Caso de anemia falciforme com dispneia
Paciente com 31 anos de idade, sexo feminino, com diagnóstico de anemia falciforme desde a infância, procura o serviço de emergência por quadro de dor torácica, tosse há 3 dias e dispneia há 1 dia. Alcançou um pico febril, medido na noite anterior, de 38,3ºC. Há 5 dias, haviam iniciado dores de forte intensidade em membros superiores e inferiores, com controle álgico parcial com opioides, conforme orientação do seu médico. Refere que a dor, atualmente, é retroesternal, de forte intensidade (9/10), sem irradiações e sem relação com esforços. Informa sensação de dispneia aos mínimos esforços.
Ao exame, a paciente apresenta:
descoramento (2+/4+), desidratação (1+/4+), icterícia (1+/4+), cianose, febre (37,9ºC), taquipneia;
BRNF s/s FC 107 PA 110x70 TEC 3s;
MV+, diminuídos em base direita, spO2 89%, FR 30RPM, raros sibilos;
Abdome plano, flácido, RHA+, indolor à palpação, sem visceromegalias palpáveis;
MMII sem edema ou empastamento;
ausência de alterações neurológicas focais, com consciência e orientação discretamente agitada.
A Figura 1 mostra a radiografia de tórax.
Figura 1 ? Radiografia de tórax.
Comentário:
Trata-se de um caso de paciente jovem com antecedente de anemia falciforme, que iniciou um quadro álgico em membros, evoluindo, posteriormente, com quadro de dor torácica e dispneia. A radiografia de tórax revelou a presença de infiltrado heterogêneo à D e uma retificação do arco pulmonar.
Em pacientes com esse antecedente, o diagnóstico inicial seria de crise álgica secundária à anemia falciforme. A paciente apresenta um infiltrado pulmonar à D sugestivo de quadro infeccioso, com infiltrado interstício alveolar ? o que sugere um quadro pneumônico associado, lembrando que esses pacientes têm risco particularmente aumentado de infecção e complicações infecciosas, sobretudo por agentes encapsulados como o pneumococo. Pacientes com anemia falciforme e infiltrado pulmonar têm como diagnóstico diferencial, necessariamente, a síndrome torácica aguda.
A fisiopatologia da síndrome torácica aguda não é completamente determinada, sendo, com frequência, desencadeada após crise vaso-oclusiva, e diversos fatores são responsabilizados como infecção, embolia gordurosa, hiper-hidratação, hipoxemia, microatelectasias ? sendo, os quadros de embolias gordurosas, os mais comuns, em associação e com possível relação causal com a síndrome. Quando são encontradas etiologias infecciosas nesses pacientes, é mais frequente o isolamento de agentes atípicos como Mycoplasma pneumoniae ou Chlamydia pneumoniae do que o próprio pneumococo.
O Quadro 1 apresenta os critérios diagnósticos e o Quadro 2, as medidas terapêuticas para a síndrome torácica aguda.
Quadro 1
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA A SÍNDROME TORÁCICA AGUDA |
Presença de infiltrado novo na radiografia Dor torácica Febre com temperatura >38,5ºC Taquipneia, tosse e sibilância |
Quadro 2
MEDIDAS TERAPÊUTICAS PARA A SÍNDROME TORÁCICA AGUDA |
Anbioticoterapia com cobertura para pneumococo e agentes atípicos. Combinação de cefalosporina de terceira geração e macrolídeo. Hidratação e analgesia, da mesma forma que para os pacientes com complicações agudas da anemia falciforme, observando-se que a analgesia, no caso de dor severa, deve iniciar com opioide de alta potência endovenoso, como a morfina. Espirometria de incentivo. Uso de broncodilatadores. Oxigenoterapia (para os pacientes com hipoxemia). |