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Protocolo de não sedação para ventilação mecânica

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 12/04/2010

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Protocolo de não sedação para ventilação mecânica

 

Um protocolo de não-sedação para pacientes críticos sob ventilação mecânica: um estudo randomizado1

 

Fator de impacto da revista (Lancet): 28,409

 

Contexto Clínico

Sedação e analgesia adequadas são partes fundamentais do atendimento do paciente grave. No entanto, o uso excessivo de sedativos associa-se a diversos efeitos colaterais como maior tempo de ventilação mecânica2 e delirium3. Além disso, algumas evidências sugerem que manter memórias reais dos fatos que ocorreram na UTI é um fator protetor para a ocorrência de stress pós-traumático posterior4. Diversos estudos têm mostrado a eficácia na redução do tempo de ventilação mecânica e outros desfechos com o uso de protocolos de sedação5,6 e o despertar diário7,8. Entretanto, embora seja prática em algumas unidades, não havia até o momento nenhum estudo que mantivesse o paciente sem sedação. Assim, estes autores dinamarqueses compararam o protocolo desenvolvido na unidade deles em 1999, de manter o paciente sem sedação, com a consagrada abordagem do despertar diário, recomendada nas diretrizes de sedação e analgesia.

 

O Estudo

Foi um estudo prospectivo realizado em uma UTI clínico-cirúrgica, com 18 leitos, de um hospital universitário. A relação paciente-enfermeiro na unidade é de 1:1.

Foram incluídos todos os pacientes intubados que tivessem a expectativa de permanecer em ventilação mecânica por mais de 24h. Foram excluídos pacientes menores de 18 anos, com hipertensão intracraniana, com necessidade de sedação (p. ex., estado de mal epiléptico, hipotermia pós-parada cardíaca), gestantes, ou que preenchessem os critérios de desmame da ventilação mecânica (FiO2 = 40% e PEEP de 5 cmH2O), ou que estivessem em coma (p. ex. encefalopatia hepática). Os autores decidiram, a priori, excluir estes últimos pacientes porque eles não recebem sedação contínua normalmente.

Após 24h da intubação, os pacientes foram randomizados 1:1 para o grupo sem sedação (“intervenção”) ou o grupo despertar diário (“controle”). O grupo intervenção recebeu morfina (2,5 - 5mg) em bolus se necessário. Se os pacientes estivessem desconfortáveis, o médico era consultado, e as causas possíveis de desconforto eram investigadas (p. ex., hipóxia, obstrução da cânula, dor). Se necessário, uma pessoa era designada para confortar verbalmente o paciente. Restrições físicas nunca eram usadas. Para os casos em que o delirium era suspeitado, haloperidol intravenoso era dado na forma de bolus (1,0; 2,5 ou 5mg), mas se, ainda assim, o paciente permanecesse desconfortável após este tratamento, o paciente era sedado com propofol por 6h. Em seguida, uma nova tentativa de manter o paciente sem sedação era realizada; se a sedação tivesse que ser reiniciada três vezes, o paciente era mantido sedado, com interrupção diária da sedação, de acordo com o protocolo do grupo controle.

O grupo controle recebeu morfina como o grupo anterior e foi sedado com uma infusão de propofol (20mg/ml) titulada para atingir um escore de Ramsay de 3-4. O escore era avaliado a cada 2-3h para certificar-se da titulação correta do sedativo. Todos os dias, a infusão de sedativo era suspensa pela manhã e os pacientes eram considerados acordados quando pudessem seguir três de quatro comandos: abrir os olhos, olhar o investigador, apertar a mão, por a língua para fora. Após estes testes, o sedativo era religado em metade da dose prévia e titulado para manter o Ramsay 3-4. Após 48h, o propofol era trocado por midazolam (1mg/ml) e o procedimento continuava o mesmo.

Se possível, ambos os grupos eram colocados sentados em uma poltrona, sendo que os pacientes do grupo controle eram mais mobilizados durante o despertar diário. O modo ventilatório padrão era pressão de suporte. A ventilação controlada só era usada em casos de hipoventilação grave e prolongada. Todos os pacientes do grupo controle tinham a sua infusão de sedativos suspensa quando a FiO2 estivesse em 40% e o PEEP em 5 cmH2O. A partir deste ponto, a condução era igual à do grupo intervenção. A sedação era reiniciada se houvesse aumento da necessidade de suporte ventilatório (FiO2 > 50% e PEEP > 8cmH2O). Todos os pacientes eram desmamados do ventilador de acordo com o protocolo local se eles estivessem estáveis (FiO2 de 40%, PEEP de 5 cmH2O, FR < 35 ipm, FC < 140bpm, PAS > 90mmHg, sem uso substancial de vasopressores ou inotrópicos, e pH > 7,3).

