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Trauma Torácico Parte 3 - Lesões Esofágicas

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 27/09/2021

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Continuamos nossa discussão detrauma torácico, agora especificando as lesões de esôfago.

 

Perfuração Esofágica

 

A perfuração esofágica associadaao trauma ocorre principalmente nos traumas penetrantes por lesão direta, sendomais comum no terço distal do órgão. Outros mecanismos comuns incluem traumascontusos de alta energia em região esternal ou epigástrica. Quando nãoidentificada, a lesão em esôfago pode causar mediastinite e empiema.

A descrição clássica daperfuração esofágica com vômitos repetidos e intensos foi feita em 1724 porBoerhaave, e de 1724 a 1941 a ocorrência da síndrome de Boerhaave foi quaseuniformemente fatal. Em 1941, o primeiro tratamento cirúrgico bem-sucedido paraa síndrome foi descrito ? um procedimento de drenagem. Em 1947, o primeiro reparode uma ruptura de esôfago foi descrito. Desde então, com a melhora das técnicascirúrgicas, além de outras medidas para manejo, houve redução da mortalidadepara aproximadamente 20%.

A característica anatômicaresponsável pela morbidade e a alta mortalidade associada à perfuração esofágicaé a falta de uma cobertura serosa esofágica que permita a perfuração emqualquer nível com acesso direto ao mediastino. Perfurações no esôfago superiorou cervical entram no espaço retrofaríngeo, onde os planos fasciais se estendemda base do crânio à bifurcação da traqueia. Perfurações no esôfago médio e noesôfago inferior entram diretamente no mediastino. Apenas a pleura mediastinalfina impede o livre acesso a toda a cavidade pleural, e essa barreira écomumente superada por drenagem e pela reação inflamatória exsudativa importanteinduzida pela mediastinite química e bacteriana. Quando a pleura mediastinal épenetrada, a pressão negativa gerada por esforços respiratórios tende aaumentar a contaminação, promovendo drenagem do trato gastrintestinal para omediastino e o espaço pleural.

Quando a ruptura esofágicaresulta de êmese forçada, como em casos de síndrome de Boerhaave, a fraquezaintrínseca do lado esquerdo do esôfago distal posterior é importante. Outrasáreas do esôfago raramente são envolvidas na ruptura secundária ao vômito. O esôfagotem três áreas de estreitamento anatômico, que são o músculo cricofaríngeopróximo ao introito esofágico, o nível em que o esôfago cruza o brônquioprincipal esquerdo e o arco aórtico e a junção gastresofágica. Na ausência dedoença esofágica preexistente (como carcinoma), é incomum que uma perfuraçãocausada por um corpo estranho ocorra em qualquer lugar que não seja nesses trêslocais. Corpos estranhos podem causar perfuração por penetração direta, pressãoou necrose química.

As manifestações clínicas darotura esofágica são semelhantes independentemente da etiologia. O sintoma maisconfiável de uma lesão esofágica é uma dor pleurítica localizada ao longo docurso do esôfago que é exacerbada por engolir ou por flexionar o pescoço. A dorpode ser localizada no epigástrio, na área subesternal ou no dorso, geralmentepiora com o tempo, pode migrar do abdômen superior para o tórax e costuma serintensa. À medida que o processo infeccioso piora, a dor piora, e o pacientepode apresentar dispneia. Os pacientes podem apresentar instabilidadehemodinâmica muitas vezes sem outra causa aparente.

O ar de uma perfuraçãomediastinal pode envolver o coração e produzir o chamado ?sopro de Hamman?, umsopro sistólico característico que representa a presença de ar no mediastino.Conforme o ar e o fluido se movem para o espaço pleural, sinais dehidropneumotórax ou empiema podem aparecer. Eventualmente, o ar migra para ostecidos subcutâneos, dissecando o pescoço, onde o enfisema subcutâneo pode setornar evidente. Esse sinal clássico está presente apenas em aproximadamente60% dos pacientes; no entanto, e na ausência de uma lesão traqueal, podeocorrer em apenas 30%.

