O linfomade Burkitt (LB) é uma forma agressiva de linfoma de células B não Hodgkin caracterizadopela translocação e desregulação do gene MYC no cromossomo 8. Existem três formasdistintas de apresentação: endêmico (africano), esporádico ou não endêmico e associadoà imunodeficiência. As formas são histologicamente idênticas e apresentamevolução clínica similar, apesar de algumas diferenças em apresentação clínica,epidemiologia e achados genéticos.
A formaendêmica é encontrada na África Equatorial Oriental, com pico de incidência de4 a 7 anos, e é quase duas vezes mais frequente no sexo masculino. A incidênciade LB é cerca de 50 vezes maior na África Equatorial em comparação com osEstados Unidos, representando 30 a 50% dos casos de câncer em crianças naÁfrica Equatorial.
O LBesporádico é definido como casos fora das regiões endêmicas da África. Éresponsável por 1 a 2% de todos os pacientes com linfoma não Hodgkin (LNH) e30% dos linfomas na faixa pediátrica nessas populações. A incidência também émaior em homens do que em mulheres, em uma proporção de 3 a 4:1, e a idademédia na apresentação é de 30 anos.
Aincidência de LB relacionada à imunossupressão aumentou durante a epidemia de aids.Os pacientes apresentam contagem relativamente alta de linfócitos CD4, geralmentemaior que 200 céls./mm3, e a incidência não mudou com a terapia antirretroviral.
Acaracterística comum de todos os três tipos de LB é a ativação do gene c-MYC, resultantede translocações envolvendo o braço longo do cromossomo 8, que carrega o gene MYC.Essas translocações geralmente envolvem também o braço longo do cromossomo 14,que carrega o complexo de genes de cadeia pesada de imunoglobulina, mas podeenvolver o cromossomo 2 ou 22, que carrega o complexo de genes de cadeia levekappa ou lambda de imunoglobulina, respectivamente. A ativação constitutiva do MYCaumenta a expressão de uma série de genes que codificam proteínas envolvidas naproliferação celular. Até um terço dos casos também pode ter alteraçõesenvolvendo o braço curto do cromossomo 17 em 17p13.1, envolvendo o gene TP53que codifica p53. A perda da função p53 pode ser selecionada em células de LBque de outra forma seriam induzidas a sofrer apoptose em resposta a um aumentosignificativo da expressão do MYC.
Aevidência de infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV) é encontrada essencialmenteem todos os pacientes com a forma de LB endêmica, em um terço dos pacientes comLB associado à imunossupressão e em um quinto dos pacientes com a forma nãoendêmica da doença.
A forma endêmica(africana) geralmente se apresenta como tumoração nos ossos da mandíbula ou faciais,com envolvimento primário dos linfonodos sendo menos comum. O LB pode se espalharpara sítios extranodais, especialmente para a medula e meninges, ovários,testículos e mesentério. Quase todos os casos são positivos para EBV.Envolvimento primário dos linfonodos é relativamente raro.
A formanão endêmica ou americana se apresenta como uma massa abdominal emaproximadamente 65% dos casos, geralmente com grandes tumorações e ascite.Locais extranodais, como rins, gônadas, mama, medula óssea e sistema nervosocentral (SNC), podem estar envolvidos. O envolvimento da medula e do SNC é maiscomum na forma não endêmica. Os pacientes com frequência apresentam comosintomas de apresentação obstrução intestinal e sangramento digestivo. Alinfadenopatia, quando presente, é geralmente localizada.
A síndromede lise tumoral é muito comum após a quimioterapia de indução, mas também podeocorrer espontaneamente antes da terapia, especialmente em pacientes com altacarga tumoral. A lise tumoral espontânea é um indicador de mau prognóstico. Asíndrome cursa com hiperuricemia e hiperuricosúria, hipercalemia,hiperfosfatemia, hipocalcemia, acidose metabólica e ácido úrico e nefropatiacom insuficiência renal como resultado da natureza hiperproliferativa dascélulas de LB.
Nas formasassociadas à imunodeficiência, há principalmente os sintomas associados à imunodeficiência.Esses pacientes apresentam com maior frequência envolvimento linfonodal, demedula óssea e de SNC.
Pacientescom doença volumosa podem ter células de LB na medula e no sangue com citopeniasassociadas. O envolvimento da medula é caracteristicamente extenso, comsubstituição por linfoblastos do tipo Burkitt com razão nuclear: citoplasmáticamuito alta, borda azul profunda do citoplasma e frequentemente vacuolizaçãocelular proeminente.
Casosraros, geralmente do sexo masculino, podem apresentar-se principalmente comenvolvimento da medula e do sangue. Esses casos são denominados de leucemiade células de Burkitt.
A lactato desidrogenaseé frequentemente elevada como reflexo da alta renovação celular, especialmenteem pacientes com doença volumosa. As células de LB são células B maduras quetipicamente expressam CD19, CD20, CD22, CD79a e IgM de superfície. As células deLB não apresentam expressão de CD5 ou CD23.
