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Leucemia de Células Pilosas

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 22/02/2021

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A leucemiade células pilosas é uma neoplasia maligna que envolve os linfócitos B, principalmentea medula e o baço, com produção em grande quantidade de células B maduras. Ospacientes apresentam citopenias sanguíneas, e fibrose medular é uma característicafrequente, além de projeções citoplasmáticas irregulares em linfócitos Bneoplásicos na microscopia.

 

Epidemiologia

 

Estima-seque cerca de 700 casos por ano ocorram nos Estados Unidos, representando aproximadamente2% de todas as leucemias e 1% de todas as neoplasias linfoides. A proporção deenvolvimento homem-mulher é de aproximadamente 4: 1. A idade média deapresentação é de aproximadamente 50 a 55 anos. A doença tem um pico deincidência bimodal por idade com uma moda em aproximadamente 30 anos e aos 55anos, e mais de 90% dos pacientes são descendentes de europeus. A doença é raraem pessoas de ascendência africana ou asiática.

 

Etiologia e Patogênese

 

Apatogênese não é completamente conhecida, e nenhuma causa exógena foiestabelecida, apesar de hipóteses incluírem radiação ionizante e exposição apesticidas. Uma mutação no BRAF (isto é, BRAFV600E) é encontrada em praticamentetodos os casos, a qual leva à ativação constituinte do RAF-MERK-ERK, o queaumenta a sobrevida celular, com diminuição da apoptose e proliferação decélulas linfoides monoclonais. Essa mutação não foi encontrada em casos deleucemia de células pilosas variantes.

As célulaspilosas são células B em um estágio de desenvolvimento tardio (célulaspré-plasma). As células B neoplásicas têm rearranjos clonais do gene daimunoglobulina e expressam marcadores de células pan-B (por exemplo, CD19, CD20e CD22) e o marcador plasmático celular antígeno-1 de câncer de próstata. Expressamantígenos de superfície adicionais que são incomuns em linfócitos B (porexemplo, CD11c, CD25 e CD103) e secretam citocinas que podem prejudicar a hematopoiesenormal (por exemplo, fator de necrose tumoral-a).

 

Achados Clínicos

 

A maioriados sintomas está relacionada a citopenias ou esplenomegalia. Plenitude/desconfortoabdominal são causados ??por esplenomegalia maciça, que ocorre em 25% dospacientes, podendo raramente ocorrer ruptura esplênica, o que constitui emergênciamédica.

Sintomassistêmicos são descritos em cerca de 25% dos pacientes, incluindo fadiga,fraqueza, sudorese excessiva e perda de peso. Pode haver sangramento secundárioa plaquetopenia ou infecção, devido a neutropenia, em até 25% dos pacientes. Asinfecções podem ocorrer por bactérias, vírus, fungos comuns, Mycobacterium kansasii,Pneumocystis jiroveci, Aspergillus, Cryptococcus, Toxoplasmagondii ou outros organismos oportunistas, atualmente estas infecções sãomenos frequentes devido à terapia inicial mais eficaz.

Algunspacientes apresentam, incidentalmente, hemograma anormal e/ou esplenomegalia (25%).Lesões ósseas dolorosas raramente ocorrem (3%). A esplenomegalia existe em 80 a90% dos pacientes (peso esplênico médio de aproximadamente 1.300 g). Hepatomegaliae linfadenopatia, por sua vez, não são comumente relatadas, ocorrendo em 20% e10% dos pacientes, respectivamente. Febre também não é comum e geralmenteindica presença de infecção associada.

Os achadosincomuns incluem vasculite cutânea, angeíte leucoclástica, eritema nodoso, poliartritee fenômeno de Raynaud. Cerca de 25% dos pacientes são assintomáticos nodiagnóstico.

 

Achados Laboratoriais

 

A anemiaestá presente em cerca de 75 a 85% dos pacientes. Oitenta por cento dos pacientesapresentam neutropenia, e 75 a 80% apresentam plaquetopenia, com 80% dospacientes também apresentando monocitopenia. Neutropenia grave definida pormenos de 500 céls./m3 é encontrada em 30% dos pacientes, masleucocitose ocorre em 20% dos pacientes, como resultado de células pilosascirculantes. Leucocitose grave com mais de 100.000 leucócitos/mm3pode ocorrer muito raramente, mais frequentemente vista em variantes daleucemia.

Apancitopenia moderada a grave é encontrada em cerca de 70% dos pacientes. Oexame cuidadoso do sangue por microscopia de luz identifica células pilosas em80% dos pacientes.

