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Mielofibrose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 20/10/2022

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A mielofibrose (MF) faz parte das doenças mieloproliferativas. É um distúrbio clonal crônico caracterizado por anemia, neutrofilia, trombocitose e, em alguns casos, plaquetopenia e leucopenia, além de esplenomegalia, leucócitos imaturos, aumento do agrupamento de células CD34 , eritrócitos nucleados e eritrócitos em forma de lágrima no sangue, fibrose medular e frequentemente osteosclerose.

O distúrbio foi originalmente descrito por Heuck em 1879. A descoberta de que a mutação do gene Janus quinase 2 (JAK2) pode desempenhar um papel na origem e no comportamento de várias doenças mieloproliferativas, com aproximadamente 50% dos casos de MF apresentando uma mutação do gene JAK26 ou mutações do gene da calreticulina (CALR), mudou a percepção da doença e levou a uma melhor compreensão de sua patogênese.

A incidência da MF é de 0,5 a 1,0 caso para cada 100.000 habitantes por ano, variando de acordo com a população estudada. A grande maioria dos pacientes (95%) é diagnosticada com idade superior a 40 anos; a idade média ao diagnóstico é de 67 anos. A maioria dos casos de MIC é idiopática, porém é relatado aumento da incidência dessa doença em populações expostas a radiação, como em Hiroshima e Nagasaki. Também há aumento do risco de aparecimento da doença em pacientes submetidos a exames radiológicos contrastados com soluções baseadas no elemento químico tório. A doença também pode acometer neonatos e crianças. Em adultos, a doença ocorre com frequência similar em homens e mulheres.

 

Etiologia e Patogênese

 

A exposição a altas concentrações de benzeno ou radiação ionizante pode estar associada com o desenvolvimento de MF, mas a evidência é limitada. Relatos de MF associada a doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, vasculites, síndrome de Sjögren, retocolite ulcerativa, entre outras doenças, sugerem a possibilidade de envolvimento da autoimunidade.

A doença surge da transformação neoplásica de uma única célula multipotencial hematopoiética. A MF pode ser distinguida da MF secundária ou da mieloftise por estudos de clonalidade. A descoberta da mutação JAK2V617F permitiu que esse marcador fosse usado na avaliação da clonalidade. Células mutantes contendo JAK2 foram identificadas em todas as linhagens de células sanguíneas de pacientes com MF.

A megacariopoiese neoplásica é a alteração mais proeminente nessa doença, sendo responsável pela maioria de suas principais manifestações. Outra alteração característica são as células CD34 .

A mieloproliferação neoplásica geralmente é a anormalidade medular dominante nas linhagens granulocíticas e megacariocíticas. A expansão neoplásica de megacariócitos e a intensa dismorfogênese de megacariócitos são características constantes da doença. Mesmo em medulas intensamente fibróticas com graves reduções dos níveis dos precursores eritroides e granulocíticos, aglomerados de megacariócitos são facilmente encontrados intercalados entre os feixes de colágeno.

A fibrose medular na MF está intimamente correlacionada com o aumento de megacariócitos neoplásicos e dismórficos na medula. A medula, mesmo densamente fibrótica, com pouca granulopoiese residual ou eritropoiese, geralmente tem numerosos megacariócitos espalhados pelas áreas fibróticas. A hemopoiese extramedular está quase sempre presente no fígado e no baço, contribuindo para o aumento do órgão. A liberação de células progenitoras da medula e seu transporte para outros órgãos contribuem para a formação de células sanguíneas extramedulares.

 

Achados Clínicos

 

