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Delirium

Apesarde ter sido descrito primordialmente há mais de 2.500 anos, o delirium permanece pouco compreendido. Odelirium representa um declínio agudona função cognitiva com caráter flutuante. A alteração principal de pacientescom delirium é a desatenção,habitualmente acompanhada por desorientação, desorganização do pensamento e,por vezes, quadros alucinatórios e delusionais.

O delirium é um transtorno comum, grave emuitas vezes fatal, que afeta até 50% dos idosos (isto é, aqueles com 65 anosou mais) no hospital e custa mais de 160 bilhões de dólares ao ano nos EstadosUnidos, e acredita-se que aproximadamente 60% dos casos não sejam diagnosticados.O delirium e outros estadosconfusionais agudos representam o mais comum distúrbio mental agudo empacientes com comorbidades clínicas significativas, principalmente em idosos. Odelirium é associado com muitascondições médicas e pode ser difícil de ser reconhecido.

O delirium é evitável em 30 a 40% doscasos e pode ocorrer em até um terço dos pacientes internados devido a problemasmédicos gerais, apresentando grande relevância para a saúde pública como umalvo para intervenções para prevenir os encargos associados de complicações ecustos. O delirium agora estáincluído na agenda de segurança dos pacientes e tem sido cada vez maisutilizado como um indicador de qualidade de cuidados de saúde para idosos. Oquadro tem início agudo em resposta a insultos nocivos (como uma grandecirurgia ou sepse), e seu aparecimento provavelmente é associado com baixa reservacognitiva, indicando fragilidade, e representa a resposta cerebral a fatoresexternos. Assim, o deliriumrepresenta um marcador de reserva cerebral diminuída ou vulnerável. Evidênciassugerem que a trajetória normal de envelhecimento cognitivo pode não ser umaqueda linear, e sim uma série de declínios pontuais e recuperações em reação agrandes insultos. Além disso, evidências acumuladas sugerem que o delirium isoladamente pode levar adeclínio cognitivo e demência em alguns pacientes.

 

Epidemiologia

 

O delirium ocorre com frequência noambiente hospitalar, particularmente no ambiente de terapia intensiva, além deem unidades de cuidados pós-operatórios e paliativos. Em enfermarias demedicina interna e idosos, a prevalência de delirium(presente na admissão) é de 18 a 35%. A prevalência de delirium na comunidade, por sua vez, é baixa (1 a 2%), mas o iníciogeralmente traz o paciente para atendimento de emergência. Na apresentação no departamentode emergência, o delirium estápresente em 8 a 17% de todos os idosos, em 40% de residentes de casas derepouso para idosos e em 15 a 50% dos pacientes idosos submetidos a cirurgiasde grande porte. Estima-se que 30% dos pacientes idosos apresentem delirium durante internaçõeshospitalares.

O delirium está associado ao aumento damortalidade de forma consistente em todas as populações de pacientes não cirúrgicos.Em comparação com aqueles que não desenvolvem delirium, os pacientes que desenvolvem delirium na UTI têm de 2 a 4 vezes maior risco de morte tantodentro quanto fora do hospital. Pacientes que desenvolvem delirium em enfermarias têm uma vez e meia maior risco de morte noano após a internação. Os pacientes com deliriumno departamento de emergência (DE) têm cerca de 70% de aumento do riscorelativo de morte durante os primeiros seis meses após a visita ao DE.

Comprometimentocognitivo é comum (> 50%) em pacientes cirúrgicos que desenvolvem delirium em um ano pós-cirurgia. Empacientes idosos, o delirium estáassociado a aumento das taxas de declínio cognitivo, admissão em instituiçõesde longa permanência e mortalidade.

 

Etiologia

 

Emboraum único fator possa levar ao delirium,a síndrome em idosos é normalmente multifatorial. O delirium depende de inter-relações complexas entre pacientesvulneráveis ??com vários fatores predisponentes e exposição a insultos nocivosou fatores precipitantes. Assim, em pacientes vulneráveis, como pacientesdemenciados, e com múltiplas comorbidades, fatores como uma única dose de umadroga sedativo-hipnótica podem ser o suficiente para precipitar a síndrome de delirium. Por sua vez, em um pacientejovem, saudável, o delirium ocorresomente após a exposição a uma série de insultos nocivos, como anestesia geral,cirurgia de grande porte, drogas psicoativas, permanência em UTI ou privação dosono.