Anormalidadesnos testes de função hepática ocorrem em 15 a 20%% dos casos; azotemia em 27%;e hiperglobulinemia em 18%, que pode ser monoclonal. Células pilosasrepresentam menos de 20% dos linfócitos em pacientes com contagens baixas de leucócitos,mas são as células predominantes em pacientes cuja contagem de leucócitos ésuperior a 10.000 céls./mm3.

A biópsiada medula óssea mostra infiltrado focal ou difuso de células leucêmicas comcaracterístico halo circundante de citoplasma de coloração clara. A medula édifícil de aspirar e geralmente é hipercelular, mas ocasionalmente hipocelular,simulando anemia aplásica. A imuno-histoquímica com anticorpos CD22 e CD103 émais sensível do que a morfologia em detecção de células neoplásicas residuaisna medula.

Infiltraçãodifusa dos cordões da polpa vermelha do baço e seios esplênicos do baço porcélulas pilosas são encontrados. Complexos citoplasmáticos ribossomaislamelares são vistos na microscopia eletrônica em cerca de 50% dos pacientes.

Ocitoplasma dos pacientes com leucemia de células pilosas cora fortementepositivo para fosfatase ácida resistente ao tartarato (TRAP) em aproximadamente95% dos casos de células pilosas. Esse teste clássico foi substituído pelacitometria de fluxo para marcadores de células cabeludas. As células pilosasmais comumente coexpressam altos níveis de CD11c, CD22, CD25 e CD103, mas faltade expressão de CD21.

Asanormalidades citogenéticas na leucemia de células pilosas são muito diversas eocorrem em cerca de 50% dos pacientes, muitas vezes envolvendo o cromossomo 5(por exemplo, trissomia, deleções intersticiais, inversões do cromossomo 5).  

 

Diagnóstico Diferencial

 

A leucemiade células pilosas deve ser diferenciada de distúrbios não linfoides que podemse manifestar com pancitopenia, esplenomegalia e fibrose da medula, como os seguintes:

- mielofibroseprimária;

- mastocitose.

 

A leucemiade células pilosas pode ser diferenciada de outras doenças linfoproliferativaspor meio de suas características clínicas e laboratoriais. A variante daleucemia de células pilosas tem algumas características:

- Não tema mutação BRAFV600E.

- Maisfrequentemente se apresenta com contagens altas de leucócitos (com frequência >100.000 céls./mm3).

- Tem razãonúcleo-citoplasma maior do que as células de leucemia de células pilosas.

-Coloração TRAP, que geralmente é negativa ou apenas fracamente positiva.

- Nãoassociada a neutropenia ou monocitopenia.

- As célulasvariantes costumam ser negativas para CD25 e CD103.

- Ausênciade complexo ribossomal-lamelar na microscopia eletrônica.

 

Outrosdistúrbios linfoproliferativos de células B que podem ser confundidos comleucemias de células pilosas incluem:

- leucemialinfocítica crônica;

- leucemiaprolinfocítica de células B;

- linfomaesplênico.

 

Tratamento

 

Aproximadamente90% dos pacientes requerem tratamento no momento do diagnóstico. Embora aterapia não seja curativa, pode aliviar sintomas e reverter citopenias. Asindicações incluem:

- esplenomegaliaou linfadenopatia sintomática;

- anemia (nívelde hemoglobina < 10 g/dL);

- trombocitopenia(contagem de plaquetas < 100.000 céls./mm3);

- neutropenia(contagem de neutrófilos < 1.000 céls./mm3) com infecções bacterianasrecorrentes ou infecções oportunistas;

- fase leucêmica(contagem de leucócitos > 20.000 céls./mm3);

- vasculite;

- envolvimentoósseo doloroso;

- sintomasconstitucionais significativos (febre, sudorese, fadiga e perda de peso).

 

Acladribina (2-clorodesoxiadenosina) e a pentostatina constituem o tratamento deescolha para a leucemia de células pilosas. A cladribina é administrada por viaintravenosa contínua de 7 dias a 0,1 mg/kg por dia. A medicação pode induzirrespostas completas de longa duração em mais de 75% dos pacientes. Inicialmente,91% dos pacientes apresentam resposta completa, e 7% apresentam respostaparcial. Dezesseis por cento dos respondedores completos têm evidência derecidiva em 48 meses. Toxicidades notáveis ??relacionadas ao tratamento comcladribina incluem febre em cenário de neutropenia sem infecção associada e depleçãode células T, particularmente células CD4 .