O desfecho primário analisado foi o número de dias livres de ventilação mecânica em 28 dias. Pacientes que fossem reintubados em 24h ou permanecessem dependentes de ventilação não-invasiva eram considerados como ainda sob ventilação mecânica. Outros desfechos analisados foram duração da internação na UTI e no hospital, mortalidade na UTI e no hospital, necessidade de TC ou RNM de crânio, extubação acidental, pneumonia associada à ventilação mecânica e incidência de delirium (pelos critérios do DSM-IV).

 

Resultados

Um total de 140 pacientes foi incluído no estudo. Destes, 27 foram excluídos por terem sido extubados antes de 48h. A única diferença entre os grupos foi uma proporção maior de homens no grupo intervenção. Os pacientes tinham um APACHE II médio de 26 e um SOFA médio no segundo dia de 8,3.

O grupo sem sedação teve um maior número de dias livres da ventilação mecânica do que o grupo despertar diário (13,8±11dias vs. 9,6±10 dias, p= 0,0191). A duração da internação na UTI (13,1 vs. 22,8 dias, p= 0,0316) e no hospital (34 vs. 58 dias, p= 0,0039) também foi menor no grupo sem sedação. Não houve diferenças de mortalidade na UTI (22 vs. 38%, p=0,06) e hospitalar (36 vs. 47%, p=0,27).

Uma pessoa extra foi necessária para dar conforto e segurança em 11 pacientes no grupo intervenção e em 3 pacientes no grupo controle (p=0,0247).

Não houve diferença entre os grupos em relação às extubações acidentais (7 vs. 6, p=0,69), necessidade de TC ou RNM de crânio (5 vs. 8, p=0,43), pneumonia associada à ventilação mecânica (6 vs. 7, p=0,85) e necessidade de reintubação em 24h (7 vs. 11, p=0,37).

Dez pacientes (18%) no grupo intervenção necessitaram de sedação principalmente para melhorar a oxigenação (p. ex., ventilação em prona) e, em um destes casos, os familiares solicitaram que o paciente fosse sedado.

Delirium ocorreu em 11 (20%) dos pacientes do grupo intervenção e em 4 (7%) do grupo controle (p=0,04). O haloperidol foi usado mais frequentemente no grupo intervenção do que no grupo controle (19 vs. 8, p=0,01). Obviamente, mais propofol foi usado no grupo controle, mas não houve diferença quanto ao uso de morfina.

 

Aplicações para a Prática Clínica

Este interessante estudo foi o primeiro a mostrar que um protocolo de não-sedação reduz o tempo de ventilação mecânica em relação ao uso do despertar diário, que já se mostrara efeito previamente em relação à sedação contínua. Estes resultados vão de encontro a um estudo observacional muito citado na literatura que já mostrava que pacientes sem sedação ou com apenas sedação intermitente tinham menos tempo de ventilação que pacientes que recebessem sedação contínua2.

Os dados do estudo somam-se ainda à vasta literatura que tem sido formada nos últimos anos mostrando que excesso de sedação é maléfico e pouca sedação é benéfica tanto a curto quanto em longo prazo no paciente de terapia intensiva, com a vantagem de mostrar que nenhuma sedação também parece ser benéfica. Assim, reiteramos que se deve sempre manter analgésicos e sedativos para manter o paciente calmo e confortável, como já recomenda nosso protocolo. Pacientes que se apresentem arresponsivos ou pouco responsivos durante qualquer avaliação durante o dia, devem ter sua dose de sedativos reduzida ou suspensa até que se possa avaliar seu nível de consciência. As exceções são, claro, pacientes com hipertensão intracraniana, estado de mal epiléptico ou em hipotermia pós-PCR.