Muitosfatores de risco para delirium foramidentificados. Os fatores mais frequentemente identificados incluem demênciaprévia, história de acidente vascular cerebral (AVC) e doença de Parkinson.História de comprometimento funcional, deficiência visual, imobilidade,depressão, história de abuso de álcool e idade avançada (> 70 anos) sãofatores de risco importantes. Em um estudo com pacientes em terapia intensiva, nospacientes mais jovens (menos de 65 anos), a demência e o comprometimentofuncional não foram preditores independentes da ocorrência de delirium. Os quadros infeciosos são omais importante fator precipitante de delirium,correspondendo a 16 a 67% dos casos, com as pneumonias e as infecções do tratourinário sendo os mais frequentes tipos de infecção nesses casos.

Empacientes clínicos, a polifarmácia (uso de mais de três medicações), o uso dedrogas psicoativas e restrições físicas foram os fatores principais, queconferem risco aumentado de 4 a 5 vezes. Alterações metabólicas também podemcursar com delirium, em particular as alterações dosódio e do cálcio; além disso, várias outras doenças comuns ou raras podem precipitardelirium. Doenças cardiovasculares,como síndrome coronariana aguda e insuficiência cardíaca, uso de psicotrópicos,intoxicação ou abstinência de álcool e uso de drogas são fatores precipitantesda síndrome de delirium.

 

Fisiopatologia

 

Adoença é pouco compreendida, e múltiplas teorias têm sido elaboradas para suaexplicação. O delirium parece ser umgrande marcador de fragilidade e baixa reserva funcional em pacientes idosos.Alterações em diferentes órgãos e sistemas podem se manifestar de formainespecífica, geralmente com descompensação em órgãos de menor reserva ? no casode idosos com demência, por exemplo, o cérebro seria um alvo, e o delirium, uma manifestação comum. Em vista da causalidade multifatorialcomplexa do delirium, cada episódio provavelmente tem um conjunto únicode fatores associados. Assim, uma única causa ou mecanismo para deliriumprovavelmente não explica a maioria dos casos.

Algunsdos mecanismos postulados como causadores de delirium incluem neurotransmissores, mecanismos humorais,inflamação, fatores estressores fisiológicos, distúrbios metabólicos,distúrbios eletrolíticos e fatores genéticos. Os pacientes com delirium podem apresentar tanto alteraçõescorticiais como alterações subcorticais, e fatores que podem influenciar aneurotransmissão nesses pacientes incluem drogas e fatores biológicos, como hipercortisolismo,distúrbios eletrolíticos, hipóxia e oxidação e glicose diminuída.Potencialmente muitos neurotransmissores estão envolvidos, mas a deficiência decolinérgicos ou o excesso de dopamina parecem estar particularmenterelacionados com o aparecimento de delirium.Pacientes com deliriuminvariavelmente apresentam acometimento do sistema ativador reticularascendente e comprometimento global da função cerebral cortical. Estudos deneuroimagem e eletrofisiologia mostraram acometimento de estruturassubcorticais, notadamente nos lobos frontais. Acredita-se ainda queneurotransmissores desempenhem um papel importante nesses pacientes, com maiordestaque para a acetilcolina. 

Outrosmecanismos causais podem interferir com neurotransmissores. A resposta inflamatóriasistêmica na sepse pode resultar em uma cascata cerebral local deneuroinflamação desencadeada por citocinas inflamatórias, o que conduz à ativaçãodo endotélio, ao fluxo sanguíneo danificado e à apoptose neuronal. Entre essas citocinasinflamatórias, as que parecem apresentar maior correlação com o aparecimento dedelirium são o fator de necrosetumoral e as interleucinas. A inflamação periférica pode ativar o sistemanervoso central (SNC) por várias vias, incluindo aferentes vagais, citocinaspró-inflamatórias circulantes e ativação endotelial. Entre todos esses mecanismos,deve-se lembrar da deficiência de acetilcolina ou do excesso dedopamina, que parecem estar particularmente relacionados com a síndrome (Tabela1).