Alguns pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico, caso em que a doença é detectada por exame médico por um motivo não relacionado. A queixa clínica mais comum em pacientes com MF é fadiga, sintoma muito mais pronunciado nessa doença do que em outras síndromes mieloproliferativas, chegando a acometer até 70% dos pacientes, sendo desproporcional à anemia que eles apresentam. Os pacientes têm sintomas relacionados ao aumento do baço e do fígado, como queixas dispépticas e distensão abdominal, observadas em até 50% dos pacientes. Outros achados frequentes e inespecíficos incluem fraqueza, falta de ar, prurido, sudorese noturna e dor óssea. Os pacientes podem apresentar perda de peso, mas anorexia é pouco frequente. Uma sensação de empachamento no abdome superior esquerdo causada por esplenomegalia ou saciedade precoce pode ocorrer. Dor intensa no quadrante superior esquerdo ou no ombro esquerdo pode ocorrer por infarto esplênico e periesplenite. Devemos lembrar que a esplenomegalia é um achado em praticamente todos os pacientes. O tamanho do baço varia de acordo com a gravidade da doença e pode ser tão grande que ultrapassa a linha média ou a cicatriz umbilical. Em uma série de casos, o baço estava levemente aumentado em um quarto dos pacientes, moderadamente aumentado na metade e maciçamente aumentado em aproximadamente um quarto dos pacientes.

Os pacientes podem relatar sangramento inesperado, que é mais prevalente naqueles com contagem de plaquetas acima de 1.000.000 céls./mm3 com doença de von Willebrand adquirida. Ocasionalmente, a dor óssea é proeminente, sobretudo nas extremidades de ossos longos. Fadiga, perda de peso, caquexia, sudorese noturna e dores ósseas são mais frequentes mais tardiamente no curso da doença e estão relacionadas ao aumento de citocinas inflamatórias circulantes, que é outra característica da doença.

A hepatomegalia é detectável em dois terços dos pacientes. A perda muscular ou edema periférico está presente com pouca frequência. Sensibilidade óssea pode estar presente.

A dermatose neutrofílica, uma síndrome similar às placas elevadas e sensíveis da síndrome de Sweet, pode ocorrer. A lesão histológica predominante é um intenso infiltrado polimorfonuclear neutrofílico. Infiltrados cutâneos relacionados a células hematopoiéticas (leucemia cútis) são incomuns. Essas lesões cutâneas podem apresentar células mieloides com células gigantes portadoras de marcadores CD61 característicos de megacariócitos. Podem ocorrer lesões cutâneas que representam tumores fibro-hematopoiéticos cutâneos.

O aparecimento de sintomas ou sinais pode levar à identificação de uma massa na imagem, independentemente da localização. Os tumores fibro-hematopoiéticos podem levar a derrames cavitários no tórax ou no abdome, sinais neurológicos inesperados. A efusão geralmente contém megacariócitos, granulócitos imaturos e, ocasionalmente, eritroblastos.

A eritropoiese extramedular que ocorre essencialmente em baço e fígado pode também ocorrer em linfonodos, pleura, pericárdio, peritônio, trato gastrintestinal ou em qualquer outro órgão. Dessa forma, pode ser causa de sintomas em todos os sistemas do corpo. Apesar de possíveis, tais manifestações são incomuns. A hematopoiese extramedular no espaço epidural intracraniano ou intraespinhal pode levar a complicações neurológicas graves, incluindo hematoma subdural, delírio, pressão intracraniana aumentada, papiledema, tumor cerebral, coma, comprometimento motor e sensorial, compressão da medula espinal e paralisia dos membros.

A trombose de veia porta ocorre com mais frequência em pacientes com MF quando comparados com a população em geral. Os pacientes podem apresentar aumento maciço do fluxo sanguíneo esplenoportal e diminuição da complacência vascular hepática ou trombose da veia hepática, podem causar hipertensão portal grave, ascite, varizes esofágicas e gástricas, distúrbios gastrintestinais, sangramento intestinal e encefalopatia hepática. A trombose da veia porta ocasionalmente precede o início da doença. A hipertensão portal, em raros casos, é acompanhada de hipertensão pulmonar e fibrose pulmonar, mas raramente os pacientes são sintomáticos.

Uma grande proporção de pacientes desenvolve osteosclerose durante o curso da doença, presente em cerca de 50% dos pacientes e caracterizada por aumento da densidade óssea motivada por fibrose. O padrão radiológico dessa lesão é de redução da radiotransparência óssea, que pode se confundir com metástases ósseas blásticas. Além da osteosclerose, podem estar presentes a periostite, que pode levar a dor óssea, e a artrite gotosa secundária ao elevado turnover celular. Lesões osteolíticas são raras e podem refletir a presença de sarcoma mieloide. Periostite pode levar a dor óssea persistente.