A tríade de Mackler é clássicana perfuração esofágica. É constituída de enfisema subcutâneo, dor torácica evômitos, sendo um achado específico; no entanto, é encontrada em menos de 50%dos casos.

A maioria das perfuraçõesesofágicas é iatrogênica, mais comumente como uma complicação dainstrumentação. O endoscópio rígido é o fator causal mais comum,particularmente quando a anestesia geral é utilizada. Embora o uso doendoscópio flexível tenha tornado essa complicação menos provável, o númerototal de perfurações aumenta conforme mais procedimentos são executados. Lesõestendem a ocorrer perto do esôfago cervical quando o endoscópio é inserido. Procedimentosendoscópicos muito vigorosos na presença de um agente corrosivo ou carcinomatambém são causa comum de lesões iatrogênicas.

No departamento de emergência (DE),intubações nasotraqueais ou nasogástricas são as causas mais comuns deperfuração iatrogênica, com a perfuração geralmente ocorrendo no seiopiriforme. O uso de uma via aérea obturadora de esôfago também foi associadocom trauma esofágico ocasional, especificamente com perfuração esofágica, mas oCombitube laringotraqueal não parece estar associado a trauma esofágico grave.

Corpos estranhos podem causarlesão esofágica por laceração direta, por necrose de pressão ou durante aremoção endoscópica. Pequenas perfurações tendem a selar sem sequelas, masnecrose por pressão ou as lesões lacerantes fornecem amplo acesso ao mediastino.

Corpos estranhos geralmente sealojam no esôfago cervical. Em crianças menores de 4 anos, o estreitamentocricofaríngeo é o ponto usual de impactação de corpo estranho. Depois dos 4anos, a maioria dos objetos passa por essa região e atravessa o resto doesôfago. Em adultos, impactação de corpo estranho, especialmente nos casos deepisódios repetidos, levanta a possibilidade de estenose e justifica umainvestigação maior.

Queimaduras cáusticas do esôfagoocorrem de forma intencional ou acidental com ingestão de ácido ou álcali.Existem dois picos de incidência: um de 1 a 5 anos de idade, quando pequenasquantidades ingeridas são suficientes para lesão, e na adolescência até asegunda ou a terceira décadas de vida, quando grandes quantidades de substânciacáustica são ingeridas durante as tentativas de suicídio. Os sintomas dessasintoxicações incluem hematêmese, dificuldade respiratória, vômito ou a presençade lesões orofaríngeas no exame físico. A necrose de liquefação classicamenteresultante de fortes queimaduras por álcali (pH > 12) tem maiorprobabilidade de causar perfuração esofágica do que a necrose de coagulaçãoresultante de queimaduras por ácido forte (pH < 2). Indivíduos que ingeremsubstâncias alcalinas com pH menor que 11,5 raramente sustentam lesões maisgraves do que queimaduras superficiais na mucosa. A ingestão de ácido causadanos com maior frequência no estômago do que no esôfago. A endoscopia nasprimeiras 6 a 18 horas pode ser usada para determinar a extensão da lesão eorientar a terapia. A admissão hospitalar após ingestão significativa é a regra.Alguns autores sugerem que, no cenário de ingestão acidental em crianças e naausência de sintomas, a endoscopia e a internação podem não ser indicadas.

Anormalidades radiográficaspodem ser detectadas em até 90% dos pacientes com perfuração esofágica; essasalterações incluem pneumomediastino ou derrame pleural. O derrame pleuralassociado a perfuração esofágica geralmente é do lado direito em perfuraçõesaltas e do lado esquerdo em perfurações distais. Os pacientes podem aindaapresentar o ?sinal do V?, que representa pneumomediastino ao redor de artériasno tórax e ocorre em 20% dos pacientes. As radiografias laterais da colunacervical podem revelar ar ou fluido na área retrofaríngea, o que écaracterístico de perfuração esofágica, mas também são encontrados quando asperfurações nas partes inferiores do esôfago liberam ar ou fluido que dissecamsuperiormente.