 

Tabela 1: Fatorespredisponentes de delirium

 

 

- Demência e prejuízo cognitivo

- História de delirium prévio

- Comprometimento funcional

- Deficiência visual ou auditiva

- Comorbidade graves

- Depressão

- História de AVC ou isquemia transitória

- Abuso de álcool

- Idade =75 anos

- Drogas psicoativas, sedativas ou hipnóticas

- Polifarmácia

- Uso de restrições físicas 

- Uso de sonda vesical

- Aumento da ureia e creatinina

- Alterações séricas em albumina, sódio, glicose, potássio ou acidose metabólica

- Infecção

- Evento iatrogênico

- Cirurgia para aneurisma da aorta torácica não cardíaca

- Neurocirurgia

- Admissão por trauma urgente

- Coma

 

Emborao delirium possa ocorrer em qualqueridade, crianças e idosos apresentam os maiores riscos. Em crianças, as redesneurais são subdesenvolvidas e menos complexas, podendo ser facilmentealteradas. Em idosos, o acúmulo gradual de danos permanentes aos neurônios, aosdendritos, aos receptores e às micróglias, e os efeitos da doença ou do traumatismocraniano cerebrovascular, podem torná-los biologicamente suscetíveis ao delirium. Dependendo do mecanismo causalsubjacente, os pacientes podem superar um estado de delirium sem quaisquer efeitos residuais ou, alternativamente,desenvolver sequelas neurológicas permanentes. A compreensão da basefisiopatológica para os estressores e os substratos que levam a danospermanentes no delirium aindapermanece desconhecida.

 

ManifestaçõesClínicas e Diagnóstico

 

O delirium é um diagnóstico clínico, quepode ser difícil de reconhecer e que não apresenta marcadores. O diagnósticonão é realizado em cerca de 20 a 40% dos pacientes. A história clínica é apedra fundamental do diagnóstico, incluindo a descrição de como era o estadocognitivo do paciente antes de apresentar a piora. O Manual diagnóstico eestatístico de transtornos mentais (DSM-5) cita as seguintescaracterísticas como essenciais para o diagnóstico:

-alteração na atenção;

-evolução em período relativamente curto de tempo;

-novas alterações cognitivas (memória, linguagem, desorientação, percepção);

-as alterações não podem ser explicadas pelas condições pré-existentes dopaciente;

-evidência na história, no exame físico ou em exames complementares de condiçõesque poderiam precipitar delirium.

 

Alteraçõesadicionais importantes incluem alterações comportamentais, com o pacientepodendo se apresentar hiperativo ou hipoativo, e alterações emocionaisassociadas. Em pacientes com deliriumhiperativo com agitação psicomotora, também são muito frequentes alterações depercepção do ambiente ao redor. O reconhecimento do transtorno exige rastreiocognitivo breve e observação clínica.

Achadosconsiderados fundamentais para o diagnóstico incluem início agudo e flutuante docurso dos sintomas, falta de atenção, alterações da consciência e perturbaçãoda cognição (por exemplo, desorientação, perda de memória, alterações delinguagem). As perdas de funcionalidade de apoio incluem distúrbio no ciclovigília-sono, distúrbios de percepção (alucinações ou ilusões), delírios,distúrbio psicomotor (hipoatividade ou hiperatividade), comportamento impróprioe labilidade emocional.

Oinstrumento mais utilizado para avaliar deliriumé o Confusion Assessment Method (CAM). Essa ferramenta foi validada emmúltiplos estudos e apresenta sensibilidade de 94%, especificidade de 89% ealta confiabilidade entre avaliadores. O CAM é sumarizado na Tabela 2.

 

Tabela 2: Escala deavaliação de delirium ConfusionAssessment Method (CAM)

 

Diagnostica-se delirium se os itens 1 e 2 estiverem presentes, associados à presença dos itens 3 ou 4. Outras alterações (itens 5 a 9) também podem estar presents.

1) Início agudo

Há evidência de mudança aguda no estado mental de base do paciente?

2) Distúrbio da atenção

A) O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?

B) Se presente ou anormal, esse comportamento variou durante a entrevista, isto é, tendeu a surgir e desaparecer ou aumentar e diminuir de gravidade?

C) Se presente ou anormal, descreva o comportamento:

3) Pensamento desorganizado

O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversação dispersiva ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto?

4) Alteração do nível de consciência

Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente? Alerta (normal), vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assustando-se facilmente), letárgico (sonolento, facilmente acordável), estupor (dificuldade para despertar), coma, incerto.

5) Desorientação

O paciente ficou desorientado durante a entrevista, por exemplo, pensando que estava em outro lugar que não o hospital, que estava no leito errado, ou apresentava noção errada da hora do dia?

6) Distúrbio (prejuízo) da memória

O paciente apresentou problemas de memória durante a entrevista, como incapacidade de se lembrar de eventos do hospital, ou dificuldade para se lembrar de instruções?

