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Procalcitonina na Unidade de Terapia Intensiva

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 26/04/2010

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Procalcitonina na Unidade de Terapia Intensiva

 

Uso da procalcitonina para reduzir a exposição dos pacientes a antibióticos em UTI (estudo PRORATA): um ensaio clínico multicêntrico1

 

Fator de impacto da revista (Lancet): 28,409

 

Contexto Clínico

Antibióticos são um dos grupos de drogas mais prescritos em UTI. Porém, seu uso indiscriminado é um dos principais fatores responsáveis pela emergência de bactérias resistentes. A redução do consumo de antibióticos poderia ser feita ao se racionalizar seu uso apenas para infecções documentadas e reduzindo sua duração. No entanto, definir um quadro infeccioso com alto grau de certeza e rapidez como é necessário na UTI é uma tarefa bastante difícil. Reduzir o tempo de tratamento tem sido o objetivo de alguns estudos2,3, com resultados animadores, mas ainda escassos.

O uso de marcadores inflamatórios poderia individualizar a antibioticoterapia, definindo-se um limiar para o seu início e término. A procalcitonina parece não ter uma boa acurácia para o diagnóstico de sepse em pacientes graves4, mas o direcionamento da antibioticoterapia guiada por seus níveis tem se mostrado uma estratégia eficaz para reduzir o uso de antibióticos em infecções respiratórias5,6.

Assim, os autores deste estudo propuseram-se a avaliar se um algoritmo de tratamento baseado em níveis séricos de procalcitonina reduz o uso de antibióticos em UTI.

 

O Estudo

Trata-se de um estudo prospectivo, randomizado, realizado em oito UTIs francesas que incluiu todos os pacientes admitidos com suspeita de infecção bacteriana à admissão ou que as desenvolveram durante o tratamento. Foram excluídos pacientes com menos de 18 anos, gestantes, transplantados de medula óssea, neutropênicos, com infecções com indicação de antibioticoterapia prolongada (p. ex., endocardite, osteomielite) e com prognóstico reservado.

O grupo intervenção seguia o seguinte protocolo para iniciar o antibiótico de acordo com o nível sérico de procalcitonina:

- <0,25mcg/l: antibiótico fortemente desencorajado;

- 0,25-0,5mcg/l: antibiótico desencorajado;

- 0,5-1mcg/l: antibiótico encorajado;

- >1 mcg/l: antibiótico fortemente encorajado.

A decisão final cabia ao médico que assistia ao paciente. Caso se decidisse por não se iniciar o antibiótico, uma segunda dosagem de procalcitonina era realizada 6-12h após.

Após o início do antibiótico, medidas diárias de procalcitonina eram realizadas e o seguinte protocolo era sugerido:

- Nível sérico <0,25mcg/ml: A suspensão dos antibióticos era fortemente encorajada;

- Queda de 80% do pico ou nível sérico entre 0,25-0,5mcg/ml: A suspensão dos antibióticos era encorajada;

- Queda menor que 80% ou nível sérico maior que 0,5mcg/ml: A manutenção dos antibióticos era encorajada;

- Aumento do nível sérico ou concentração maior que 0,5mcg/ml: A manutenção dos antibióticos era fortemente encorajada.

Novamente, a decisão final cabia ao médico assistente.

Para os pacientes do grupo controle, o início da antibioticoterapia baseava-se apenas em parâmetros clínicos e sua duração seguia as recomendações das diretrizes de especialidades.

Ao final do acompanhamento, as infecções suspeitas que motivaram a inclusão do paciente no estudo eram classificadas em 4 grupos:

1.             Infecção microbiologicamente documentada: presença de um foco clínico e/ou radiológico com a identificação do patógeno causador;

2.             Infecção clinicamente documentada: presença de um foco clínico e/ou radiológico sem a identificação do patógeno causador;

3.             Ausência de infecção: ausência de um foco clínico e/ou radiológico e antibióticos administrados por 2 dias ou menos, e;

4.             Infecções possíveis: todas as outras situações.

Os desfechos primários analisados foram mortalidade em 28 e 60 dias, e número de dias livres de antibiótico em 28 dias. Os desfechos secundários foram recrudescência da infecção (crescimento do mesmo agente de uma cultura coletada do mesmo foco 48h ou mais depois da suspensão do antibiótico), superinfecção (isolamento no mesmo ou em outro sítio de um patógeno diferente do causador da infecção inicial), tempo de ventilação mecânica, UTI e hospital, SOFA, duração da antibioticoterapia e dias de exposição ao antibiótico por 1000 pacientes/dia.