O risco de trombose arterial e venosa é elevado em pacientes com MF, embora menos do que na policitemia vera ou na trombocitemia essencial. Aproximadamente 10% dos pacientes com MF apresentam um evento trombótico nos primeiros quatro anos de doença. Leucocitose, idade, mutação JAK2 e leucocitose aumentam o risco de trombose.

 

Exames Complementares

 

O hemograma completo e o esfregaço de sangue periférico podem apresentar alterações significativas. A concentração da hemoglobina pode ser normal, com anemia ocorrendo em cerca de 50% dos pacientes, além de contagem de leucócitos levemente elevada. Alterações no sangue periférico incluem os dacriócitos (hemácias em lágrima) e os eritroblastos. Os primeiros sinalizam a ocorrência de intensa eritropoiese extramedular; os segundos demonstram que há aumento na produção de células vermelhas e liberação precoce desses elementos na circulação, uma vez que a sobrevida e o funcionamento das hemácias estão comprometidos. O espectro de anormalidades no hemograma encontrado na MF é significativo e depende da fase em que se encontra a doença. Nos estágios iniciais, nos quais predomina o componente proliferativo sobre o fibrótico, costuma haver aumento nas contagens de leucócitos e plaquetas, sendo menos frequente o aumento do hematócrito. Nas fases mais avançadas da doença, predominam a fibrose medular, a leucopenia e a trombocitopenia.

A anemia dos pacientes é geralmente normocítica-normocrômica. A concentração média de hemoglobina em uma série de pacientes no momento do diagnóstico foi de aproximadamente 9,0 a 12,0 g/L. Anisocitose e poiquilocitose são achados constantes. A contagem total de leucócitos costuma ser moderadamente elevada como resultado da neutropenia, com leucócitos em geral entre 10.000 e 15.000 céls./mm3. A neutropenia ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes no momento do diagnóstico. Mielócitos e promielócitos estão presentes em pequenas proporções no esfregaço sanguíneo na maioria dos pacientes, e baixa proporção de células blásticas (0,5-2%) pode ser encontrada no esfregaço sanguíneo. A contagem média de plaquetas na série de pacientes varia de 175.000 a 580.000 céls./mm3. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam pancitopenia devido ao comprometimento da hematopoiese, que afeta cada linhagem celular, juntamente com sequestro esplênico em um baço maciçamente aumentado. A pancitopenia geralmente está associada a fibrose medular intensa; pode ainda ocorrer linfopenia leve. As células CD34 são muito características da MF, e a concentração aumentada dessas células sugere o diagnóstico.

Na avaliação da medula óssea, pode-se verificar hipoplasia eritroide. Os pacientes podem apresentar extensa fibrose na medula óssea. A distribuição da fibrose pode ser irregular, sendo possível, em fases precoces da doença, puncionar uma ilha de medula sem fibrose; nesse caso, o fragmento na maioria das vezes mostra intensa celularidade. A coleta do mielograma é geralmente difícil em virtude da extensa fibrose, de forma que não é infrequente que o médico não consiga colher o mielograma, caracterizando um aspirado seco (dry tap). A consistência óssea na maioria das vezes encontra-se endurecida.

Em alguns pacientes, hemólise pode ser proeminente, e podem ocorrer policromatofilia e contagens de reticulócitos muito elevadas. O teste de Coombs geralmente é negativo, mas autoanticorpos eritrocitários podem se desenvolver e levar à hemólise imunomediada, que raramente tem sido um achado na apresentação do paciente.

Podem ocorrer fenômenos hemorrágicos na MF, a maioria deles atribuída à plaquetopenia e à hipertensão portal que alguns pacientes podem apresentar. Alguns pacientes podem ter redução nos níveis de fator V e VIII, com prolongamento dos tempos de coagulação, e, eventualmente, em fases finais da doença, achados compatíveis com coagulação intravascular disseminada (CIVD). O tempo de sangramento pode ser prolongado desproporcionalmente à contagem de plaquetas.

