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Coagulação Intravascular Disseminada

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 07/05/2021

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A coagulação intravascular disseminada (CIVD), também denominadade coagulopatia de consumo, é uma síndrome clinicopatológica induzidapor pró-coagulantes que entram na circulação ou são produzidos e vencem osmecanismos naturais anticoagulantes e a fibrinólise endógena. Historicamente,sua primeira descrição é de 1834, quando Dupuy demonstrou achado em animais comdano cerebral de trombose disseminada. Em 1835, Trousseau mostrou queneoplasias têm a tendência a trombose disseminada, e, em 1961, Lasch ecolaboradores demonstraram os mecanismos do que hoje denominamos coagulopatiade consumo.

A CIVD pode ter apresentação tanto aguda como de emergência, comalto risco de morte, ou uma condição crônica, por vezes até subclínica, queacompanha condições como neoplasia e hepatopatias. A seguir, discutiremos aCIVD com foco principalmente nas suas apresentações agudas.

 

Etiologia e Patogênese

 

A hemostasia normal garante a formação de um coágulo no local dodano vascular, e múltiplos mecanismos de coagulação e anticoagulação sãoenvolvidos nesse processo. Na CIVD, os processos de coagulação e fibrinólise setornam anormais e ativados pela vasculatura, levando a coagulação efibrinólise.

O processo de hemostasia normal se inicia no próprio local dalesão vascular inicial, primeiramente com formação de coágulo e posteriormentecom a resolução deste para permitir o reparo tecidual. Na CIVD, esse processoocorre anormalmente e de forma muito amplificada, levando a coagulaçãodisseminada e fibrinólise.

O fator iniciador na CIVD geralmente é a exposição a um fatorcoagulante, denominado fator tissular ou tecidual. O fatortissular é presente na membrana da maioria dos tecidos, incluindo a camadamédia e adventícia dos vasos. Em condições normais, o sangue não é exposto aofator tissular. Componentes desses fatores tissulares incluem:

-Produtos bacterianos como lipopolissacarídeos.

-Na sepse por meningococos, podeser encontrado o fator tecidual na circulação.

-O fator pró-coagulante dasneoplasias, que é uma enzima proteolítica produzida principalmente por tumoresmucinosos.

-Lesão endotelial pelo trauma comdano endotelial libera enzimas pró-coagulantes e fosfolípides.

-Na hemólise intravascular severa,como nas reações hemolíticas transfusionais, um processo de coagulação éativado por vias como liberação de fator tecidual, citocinas incluindo TNF eprodução reduzida de óxido nítrico.

-Em pacientes com deficiência deproteína C, o desbalanço entre geração de trombina e fibrinólise podesobrepujar os mecanismos normais de proteção contra coagulação inapropriada.

A ativação desses fatores leva à ativação da cascata de coagulação,com formação de trombos com fibrina e plaquetas. Formação excessiva de trombospode levar ao consumo de fatores de coagulação. Também ocorre ativação doprocesso de fibrinólise, com geração de produtos de degradação do fibrinogênio(PDF), processo que pode resultar em diminuição de perfusão e isquemia dedrogas com lesões em múltiplos órgãos.

O fator tecidual em geral éativado por citocinas, em particular a IL-6. A sepse é um dos principaisfatores precipitantes de CIVD, e as citocinas, ao ativarem a cascatainflamatória, levam à produção intravascular de trombina, o que, combinado coma falha dos mecanismos naturais de coagulação, leva à coagulação disseminada namaioria dos casos, fazendo assim o sangue ser exposto ao fator tissular (trauma,queimadura, placenta prévia ou outros eventos) ou à entrada de célulasentranhas na circulação, que pode ocorrer por metástases, leucemias, emboliaamniótica, de forma que se ativa o sistema de coagulação, que também é ativadona resposta inflamatória sistêmica ou por bactérias, em um processo que envolvemonócitos, células endoteliais, neutrófilos e plaquetas no processo. Alteraçõesem endotélio vascular são totalmente necessárias para o início do processo queleva à CIVD.

Os mecanismos de controle envolvema remoção da trombina gerada por células endoteliais em complexos formados coma antitrombina III (ATIII). Outra linha de defesa envolve os inibidores dofator tecidual, além das células do parênquima hepático que levam aoclareamento dos fatores IX, X e XI da circulação e a reposição dos fatores decoagulação, plasminogênio, A-2 antiplasma, ATIII e proteína C. A ativação dasplaquetas acelera a formação de fibrina por vários mecanismos, sendo outrofator causal importante. Fatores como acidose ou hipotermia alteram fatores decoagulação, também contribuindo nesse processo.