 

Resultados

Foram incluídos 630 pacientes, mas nove foram excluídos, ficando assim 307 pacientes no grupo procalcitonina e 314 no grupo controle. Os grupos eram semelhantes no momento inicial. O SAPS II médio foi de 47,1 e 46,9 e SOFA médio de 8,0 e 7,7 nos grupos procalcitonina e controle à admissão, respectivamente. Noventa por cento dos pacientes eram clínicos. Os sítios de infecção mais comuns foram pulmonar, urinário e intra-abdominal. As infecções foram classificadas da seguinte forma:

 

Tipo de Infecção

Procalcitonina

Controle

Microbiológica

69%

71%

Clínica

12%

17%

Ausente

15%

11%

Possível

4%

2%

 

O tratamento empírico foi adequado em 91 e 93% dos casos de infecção microbiologicamente documentada nos grupos procalcitonina e controle, respectivamente.

As recomendações sobre a duração da antibioticoterapia no grupo procalcitonina não foram seguidas em 219 casos. Em 65 casos, o antibiótico foi iniciado apesar do nível de procalcitonina e em quatro não foi iniciado apesar dos níveis superiores a 0,5 mcg/ml. No seguimento, em 39 casos, o antibiótico foi suspenso apesar do nível sérico elevado de procalcitonina e foi continuado em 111 pacientes, em 32 porque saíram da UTI e não tinham mais a disponibilidade de procalcitonina e em 79 porque permaneciam clinicamente instáveis a despeito de baixos níveis de procalcitonina.

Não houve diferenças quanto à mortalidade em 28 e 60 dias (21,2 vs. 20,4% e 30,0% vs. 26,1%, nos grupos procalcitonia e controle, respectivamente). O número de dias livres de antibiótico foi maior no grupo procalcitonina (14,3 vs. 11,6, p<0,001). Houve também redução na exposição aos antibióticos no grupo procalcitonina, bem como a sua menor duração na população em geral e nos subgrupos de pneumonia comunitária, pneumonia associada à ventilação mecânica, infecção urinária e infecção com hemocultura positiva. Não houve diferença quanto às taxas de recrudescência ou de superinfecção.

A diferença entre os grupos foi pequena no primeiro dia (5,6%), mas aumentou para 22,2% no sétimo dia e caiu posteriormente nos 15º (10,5%) e 20º dias (6,2%).

 

Aplicações para a Prática Clínica

Os resultados deste estudo mostram que guiar a duração da antibioticoterapia pelo nível sérico de procalcitonina parece ser uma estratégia segura e que se associa a um menor tempo de antibioticoterapia. Estes dados são parecidos aos de outros estudos semelhantes, realizados em pronto-socorros. Em UTI, vem a somar-se a estudos pequenos que apontavam nesta direção. Um dado positivo, que reforçaria sua aplicabilidade no nosso dia-a-dia é que os doentes incluídos eram bastante graves.

Há que se considerar alguns pontos, no entanto:

  1. O papel da procalcitonina foi principalmente como guia para suspender o antibiótico, uma vez que a diferença no uso de antibiótico foi pequena no primeiro dia, mas importante no 7º dia;
  2. Os pacientes cirúrgicos representaram apenas 10% dos casos e, nestes pacientes, a procalcitonina pode estar elevada mesmo na ausência de infecções;
  3. Em 53% dos casos o algoritmo da procalcitonina não foi seguido, a maioria porque o médico resolveu iniciar ou manter o antibiótico apesar da recomendação contrária do protocolo.

Concluindo, em pacientes clínicos com infecção suspeita na UTI, a procalcitonina pode ser uma ferramenta útil para determinar a duração da antibioticoterapia aliada a dados clínicos e à monitorização do paciente.

 

Bibliografia

  1. Bouadma L, Luyt CE, Tubach F,  et al; for the PRORATA trial group. Use of procalcitonin to reduce patients' exposure to antibiotics in intensive care units (PRORATA trial): a multicentre randomised controlled trial. Lancet. 2010; 375(9713):463-474.
  2. Chastre J, Wolff M, Fagon JY, et al. Comparison of 8 vs 15 days of antibiotic therapy for ventilator-associated pneumonia in adults: a randomized trial. JAMA. 2003; 290:2588-98.
  3. Micek ST, Ward S, Fraser VJ, Kollef MH. A randomized controlled trial of an antibiotic discontinuation policy for clinically suspected ventilator-associated pneumonia. Chest. 2004; 125:1791-9.
  4. Tang BM, Eslick GD, Craig JC, McLean AS. Accuracy of procalcitonin for sepsis diagnosis in critically ill patients: systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2007; 7:210-7.
  5. Schuetz P, Christ-Crain M, Thomann R, et al. Effect of procalcitonin-based guidelines vs standard guidelines on antibiotic use in lower respiratory tract infections: the ProHOSP randomized controlled trial. JAMA. 2009; 302:1059-66.
  6. Christ-Crain M, Stolz D, Bingisser R, et al. Procalcitonin guidance of antibiotic therapy in community-acquired pneumonia: a randomizedtrial. Am J Respir Crit Care Med 2006; 174: 84–93.

 

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