Podem ocorrer alterações em exames laboratoriais. Como muitos dos exames laboratoriais podem estar alterados na MF, é comum encontrar níveis elevados de fosfatase alcalina (em particular a fração leucocitária), DHL, ácido úrico, bilirrubinas e vitamina B12; este último reflete o aumento da massa de neutrófilos, como ocorre na policitemia vera. O colesterol sérico está frequentemente diminuído e é um fator prognóstico negativo. Os níveis séricos de albumina e colesterol costumam estar diminuídos. Pode ocorrer hipocalcemia ou hipercalcemia. Os níveis plasmáticos de trombopoietina e IL-6 são elevados. Trombopoietina elevada não é explicada pelo aumento da produção de células hematopoiéticas ou estromais da medula.

Pacientes com MF podem apresentar alterações em exames de imagem. A ressonância magnética (RM) nuclear vem sendo utilizada para avaliar a substituição da gordura presente na medula óssea por elementos fibróticos. A fibrose medular altera a hiperintensidade das imagens ponderadas em T1, que normalmente resulta da gordura medular. À medida que a celularidade e a fibrose progridem, pode-se observar hipointensidade nas imagens ponderadas em T1 e T2. A RM não distingue entre MF e causas secundárias de fibrose, mas as diferenciações clínicas geralmente são muito evidentes a partir dos resultados de exames físicos, de sangue e medula anteriores e da evidência de mutações em JAK2, CALR ou MPL. Outro achado em exames de imagem é a osteosclerose difusa.

Grande parte dos pacientes com MF pode apresentar alterações citogenéticas, porém nenhuma é característica dessa doença. As mutações no JAK2 podem ser evidenciadas em 40% dos pacientes.

 

Diagnóstico Diferencial

 

A leucemia mieloide crônica (LMC) deve ser considerada no diagnóstico diferencial da MF. Na LMC, a contagem de leucócitos geralmente é superior a 30.000 céls./mm3 em quase todos os pacientes e superior a 100.000 céls./mm3 em metade dos pacientes. Na MF, a contagem de leucócitos geralmente é inferior a 30.000 no momento do diagnóstico. Na MF, os poiquilócitos em forma de lágrima estão presentes em todos os campos, o que não ocorre na LMC. A medula, na LMC, apresenta hiperplasia granulocítica intensa, com quase 100% de celularidade, e geralmente nenhuma fibrose ou fibrose discreta. Na MF, a medula tem celularidade levemente aumentada ou hipocelular, com fibrose de reticulina moderada a acentuada. Ocasionalmente, pacientes com LMC desenvolvem fibrose medular intensa e alterações dismórficas nas células sanguíneas, que dificultam a distinção entre as duas doenças. O cromossomo Ph ou o gene de fusão BCR-ABL está presente na LMC e ausente na MF, ao passo que as mutações JAK2V617F ou o CALR, ou a mutação MPL, estão presentes em aproximadamente 90% dos casos de MF e ausentes na LMC.

Pacientes com MF podem ter pancitopenia ou bicitopenia e, nesse aspecto, mimetizam pacientes com as síndromes mielodisplásicas (SMD). Pacientes com SMD raramente apresentam fibrose intensa na medula. Esplenomegalia proeminente é esperada em pacientes com MF, mas não ocorre na SMD. Alguns pacientes com MF têm contagens de plaquetas acima de 450.000 céls./mm3; assim, o diagnóstico de trombocitemia primária pode ser considerado nesses pacientes.

A leucemia de células pilosas, quando associada a anormalidades na forma das hemácias, pancitopenia, esplenomegalia e medula fibrótica, pode

mimetizar MF.

O carcinoma metastático, especialmente um carcinoma de mama ou próstata, ou infecção micobacteriana disseminada, pode induzir fibrose medular e ocasionalmente simula MF. A demonstração de células de carcinoma metastático ou micobactérias na medula indica a etiologia da alteração em um processo que é denominado “mieloftise”.

Todas as doenças hematopoiéticas clonais (LMA, LMC, SMD, linfomas) podem ter aumento das fibras de reticulina da medula, mas raramente apresentam fibrose de colágeno.

 

Tratamento

 

Os pacientes com MF têm perspectivas de prognóstico piores do que aqueles com outras doenças mieloproliferativas, como a trombocitemia essencial e a policitemia vera. Fatores prognósticos importantes são a hemoglobina < 10,0 e a presença de leucocitose (> 30.000/microL) ou leucopenia (< 4.000/microL). Outros fatores menos importantes também foram relatados, como idade > 60 anos, hepatomegalia, perda de peso, plaquetopenia (< 150.000/microL) e cariótipo anormal.  