Em estudos anatomopatológicos, os órgãos mais comumente envolvidossão os pulmões e os rins. Além desses órgãos, são comumente envolvidos cérebro,coração, fígado, baço, adrenais, pâncreas e intestinos. Sangramento difuso emmúltiplos órgãos, necrose hemorrágica, microtrombos em pequenos vasos e trombosem vasos de médio e grosso calibres são os principais achados anatomopatológicos.Outro achado anatomopatológico importante é a presença de endocardite marânticanesses pacientes, que aparece em até 50% dos pacientes com CIVD quando buscadaativamente, e ocorre sobretudo em valvas mitral e aórtica.

 

São fatores causais importantes deCIVD:

-sepse;

-doenças neoplásicas malignas:especialmente leucemia promielocítica aguda, tumores mucinosos, como os depâncreas, estômago e ovário, e tumores cerebrais;

-trauma: principalmente se envolveSNC;

-complicações obstétricas:principalmente pré-eclâmpsia, aborto retido, esteatose hepática aguda da gestaçãoe placenta prévia;

-hemólise intravascular: por reaçõestransfusionais, púrpura trombocitopênica trombótica, malária severa.

 

Causas menos comuns envolvem:

-heat stroke ou hipertermia;

-lesões por esmagamento;

-uso abusivo de simpaticomiméticos;

-shunts peritônio-venosos;

-picadas de cobras;

-deficiência de proteína C;

-rejeição a transplante de órgãosólido;

-embolia gordurosa;

-síndrome antifosfolípide catastrófica.

 

Quadro Clínico

 

A CIVD ocorre em cerca de 1% das internações hospitalares emhospitais terciários. Em uma série de casos com 123.231 internações, a CIVD foiencontrada em 1.286 pacientes.

A maior parte das manifestações é atribuível à doença de base queleva ao aparecimento da CIVD, sendo as doenças infecciosas e neoplásicasresponsáveis por cerca de dois terços dos casos. As manifestações específicasatribuíveis à CIVD são as de sangramento e tromboses, sendo mais evidentesclinicamente os sangramentos, comuns em todas as séries de casos publicados. Porsua vez, o achado de choque ou disfunção de outros órgãos apresenta proporçãovariável em diferentes séries de casos.

Sangramentos na CIVD aguda ocorrem em cerca de 64% dos casos. Costumamser de múltiplos sítios e incluem petéquias, equimoses e sangramento em babaçãoem sítios de venopunção; também é descrito sangramento de mucosas. Os eventoshemorrágicos podem, inclusive, dependendo de sua extensão, ser associados comrisco de morte.

Outra manifestação frequente na CIVD grave é a disfunção extensade órgãos, que frequentemente resulta de trombos microvasculares; disfunçãorespiratória ocorre em 16% dos casos. Por sua vez, a ocorrência de tromboembolismopulmonar e trombose de grandes veias é rara, embora uma série de casos tenhademonstrado 7% dos casos associados a eventos tromboembólicos.

Em pacientes com endocardite marântica associada, podem ocorrerAVCs. Caso ocorra trombose de vasos cutâneos, podem aparecer bolhashemorrágicas, necrose acral e gangrena. Disfunção renal, por sua vez, ocorre em25 a 50% dos pacientes e é associada com piora do prognóstico. Ocorre provavelmentepor microtrombose de arteríolas glomerulares, e suas manifestações incluem oligúria,anúria, azotemia, hematúria.

O aparecimento de disfunção circulatória com choque pode ser tantocausa como consequência da CIVD. Disfunção hepática é descrita nesses pacientes,com icterícia ocorrendo em 19 a 57% dos casos de CIVD. Se o paciente apresentarhipotensão prolongada, há aumento das chances de disfunção hepática, simulandoinclusive as evoluções de hepatites fulminantes.

As disfunções de SNC ocorrem por micro ou macrotrombos, além depor eventos embólicos e hemorragias, que podem ser associados à CIVD, ocorrendoapenas em 2% dos pacientes.