A pentostatina(2'-desoxicoformicina) também é um análogo, a purina inibe a adenosinadesaminase, sendo um bom medicamento de segunda escolha para pacientes que nãorespondem ou refratários à cladribina. O medicamento é administrado em bólusintravenoso de 4 mg/m2 a cada duas semanas durante 3 a 6 meses até aresposta máxima, avaliada pela diminuição das células pilosas do sangue e damedula, redução do tamanho do baço e melhora nas contagens normais de célulassanguíneas. As taxas de resposta completa com pentostatina (~ 50%) sãoinferiores às alcançadas com cladribina, e a pentostatina pode não ser eficazem pacientes refratários à cladribina.

Sãoefeitos adversos importantes:

-febre,erupção cutânea e conjuntivite;

-disfunçãorenal reversível;

-toxicidadehepática leve;

-depleção decélulas CD4 .

 

O interferon-a(IFN-a) tem taxa de resposta completa de 8%, mas 74% conseguem respostaparcial. O IFN não é curativo; 50% dos pacientes apresentam recidiva menos de 2anos após o tratamento. O esquema de dosagem habitual é 2 milhões de unidadesde IFN-a2b/m2 por via subcutânea três vezes por semana por 12 mesesou 3 × 106 U IFN-a2a/m2 por via subcutânea diariamente por 6 meses,diminuindo para 3 vezes por semana por mais 6 meses. O IFN não é tão eficazquanto os análogos da purina. Os efeitos adversos incluem:

- Sintomassemelhantes aos da gripe (febre, mialgia, mal-estar).

- Mielossupressão.

 

O uso derituximabe pode ser útil, pois as células pilosas expressam CD20, e, portanto,um anticorpo monoclonal anti-CD20 é racional. As respostas têm sido modestas,mas devem ser consideradas em pacientes refratários a cladribina epentostatina. A administração é de 375 mg/m2 por via intravenosa,semanalmente, durante 4 a 8 semanas. Uma proporção (25-75%) dos pacientes temremissão completa ou parcial, que pode ser sustentada por vários anos em umaproporção de respondedores. Outros pacientes apresentam recidiva e progressãoda evolução.

A imunotoxinaanti-CD22 BL22 (moxetumomab) é um anti-CD22 fundido a uma exotoxina de Pseudomonas.Pode induzir remissões em alta proporção de pacientes refratários à cladribina,mas não tem bons resultados nas variantes da leucemia de células pilosas. Podeestar associada a uma síndrome hemolítico-urêmica reversível em uma minoria depacientes.

O vemurafenibee o dabrafenibe são inibidores da BRAF aos quais o paciente em recidiva tem altataxa de resposta, embora não seja durável. Os anticorpos anti-CD 20 como orituximab têm sido estudados para casos refratários de leucemia de célulaspilosas, com taxa de resposta variando de 25% até mais de 70%.

A esplenectomianão é realizada de rotina, e o procedimento não é curativo. Possíveis indicaçõesincluem:

-esplenomegaliasintomática (dor, infarto ou ruptura esplênica);

-pancitopeniadevida à esplenomegalia presente apesar do tratamento da leucemia;

-em gestantesmuito sintomáticas, uma vez que não podem receber terapia quimioterápica.

 

Pancitopeniae infecção ativa com patógeno oportunista (por exemplo, Mycobacterium)são comuns. A esplenectomia geralmente resulta em aumento acentuado na contagemde neutrófilos e monócitos e melhor resposta ao tratamento antimicrobiano.

 

Evolução Clínica

 

Com otratamento com cladribina, os pacientes podem ser considerados curáveis, comsobrevida livre de progressão tão alta quanto 95% em 4 anos. Remissões com maisde 10 anos de duração são comuns. Um platô na recidiva não foi alcançado emmais de 10 anos de remissão, e, portanto, existe risco de recidiva tardia.

Doençaresidual mínima pode ser encontrada na imuno-histoquímica e/ou citometria defluxo em cerca de 35% dos respondedores de longo prazo (sobrevida livre dedoença média de 16 anos), mas sua presença não necessariamente prevê recidiva.Pacientes com recidiva após o primeiro tratamento com cladribina têm alta taxade resposta ao retratamento com cladrabina ou outro agente.

Infecções,inclusive por organismos oportunistas, que foram a causa da morte em mais de 50%dos pacientes antes da disponibilidade da cladribina agora são incomuns.

 

Bibliografia

 

1-Hairy Cell Leukemia in Williams hematology 2017.

2- Grever MR, Abdel-Wahab O, AndritsosLA, et al. Consensus guidelines for the diagnosis and management of patientswith classic hairy cell leukemia. Blood 2017; 129:553.

3- Robak T. Hairy-cell leukemia variant:recent view on diagnosis, biology and treatment. Cancer Treat Rev 2011; 37:3.

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