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Endomiocardiofiborse

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 03/02/2021

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Aendomiocardiofibrose (EMF), uma doença incomum na América do Norte, mas comumna África e principalmente em locais de zonas rurais de baixa renda, é caracterizadapor fibrose do endocárdio apical do ventrículo esquerdo (VE) e do ventrículodireito (VD), causando uma síndrome de insuficiência cardíaca (IC)predominantemente direita. As manifestações clínicas são relacionadas à restriçãoao enchimento ventricular, podendo cursar com IC direita ou esquerda, mas maiscomumente IC direita.

Relatada pelaprimeira vez em Uganda, as primeiras descrições ocorreram entre 1975 e 1977, por meio de autópsiasque mostraram fibrose em regiões apicais das cavidades ventriculares,ocasionando disfunção no processo de enchimento ventricular, levando a` clínicade IC do tipo restritivo.

 

Epidemiologia

 

A doença é encontradaprincipalmente em regiões da África, subcontinente do sul da Ásia e Brasil, emboratambém seja encontrada na África subtropical e alguns casos ocorram raramenteem climas moderados, incluindo a América do Norte. Não existem dados epidemiológicosacurados para EMF. Um estudo mostrou que em uma população da zona rural deMoçambique a prevalência era de aproximadamente 20%, ocorrendo com maiorfrequência em homens do que em mulheres (23 vs. 17%). Nesse estudo, muitospacientes tinham doença subclínica. Na África, a EMF e´ causa frequente de IC, responsávelpor 10 a 20% das mortes de causa cardíaca. Estudos tentaram estabelecer sua prevalência,que varia entre 0,2% e 25%. Rastreamento ecocardiográfico foi realizado em umestudo e mostrou prevalência de 19,8% em Moçambique. Um estudomostrou uma relação familiar da doença, mas não ficou claro se isso ocorreu porexposição ambiental comum ou por predisposição genética. Um pico bimodal naidade foi observado em vários estudos, com início na primeira década e umsegundo pico ocorrendo na segunda à quarta décadas de vida. Ha´ maior prevalênciano sexo feminino, mais frequentemente em negros.

 

Fisiopatologia

 

A causa daEMF permanece desconhecida, mas sua patologia se assemelha à de outrascondições mais comuns na América do Norte, como cardiomiopatia eosinofílica ousíndrome hipereosinofílica. No entanto, raramente são observadas contagenselevadas de eosinófilos no sangue periférico ou no tecido cardíaco da biópsiaendomiocárdica na EMF, diferentemente do que ocorre na endocardite de Löffler.Embora um ou mais agentes infecciosos possam ser causais, nenhuma causainfecciosa unificadora consistente foi estabelecida. A exposição ambiental ao cério,que é um elemento clínico encontrado em vários minerais, raro, mas encontradoem maior frequência nas regiões mais afetadas, foi considerada como parte dafisiologia da doença. Uma base familiar da doença foi observada em váriosrelatos, mas a predisposição familiar está relacionada a causas ambientais ougenéticas, ou a ambas, permanecendo desconhecida. Apesar dos dadosinconsistentes, a eosinofilia e suas etiologias ainda são a teoriafisiopatológica mais aceita para explicar a patogênese da EMF.

Estudosestabelecendo relações diretas dos locais de ocorrência territorial e familiarda EMF podem ajudar na definição da etiologia. Fatores como morar na zonarural, andar descalço e ter baixo nível escolar foram associados a` EMF. Umestudo tentou, com sucesso, propor possível modelo causador das lesõesfibrosantes, utilizando como modelo as agressões geradas na doença de Chagas. Amimeticidade molecular de possíveis antígenos e o mio´cito podem causar lesõese levar a` variabilidade fenotípica de sua apresentação. Estudos sugerindo a presençade anticorpos antimio´citos, tanto da classe IgG quanto IgM em portadores deEMF, complementam tal hipótese.

Algumas infecçõespoderiam estar implicadas na fisiopatologia da EMF, incluindo toxoplasmose,malária e parasitoses, mas não foi demonstrada associação consistente. Exposiçãoambiental a alimentos e toxinas também poderia ser um fator causal da EMF, emespecial dietas com baixa quantidade de proteínas e relação com o consumo de cassava,que é muito frequente na África Oriental e poderia liberar cianeto nos tecidose predispor a lesão miocárdica. Nenhuma dessas teorias tem comprovação.

 

Achados Clínicos

 

Na maioriados casos, os sintomas de IC da síndrome restritiva esquerda ou direitapredominam nos achados clínicos, os quais incluem dispneia ao esforço, dispneiaparoxística noturna e edema. No acometimento das câmaras direitas, nota-se a presença de ascitevolumosa, com ou sem edema periférico, hepatomegalia e elevadas pressões deenchimento. Em câmaras esquerdas, congestão e dor torácica predominam. Essespacientes recebem o diagnóstico após a realização de ventriculografia na investigaçãode dor torácica ou IC.

A doença pode serclassificada em três estágios:

1-Forma inicial: quadrofebril com pancardite e eosinofilia, dispneia e edema periorbital.Ecocardiograma mostra espessamento da parede ventricular.

