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Irbesartan na insuficiência cardíaca diastólica

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 24/11/2008

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Intervenção farmacológica na insuficiência cardíaca por disfunção diastólica

 

Irbesartan em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção preservada.

Irbesartan in Patients with Heart Failure and Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med 2008;359 [Link livre para o artigo].

 

Fator de impacto da revista (new England journal of medicine): 52,589

 

Contexto Clínico

            Intervenções farmacológicas em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) têm sido estudadas há mais de 15 anos, com grandes estudos mostrando impacto importante dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) sobre inúmeros desfechos clínicos, inclusive mortalidade. Mais recentemente, a espironolactona e os beta-bloqueadores passaram a fazer parte do arsenal terapêutico para pacientes com insuficiência cardíaca. Entretanto todos estes estudos avaliaram pacientes com IC por disfunção sistólica, isto é, com fração de ejeção (FE) reduzida e cerca de 50% dos pacientes com IC apresentam fração de ejeção de pelo menos 45%. Assim, não existe nenhuma intervenção farmacológica que tenha sido estudada de forma consistente e se mostrado benéfica neste tipo de paciente (IC por disfunção diastólica predominante). Dos vários estudos que avaliaram pacientes com IC com função sístólica preservada, dois merecem ser mencionados. O primeiro é o estudo CHARM-preserved2 que avaliou o efeito do candesartan em mais de 3000 pacientes com IC e FE > 40% e no qual se observou apenas uma redução nas hospitalizações por IC com o candesartan, sem diferenças quanto ao desfecho primário e outros desfechos que incluíram mortalidade. O segundo é o estudo PEP–CHF3 que avaliou o perindopril em 850 pacientes com FE entre 40 e 50%, no qual se observou uma redução significativa de hospitalizações por descompensação da IC e melhora da classe funcional no grupo perindopril, mas não se observou diferença significativa no desfecho primário (morte ou hospitalização por IC).  Desta forma, este estudo foi desenhado para avaliar os efeitos do irbesartan (um antagonista do receptor de angiotensina 2) em pacientes com IC com fração de ejeção preservada utilizando uma FE mínima de 45% e critérios mais bem definidos de IC e com um número maior de pacientes do que os estudos anteriores.

 

O Estudo

            Foi um ensaio clínico multicêntrico (25 países) randomizado, controlado por placebo com 4.128 participantes de pelo menos 60 anos de idade com quadro clínico de insuficiência cardíaca classe funcional II, III ou IV associado a evidências confirmatórias de IC, com uma FE de pelo menos 45% e que tivessem sido internados nos últimos 6 meses por descompensação de IC. Pacientes sem esta internação prévia eram incluídos apenas se apresentassem classe funcional III ou IV no momento da admissão. As evidências confirmatórias incluíam achados de congestão pulmonar na radiografia de tórax, hipertrofia ventricular esquerda ou aumento do átrio esquerdo ao ecocardiograma, ou hipertrofia ventricular esquerda ou bloqueio de ramo esquerdo ao eletrocardiograma. Os critérios de exclusão incluíram intolerância prévia ao uso de antagonistas do receptor de angiotensina, uma provável causa alternativa para os sintomas do paciente (por exemplo, doença pulmonar significativa), qualquer FE prévia menor que 40%, história de síndrome coronariana aguda, revascularização do miocárdio ou AVC nos últimos 3 meses, anormalidades valvares substanciais, miocardiopatia hipertrófica ou restritiva, doença pericárdica, cor pulmonale ou outra causa de insuficiência cardíaca direita isolada, pressão arterial sistólica menor que 100 mmHg ou maior que 160 mmHg ou pressão diastólica maior que 95 mmHg apesar de terapia anti-hipertensiva, outras doenças sistêmicas limitando a expectativa de vida em menos de 3 anos, anormalidades laboratoriais substanciais (hemoglobina menor que 11 g/dl, creatinina maior que 2,5 mg/dl, ou anormalidades da função hepática), ou características que pudessem afetar a aderência ao protocolo do estudo. Os participantes foram alocados aleatoriamente para placebo ou 300 mg de irbesartan por dia por um período médio de seguimento de 49,5 meses. O desfecho primário composto foi morte por qualquer causa ou hospitalização por causa cardiovascular (insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, angina instável, arritmia ou AVC). Os desfechos secundários foram morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca, mortalidade geral, mortalidade por causas cardiovasculares, qualidade de vida e níveis de NT-proBNP. O estudo foi financiado pela indústria farmacêutica.