As manifestações pulmonares incluem desde hipoxemia leve ahemorragia alveolar (achado relativamente específico na CIVD) e até mesmo SARA.Podem ainda ocorrer hemoptise, dispneia, dor torácica, roncos, sibilos e atritopleural. Na radiografia de tórax podem aparecer infiltrados difusos. Outramanifestação descrita é insuficiência adrenal aguda secundária ao processoinflamatório, afetando a adrenal e assim causando hemorragia em quadro quesimula a síndrome de Waterhouse-Friderichsen.

A púrpura fulminante é uma forma de manifestação com necrosehemorrágica extensa de extremidades e nádegas. Ocorre principalmente emcrianças, mas pode acometer adultos. Aparecem microtrombos em vasos eocasionalmente vasculites em biópsia de pele. Deficiência de proteína C é umfator associado e é frequentemente letal, ocorrendo muitas vezes de 2 a 4semanas após infecções relativamente leves, como varicela, escarlatina ourubéola. Deve-se realizar excisão de grandes extensões de pele para prevenirpiora dos danos.

A mortalidade da CIVD varia 31 a 86% nas diferentes séries e érelacionada, em grande parte, ao seu fator precipitante.

Os distúrbios da coagulação são encontrados com relativafrequência entre os pacientes com covid-19, especialmente entre aqueles comdoença grave. Em um estudo retrospectivo multicêntrico durante os primeiros doismeses da epidemia na China, 260 de 560 pacientes (46,4%) com tratamentolaboratorial e infecção confirmada por covid-19 apresentavam D-dímero elevado(= 0,5 mg/L). A elevação foi mais acentuada entre os casos graves comparadosaos casos não graves. A dinâmica do D-dímero pode refletir a gravidade, e seusníveis aumentados estão associados a desfechos adversos em pacientes compneumonia adquirida na comunidade. O D-dímero elevado (> 1,5 µg/L) foidetectado em 36% dos pacientes em um estudo descritivo de 99 casos de covid-19em Wuhan, China.

Pacientes que apresentam lesão cardíaca no contexto da infecçãopor covid-19 são mais propensos a distúrbios da coagulação em comparação comaqueles sem comprometimento cardíaco. Pacientes com altos níveis de troponinapodem apresentar mais frequentemente tempo de protrombina elevado, tempo detromboplastina parcial ativada aumentado (TTPA) e D-dímero aumentado. Um estudopublicado no New England Journal of Medicine observou que, de 216pacientes infectados por SARS-CoV-2, 20% tinham prolongamento de tempo detromboplastina parcial ativada (TIPA). Destes, 91% testaram positivo para apresença de anticoagulante lúpico e com persistência do prolongamento do TIPA mesmoapós diluição 50:50.

Em um estudo de coorte retrospectivo multicêntrico da China, osníveis aumentados de D-dímero (> 1 µg/mL) foram significativamenteassociados a morte hospitalar na análise multivariada. Os níveis de D-dímero mostraramaumento sequencial no tempo entre os não sobreviventes em comparação com os quesobreviveram. Em outro estudo retrospectivo de Tang et al., com dados de 183pacientes consecutivos com covid-19, os não sobreviventes apresentaram níveissignificativamente mais altos de D-dímero, produtos de degradação da fibrina(FDP) (P < 0,05), TP prolongado e TTPA prolongado em comparação com os sobreviventesna avaliação inicial.

O tempo médio desde a admissão até a manifestação de CIVD foi de 4dias na maioria dos estudos, levando a altos valores de D-dímero mesmo em casoscom menor gravidade, e caracteristicamente com trombose e não sangramento, comopode ocorrer em outros perfis de CIVD. O CIVD evolui com piora importante do 10ºao 14º dia, e a hipofibrinogenemia nesse contexto também tem valor prognósticopara casos mais graves.

Em um estudo prospectivo avaliando o perfil de coagulação depacientes com covid-19, os níveis de D-dímero e fibrinogênio foram marcadamentemais altos entre os pacientes em comparação com controles saudáveis?. Pacientescom doença grave apresentaram valores mais altos de D-dímero e produtos dedegradação da fibrina do que aqueles com manifestação mais leve.

A desregulação imunológica e a disfunção endotelial podem estarativamente implicadas na fisiopatologia da CIVD nesses pacientes, que aindaprecisa ser elucidada em estudos futuros. O escore DIC (DisseminatedIntravascular Coagulopathy) pode ser utilizado para esse propósito e estásumarizado na tabela a seguir. Escore maior que 4 é compatível com CIVD.