A esofagoscopia é comumenterealizada para verificar a presença ou ausência de lesão esofágica. Avançar o endoscópioalém da primeira queimadura no esôfago aumenta o risco de perfuração e é umacausa iatrogênica comum de perfuração esofágica.

Exames com contraste com sulfatode bário podem identificar pequenas perfurações esofágicas, mas podem causarreação inflamatória se atingirem o mediastino; assim, soluções de contrastesolúveis em água, como gastrografin, podem ser mais seguras.

O trauma raramente evolui comuma lesão isolada. Lesões cervicais esofágicas são comuns por causa da falta deproteção pelo tórax ósseo, e a traqueia é o local mais comumente associado delesão. Em alguns casos, a lesão esofágica pode não ser identificada em virtudeda apresentação dramática de um paciente com lesão traqueal. Os sintomastípicos observados em lesões esofágicas cervicais incluem dor cervical,disfagia, tosse, alterações na voz e hematêmese. Os achados físicos podemincluir dor cervical, crepitação ou estridor. Em uma grande série de casos, amaior causa de morte nesses pacientes foi o comprometimento das vias aéreas. Amaioria desses casos foi tratada com intubação com indução de sequência rápida,mas em 12% dos pacientes foi necessária cricotireoidostomia.

Em pacientes estáveis, o esofagogramapré-operatório com agente solúvel em água deve preceder qualquer endoscopia. Aradiografia de tórax e pescoço e a TC também podem ser usadas para diagnosticara perfuração esofágica. A endoscopia flexível à beira do leito de emergência é oteste de escolha para confirmar achados negativos na esofagografia(especialmente no cenário de trauma penetrante). O reparo cirúrgico é indicadona maioria das lesões e deve ser feito o mais rápido possível para evitar odesenvolvimento de fístula, mediastinite ou formação de abscesso.

Ruptura esofágica espontânea,ruptura pós-êmese ou síndrome de Boerhaave são expressões sinônimas. Essa lesãoesofágica está associada a mau prognóstico, porque as forças necessárias pararuptura do esôfago resultam em maciça e instantânea contaminação mediastinal. Oesôfago distal é o local habitual de lesão, com laceração longitudinalocorrendo na região posterolateral esquerda. Mais de 80% dessas lesões ocorrem emhomens de meia-idade que ingeriram álcool e grandes refeições. Aumentos dapressão intra-abdominal resultantes de trauma contuso, convulsões, partos,entre outras situações, podem causar essa lesão. Em pacientes com síndrome de Boerhaaveclássica, os vômitos são seguidos por forte dor torácica, enfisema subcutâneo einstabilidade hemodinâmica.

A endoscopia pode ajudar a estabelecera presença ou ausência de perfuração esofágica. O tamanho e a localização daperfuração e a habilidade do endoscopista são fatores importantes na performancediagnóstica do exame. Se o diagnóstico permanecer em dúvida, um esofagogramadeve ser realizado. A TC helicoidal com contraste oral foi relatada como ummétodo mais seguro e rápido para o diagnóstico. Algumas das anormalidades quepodem ser vistas na TC incluem ar extraluminal, fluido periesofágico,espessamento esofágico e contraste extraluminal.

O tempo é crucial para minimizara mortalidade e a morbidade dessa condição. Se o diagnóstico for fortementesugerido ou confirmado, o manejo deve incluir antibióticos de amplo espectro (cobrindoa flora oral), reposição volêmica e manutenção das vias aéreas. Uma avaliaçãocirúrgica de emergência deve ser solicitada, porque o prognóstico piora com opassar do tempo, com mortalidade quase dobrando nas primeiras 12 horas. Emboraa terapia cirúrgica seja padrão, alguns pacientes são manejados apenas com osuporte clínico. Nesses casos, o paciente é colocado em nutrição parenteral euso de antibióticos de amplo espectro. O uso de sondas nasogástricas deve ser desencorajado,porque pode aumentar o refluxo gastresofágico e piorar a contaminação domediastino.

 

Bibliografia

 

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