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Bicarbonato e nefropatia por contraste

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 13/10/2008

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Nefropatia por contraste – cloreto de sódio ou bicarbonato de sódio

 

Bicarbonato de sódio vs cloreto de sódio para a prevenção de nefropatia induzida por meio de contraste em pacientes submetidos a angiografia coronariana – um ensaio clínico randomizado1.

Sodium Bicarbonate vs Sodium Chloride for the Prevention of Contrast Medium–Induced Nephropathy in Patients Undergoing Coronary Angiography A Randomized Trial. JAMA. 2008;300(9):1038-1046 [Link Livre para o Artigo Original]

 

Fator de impacto da revista (Annals of Internal Medicine): 23,175

 

Contexto Clínico

            O Bicarbonato de sódio tem sido sugerido como uma boa intervenção para a prevenção de nefropatia induzida por contraste, uma causa comum de insuficiência renal associada com hospitalização prolongada, custos elevados para o sistema de saúde e morbidade e mortalidade substanciais. Sendo assim, este estudo foi desenhado para avaliar se o Bicarbonato de sódio é superior ao cloreto de sódio (soro fisiológico 0,9%) na prevenção de nefropatia induzida por contraste em pacientes com disfunção renal crônica moderada a grave que foram submetidos a angiografia coronariana. Existem dois estudos2,3 prévios que compararam bicarbonato com soro fisiológico na prevenção de nefropatia induzida por contraste com resultados favoráveis ao uso de bicarbonato, mas que apresentam algumas limitações metodológicas.

 

O Estudo

            Ensaio clínico controlado, randomizado, uni-cego com 353 pacientes com insuficiência renal estável que foram submetidos à angiografia coronariana em um centro único norte-americano. Os critérios de inclusão foram: idade maior ou igual a 18 anos, taxa de filtração glomerular de 60 ml/min ou menos e pelo menos um dos seguintes: diabetes mellitus, história de insuficiência cardíaca, hipertensão arterial ou idade superior a 75 anos. Os pacientes foram randomizados para receber cloreto de sódio (n=178) ou Bicarbonato de sódio (n=175) administrados na mesma taxa de infusão (3 ml/kg durante 1h antes do procedimento; depois 1,5 ml/kg durante o procedimento e por mais 4 h após o procedimento). O desfecho primário foi um decréscimo de 25% ou mais na taxa de filtração glomerular estimada do primeiro ao quarto dias após a exposição ao contraste (este desfecho foi avaliado utilizando-se a menor taxa de filtração glomerular estimada do primeiro ao quarto dia). Os desfechos secundários foram: aumento de 25% ou mais na creatinina sérica, necessidade de hemodiálise nos 30 dias após o procedimento e mortalidade por todas as causas em 30 dias.

 

Resultados

            O desfecho primário ocorreu em 13,3% dos pacientes no grupo do Bicarbonato de sódio e em 14,6% no grupo do cloreto de sódio (RR: 0,94 IC95% 0,55 – 1,60; p=0,82). As taxas de morte, diálise, infarto agudo do miocárdio e eventos cerebrovasculares não diferiram significativamente entre os dois grupos aos 30 dias, nem entre 30 dias e 1 ano (p > 0,10 para todas as comparações). Os autores concluem que os resultados do estudo não sugerem que hidratação com Bicarbonato de sódio seja superior à hidratação com soro fisiológico na prevenção de nefropatia induzida por contraste em pacientes com disfunção renal crônica estável submetidos à angiografia coronariana.

 