7) Distúrbios de percepção

O paciente apresentou sinais de distúrbios de percepção, por exemplo, alucinações, ilusões ou interpretações errôneas (pensando que algum objeto fixo se movimentava)?

8A) Agitação psicomotora

Durante a entrevista, o paciente apresentou aumento anormal da atividade motora, como agitação, beliscar de cobertas, tamborilar com os dedos ou mudança súbita e frequente de posição?

8B) Retardo psicomotor

Durante a entrevista, o paciente apresentou diminuição anormal da atividade motora, como letargia, olhar fixo no vazio, permanência na mesma posição por longo tempo ou lentidão exagerada de movimentos?

9) Alteração do ciclo sono-vigília

O paciente apresentou sinais de alteração do ciclo sono-vigília, como sonolência diurna excessiva e insônia noturna?

 

O CAM, por motivos didáticos, pode ser resumido àssuas manifestações fundamentais, como descrito na Tabela 3.

 

Tabela 3: Instrumento para diagnóstico dedelirium: Confusion Assessment Method(CAM)

 

Confusion Assessment Method (CAM)

1

Mudança aguda no status mental com curso flutuante

2

Desatenção

3

Pensamento desorganizado

4

Alteração de nível de consciência

 

O diagnóstico de delirium requer a existência das apresentações 1 e 2, mais 3 ou 4.

 

Testesformais de triagem cognitiva, como o Mini Mental ou a Avaliação Cognitiva deMontreal, podem ser aplicados. Quando o tempo é muito escasso, podem-se fazer aavaliação da orientação e uma tarefa de atenção, nomeando os dias da semana(nenhum erro deve ser permitido) ou meses do ano (um erro deve ser permitido), diminuir7 (um erro deve ser permitido para cinco subtrações) ou recitar dígitos(normalmente três ou mais) para trás para descobrir as condições basais. Esses testescognitivos são necessários para estabelecer se o paciente preenche critériospara delirium.

Tendoem vista as altas taxas de resultados adversos e mortalidade, quaisquer casossuspeitos ou incertos (incluindo os pacientes com letargia ou aqueles que sãoincapazes de completar uma entrevista) devem ser tratados como delirium até prova em contrário.

 

Exames Complementares

 

O delirium pode ser a manifestação inicialde uma emergência médica, portanto todos os pacientes que apresentam delirium devem ser rastreados para alteraçõesagudas fisiológicas, hipoxemia, hipoglicemia, acidose respiratória e metabólica.Em segundo lugar, a doença pode ter apresentação atípica oculta, ou, em pessoasmais velhas, como em octogenários, o infarto do miocárdio pode apresentar-secomo delirium mais frequentemente doque como a apresentação clássica de dor torácica ou falta de ar. Assim, alteraçõesinespecíficas e queixas não específicas de um membro da família devem servalorizadas. As avaliações diagnósticas (por exemplo, testes laboratoriais, deneuroimagem) devem ser orientadas com base na história do paciente. São examesconsiderados úteis:

-eletrólitos, glicemia, cálcio, hemograma completo e urina 1 com urocultura;

-exames toxicológicos e dosagem do nível sérico de medicações como digoxina e lítio,se o paciente estiver em uso;

-gasometria arterial: tanto a alcalose como a acidose podem estar associadas a delirium;

-exames hepáticos se história compatível;

-função tireoidiana e dosagem de vitamina B12, se declínio cognitivorelativamente indolente.

 

Os examesde neuroimagem devem ser indicados a todos os pacientes com alteraçõeslocalizatórias ou quando o deliriumcontinua inexplicado após investigação inicial. O eletrencefalograma (EEG) tempouca sensibilidade e especificidade para avaliação do delirium, mas pacientes com deliriumtêm um padrão característico de desaceleração difusa, com aumento da atividadetheta e delta e má organização do ritmo de base, que se correlacionam com agravidade do delirium.Particularmente, o EEG pode ser útil na diferenciação de causas funcionais ouorgânicas de transtornos psiquiátricos em pacientes de difícil avaliação, naavaliação da deterioração do estado mental em pacientes com demência e na identificaçãodas crises ocultas (por exemplo, estado de mal não convulsivo, crises parciaiscomplexas atípicas).