 

Tabela 1. Escore diagnóstico de CIVD*

 

Parâmetro

Resultado

Pontuação

Contagem plaquetária

> 100 mil

0 ponto

 

50-100 mil

1 ponto

 

< 50 mil

2 pontos

D-dímero

Normal

0 ponto

 

Aumentado (até 5x LSN)

2 pontos

 

Muito aumentado (= 5x LSN)

3 pontos

Prolongamento de TP

< 3 segundos

0 ponto

 

3-6 segundos (ou INR 1,3-1,5)

1 ponto

 

= 6 segundos (ou INR = 1,5)

2 pontos

Fibrinogênio

> 100 mg/dL

0 ponto

 

= 100 mg/dL

1 ponto

 

Achados Laboratoriais

 

Na apresentação aguda, plaquetopenia é um achado sensível, maspouco específico. Costuma ser apenas moderada, e raramente temos contagens deplaquetas < 20.000 céls./mm3. Alterações de exames de coagulação,como tempo de protrombina (TP), TTPA, D-dímero, tempo de trombina, fibrinogênio,produtos de degradação de fibrina e esfregaço de sangue periférico, são maiscaracterísticas dos quadros de CIVD aguda em comparação com CIVD crônica.Anemia hemolítica microangiopática com células em alvo pode ocorrer, emboramenos pronunciada que na PTT.

Quando ocorre mudança em mais de três parâmetros e plaquetopenia,o diagnóstico de CIVD é provável, e geralmente se descarta a necessidade deoutros testes.

O fibrinogênio pode ser normal no início das manifestações, podendolevar até 1 a 2 dias para ocorrerem as alterações (meia-vida do fibrinogênio de4 dias).

Os escores de CIVD têm valor prognóstico, embora pouco validadosna literatura. O D-dímero pode ser muito útil, pois indica que o cross-linkagefoi gerado por trombina que foi digerida pela plasmina. A Tabela 1 sumariza oescore para avaliação de CIVD. Escores >= 5 pontos indicam a presença deCIVD; se menor que 5 pontos, mas mantida a suspeita, devem-se repetir os examesem 48 horas.

 

CIVD Crônica

 

Ocorre em várias doenças, como carcinoma metastático, hemangiomasgigantes ou síndrome do óbito fetal. Em todas essas situações, os mecanismos decontrole tendem a prevenir a ocorrência de manifestações clínicas severasneutralizando enzimas ativas por aumento da síntese de componentes hemostáticosconsumidos.

Com isso, valores variáveis dos testes laboratoriais, as plaquetas,por exemplo, frequentemente estão apenas levemente diminuídos, fibrinogênionormal ou alto, TTPA ou TP dentro dos limites da normalidade. Entretanto, opaciente tem PDF e D-dímero elevados. São comuns os achados de células fragmentadas,mas em menor proporção que na PTT.

Outraforma de manifestação da CIVD é a chamada CIVD acompanhada de fibrinóliseprimária. Os achados típicos são plaquetas diminuídas, D-dímero aumentado,diminuição da lise de coágulo, diminuição do tempo de lise da hemoglobina e PDFmuito aumentado. Situações em que esse quadro ocorre incluem LMA (leucemia mieloide aguda),heat stroke, carcinoma metastático de próstata e embolia de fluidoamniótico.

 

Fibrinólise Primária

 

Ocorre quando plasmina é gerada na ausência de CIVD. Essa situaçãotem sido descrita em doença hepática, carcinoma de próstata, terapiatrombolítica e em algumas situações sem causa aparente. Nesses pacientes, o D-dímeroé geralmente normal, mas algumas vezes aumenta, como, por exemplo, na terapiatrombolítica com t-Pa.

 

Tratamento

 

Não está muito definido, pois não existem estudos controlados. Omais importante é o manejo das doenças predisponentes. A terapia de suporte éde grande importância nesses casos, incluindo:

-suporte hemodinâmico e respiratório;

-hidratação agressiva se reações hemolíticas transfusionais;

-transfusão de hemocomponentes para sangramento grave.