Todos oscasos de LB têm translocação entre o braço longo do cromossomo 8, o local doc-Proto-oncogene MYC (8q24), e um dos três parceiros de translocação: a cadeiapesada de Ig na região no cromossomo 14, o lócus de cadeia leve ? no cromossomo2 ou o lócus de cadeia leve ? no cromossomo 22. As translocações envolvendoc-MYC podem ser detectadas por hibridização fluorescente in situ.
Embora praticamentetodos os linfomas sejam estadiados com um conjunto uniforme de parâmetros, oestadiamento do LB utiliza um sistema diferente.
Tabela 1 Sistemade estadiamento Murphy para linfoma de Burkitt
Estágio I: -Sítio nodal ou extranodal único, excluindo mediastino ou abdome Estágio II: -Tumor extranodal único com envolvimento nodal regional -Dois tumores extranodais em um lado do diafragma -Tumor gastrintestinal primário com ou sem nódulos mesentéricos associados -Duas ou mais áreas nodais em um lado do diafragma Estágio IIR: -Doença intra-abdominal completamente ressecada Estágio III: -Dois tumores extranodais únicos em lados opostos do diafragma -Todos os tumores intratorácicos primários -Todos os tumores paraespinais ou epidurais -Todas as doenças intra-abdominais primárias extensas -Duas ou mais áreas nodais em lados opostos do diafragma Estágio IIIA: -Doença abdominal localizada, não ressecável Estágio IIIB: -Doença abdominal multiorgânica generalizada Estágio IV: -Sistema nervoso central inicial ou envolvimento da medula (<25%) |
O LB é umtumor altamente agressivo. No entanto, o tratamento com quimioterapia commúltiplos agentes resulta em excelentes taxas de remissão em longo prazo esobrevida em longo prazo de até 85% das crianças. A resposta é rápida e difusa;assim, não existe papel da radioterapia no manejo desses pacientes. Ospacientes geralmente necessitam de quimioterapia agressiva com profilaxia deenvolvimento do SNC, e esquemas menos intensos não costumam ser adequados. Oideal é iniciar o tratamento até 48 horas após diagnóstico.
Aestratificação de risco permite que pacientes com doença limitada sejamtratados de forma menos intensiva do que casos mais avançados e ainda obterrespostas muito altas.
Não existemmuitos estudos comparando diretamente os regimes quimioterápicos, com a maioriaempregando ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina, metotrexato, ifosfamida,etoposídeo, citarabina em alta dose, rituximab, mas sempre com quimioterapiaintratecal. Existem três principais esquemas quimioterápicos recomendados:
-esquemas intensose de curta duração, como CODOX-M (ciclofosfamida, vincristina, doxorrubicina e metotrexatoem altas doses) mais IVAC (ifosfamida, citarabina, etoposide e metotrexateintratecal);
-terapia comfases de indução, consolidação e manutenção com pelo menos dois anos de duração? nesse caso, esquemas incluem CALBG 9251 (ciclofosfamida, prednisona,ifosfamida, metotrexato em altas doses, vincristina, dexametasona e doxorrubicinaou etoposide/citarabina e tripla terapia profilática intratecal com metotrexato,citarabina e hidrocortisona);
-terapia infusionalcom esquema EPOCH (etoposide, vincristina, doxorrubicina e prednisona oral) comrituximab.
O esquemapreferido da maioria dos autores é o CODOX-M mais IVAC, que, apesar das altasrespostas, tem a desvantagem de ser altamente tóxico e exigir permanênciahospitalar prolongada. Em geral, durações mais curtas de quimioterapia (ouseja, 6 meses ou menos) são tão boas quanto mais longas (18 meses). Ospacientes com LB têm alta taxa de proliferação, então os ciclos subsequentes dequimioterapia devem ser iniciados assim que ocorre a recuperação hematológica.Esperar por um período fixo entre os ciclos pode levar a novo crescimento decélulas tumorais resistentes entre os ciclos.
Dada aalta taxa de proliferação do tumor e o efeito da quimioterapia, o tratamentoinicial para síndrome de lise tumoral deve ser iniciado especialmente empacientes com altos níveis de LDH ou doença volumosa e inclui:
- hidrataçãocuidadosamente monitorada (cerca de 3 litros de solução salina por dia);
- alopurinolou rasburicase ? o último especialmente útil em tumores espontâneos ou de altorisco de lise devido ao rápido início de ação;
- hemofiltraçãovenovenosa contínua, que tem sido muito útil para permitir
quimioterapiaconcomitante em dose completa, evitando a síndrome de lise e insuficiênciarenal.
Na era daterapia antirretroviral altamente ativa, os pacientes HIV-positivos com LBdevem ser tratados de forma semelhante aos pacientes imunocompetentes.
1-EvansAG, Friedberg JW. Burkitt Lymphoma,Williams Hematology 2016.