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Intervenções para a redução de transmissão de bactérias multirresistentes

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 13/07/2011

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Área de atuação: Medicina Hospitalar, Medicina Intensiva

 

Especialidade: Infectologia, Medicina Intensiva

 

Contexto clínico

Infecções por bactérias multirresistentes representam um dos maiores problemas no ambiente hospitalar, especialmente na UTI. Muitas destas infecções são precedidas pela colonização de pele, mucosas e trato gastrintestinal, que ocorre pela transmissão a partir das mãos de profissionais da saúde e por materiais contaminados após o contato com outros pacientes previamente colonizados/infectados. Assim, medidas que envolvam a lavagem adequada de mãos e o uso de precauções de contato com pacientes colonizados/infectados por bactérias multirresistentes seriam recomendadas como medida de prevenir a transmissão destas bactérias. Recentemente, dois estudos propuseram-se a avaliar o impacto destas medidas como forma de reduzir a transmissão de Staphylococcus aureus resistente à oxacilina (MRSA) e de Enterococcus resistente à vancomicina (VRE).

 

Os estudos

O primeiro estudo1 foi conduzido em UTI norte-americanas que foram randomizadas (vide Glossário) para o grupo intervenção ou controle. Nas UTI do grupo intervenção, todos os pacientes tinham coletados swabs nasais para pesquisa de MRSA e culturas de fezes ou swab perianal para pesquisa de VRE em até dois dias após sua admissão e, depois, semanalmente e até dois dias antes ou após sua alta da UTI. Todos os pacientes sabidamente colonizados ou infectados por MRSA ou VRE no ano anterior ou em qualquer momento durante a internação na UTI eram colocados em “precauções de contato” que incluíam lavagem de mãos antes e após o contato com os pacientes, o uso de luvas e aventais durante qualquer contato com os pacientes colonizados/infectados. Todos os outros pacientes eram manipulados após lavagem de mãos e com luvas até o resultado das culturas ou a alta. Caso as culturas fossem negativas, os pacientes eram manipulados com “precauções padrão”, que incluíam a lavagem de mãos antes e após o contato com os pacientes e o uso de luvas quando em contato com secreções. Nas UTI do grupo controle, a coleta de culturas foi semelhante, mas os profissionais não sabiam dos seus resultados. Os procedimentos padronizados de cada hospital foram mantidos para a identificação de pacientes colonizados ou infectados com MRSA ou VRE. Quando identificados, eram iniciadas precauções de contato. Caso contrário, eram mantidas as precauções padrão. A comparação da incidência de novos eventos de colonização/infecção por MRSA ou VRE foi o objetivo primário do estudo. Além disso, foi avaliada a adesão dos profissionais de saúde às medidas indicadas.

Houve 5.434 admissões em 10 UTI randomizadas para o grupo intervenção e 3.705 admissões em oito UTI randomizadas para o grupo controle durante seis meses. Os pacientes infectados ou colonizados por MRSA ou VRE no grupo intervenção foram colocados em precauções de contato em 92% do tempo de sua internação na UTI, enquanto os pacientes do grupo controle na mesma situação estiveram 38% do tempo com precauções de contato. A adesão ao uso das precauções de contato foi apenas ligeiramente maior no grupo intervenção, mas longe de ser ótima (82 vs. 72% para o uso de luvas, 77 vs. 59% para o uso de aventais e 69 vs. 59% para a lavagem de mãos). A incidência de novos eventos de colonização/infecção por MRSA ou VRE por 1.000 pacientes-dia em risco não foi diferente entre os dois grupos (40,4±3,3 vs. 35,6±3,7; p=0,35).