 

A terapia com componentes sanguíneos só é indicada se houversangramento ou por depleção de fatores hemostáticos. Em pacientes com plaquetasentre 50.000 e 100.000 céls./mm3, pode ser indicada a transfusão de6 a 10 unidades de plaquetas, caso o paciente apresente sangramento, mastransfusão de plaquetas profilática não costuma ser recomendada, exceto seplaquetas < 10.000 céls./mm3. Em pacientes com hipofibrinogenemiacom valores < 50-100 mg/dL (diferentes valores utilizados por diferentes autores),com alvo de valores de fibrinogênio > 100 mg/dL, uma opção é a transfusão de8-10 U de crioprecipitado ou plasma fresco congelado (PFC). Caso esses valoressejam maiores que 100 mg/dL, mas TP e TTPA alargados significativamente, deveser considerado o uso de PFC. Para reposição de outros fatores de coagulação, éindicado 1 a 2 U de PFC ou 15 mL/kg de peso de PFC. Pode ser necessário repetira cada 8 horas a reposição de PFC conforme o TP, TTPA, fibrinogênio, número deplaquetas e estado volêmico. Não é útil utilizar D-dímero e PDF para monitorarterapia.

Apesar do risco de trombose, a terapia anticoagulante tem poucaevidência. Assim, o uso de heparina convencional para diminuir risco detrombose e tratar a CIVD é controverso, pois pode exacerbar sangramento. A medicaçãoparece benéfica no caso de carcinoma metastático, púrpura fulminante ou síndromede óbito fetal, principalmente se quadro trombótico associado. A dose inicial éde 500-750 U/hora; caso não ocorra melhora em 24 horas, aumenta-se a dose. Algunsautores consideram o uso de heparina se ATIII > 50% do normal. A maioria dosautores não recomenda seu uso, e mesmo a anticoagulação profilática é geralmenteevitada nesses pacientes.

Outra opção é a utilização de concentrado ATIII: diminui a duraçãodas alterações laboratoriais e a mortalidade em estudos pequenos. De qualquerforma, não existe no momento recomendação favorável para o uso de heparina nessespacientes, exceto em casos que exigem exceção e com trombose documentada. Atransfusão de complexo protrombínico não tem evidências e é contraindicada pelamaioria dos autores.

Outra opção medicamentosa são os inibidores da fibrinólise, como oácido aminocaproico ou o ácido tranexâmico. De qualquer forma, antes da suautilização, é importante repor componentes sanguíneos e manter heparina contínua.Essas medicações não são recomendadas de rotina nesses pacientes e podem piorarsua evolução.

Outras modalidades terapêuticas incluem o mesilato de gabexato,que foi avaliado em um estudo com 395 pacientes, ocorrendo melhora em 58% doscasos nesse estudo. No entanto, seu uso rotineiro também não é recomendado.

Algumas etiologias específicas de CIVD merecem consideração. As infecçõessão causas comuns, principalmente em pacientes asplênicos. Na maioria das vezes,a infecção é bacteriana. O Staphylococcus aureus, por exemplo, éassociado a dano renal cortical e necrose de pele. Outras etiologias que devemser lembradas para tratamento específico são rubéola, varicela e influenza.

A púrpura fulminante é uma forma severa e até letal de CIVD,acometendo extremidades e nádegas, e os pacientes apresentam necrose hemorrágica.A biópsia de pele demonstra microtrombos difusos em pequenos vasos e vasculite,que ocorre de 2 a 4 semanas após a infecção inicial. Esses pacientes e emespecífico parecem ter benefício com a utilização de heparina. Outras situaçõesassociadas com púrpura fulminante incluem tumores sólidos e leucemias,principalmente a leucemia aguda pró-mielocítica; nesses casos, a fibrinóliseprimaria é a causa. Em pacientes que sofreram trauma, podem ocorrer exposiçãoao fator tecidual e choque hemorrágico; nesses casos, ocorre aumento de TNF.Interleucina-1 e PAI-1, estas alterações são preditoras em alguns estudos de desenvolvimentode SARA que são concentrados de proteína C 100 U/kg seguidos de 50 U/kg EV acada 6 horas. São o tratamento recomendado até normalização do D-dímero, atransfusão de plasma fresco congelado como opção de reposição de proteína C nessespacientes 2-3 unidades a cada 6 horas, mas é uma opção inferior.

Outra opção terapêutica que deve ser lembrada é o debridamento de tecidosdesvitalizados, pois pode parar fluxo de inibidor tecidual, inibindo, assim, acontinuação da cascata de eventos que leva à CIVD. O concentrado ATIII tambémpode ajudar nessas situações.

