Meta-análise: Ventilação não invasiva no edema agudo de pulmão cardiogênico1
Edema agudo pulmonar (EAP) é uma condição comum em serviços de emergência e unidades de terapia intensiva, associado a considerável morbimortalidade. A ventilação não-invasiva (VNI) é uma ferramenta importante no tratamento da insuficiência respiratória aguda, com seu potencial de redução de intubação orotraqueal (IOT). A VNI pode ser administrada como uma pressão positiva contínua (CPAP) ou em dois níveis (Bipap). Diversos estudos e meta-análises prévias2-4 mostraram que o uso de VNI em EAP associa-se a menor mortalidade e menor necessidade de IOT. No entanto, um estudo recente (3CPO)5 questionou esses resultados ao não mostrar benefício do uso da VNI no EAP em termos de mortalidade precoce e necessidade de IOT.
Os autores realizaram uma revisão da literatura com o objetivo de encontrar estudos clínicos randomizados que comparassem o uso de VNI e estratégias conservadoras no EAP e que avaliassem mortalidade, necessidade de IOT e incidência de síndromes coronarianas agudas (SCA). Foram selecionados estudos que compararam CPAP vs. Controle, Bipap vs. Controle e CPAP vs. Bipap. Os grupos controles foram aqueles que usaram o suporte clínico padrão (oxigênio, diurético, vasodilatador).
Foram incluídos 31 estudos, com um total de 2887 pacientes. Dez estudos compararam CPAP e controle, 5 Bipap e controle, 11 Bipap vs. CPAP e 3 compararam CPAP, Bipap e controle. Os principais resultados, apresentados como risco relativo (RR) e intervalo de confiança de 95%, foram:
Desfecho |
CPAP vs. controle |
Bipap vs. controle |
Bipap vs. CPAP |
Mortalidade Hospitalar |
0,64 (0,44-0,97) |
0,82 (0,58-1,15) |
1,06 (0,72-1,57) |
Necessidade de IOT |
0,44 (0,32-0,60) |
0,54 (0,33-0,86) |
1,23 (0,72-2,10) |
Incidência de SCA |
1,07 (0,84-1,37) |
1,09 (0,87-1,37) |
1,09 (0,82-1,46) |
Algumas subanálises foram realizadas e mostraram que o CPAP teve um impacto maior na redução da mortalidade em EAP de origem isquêmica, estudos que tinham uma proporção pequena de pacientes isquêmicos não mostraram benefícios no uso da VNI e o impacto nos resultados variou de acordo com o “peso” que se deu à influência do estudo 3CPO nos resultados. Além disso, a exclusão de estudos metodologicamente mais fracos mostrou um maior impacto benéfico do uso da VNI no EAP.
A realização de meta-análises ano-a-ano de acordo com a publicação dos estudos mostrou que a partir de 1995 tem-se evidência de que o CPAP reduz a necessidade de IOT, em 2002 de que há redução da mortalidade e em 2004 de que o Bipap também reduz a necessidade de IOT. Estes resultados não mudaram com o tempo e com a inclusão de novos estudos.
Os resultados da meta-análise permitem concluir que o CPAP reduz a mortalidade e a necessidade de IOT em EAP e o Bipap reduz a necessidade de IOT quando comparados ao suporte clínico padrão. Não há diferença entre as duas estratégias de VNI quanto aos desfechos analisados. Os efeitos benéficos parecem ser mais pronunciados em EAP de etiologia isquêmica.
Os resultados da meta-análise parecem diferir daqueles do estudo 3CPO porque este estudo incluiu pacientes menos graves ou porque o suporte clínico foi melhor que nos estudos anteriores, uma vez que as taxas de mortalidade e IOT foram menores que as reportadas anteriormente5. A hipótese de melhor tratamento clínico é improvável, uma vez que o uso de oxigênio, diurético e vasodilatador parece manter-se ao longo dos anos e recomendado por diretrizes. Além disso, o estudo 3CPO teve uma menor proporção de pacientes com SCA, uma taxa superior a 80% de uso de VNI em pacientes inicialmente randomizados para a oxigenoterapia (o protocolo do estudo resumia-se às duas primeiras horas de tratamento, depois o tratamento era a critério do médico assistente)5.
Assim, o uso de VNI (CPAP ou Bipap) é recomendado em pacientes que se apresentam com EAP e não tem uma rápida melhora com o uso de oxigênio suplementar, diurético e vasodilatador endovenoso.