O segundo estudo2 consistiu na avaliação da eficácia de um bundle (vide Glossário) para prevenção da transmissão de MRSA nos hospitais de veteranos norte-americanos em um período de três anos. O bundle consistia em quatro itens: pesquisa de MRSA por swab nasal em todos os pacientes admitidos no hospital, precauções de contato para todos os pacientes sabidamente colonizados/infectados por MRSA, higiene das mãos e uma mudança na cultura institucional em que o controle das infecções seria responsabilidade de todos que tivessem contato com os pacientes e assim se tornasse um componente natural da atenção ao paciente. Todos os pacientes que tivessem sido infectados ou colonizados por MRSA no último ano ou que tivessem uma cultura nova positiva eram mantidos com precauções de contato durante toda a internação e também em internações subsequentes. As precauções de contato só eram retiradas quando duas culturas, com uma semana de diferença entre si, fossem negativas, e o paciente não estivesse tomando antibióticos. O desfecho principal do estudo foi a ocorrência de episódios de colonização ou infecção de pacientes por MRSA após 48 horas da admissão ou readmitidos colonizados ou infectados por MRSA após menos de 48 horas de uma alta hospitalar. Em alguns hospitais, também foi avaliada a incidência de infecções por Clostridium difficile e por VRE.

Durante o período do estudo, a proporção de pacientes rastreados à admissão cresceu de 82 para 96%, e a proporção de pacientes rastreados à transferência ou à alta cresceu de 72 para 93%. A transmissão de MRSA na UTI caiu em 17% e em 21% nas outras unidades de internação (p<0,001 para ambas). Houve ainda reduções de infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter por MRSA em 33% e pneumonia associada à ventilação mecânica por MRSA em 72%. As quedas nas taxas gerais de infecção relacionada a cateter, pneumonia associada à ventilação mecânica e infecção do trato urinário relacionada à sonda também foram pronunciadas (62, 75 e 75%, respectivamente). Nos hospitais que coletaram dados sobre as infecções por Clostridium e VRE, também houve uma queda na incidência das duas (61 e 73%, respectivamente).

 

Aplicações para a prática clínica

À primeira vista, pode parecer estranho que dois estudos com ideias semelhantes tenham resultados díspares. Uma análise mais detalhada, porém, sugere que um dos grandes problemas no primeiro estudo foi a baixa adesão dos profissionais às precauções de contato e à lavagem de mãos. No entanto, uma baixa adesão a recomendações de prevenção de infecção é rotineira em estudos prévios e na nossa prática do dia-a-dia. Se a adesão fosse maior, os resultados seriam parecidos com os do segundo estudo? É difícil responder, porque os autores do segundo estudo não citam as taxas de adesão a cada uma das medidas do bundle. Além disso, o segundo estudo mostra uma redução na incidência de MRSA em um período em que o mesmo fato ocorreu nos EUA como um todo. A queda nas taxas de infecção não relacionadas a MRSA sugere que outras abordagens, ou talvez a “mudança na cultura institucional” tenham trazido os resultados benéficos. De qualquer modo, os resultados díspares trazem um questionamento a práticas consagradas e não testadas, como as recomendações de muitas comissões de controle de infecção de isolar os pacientes após um resultado positivo de cultura de vigilância. Infelizmente, quando esse resultado chega (no mínimo dois dias após a coleta), muitas transmissões cruzadas podem já ter ocorrido. Isolar pacientes sem critério também não é custo-efetivo. A prática de maior impacto talvez seja a lavagem de mãos, a que teve a menor adesão dentre as três recomendadas no primeiro estudo. Infelizmente, a adoção de uma prática “baseada em evidências” ainda é bastante pequena, mais de dois séculos depois do trabalho de Semmelweis.

 

Glossário

Randomização: “sorteio” dos participantes de um estudo de intervenção, no qual se busca controlar, mediante a lei da probabilidade, a influência de algumas variáveis. A randomização é uma tentativa de se produzir grupos de participantes com características semelhantes, nos quais a única diferença será a intervenção em estudo.

Bundle: “pacote” que inclui mais de uma intervenção que se supõe benéfica a alguma condição.

 

Bibliografia

1.   Huskins WC, Huckabee CM, O'Grady NP, Murray P, Kopetskie H, Zimmer L, et al. Intervention to reduce transmission of resistant bacteria in intensive care. N Engl J Med. 2011 Apr 14;364(15):1407-18 [Link para Abstract] (Fator de impacto: 50.017).

2.   Jain R, Kralovic SM, Evans ME, Ambrose M, Simbartl LA, Obrosky DS, et al. Veterans Affairs initiative to prevent methicillin-resistant Staphylococcus aureus infections. N Engl J Med. 2011 Apr 14;364(15):1419-30 [Link para Abstract] (Fator de impacto: 50.017).

 

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