No entanto, alguns pontos desse estudo devem ser comentados. Foi um estudo conduzido em uma UTI com estrutura de enfermagem excelente, muito longe do nosso padrão. Além disso, a demanda dos pacientes sem sedação foi maior, pela necessidade de uma pessoa extra para confortá-los. Outro ponto importante é que foram rastreados 428 pacientes durante o período de estudo e foram incluídos apenas 140. Dos 288 pacientes excluídos, 225 foram por razões clínicas (70 por terem uma extubação estimada em menos de 24h, 24 por hipertensão intracraniana, 50 pacientes neurológicos graves, 1 gestante, 44 por preencherem critérios de desmame, 20 pacientes com prognóstico reservado e 40 por apresentarem déficits neurológicos graves). Assim, seus resultados aplicam-se a um grupo de pacientes selecionados, mas ainda assim bastante freqüentes em UTI, uma vez que tanto o APACHE II quanto o SOFA eram elevados indicando a alta gravidade dos pacientes, o que se refletiu também na elevada taxa de mortalidade encontrada nos dois grupos. Outro dado a se considerar é que os autores não relataram o Ramsay médio/mediano dos pacientes para mostrar que os dois grupos permaneceram “acordados”, como propunham os protocolos.

Em relação à maior incidência de delirium, como bem colocam os autores na discussão do artigo, provavelmente os pacientes sem sedação tiveram maior probabilidade de serem avaliados já que se optou pelo uso do DSM-IV que apresenta uma série de critérios para diagnosticar delirium e, consequentemente, maior necessidade de interação e dispêndio de tempo com o paciente. O uso do CAM-ICU talvez fosse mais adequado.

Em resumo, uma estratégia de não-sedação parece ser uma boa opção em pacientes selecionados em UTI, com a ressalva de que estes pacientes precisam de mais atenção. Entretanto, mais estudos são necessários antes que essa estratégia vire uma recomendação forte nas próximas diretrizes e ao menos mais um estudo já está sendo conduzido com esse objetivo. De qualquer modo, devemos manter o foco em deixar o paciente o menos sedado possível para que suas necessidades possam ser constantemente avaliadas e, como coloca o editorial que acompanha o artigo, e nossa empatia com o paciente seja maior9, o que é muito benéfico para ambos, nós e eles.

 

Bibliografia

     (1)   Strom T, Martinussen T, Toft P. A protocol of no sedation for critically ill patients receiving mechanical ventilation: a randomised trial. Lancet 2010; 375(9713):475-480.

     (2)   Kollef MH, Levy NT, Ahrens TS, Schaiff R, Prentice D, Sherman G. The use of continuous i.v. sedation is associated with prolongation of mechanical ventilation. Chest 1998; 114(2):541-548.

     (3)   Ely EW, Shintani A, Truman B, Speroff T, Gordon SM, Harrell FE, Jr. et al. Delirium as a predictor of mortality in mechanically ventilated patients in the intensive care unit. JAMA 2004; 291(14):1753-1762.

     (4)   Jones C, Griffiths RD, Humphris G, Skirrow PM. Memory, delusions, and the development of acute posttraumatic stress disorder-related symptoms after intensive care. Crit Care Med 2001; 29(3):573-580.

     (5)   Brook AD, Ahrens TS, Schaiff R, Prentice D, Sherman G, Shannon W et al. Effect of a nursing-implemented sedation protocol on the duration of mechanical ventilation. Crit Care Med 1999; 27(12):2609-2615.

     (6)   Brattebo G, Hofoss D, Flaatten H, Muri AK, Gjerde S, Plsek PE. Effect of a scoring system and protocol for sedation on duration of patients' need for ventilator support in a surgical intensive care unit. BMJ 2002; 324(7350):1386-1389.

     (7)   Kress JP, Pohlman AS, O'Connor MF, Hall JB. Daily interruption of sedative infusions in critically ill patients undergoing mechanical ventilation. N Engl J Med 2000; 342(20):1471-1477.

     (8)   Girard TD, Kress JP, Fuchs BD, Thomason JW, Schweickert WD, Pun BT et al. Efficacy and safety of a paired sedation and ventilator weaning protocol for mechanically ventilated patients in intensive care (Awakening and Breathing Controlled trial): a randomised controlled trial. Lancet 2008; 371(9607):126-134.

     (9)   Brochard L. Less sedation in intensive care: the pendulum swings back. Lancet 2010.

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