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Controle da pressão arterial nos acidentes vasculares cerebrais

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 22/12/2008

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Controle da pressão arterial nos acidentes vasculares cerebrais

 

Controlando a hipertensão e a hipotensão no pós-AVC imediato: um estudo piloto randomizado, controlado, duplo-cego1.

Controlling hypertension and hypotension immediately post-stroke (CHHIPS): a randomised, placebo-controlled, double-blind pilot trial. Lancet Neurol 2009; 8: 48–56 [Link para PubMed].

 

Fator de impacto da revista (lancet neurology):10,169

 

Contexto Clínico

            Pressão arterial (PA) elevada é muito comum após acidentes vasculares cerebrais (AVC) agudos (mais de metade dos pacientes apresentam pressão arterial sistólica maior que 160 mmHg), mas sua relação com o prognóstico não está clara. Parece associar-se com pior prognóstico, mas apenas como um marcador de maior gravidade do AVC e não como fator causal, embora muitos estudos apontem para uma associação inversa entre nível pressórico e prognóstico a curto e longo prazo. Há explicações fisiopatológicas que tentam explicar tanto os benefícios quanto os malefícios da redução da PA no pós-AVC imediato, mas o manejo da PA na fase aguda dos AVCs permanece incerto, conforma pode ser visto em diretrizes e metanálises recentes2,3. O objetivo deste estudo piloto foi avaliar a exeqüibilidade, a segurança e os efeitos de dois regimes para redução da PA em pacientes com AVC agudo.

 

O Estudo

            Foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego em que pacientes com AVC isquêmico (AVCI) e AVC hemorrágico (AVCH) que estavam hipertensos (PA sistólico > 160 mmHg) e que foram randomizados para receber labetalol, lisinopril ou placebo. Pacientes disfágicos foram randomizados para labetalol parenteral, lisinopril sublingual ou placebo (sublingual ou parenteral) e pacientes não disfágicos receberam labetalol, lisinopril ou placebo orais. O objetivo era atingir uma PA sistólica entre 145 e 155 mmHg ou 15 mmHg abaixo da PA sistólica no momento da randomização. Os pacientes foram incluídos até 36 horas do início dos sintomas de AVC. A intervenção durou duas semanas, após as quais os pacientes iniciavam um esquema com IECA e diurético a menos que houvesse contra-indicações. O desfecho primário do estudo foi morte ou dependência no 14º dia. Desfechos secundários foram: ausência de deterioração neurológica precoce (< 72h), eventos adversos graves até o 14º dia e mortalidade aos 3 meses. Foram incluídos 179 pacientes (idade média: 74 anos; PA sistólica média: 181 mmHg) no estudo, alocados aleatoriamente para labetalol (n=58), lisinopril (n=58) e placebo (n=63).

 

Resultados

            O desfecho primário (morte ou dependência no 14º dia) ocorreu em 61% dos pacientes nos grupos ativos e 59% dos pacientes do grupo placebo (RR:1,03 IC95% 0,80-1,33; p=0,82), com resultados semelhantes entre os três grupos separadamente, mesmo após ajuste para o tempo até o início do tratamento. Não houve evidência de deterioração neurológica com o tratamento ativo (RR:1,22 IC95% 0,33-4,54; p=0,76), a despeito da significativamente maior queda da pressão arterial sistólica nas primeiras 24h nos grupos de tratamento ativo comparados com o grupo placebo (21 mmHg VS 11 mmHg; p=0,004). Não houve maior incidência de eventos adversos graves com o tratamento ativo (RR:0,91; IC95% 0,69-1,12; p=0,50). A mortalidade aos 3 meses apresentou uma tendência para redução pela metade (9,7% VS 20,3%; RR:0,40 IC95% 0,2-1,0; p=0,05). Os autores concluem que o lisinopril e o labetalol são eficazes em reduzir a PA no pós-AVC imediato, sem apresentar efeitos adversos graves. Ainda na visão dos autores, o lisinopril e o labetalol são promissores para a redução precoce da PA após AVCs agudos, mas alertam para o cuidado na interpretação dos resultados em virtude do pequeno tamanho da amostra. 

 

Aplicações para a Prática Clínica

            O manejo da PA na fase aguda dos AVCs realmente é um tema muito controverso e incerto. Há os defensores da redução da PA na fase aguda, que justificam suas crenças com evidências de alguns estudos observacionais e de alguns mecanismos fisiopatológicos como a possibilidade de transformação hemorrágica (no AVCI), aumento do volume do hematoma (no AVCH) e evolução para uma encefalopatia hipertensiva associada (tanto no AVCI como no AVCH) com PAs muito elevadas na fase aguda. Os defensores da não redução, ou pelo menos da redução mais parcimoniosa apenas em situações de extrema elevação da PA, justificam suas crenças em outros estudos observacionais (de melhor qualidade que os primeiros deve-se dizer) e em mecanismos fisiopatológicos como a perda da auto-regulação na área de penumbra levando a uma relação linear entre pressão arterial média e perfusão cerebral, o que poderia causar mais isquemia com redução da PA. Este editor compartilha da crença destes últimos.

Quanto ao estudo em questão alguns comentários merecem ser feitos. A intervenção do estudo durou 2 semanas, tempo muito longo para se avaliar o impacto da redução da PA na fase aguda dos AVCs, e ao mesmo tempo incluiu pacientes com até 36 horas do início dos sintomas, tempo também muito longo para se avaliar o impacto da redução da PA na fase aguda dos AVCs. Acredito que um estudo que inicie a intervenção em no máximo 24 h (de preferência até 12 h) e a termine no 4º ou 5º dia traria informações mais precisas sobre o impacto da redução da PA na fase aguda. Talvez a diferença de mortalidade observada tenha sido fruto de prevenção secundária de AVC (o tratamento da PA é imprescindível para esta finalidade) e não da ação sobre a PA na fase aguda (até o 4º ou 5º dia pós-AVC). Esta diferença também pode ter ocorrido por acaso, em virtude do pequeno tamanho da amostra, como os próprios autores reconhecem. Outro ponto refere-se à não deterioração neurológica no grupo ativo (embora o RR tenha sido 1,22 e o limite superior do IC95% tenha chegado a 4,54). Este achado talvez tenha sido fruto do fato de se reduzir pressões que já tinham tido a redução espontânea que ocorre nas primeiras 24 h pós-AVC, novamente aqui funcionando como prevenção secundária de AVCs. Por último, este estudo foi um estudo piloto e apresentou problemas quanto ao poder para detectar pequenas diferenças em alguns desfechos. Em concordância com os autores, este editor acredita que as evidências para um correto manejo da PA na fase aguda dos AVCs são escassas, e que maiores e melhores ensaios clínicos randomizados são necessários.

 

Bibliografia

1. Potter JF, Robinson TG, Ford GA, Mistri A, James M, Chernova J, Jagger C. Controlling hypertension and hypotension immediately post-stroke (CHHIPS): a randomised, placebo-controlled, double-blind pilot trial. Lancet Neurol 2009; 8: 48–56 (Published Online December 4, 2008) [Link para PubMed].

2. UK National Institute for Health and Clinical Excellence. Stroke: the diagnosis and initial management of stroke and transient ischaemic attacks (TIA). NICE July 2008. http://www.nice.org.uk/nicemedia/pdf/CG68NICEGuideline.pdf.

3. Geeganage C, Bath PMW. Interventions for deliberately altering blood pressure in acute stroke. Cochrane Database Syst Rev 2008;

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