Alémdos pacientes com sintomas neurológicos focais agudos (como os pacientes comhemorragias ou acidente vascular cerebral com delirium), exames de neuroimagem como a tomografia computadorizada (TC)de crânio ou a ressonância magnética (RM) devem ser realizados no caso de trauma,febre e encefalite suspeita ou consciência diminuída de causa não identificada.Mais de 98% dos episódios de deliriumdos pacientes têm uma causa médica identificada. Quando se suspeita de meningite,encefalite ou hemorragia subaracnoide, a punção lombar pode ser indicada. Apunção lombar ainda pode ser realizada em pacientes com cefaleia e meningismo,suspeita de encefalite e em delirium persistente ou quando nenhuma causapode ser identificada.

 

Classificação

 

Os episódios de delirium podem ser classificados em:

-               Deliriumhipoativo: pacientes se apresentam apáticos e pouco reativos a estímulos;representa 19 a 71% dos episódios de delirium.

-               Deliriumhiperativo: pacientes com agitação e hiperatividade; representa 15 a 47% dosepisódios de delirium.

-               Deliriummisto: alterna entre as duas formas; representa de 43 a 56% dos episódios de delirium.

 

Diagnóstico Diferencial

 

O delirium devem ser diferenciado deoutras condições. A Tabela 4 sumariza as características de alguns diagnósticosdiferenciais de delirium.

 

Tabela4: Diagnóstico diferencial de delirium

 

Característica

Delirium

Demência

Doença psiquiátrica

Instalação

Abrupta

Lenta

Abrupta

Evolução em 24h

Flutuante

Estável

Estável

Atenção

Reduzida

Sem alterações

Pode estar alterada

Consciência

Flutua: reduzida a hiperalerta

Normal

Pode estar alterada

Orientação

Alterada

Alterada

Pode estar alterada

Memória

Alterada

Alterada

Normal

Percepção

Alucinações visuais e raramente auditivas

Intacta

Alucinações auditivas

Pensamento

Desorganizado

Vago

Pode estar alterado e delirante

Linguagem

Lentificada

Dificuldade de achar palavras

Pode estar alterada

Alteração de movimento

Pode ter flapping

Geralmente sem alterações

Sem alterações

 

Tratamento

 

Nocaso de pacientes que se apresentam na emergência com estado confusional agudo,é importante avaliar a glicemia capilar e garantir que os sinais vitais estejamestáveis, com suporte circulatório e respiratório conforme a necessidade. Asuplementação de tiamina também é recomendada a todos os pacientes com delirium.

O manejoinicial tem três prioridades especificamente simultâneas: manutenção dasegurança do paciente, identificação da causa ou causas e manejo dos sintomas.Em termos de segurança, os esforços devem se concentrar em proteção das viasaéreas e prevenção da aspiração, manutenção da hidratação e da nutrição,prevenção de lesões na pele e prestação de mobilidade segura com prevenção dequedas. Restrições e alarmes na cama aumentam risco e persistência de deliriume devem ser evitados.

Aabordagem varia conforme o fator precipitante do quadro de delirium. Em geral, a abordagem não farmacológica é a estratégia deprimeira linha e inclui a interrupção ou redução da dose de anticolinérgicos edrogas psicoativas e o envolvimento de familiares para reorientação e conforto.As abordagens não farmacológicas incluem o sono e o relaxamento e a criação deum ambiente tranquilo, suave, quente e com controle da dor. Em pacientes em usode medicações anticolinérgicas ou drogas psicoativas, estas devem ter suasdoses diminuídas ou a medicação deve ser interrompida.

Osmedicamentos devem ser usados ??apenas em pacientes muito agitados, principalmentequando da interrupção de terapias essenciais (ventilação mecânica, cateteres dediálise), ou quando a automutilação é um risco, ou em pacientes com sintomaspsicóticos e delirantes. Pode ser usado o haloperidol em doses baixas de 1 a 10mg ou neurolépticos atípicos, como a olanzapina e a risperidona. Pacientescom delirium prolongado podemprecisar de doses de manutenção continuadas, de 2 a 3 vezes ao dia. Dosesmaiores que 100 mg de haloperidol em 24 horas devem ser evitadas.

Deve-selembrar que os antipsicóticos não melhoram os desfechos nesses pacientes e sódevem ser utilizados como alternativa para conter a agitação psicomotora. Osbenzodiazepínicos, por sua vez, só devem ser utilizados em pacientes em que nãofor possível conter a agitação de outra maneira.

Asintervenções não farmacológicas possíveis incluem reorientação, atividadesterapêuticas, utilização reduzida e doses menores de drogas psicoativas, mobilizaçãoprecoce, promoção do sono, manutenção da hidratação e nutrição adequada e adaptaçõespara melhorar visão e audição. Essas medidas devem ser executadas por umaequipe interdisciplinar especializada, que deve ser assistida por pessoal deenfermagem ou voluntários treinados.

