A úlcera de pressão (UP) é definida como uma área de dano e perda tecidual, que normalmente ocorre em cima de uma estrutura óssea, ou alguma outra região de fragilidade, como o sacro, o calcâneo ou o ísquio; representa uma complicação tipicamente associada com a imobilidade, sendo um indicador de fragilidade. Todos os pacientes em situação de risco para desenvolver UPs devem ser avaliados na admissão ao hospital e, depois, diariamente.
O Quadro 1 mostra a classificação das UPs em seis estágios.
Quadro 1
CLASSIFICAÇÃO DAS Úlceras de pressão |
Eritema em pele intacta (estágio I). Extensão através da epiderme, com perda de pele parcial (estágio II) ? nesse caso, não são visíveis os tecidos moles abaixo da derme. Perda da espessura total da pele (estágio III) ? pode ocorrer cicatriz, estando expostos os tecidos moles, mas não as fáscias, os músculos ou o osso. Feridas com extensão para planos musculares, ósseos ou tendões (estágio IV). Área de descoloração da pele ou com bolhas ? suspeita de lesão tecidual profunda (estágio V) ? representa uma situação com alto risco de complicações, podendo ocorrer cianose ou necrose das estruturas afetadas. Cicatriz ou escara que recobre a ferida, dificultando a avaliação (estágio VI) ? nesse caso, não é possível realizar o estadiamento. |
A maioria das UPs ocorrem durante a permanência no hospital devido a uma doença aguda. A incidência varia de 3 a 30%. O principal fator de risco para as UPs é a imobilidade, mas outros fatores incluem redução da percepção sensorial, umidade (incontinência urinária e fecal), estado nutricional pobre e fricção e forças de cisalhamento aplicadas na região com potencial aparecimento de UP.
Uma área de pele intacta cianótica ou com descoloração ou coloração necrótica, ou apresentando lesões hemáticas associadas, é característica da suspeita de lesão dos tecidos profundos. A área pode ser precedida por um tecido que é doloroso, firme e pegajoso, e que pode ter alteração de temperatura em comparação com o tecido adjacente.
As úlceras em que a base é coberta por uma cicatriz úmida nas cores amarela, castanha, cinza ou verde, ou cicatrizes locais, são consideradas não possíveis de estagiar e podem, eventualmente, apresentar uma extensão profunda, com aumento do risco quando apresentam maior área de extensão. Uma série de instrumentos de avaliação de risco pode ser usada para avaliar o risco de desenvolver UPs. Dentre elas, estão a escala de Braden e a de Norton, ambas com características de desempenho razoáveis.
A escala de Norton é sumarizada no Quadro 2.
Quadro 2
ESCALA DE NORTON PARA AVALIAR RISCO DE DESENVOLVER ÚLCERA DE PRESSÃO | |||||
Pontuação* |
Estado geral |
Estado mental |
Atividade |
Mobilidade |
Incontinência |
4 |
bom |
alerta |
normal |
total |
sem |
3 |
mediano |
apático |
diminuída |
deambulação com ajuda |
ocasional |
2 |
regular |
confuso |
muito limitada |
sentado |
urinária ou fecal |
1 |
mal |
estupor ou coma |
imóvel |
acamado |
urinária e fecal |
*Risco alto: 5–9 pontos; risco intermediário: 10–12 pontos; risco baixo: 13–16 pontos; sem risco: >17 pontos.
Esses instrumentos podem ser utilizados para identificar os pacientes de maior risco, os quais podem se beneficiar com os recursos escassos, tais como a alternância de colchões de ar, que reduzem ou aliviam a pressão sobre as estruturas ósseas. Uma avaliação completa da pele, em cada avaliação admissional de pacientes de risco, é necessária para uma prevenção adequada desse evento adverso.
Prevenção
A prevenção das UPs se baseia sobretudo nas medidas de diminuição de risco de seu aparecimento. Deve-se reduzir ou eliminar áreas de pressão aumentada sobre a pele, assim como utilizar superfícies de apoio especializado (incluindo colchões, camas e almofadas) e reposicionamento do paciente. Ainda existem poucos estudos randomizados verificando o benefício dessas condutas, mas elas são recomendadas em todas as diretrizes.