Um estudo retrospectivo da Mayo Clinic validou um modelo prognóstico em pacientes com MIC. Nesses pacientes, os fatores analisados foram: hemoglobina < 10 g/dL, leucócitos < 4.000/microL, monócitos > 1.000 microL, plaquetas < 100.000/microL. As sobrevidas medianas foram de 173, 61 e 26 meses para aqueles pacientes que apresentaram, respectivamente, zero, um e dois ou mais desses fatores.

Alguns pacientes com MF são assintomáticos e permanecem estáveis por anos, sem necessidade de tratamento específico. Sintomas constitucionais, anemia, trombocitopenia e esplenomegalia são as principais razões iniciais para a terapia. Hemoglobina inferior a 10,0 g/L, contagem de leucócitos inferior a 4.000 céls./mm3 e plaquetas < 100.000 céls./mm3 também costumam indicar a necessidade de tratamento.

Pacientes com anemia grave ou moderada, mas sintomática, podem necessitar de transfusões periódicas de hemácias. Mecanismos alternativos para aumentar a concentração de hemoglobina no sangue incluem o uso de eritropoietina recombinante, luspatercept e terapia androgênica. Os níveis séricos de eritropoietina são apropriados para a gravidade da anemia em pacientes com MF. Assim, o uso de eritropoietina para anemia apresenta resultados limitados.

A anemia grave pode melhorar com terapia androgênica em alguns pacientes. Testosterona, oximetolona e fluoximesterona têm sido usadas, mas têm efeitos virilizantes. Além disso, têm potencial para lesão hepática. O danazol, em dose de 600 a 800 mg/dia por via oral por até 6 meses, pode ser usado nesses pacientes. Pacientes em uso de terapia androgênica devem receber avaliação hepática por meio de exame físico, exames de função hepática e ultrassonografia para detectar lesões hepáticas ou tumores.

Pacientes com anemia hemolítica significativa podem se beneficiar do uso de glicocorticoides. Prednisona 0,5 a 1,0 mg/kg por dia por via oral pode ser tentada. Uma variedade de drogas tem sido usada para o tratamento de esplenomegalia maciça, trombocitose ou sintomas constitucionais. Como as mutações de JAK2 são consideradas um fator-chave na expansão clonal que leva a MF em pelo menos 50% dos pacientes, foram realizados exames com inibidores da proteína JAK2 mutante. Os efeitos de vários inibidores de JAK2 foram descritos. Embora os efeitos sejam um pouco diferentes, o efeito mais marcante e consistente com cada agente é a diminuição no tamanho do baço e a reversão dos sintomas constitucionais. Apesar da progressão da anemia, a maioria dos pacientes tratados relata diminuição da fadiga. A redução do tamanho do baço e a melhora na qualidade de vida de muitos pacientes foram drásticas e semelhantes naqueles com e sem uma mutação JAK2. Esse efeito pode ser explicado pela capacidade do fármaco de inibir as isoformas JAK1 e JAK2, tendo a primeira um papel na elaboração de citocinas. Esses agentes podem diminuir a morbidade e a mortalidade, prolongando a sobrevida.

O ruxolitinib é a primeira terapia que mostrou benefício em ensaios clínicos comparados com o placebo. O medicamento não deve ser administrado se a contagem de plaquetas cair para menos de 50.000 céls./mm3. Em 2019, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o fedratinib para adultos com MF primária ou secundária de risco intermediário ou alto.

A hidroxiureia é um agente comumente usado para pacientes com grandes hipercelularidades, seja leucocitose, seja plaquetose. A hidroxiureia pode diminuir o tamanho do baço e do fígado, reduzir os sintomas constitucionais, como sudorese noturna ou perda de peso, e, ocasionalmente, aumentar a concentração de hemoglobina e diminuir a contagem de plaquetas e o grau de fibrose medular. A hidroxiureia pode ser administrada em doses de 0,5 a 1,0 g/dia ou 1 a 2 g por via oral de 2 a 3 vezes por semana. Os pacientes devem ser avaliados para ajuste de dose inicialmente a cada semana e depois a cada mês.

