A trombocitose é definida por um achado de aumento do número de plaquetas em relação aos padrões considerados normais, o limite superior da normalidade é definido por 350.000 a 450.000 plaquetas/mm3. Usualmente, a trombocitose é descoberta como achado acidental em exames de rotina.
A trombocitose pode ocorrer devido a um processo primário, que é a chamada trombocitemia essencial e pode ser um processo reativo a outras patologias, o número de plaquetas não é um marcador fidedigno para diferenciar processos primários e secundários.
A trombocitose secundária é muito mais frequente que a trombocitemia essencial, ela ocorre principalmente devido ao aumento de trombopoetina, IL-6 e catecolaminas em doenças inflamatórias, neoplásicas e infecciosas. As trombocitoses podem ser divididas em:
1-Clonais
2-Familiares
3-Reacionais
Entre as trombocitoses clonais, a principal causa é a trombocitemia essencial (TE), que é uma desordem clonal que ocorre devido à inativação do cromossomo X, ao contrário da policitemia vera, que apresenta eritropoetina diminuída a TE cursa com trombopoetina normal ou aumentada. Outras doenças mieloproliferativas que podem cursar com trombocitose incluem principalmente a policitemia vera e, em menor grau, a leucemia mieloide crônica, metaplasia mieloide e a mielofibrose.
Ainda é descrita a chamada trombocitose familiar que apesar de ser associada a complicações vasculares não é uma doença clonal.
Entre as causas secundárias de trombocitose temos principalmente processos transitórios, que incluem perda de sangue, recuperação de trombocitopenia, pós-esplenectomia, infecção aguda ou processos inflamatórios e resposta ao exercício.
A trombocitose clonal tem como principal causa a TE, mas pode ocorrer em outras doenças mieloproliferativas. Processos crônicos também podem cursar com trombocitose e incluem deficiência de ferro, anemia hemolítica, asplenia, neoplasias malignas e doenças inflamatórias crônicas como doenças do tecido conectivo, arterite temporal, tuberculose, doença inflamatória intestinal e pneumonite crônica.
Reações medicamentosas também podem cursar com trombocitose, entre as medicações que cursam com trombocitose incluem vincristina, ácido retinoico, citocinas, como a epinefrina e fatores de crescimento. O uso de álcool também pode ser associado com supressão medular ocorrendo principalmente plaquetopenia.
A trombocitose secundária tem como manifestações clínicas principalmente as doenças de base, raramente apresentando outras manifestações associadas e por este motivo é que o diagnóstico usualmente é através de exame de rotina ou por outro motivo que detecta aumento de plaquetas.
A TE é um diagnóstico de exclusão, achados clínicos incluem esplenomegalia leve (40% dos casos), que é rara na trombocitose secundária.Podem ocorrer complicações tanto em relação a sangramentos como tromboses, que não ocorrem nas trombocitoses secundárias.
Na TE os sangramentos que ocorrem são similares aos que ocorrem em desordens plaquetárias ou vasculites, podendo ocorrer a traumas mínimos. Os pacientes com TE quando em uso de AAS apresentam aumento do tempo de sangramento e apresentam aumento do risco de complicações hemorrágicas.
Quanto a eventos trombóticos, em 50% dos pacientes ocorrem pelo menos um evento após nove anos de diagnóstico. Alguns achados são típicos e incluem eritromelalgia e isquemia digital, também pode ocorrer o envolvimento de pequenos vasos, principalmente de dedos, ocorrendo edema endotelial e hiperplasia fibromuscular. Estes pacientes podem ter pulso palpável, caso a patologia não seja tratada pode ocorrer evolução para gangrena.
A eritromelalgia é associada com dor intensa em queimação na região de extremidades, principalmente em pés e é exacerbada por exercício e calor, sendo aliviada pelo frio e pela elevação de extremidades.
Os eventos de trombose arterial são mais frequentes que os eventos venosos, sendo a trombose venosa de membros inferiores responsável por 25% dos eventos.
As formas mais comuns de tromboembolismo venoso são trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, eventualmente pode ocorrer trombose de vasos hepáticos e portais com síndrome de Budd-Chiari como consequência. Achados neurológicos secundários a isquemia podem ocorrer e incluem cefaleia e tonturas e melhoram com AAS.
Outra complicação descrita são abortos recorrentes e retardo do crescimento fetal, que ocorre por múltiplos infartos placentários secundários a trombos intraplacentários, com o uso de AAS pode diminuir os eventos mas é recomendado retirá-los uma semana antes do parto, pois aumenta o risco de sangramento, já a gestação por si só não parece alterar a história natural da TE.
Os pacientes com TE não tratados podem ter contagens plaquetárias desde levemente aumentadas até vários milhões/mm3, alguns pacientes apresentam leucocitose e leve anemia. Pode ocorrer achado de plaquetas jovens e reticuladas que são indicativo de alto turn-over plaquetário. A trombopetina, por sua vez, se encontra normal ou elevada.