Aplicação para a Prática Clínica

            A superioridade do Bicarbonato de sódio em relação ao soro fisiológico 0,9% como solução de hidratação para prevenção de nefropatia induzida por contraste ainda não está definida. Dois estudos prévios 2,3 mostraram que o Bicarbonato de sódio foi superior à solução de cloreto de sódio na prevenção de nefropatia induzida por contraste. Entretanto estes estudos padeceram de limitações metodológicas que diminuem a validade de seus resultados. O primeiro foi um estudo desenhado para recrutar 260 pacientes, mas incluiu apenas 119 pacientes, uma vez que numa análise interina não pré-especificada (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências) o estudo foi interrompido precocemente, pois se encontrou uma taxa de eventos menor que a esperada no grupo do bicarbonato. Entretanto o valor de p para a diferença nas taxas de eventos foi maior do que o habitualmente utilizado para interromper um estudo4. O segundo estudo comparou três estratégias preventivas, reduzindo o tamanho da amostra por grupo, fazendo com que apenas um ou dois eventos adicionais num dos grupos possa ter produzido resultados inconclusivos. Além disso, a taxa de filtração glomerular estimada média foi maior no presente estudo, indicando a possibilidade de que infusão de bicarbonato seja mais eficaz em pacientes com pior função renal de base. Assim, este editor considera que as evidências em favor da infusão de solução de Bicarbonato de sódio como prevenção para a nefropatia por contraste são inconsistentes e inconclusivas.

            A European Society of Urogenital Radiology e a American College of Radiology lançaram recomendações para a prevenção da nefropatia induzida por contraste. Estas recomendações incluem avaliação de fatores de risco (desidratação, insuficiência cardíaca, idade acima de 70 anos, uso concomitante de drogas nefrotóxicas) e mensuração dos níveis de creatinina naqueles com fatores de risco. Na presença de fatores de risco recomenda-se considerar uma técnica alternativa de imagem, descontinuar o uso de drogas nefrotóxicas, utilizar meios de contraste de baixa osmolaridade ou isso-osmolares, manter hidratação adequada e administrar fluídos adicionais se necessário. Nenhuma recomendação específica é feita sobre outras intervenções profiláticas como o uso de N-acetilcisteína.

 

Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências

Análise Interina

            As análises interinas (ínterim analysis) são análises programadas (pré-especificadas, como preferencialmente todos os elementos de um ensaio clínico) para serem realizadas no decorrer do estudo por razões éticas, econômicas, científicas e de planejamento. Os objetivos principais das análises interinas estão relacionados a questões de benefícios e toxicidade das intervenções em estudo. Entretanto sua utilização excessiva pode levar a modificações no desenho original do estudo com potencial para gerar viés5. Há descrição de estudos em que as análises interinas levaram a recálculo do tamanho da amostra e até a mudança no tipo de desfecho a ser avaliado. No caso específico do estudo citado2, a análise interina não tinha sequer sido pré-especificada na fase de delineamento do estudo, e o nível de significância para diferenças de desfechos nos grupos necessário para se suspender um estudo foi menor do que o habitualmente utilizado. Desta forma, embora as análises interinas devam ser utilizadas como forma de proteger os participantes de possíveis danos relacionados às intervenções do estudo, seu uso indiscriminado e não pré-especificado deve ser evitado, pois é fonte de viés.

 

Bibliografia

1.Brar SS, Shen AY,  Jorgensen MB, Kotlewski, A, Aharonian VJ, Desai N, Ree M, Shah AI, Burchette RJ. Sodium Bicarbonate vs Sodium Chloride for the Prevention of Contrast Medium–Induced Nephropathy in Patients Undergoing Coronary Angiography A Randomized Trial. JAMA. 2008;300(9):1038-1046. [Link Livre para o Artigo Original]

2. Merten GJ, Burgess WP, Gray LV, et al. Prevention of contrast-induced nephropathy with sodium bicarbonate: a randomized controlled trial. JAMA. 2004; 291(19):2328-2334. [Link Livre para o Artigo Original]

3. Briguori C, Airoldi F, D’Andrea D, et al. Renal Insufficiency Following Contrast Media Administration Trial (REMEDIAL): a randomized comparison of 3 preventive strategies. Circulation. 2007;115(10):1211-1217. [Link Livre para o Artigo Original]

4. Barrett BJ, Parfrey PS. Clinical practice: preventing nephropathy induced by contrast medium. N Engl J Med. 2006;354(4):379-386. [Link para o Abstract]

5. Tharmanathan P, Calvert M, Hampton J, Freemantle N. The use of interim data and Data Monitoring Committee recommendations in randomized controlled trial reports: frequency, implications and potential sources of bias. BMC Medical Research Methodology 2008, 8:12

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