A dor óssea debilitante pode ser um problema irritante em alguns pacientes com osteosclerose e periostite. Melhora drástica na dor óssea e na

hematopoiese após o uso de bifosfonados tem sido descrita. A radioterapia pode ser útil para pacientes com MF em diversas situações, como naqueles com dor esplênica significativa (infartos esplênicos) ou aumento maciço do baço com contraindicação para esplenectomia (por exemplo, trombocitose). Doses repetidas de 0,5 a 2,0 Gy para o baço podem melhorar a dor. A radiação esplênica pode resultar em piora das citopenias, especialmente trombocitopenia. Outras situações em que a radiação pode ser útil incluem o tratamento de ascite resultante de metaplasia mieloide do peritônio, de áreas focais de dor óssea intensa (periostite ou osteólise de um sarcoma mieloide) e de tumores fibro-hematopoiéticos extramedulares, especialmente do espaço epidural.

A esplenectomia tem sido importante no manejo da MF. As principais indicações para esplenectomia incluem aumento doloroso do baço, necessidade excessiva de transfusão ou anemia hemolítica refratária, hipertensão portal e plaquetopenia grave. A remoção do baço em pacientes com MF pode ser difícil. A mortalidade perioperatória é de aproximadamente 10%. Complicações incluem hemorragia, hematoma subfrênico, abscesso subfrênico, lesão da cauda do pâncreas, fístulas pancreáticas ou trombose de vasos mesentéricos. Infecção, especialmente pneumonia, ocorre em aproximadamente 10% dos pacientes. O transplante de células hematopoiéticas é a única abordagem curativa para MF. A terapia de transplante de medula tem sido usada cada vez mais em pacientes com prognóstico ruim (por exemplo, anemia grave e leucopenia ou leucocitose exagerada) e é o tratamento de escolha nos pacientes elegíveis.

O uso de inibidores de JAK2 no tratamento da PMF pode não apenas diminuir a sintomatologia e o tamanho do baço, mas também prolongar a sobrevida. Um estudo analisou 100 pacientes que receberam ruxolitinib em comparação com 350 pacientes pareados que não receberam ruxolitinib. Houve um prolongamento de sobrevida com mediana de 18 meses em pacientes com pior prognóstico da doença.

Pacientes com MF de alto risco não elegíveis para transplante devem receber tratamento com ruxolitinib, febratinib ou hidroxiureia. Pacientes com menor risco sintomáticos geralmente são tratados com ruloxitinib; caso assintomáticos, recomenda-se apenas observação sem tratamento farmacológico. O Quadro 1 sumariza outras opções para o tratamento sintomático desses pacientes.

 

Quadro 1. Indicações e tratamentos para mielofibrose

 

Agente

Indicação

Danazol

Anemia

Transfusões de sangue

Anemia

Hidroxiureia

Esplenomegalia, trombocitose, leucocitose

Alquilantes

Esplenomegalia, trombocitose, leucocitose

Talidomida prednisona

Fadiga, esplenomegalia, citopenias refratárias

Radioterapia para baço

Esplenomegalia dolorosa

Esplenectomia

Hemorragia esplênica, desconforto inaceitável, citopenias refratárias a outras medidas

 

As principais causas de morte são infecção, hemorragia e transformação leucêmica aguda. Leucemia aguda ocasionalmente é precedida pelo desenvolvimento de sarcomas mieloides. Uma evolução da doença para leucemia linfocítica aguda ou linfoma pode ocorrer. Risco aumentado de progressão para leucemia foi relatado em pacientes esplenectomizados. A progressão para leucemia aguda é associada a contagem de blastos superior a 3% e contagem de plaquetas inferior a 100.000 céls./mm3 no momento do diagnóstico. Tratamento com eritropoietina ou andrógenos também está associado ao aumento do risco de progressão para leucemia aguda. A administração de inibidores de JAK2 pode ser útil para o tratamento da LMA em pacientes com MF. Remissões espontâneas raras de PMF aparente foram documentadas.

 

Bibliografia

 

1-Prchal JT, Lichtman MA. Primary Myelofibrosis. Williams Hematology 2021.

 

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