 

Resultados

            As taxas de incidência do desfecho primário foram de 100,4 e 105,4 por 1000 pacientes-ano respectivamente (RR:0,95 IC95% 0,86-1,05; p=0,35). As taxas de mortalidade geral foram 52,6 e 52,3 por 1000 pacientes-ano respectivamente (RR:1,00 IC95% 0,88-1,14; p=0,98). As taxas de hospitalização por causas cardiovasculares foram 70,6 e 74,3 por 1000 pacientes-ano respectivamente (RR:0,95 IC95% 0,85-1,08; p=0,44). Também não houve nenhuma diferença significativa em relação a todos os outros desfechos clínicos pré-especificados. A qualidade de vida melhorou significativamente nos dois grupos em relação ao início do estudo, mas não diferiu entre os grupos. Os níveis de NT-proBNP também não diferiram entre os dois grupos. Em relação aos efeitos adversos, o irbesartan associou-se com um aumento da creatinina num número significativamente maior de pacientes (6% vs 4% no grupo placebo; p<0,001), o mesmo ocorrendo em relação a aumento do potássio sérico (3% vs 2% no grupo placebo; p=0,01). Entretanto estas diferenças não foram clinicamente significativas. A conclusão dos autores é que o irbesartan não melhorou nenhum desfecho clínico em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

 

Aplicação para a prática clínica

            Intervenções farmacológicas eficazes em pacientes com IC por disfunção diastólica são aguardadas ansiosamente. Os resultados dos estudos CHARM-preserved2 e PEP-CHF3 mostraram algum benefício em relação a internações hospitalares, mas sem alterar a mortalidade (no caso do estudo do perindopril houve uma tendência de redução da mortalidade apenas no primeiro ano do estudo). As justificativas para estes resultados incluíam dificuldade no diagnóstico preciso de IC por disfunção diastólica com possível inclusão de pacientes com outras etiologias para o quadro clínico, número de eventos menor que o esperado, reduzindo o poder do estudo e alto grau de contaminação pro uso externo de IECA, diluindo possíveis diferenças relacionadas à intervenção em estudo. Por outro lado, os benefícios observados em relação às internações hospitalares podem se dever, em parte, ao fato de que estes pacientes tinham algum grau de disfunção sístólica (a FE mínima era de 40%). O presente estudo incluiu pacientes com FE maior que 45% e o diagnóstico da síndrome clínica de insuficiência cardíaca foi mais criterioso e preciso, minimizando a chance de incluir pacientes sem IC no estudo. Todos os participantes tinham evidência de lesão cardíaca estrutural, 44% dos pacientes haviam sido hospitalizados por IC nos últimos 6 meses e os remanescentes tinham que estar em pelo menos classe funcional III à entrada do estudo, e os níveis de entrada do NT-proBNP eram consistentes com níveis usualmente utilizados para diagnóstico de IC. Além disso, o número de hospitalizações subseqüentes por IC foi muito alto (entre 6 a 8 vezes maior que o observado em estudos envolvendo pacientes hipertensos e diabéticos e de alto risco cardiovascular), o que também sugere que pacientes sem IC não tenham sido freqüentes no estudo. Possíveis explicações para os resultados negativos do estudo incluem o fato de que houve um alto grau de descontinuação do irbesartan (cerca de 33%) e o alto grau de prescrição externa de IECA e espironolactona após a randomização.

            Uma crítica que poderia ser feita ao estudo é o fato dele não ter estudado um IECA ao invés de um antagonista do receptor de angiotensina, mas isto provavelmente se deve à questão do financiamento do estudo e ao preço da droga. Em vista dos resultados deste estudo este editor acredita que os antagonistas de receptor de angiotensina não devam ser utilizados no tratamento da IC por disfunção diastólica. Na verdade esta classe de drogas também não deveria ser utilizada como primeira escolha mesmo em pacientes com IC por disfunção sístólica, uma vez que os IECAS são as drogas de escolha nestes casos.

 

Bibliografia

1. Massie BM, Carson PE et al. Irbesartan in Patients with Heart Failure and Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med 2008;359.

2. Yusuf S, Pfeffer MA, Swedberg K, et al. Effects of candesartan in patients with chronic heart failure and preserved leftventricular ejection fraction: the CHARM-Preserved Trial. Lancet 2003;362:777-81.

3. Cleland JG, Tendera M, Adamus J, Freemantle N, Polonski L, Taylor J. The Perindopril in Elderly People with Chronic Heart Failure (PEP-CHF) study. Eur Heart J 2006;27:2338-45.

 

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