2-Formatransitória: quadro de edema generalizado, ascite e cardiomegalia. As paredesventriculares podem voltar ao normal, mas com cicatrizes fibróticas.

3-Forma avançada: opaciente evolui com ascite, edema e cardiomegalia, com achadosecocardiográficos típicos com fibrose apical e padrão restritivo.

A ascite,às vezes uma característica proeminente, é comum a todas as doençasendomiocárdicas e não pode ser explicada apenas pela disfunção cardíaca, sendopossível que alterações peritoneais estejam associadas. A asciteparticularmente ocorre nas populações africanas, e desnutrição comhipoalbuminemia é uma possível explicação. O gradiente albumina sérico-ascíticonão foi estudado nesses pacientes.

Alguns pacientesapresentam sintomas desde o nascimento, como congestão pulmonar e hipertensãopulmonar (HP). Doenças sistêmicas, como a si´ndrome de Churg-Strauss e outrascolagenoses, podem estar associadas.

A presença dematerial fibroso associado a calcificac¸o~es locais predispõe a estase sanguíneae formação de trombos murais, com ocorrência de fenômenos tromboembo´licos (15%dos casos). A calcificação maciça endomioca´rdica e´ rara.

A fibrilação atrialesta´ presente em 37% dos casos (pior progno´stico), e foram registradas apresentaçõesgraves por meio de morte súbita abortada por arritmias ventriculares fatais.

 

Exames Complementares

 

A imagemcardiovascular mostra preenchimento restritivo com fibrose apical quegeralmente envolve o aparelho subvalvar mitral e tricúspide, acompanhado deaumento atrial. Como observado anteriormente, a ressecção cirúrgicabem-sucedida da fibrose endocárdica com reparo ou substituição da válvula podeter efeito drástico nos sintomas e na sobrevida, embora a própria operaçãoesteja associada a risco significativo de morbidade e mortalidade. Sãoconsiderados achados clássicos:

-fibroseapical do ventrículo direito, ventrículo esquerdo ou biventricular;

-envolvimentode músculos papilares, podendo levar a regurgitação mitral e tricúspide;

-aumentoatrial muito importante;

-padrão restritivonos fluxos mensurados por Doppler.

 

Recentemente forampropostos crite´rios ecocardiogra´ficos para estabelecer o diagno´stico e a gravidadeda doença. Estes se baseiam nos achados de alterações na espessura da paredemioca´rdica, obliterac¸a~o dos ápices ventriculares, presença de trombos,acometimento valvar e a presença de padrão restritivo, associados ou não a critériosmenores. Esses critérios são muito específicos para o ecocardiografista e nãoserão discutidos nesta revisão.

A EMF se apresentacomo infiltrados fibrosos que se depositam nos ápices ventriculares com alteraçõesno processo de enchimento ventricular. Aproximadamente em 50% dos casos háenvolvimento biventricular: 40% do ventrículo esquerdo e 10% do ventrículo direito.O infiltrado causa comprometimento restritivo, sem grandes dimensõesventriculares, destacando-se as insuficiências valvares e grandes átrios(cardiomiopatia restritiva).

Angiograficamente,a EMF se caracteriza pela imagem típica de amputação dos ventrículos, por ausênciade preenchimento de contraste. A realização de biópsia endomioca´rdica não e´recomendada de rotina pelo risco de fenômenos tromboembo´licos e pela poucaespecificidade dos achados.

A tomografiacomputadorizada com multidetector de canais e a ressonância nuclear magnéticapodem ser úteis no diagnóstico. O escore de cálcio pode ser útil na detecção detrombos e/ou calcificações.

 

Tratamento

 

O tratamento éinespecífico, similar ao de outros pacientes com IC, com as medidasrecomendadas principalmente para pacientes com IC diastólica e restritiva. Os diuréticospara manejo da volemia e betabloqueadores para melhora do enchimentoventricular são as principais drogas utilizadas no tratamento desses pacientes.Existem controvérsias quanto ao uso de inibidores da enzima conversora daangiotensina nos pacientes com disfunção diastólica.

Em pacientes com trombos,podem-se utilizar anticoagulantes orais por pelo menos seis meses. Comoalternativa, considera-se o uso de ácido acetilsalicílico na dose de 325mg.

A cirurgia de ressecçãodo miocárdio com possível reconstrução ventricular e troca valvar surge emmuitos centros como opção terapêutica, principalmente em pacientes sintomáticoscom IC com classe funcional III ou IV. Apesar das altas taxas de mortalidade nopós-operatório imediato (15 a 30%), ha´ benefícios na sobrevida a longo prazo.O transplante cardíaco é uma opção terapêutica para pacientes selecionados,principalmente nos estágios tardios de disfunção ventricular.

 

Bibliografia

 

1-Lino DACet al. Endomiocardiofibrose como rara causa de insuficiência mitral: relato decaso e revisão de literatura. Rev BrasilCardiol 2011; 24(4): 254-257.

2-FalkRH, Herhseberger RE. The dilated, restritive and infiltrative cardiomyopathies.Braunwald Heart Disease 10e 2020.

3- Grimaldi A, Mocumbi AO, Freers J, et al. Tropical EndomyocardialFibrosis: Natural History, Challenges, and Perspectives. Circulation 2016;133:2503.

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