Otimizar o estado nutricional e a hidratação da pele sacral são estratégias que têm reduzido as UPs; essas aumentam o catabolismo do paciente, de modo que o estado nutricional é importante para a cura. Logo, a avaliação com um nutricionista pode ser necessária. Se a ingesta oral não é adequada, deve-se considerar a utilização de outras vias para alimentação, porém a suplementação nutricional só é recomendada em indivíduos com deficiências nutricionais documentadas.
O uso de anabolizantes em pacientes extremamente sarcopênicos é indicado, embora não seja recomendado de rotina. Para pacientes de moderado e alto risco, colchões ou sobreposições que reduzem a pressão do tecido abaixo de um colchão padrão parecem ser superiores à utilização de colchões padrão. A literatura comparativa de produtos específicos tem poucos e inconclusivos estudos sobre o assunto.
Avaliação
Para a avaliação de UPs, devem ser verificados os seguintes fatores:
os fatores de risco do paciente;
as metas do atendimento;
o estágio, o tamanho e a profundidade da ferida;
a ausência ou presença, e tipo, de exsudato;
a aparência do leito da ferida;
uma possível infecção associada ou celulite.
Em lesões não curadas ou atípicas, a biópsia deve ser realizada para descartar a malignidade e outras lesões menos comuns, como pioderma gangrenoso. Todas as UPs são colonizadas por bactérias e podem se tornar infectadas. Uma infecção de UP é diagnosticada se ocorre saída de secreção purulenta ou se existem sinais inflamatórios associados como edema, aumento de temperatura, hiperemia, dor e hipersensibilidade, sendo necessária a presença de, pelos menos, dois desses sinais para o diagnóstico.
A presença de febre, leucocitose, bem como o aumento de provas inflamatórias também ajudam na suspeita de infecção associada; culturas locais para direcionar o tratamento devem ser realizadas sempre que possível.
Tratamento
O tratamento das UPs é dirigido para a remoção de restos necróticos e a manutenção de um leito de ferida úmido, que promoverá a cicatrização e a formação de tecido de granulação. O tipo de cobertura recomendado depende da localização e da profundidade da ferida, do tecido necrótico ou do espaço morto, bem como da quantidade de exsudado. Os dispositivos redutores de pressão na superfície (como, por exemplo, colchões de ar fluido e camas de ar de baixa perda) estão associados a melhoras das taxas de cura.
O tratamento da ferida depende do estágio da lesão, conforme sumarizado no Quadro 3.
Quadro 3
TRATAMENTO DE LESÕES CAUSADAS POR Úlceras de pressão | |
Estágio I e lesão tecidual profunda |
As lesões costumam ser cobertas com filmes transparentes, como os filmes de poliuretano, curativo hidrocoloide de espuma semipermeável. |
Estágio II |
São usados curativos hidrocoloides, espuma semipermeável, filme curativo de poliuretano. O paciente deve ser avaliado por uma equipe de enfermagem com treinamento no manejo dessas condições. |
Estágios III/IV |
Para feridas altamente exsudativas, devem ser utilizadas vestimentas altamente absorventes ou de embalagem, tais como alginato de cálcio. Feridas com restos necróticos devem ser desbridadas. O desbridamento pode ser autolítico, mecânico (molhado para úmido) ou cirúrgico, sendo esse último indicado em caso de áreas extensas de necrose estarem presentes. |
Feridas limpas rasas podem ser vestidas com bolachas hidrocoloides, espuma semipermeável ou filme de poliuretano. As profundas podem ser embaladas com gaze; se a ferida é profunda e altamente exsudativa, uma embalagem de absorção deve ser usada.
Em pacientes com úlcera do calcâneo, não é recomendado realizar uma remoção extensa do tecido em região posterior (ou na área do salto), pois esse tecido pode ajudar na cura e serve de proteção. Em outros locais, no entanto, o desbridamento pode ser realizado sem maiores problemas. Nos pacientes com UPs, em que não é possível realizar o estadiamento da lesão, deve-se realizar o desbridamento antes de decidir sobre a continuidade e a modalidade de tratamento.