Programasde recomendações antes e após a cirurgia em pacientes de risco, incluindo hidratação,manejo da dor, nutrição e mobilização, diminuem o risco de o pacientedesenvolver delirium. O sucesso daestratégia, no entanto, está ligado à adesão do paciente às recomendações. Outrasintervenções não farmacológicas úteis incluem o uso de protetores de ouvidodurante a noite, que foi moderadamente eficaz em um estudo em UTI. Realizar protocolosde sono e manter, se possível, os pacientes livres de contenção podem ajudar amelhorar os sintomas.

O tratamentomedicamentoso em geral é inferior ao placebo em pacientes com delirium. A olanzapina reduziu aincidência, mas aumentou a duração e a gravidade do delirium. Em pacientes com sintomas graves de agitação, o uso dehaloperidol (evitar doses maiores que 100 mg em 24 horas) ou outros neurolépticosé recomendado. Deve-se lembrar, entretanto, que um crescente número de estudosmostram que o uso dessas medicações está associado com aumento da duração doepisódio de delirium.

Aduração do delirium maior que 2 a 3dias tem implicação prognóstica, com resultados mais pobres do que os episódiostransitórios, que são muitas vezes causados ??por drogas psicoativas. O delirium tem duas formas psicomotorasprincipais: hipoativo e hiperativo. Os pacientes podem alternar entre as duasformas. Durante a abstinência de álcool, os pacientes são mais propensos a se apresentaremhiperativos, e a forma hipoativa predomina em idosos e é associada a piorprognóstico. As manifestações eletrencefalográficas do delirium hipoativo e do hiperativo não diferem. Os questionários desintomas tendem a ter mais sintomas hiperativos representados nas pontuações doque sintomas hipoativos, o que tende a levar à impressão de que o delirium hiperativo seja mais grave, masisso não é definido pela literatura. O deliriumhipoativo não deve ser medicado com neurolépticos, e nenhuma das duas formas dedelirium se beneficia do uso deinibidores da acetilcolinesterase.

Em2019, foi publicado um algoritmo que ajuda e orienta o manejo desses pacientes,funcionando como uma ferramenta para guiar o manejo do delirium. O algoritmo se resume à sigla ADEPT:

·              Assess ? avaliar o paciente por meioda história clínica completa e do exame físico.

·              Diagnose ? rastrear o delirium em qualquer paciente idosoagitado ou confuso; pesquisar outro transtorno neurocognitivo.

·              Evaluate ? realizar avaliação focadana queixa de agitação/confusão.

·              Prevent ? levantar fatores paraprevenção do delirium.

·              Treat ? realizar tratamento nãofarmacológico e medicamentoso.

Dentrodo tratamento não farmacológico, os fatores ambientais ganham importância aomelhorarem a orientação e reduzirem a provação do sensório. Isso inclui:

·              promovercomunicação clara com o paciente, evitando linguagem médica e repetindo sempreque necessário o dia e o local;

·              disponibilizarrelógios, calendários, uso de óculos e aparelhos auditivos;

·              promovervisitas e envolvimento de familiares para reorientação e conforto;

·              proporcionarambiente calmo e escuro à noite com o uso de protetores de ouvido; protocolosde sono podem ajudar a melhorar os sintomas;

·              realizarcontrole de dor ou de outros sintomas que podem estar incomodando o paciente(como retenção urinária ou obstipação);

·              estimulara deambulação quando esta não indicar perigo ao paciente;

·              evitara contenção física e, se e quando indicada, descontinuá-la o mais precocementepossível.

 

 

Referências

 

1-           O'Mahony R, Murthy L, Akunne A, etal. Synopsis of the National Institute for Health and Clinical Excellenceguideline for prevention of delirium.Ann Intern Med 2011; 154:746.

2-           Inouye SK, Westendorp RG, SaczynskiJS. delirium in elderly people. Lancet2014; 383:911.

3-           World HealthOrganization (WHO). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5thedition 2013.

4-           Wong N. Managing delirium in the emergency department:Tools for targeting underlying etiology. Emergency Medicine Practice 2015 vol17 (10).

5-           ChristinaShenvi et.al. Managing delirium andagitation in the older people emergency department patient: the ADEPT tool.Annals of Emergency Medicine. 2019.