve-se administrar dextrose emanter ingesta mínima de 300 gramas de carboidratos ao dia.

Ainfusão de hematina endovenosa irá diminuir excreção de ALA e PBG, com diminuiçãodo ataque agudo e talvez da gravidade da neuropatia.

Emmulheres que menstruam, o uso de LHRH de longa ação inibe a ovulação e podediminuir os sintomas.

Ador nesses pacientes deve ser tratada com analgésicos opioides, como o tramadol,que são medicações com boa resposta nesses pacientes.

 

Porfirias Hepáticas Crônicas

 

Porfiria Cutânea Tarda

 

Em algumasséries, é a porfiria mais comum, com três subtipos principais: tipo I, queapresenta atividade da uroporfirinogênio descarboxilase normal em eritrócitos ecasos esporádicos; tipo II, que apresenta atividade eritrocitária enzimáticareduzida e casos familiares; e tipo III, que apresenta casos familiares eatividade eritrocitária enzimática normal.

O quadroclínico é caracterizado por lesões bolhosas crônicas em áreas expostas ao sol.  Cronicamente, o paciente pode apresentaratrofia cutânea ou áreas de pseudoescleroderma. Os pacientes apresentamfrequentemente hemossiderose hepática.

Os pacientes apresentamlaboratorialmente aumento do uroporfirinogênio urinário e isocoproporfirina nasfezes.

Otratamento consiste em medidas para a fotoproteção, além de evitar álcool etraumas. Flebotomias a cada 2 a 3 semanas podem ser necessárias parahemossiderose hepática. O uso de cloroquina é indicado em doses de 125 mg duasvezes por semana até normalização das porfirinas e a melhora das lesõescutâneas.

 

Referências

 

1-Sassa S. The hematologic aspects of porphyria. In:Lichtman MA, Beutler E, Kipps TJ, Seligsohn U, Kaushansky K, Prchal JT, editors.Williams hematology. New York: McGraw-Hill; 2006. p. 803-22.

2-Dinardo C et al. Rev Med 2010; 89(2): 106-114.

3-Sassa S. Modern diagnosis and management of theporphyrias. Br J Haematol. 2006;135, 281-92.

4-Anderson KE,Bloomer JR, Bonkovsky HL, et al. Recommendations for the diagnosis andtreatment of the acute porphyrias. Ann Intern Med 2005; 142:439.

5-Balwani M, et al. Phase 3 trial of RNAitherapeutic givosiran for acute intermittent porphyria. New Eng J Med 2020;382: 2289-2301.

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