Outro achado laboratorial relativamente comum na TE é a pseudo-hipercalemia secundária à plaquetose.
Testes clínicos para avaliar hemostasia em pacientes com TE mostram que 20% dos pacientes apresentam tempo de sangramento aumentado. As respostas aos testes de agregação plaquetárias, por sua vez, são variáveis, costumando ocorrer perda da resposta à epinefrina.
A biópsia de medula óssea e o mielograma revelam aumento da celularidade da série megacariocítica, o que pode ocorrer também em trombocitoses secundárias. A TE e outras causas de trombocitose clonal podem ou não ter displasia da série megacariocítica, mas quando presente os megacariócitos são gigantes e displásicos, o que ajuda a diferenciar da trombocitose secundária. Alguns pacientes cujo diagnóstico inicial é de TE apresentam cromossomo philadelphia positivo e evoluem como leucemia mieloide crônica (LMC) e neste caso devem ser considerados como LMC.
A tabela 1 mostra a diferença entre as duas formas principais de trombocitose, existem critérios diagnósticos que ajudam a definir o diagnóstico de TE, estes incluem:
1-Plaquetas acima de 600.000 cels/mm3.
2-Hb <13 g/dl, ou massa vermelha normal, o que significa em homens abaixo de 36 ml/kg e mulheres 32 ml/kg.
3-Presença de ferro na medula óssea ou falha na terapia com ferro (<1 g/dl de aumento na hemoglobina após um mês com ferro oral).
4-Ausência do cromossomo Philadelphia.
5-Fibrose do colágeno na medula óssea ou ausente ou menor que 1/3 da área da biópsia, sem esplenomegalia ou reação leucoeritroblástica.
6-Sem causa conhecida de trombocitose reativa.
Tabela 1: diferenças entre trombose secundária e clonal
ACHADO |
TROMBOCITOSE CLONAL |
TROMBOCITOSE SECUNDÁRIA |
Doença sistêmica associada |
Não |
Frequente |
Isquemia cerebral ou digitais |
Característica |
Não |
Trombose venosa arterial ou venosa de grandes vasos |
Risco aumentado |
Não |
Sangramentos |
Aumento do risco |
Não |
Esplenomegalia |
40% dos casos |
Não, exceto se doença secundária |
Esfregaço de sangue periférico |
Plaquetas gigantes |
Plaquetas normais |
Função plaquetária |
Anormal |
Normal |
Megacariocitos na MO |
Aumentados |
Aumentados |
Achados morfológicos |
Plaquetas gigantes e displásicas |
Normais |
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Não existe necessidade de tratamento para a trombocitose secundária, sendo o manejo dependente da causa de base. Na trombocitose clonal deve-se considerar a realização de citoredução para diminuir as plaquetas, apesar da evidência de benefício ser duvidosa, com trabalhos apresentando benefício real em contagens plaquetárias acima de 600.000 céls/mm3.
A principal indicação da terapia citoredutora é a presença de isquemia digital microvascular ou síndromes isquêmicas cérebro-vasculares. A hidroxiureia, para este propósito é altamente eficaz, com o uso de dose de 10-30 mg/Kg a maioria dos pacientes fica com contagem plaquetária abaixo de 500.000 céls/mm3, atualmente devido ao potencial leucemogênico a medicação é pouco utilizada para este propósito.
O anagrelide, que é uma quinazolina, tem sua ação através da inibição da proliferação e da diferenciação de megacariócito, sendo considerado a primeira linha de tratamento.
A dose inicial é de 2 mg ao dia, dividida em 0,5 mg em quatro doses ao dia, ou menos frequentemente 1 mg duas vezes ao dia. A dose é ajustada conforme contagem plaquetária, com aumentos de 0,5 mg por semana com dose máxima de 10 mg ao dia, embora a dose de 2 a 3 mg ao dia seja a usual. Cerca de 30% dos pacientes não toleram a medicação devido a vasodilatação e efeitos inotrópicos como arritmias, retenção liquida, IC e cefaleia. Outra opção descrita na literatura é o uso do interferon alfa recombinante em dose de 3.000 unidades ao dia, a medicação apesar de ser efetiva para citoredução apresenta muitos efeitos colaterais e é pouco tolerada.
O uso de agentes anti-plaquetários, ao contrário da policitemia vera, em que não ocorre aumento significativo de sangramentos, pode aumentar tempo de sangramento, mas é efetiva para diminuir complicações trombóticas recorrentes. Um estudo com aspirina 100 mg ao dia, não encontrou complicações hemorrágicas e ocorreu diminuição dos episódios trombóticos.
O curso de sobrevida é similar ao da população geral adaptado para idade, com o tempo a TE pode evoluir como outra doença mieloproliferativa, neste caso o prognóstico será o da doença mieloproliferativa em questão.
-Harrison CN. Current trends in essential thrombocythaemia. Br J Haematol 2002; 117:796.