Em pacientes com infecção por COVID-19 é associado o aumento dorisco de trombose. A taxa de tromboembolismo venoso (TEV) sintomático empacientes hospitalizados agudamente doentes chega a 10%. Imobilizaçãoprolongada durante a doença, desidratação, estado inflamatório agudo, presença deoutros fatores de risco cardiovascular (hipertensão, diabetes, obesidade) oudoença cardiovascular (doença arterial coronariana, história de acidentevascular cerebral isquêmico ou doença arterial periférica), história prévia deTEV e trombofilia genética clássica, como a mutação heterozigótica do fator Vde Leiden, são comorbidades comuns em pacientes covid-19 hospitalizados quepotencialmente aumentam o risco de TEV. A possibilidade de ativação/dano decélulas endoteliais devido à ligação do vírus ao receptor ACE2 pode aumentarainda mais o risco de TEV. Além disso, a ventilação mecânica, o cateterismovenoso central e a cirurgia podem induzir dano endotelial vascular. Acombinação de todos esses fatores pode levar à ocorrência de trombose venosaprofunda (TVP) ou até à possibilidade de TEP (tromboembolismo pulmonar) letal devido à migração detrombos. Assim, diante desse risco de TEV, a aplicação da tromboprofilaxiafarmacológica é obrigatória em pacientes com covid-19 hospitalizados. Nessecontexto, o aumento do risco de TEV deve ser avaliado em todos os pacientesagudos internados no hospital, e tromboprofilaxia deve ser administrada a todosesses pacientes de alto risco, de acordo com as diretrizes atuais da práticaclínica. Alguns autores advogam o uso de doses de profilaxia maiores, comoenoxaparina 60 mg SC 1 vez ao dia, diferentemente das doses tradicionais de 20a 40 mg, mas a evidência de benefício ainda não foi demonstrada.

O diagnóstico precoce de TEP em pacientes com covid-19 commanifestações clínicas de deterioração súbita da oxigenação, dificuldaderespiratória ou hipotensão é de grande importância para a melhora dos desfechosclínicos. Embora os dados publicados sejam muito limitados, parece razoável quea avaliação do D-dímero, bem como a cinética de seu aumento, ofereça umainformação útil para a pesquisa de TVP e/ou TEP, juntamente com as técnicas deimagem recomendadas, como o ultrassom ecodoppler venoso ou ecocardiografia decabeceira. Um pequeno estudo recente em 25 pacientes com suspeita de TEPsubmetidos a angiotomografia pulmonar computadorizada mostrou que aqueles comTEP confirmado (n = 10) tinham níveis de D-dímero superiores a 7.000 ng/mL emcomparação com aqueles sem TEP com níveis de D-dímero significativamente maisbaixos.

As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) ou a heparina nãofracionada (HNF) devem ser preferidas aos anticoagulantes orais diretos (ACODs)devido a possíveis interações medicamentosas com antivirais concomitantes(especialmente inibidores da protease anti-HIV, como o ritonavir) e tratamentoantibacteriano (como a azitromicina). Tais tratamentos que interfiram nas viasCYP3A4 podem aumentar o risco de sangramento ou reduzir o efeito antitrombóticono caso de uso de ACODs. Em um estudo retrospectivo chinês, incluindo 449pacientes graves com covid-19 em Wuhan, a administração de HBPM entre pacientescom D-dímeros marcadamente elevados ou naqueles que atendem aos critérios paraCIVD induzida por sepse foi significativamente associada à melhora da sobrevidaglobal em 28 dias.

A avaliação cuidadosa dos índices laboratoriais na linha de base edurante o curso da doença pode ajudar os médicos a formularem uma abordagem detratamento personalizado e fornecer prontamente cuidados intensivos paraaqueles com maior necessidade. Medidas preventivas para tromboprofilaxia eidentificação precoce de complicações potencialmente letais, incluindo CIVD, afim de intervir efetivamente, melhoraram os desfechos dos pacientes eprovavelmente reduzem a taxa de mortalidade geral e entre os pacientesinfectados sem comorbidades significativas. A vigilância contínua é necessária,e estudos urgentes devem ser planejados para definir se o regime de anticoagulaçãoideal com ou sem terapias antitrombóticas adjuvantes (por exemplo, HBPM,antitrombina ou trombomodulina) pode ser útil em pacientes com covid-19.

 

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