Conforme já comentado, o estado nutricional é um fator de risco para o desenvolvimento de UPs. Os resultados dos estudos de suplementação nutricional no tratamento de UPs têm sido decepcionantes. Devido à ampla variedade de produtos nutricionais disponíveis, o ideal é uma avaliação específica do nutricionista, com dosagem de albumina e outros marcadores.
A UP pode ser associada à dor de uma forma significativa, e uma escala objetiva de dor deve ser utilizada para o manejo; o uso de analgésicos tópicos como lidocaína pode ser útil, apesar de causarem dormência local. A preferência é por analgésicos não opioides; em pacientes com dor significativa, o uso de opioides é bastante necessário e não difere de outras condições associadas com dor.
Outras modalidades de tratamento adjuvantes podem ser consideradas e incluem terapia da ferida com pressão negativa ? embora os estudos não tenham mostrado resultados promissores, nesse caso ? e terapia com câmara hiperbárica ? alternativa sobre a qual os estudos não mostraram benefícios significativos.
O monitoramento da evolução da cura da UP é essencial e deve ser feito diariamente. As mudanças na terapia devem ser direcionadas conforme a resposta do paciente às medidas terapêuticas. Em um indivíduo com doença em fase terminal que está recebendo cuidados paliativos, o tratamento adequado pode ser dirigido para o conforto e a amenização dos sintomas (incluindo mudanças no modo de vestir) em vez de os esforços serem dirigidos à cura.
Complicações
As UPs estão associadas a maiores taxas de mortalidade, embora uma relação causal não tenha sido comprovada. As complicações incluem dor, celulite, osteomielite, sepse sistêmica e prolongamento do tempo de permanência no hospital ou casa de repouso. Ainda é descrita a ocorrência de amiloidose sistêmica devido ao estado inflamatório persistente associado às UPs, e alguns pacientes apresentam degeneração da lesão com transformação maligna em carcinoma espinocelular ? nesse caso, a lesão deve ser retirada.
Os pacientes devem ser referidos para cuidado especializado sempre que tiverem úlceras de grande extensão e de difícil cicatrização ? hipótese em que a avaliação de um cirurgião plástico ou um cirurgião geral ou dermatologista para biópsia, desbridamento e possível enxerto de pele pode ser necessária.
Os pacientes com UPs devem ser admitidos no hospital se o tratamento ambulatorial é incapaz de prestar cuidados adequados para ferida ou redução de pressão, ou se a ferida está com uma infecção complicada ou requer cuidados complexos ou cirúrgicos.
Referências
1-http://www.npuap.org/national-pressure-ulcer-advisory-panel-npuap-announces-a-change-in-terminology-from-pressure-ulcer-to-pressure-injury-and-updates-the-stages-of-pressure-injury/ acesso 27/10/2016.
2-Advisory Panel, European Pressure Ulcer Advisory Panel. Pressure ulcer treatment recommendations. In: Prevention and treatment of pressure ulcers: clinical practice guideline, National Pressure Ulcer Advisory Panel, Washington, DC 2009.
3-Stechmiller JK, Cowan L, Whitney JD, et al. Guidelines for the prevention of pressure ulcers. Wound Repair Regen 2008; 16:151.
4-Lyder CH. Pressure ulcer prevention and management. JAMA 2003; 289:223.
5-Cereda E, Klersy C, Serioli M, et al. A nutritional formula enriched with arginine, zinc, and antioxidants for the healing of pressure ulcers: a randomized trial. Ann Intern Med 2015; 162:167.
6-Moore ZE, Cowman S. Repositioning for treating pressure ulcers. Cochrane Database Syst Rev 2012; :CD006898.
7-National Pressure Ulcer Advisory Panel Support Surface Standards Initiative. Terms and definitions related to support surfaces. www.npuap.org/NPUAP_S3I_TD.pdf acesso 27/10/2016.