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Diclofenaco na lombalgia

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 03/09/2008

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Diclofenaco, fisioterapia ou ambos para lombalgia aguda

 

Avaliação de diclofenaco ou terapia de manipulação espinhal, ou ambos, associados à terapia recomendada de primeira escolha no tratamento de lombalgia aguda: um estudo randomizado, controlado.

Hancock MJ et al. Assessment of diclofenac or spinal manipulative therapy, or both, in addition to recommended first-line treatment for acute low back pain: a randomised controlled trial. Lancet. 2007 Nov 10;370(9599):1638-43 [link livre para o pubmed].

 

Fator de impacto da revista: 25,800

 

Contexto Clínico

As diretrizes de manejo de pacientes com lombalgia aguda recomendam que o clínico aconselhe os pacientes (permanecer em atividade, evitar repouso no leito e tranqüilizar os pacientes em relação ao prognóstico favorável) e prescreva analgésicos (particularmente o paracetamol) como intervenções de primeira linha. Antiinflamatórios não esteroidais (AINE) e fisioterapia são recomendados como opções de segunda linha para pacientes que apresentam uma recuperação mais lenta. Este estudo investigou se a adição de AINE ou fisioterapia ou ambos aumentaria a velocidade de recuperação de pacientes com lombalgia aguda já recebendo os cuidados de primeira linha.

 

O Estudo

            Foi um estudo randomizado, com base na comunidade em que foram recrutados 240 pacientes que procuraram seu clínico geral com lombalgia aguda e receberam aconselhamento e paracetamol 1g quatro vezes ao dia conforme as diretrizes européias de tratamento das lombalgias agudas na atenção primária2. Os pacientes foram alocados de forma aleatória (randomizados) para um de quatro grupos: diclofenaco 50 mg duas vezes ao dia e fisioterapia placebo (n=60); fisioterapia e droga placebo (n=60); diclofenaco 50 mg duas vezes ao dia e fisioterapia (n=60) ou droga e fisioterapia placebo (n=60). A fisioterapia (terapia de manipulação espinhal) consistia de seções de fisioterapia motora com mobilização e procedimentos de alongamento realizados por fisioterapeuta habilitado. A fisioterapia placebo era realizada com ultra-sonografia dessintonizada com o fisioterapeuta, durante seções de mesma duração. O desfecho primário foi o número de dias para a recuperação (cessação da dor) analisado pelo princípio da intenção de tratar (ver dicas de medicina baseada em evidências abaixo). Os desfechos secundários foram nível de dor, incapacidade, grau de funcionalidade e percepção global do efeito.  O processo de alocação (randomização) foi muito bem descrito pelos autores, incluindo explicações não só quanto à geração da seqüência de alocação (realizada em blocos) como também sobre a ocultação desta seqüência (ver dicas de medicina baseada em evidências abaixo).

 

Resultados

            Nem o diclofenaco nem a fisioterapia reduziram apreciavelmente o número de dias até a recuperação comparados com droga placebo ou fisioterapia placebo (HR diclofenaco:1,09 IC 95% 0,84 – 1,42; p=0,516; HR fisioterapia:1,01 IC 95% 0,77 – 1,31; p=0,955). A combinação de diclofenaco com fisioterapia também não diminuiu o tempo até a recuperação comparados ao duplo placebo (HR 1,10 IC 95% 0,76 – 1,60; p=0,609). Nenhum dos dois tratamentos ativos tiveram qualquer efeito estatisticamente significativo sobre os desfechos secundários (nível de dor, grau de incapacidade, funcionalidade e percepção global do tratamento).

 

Aplicação para a Prática Clínica

            Existem algumas evidências, particularmente duas metanálises sobre o efeito de fisioterapia e de AINE em pacientes com lombalgia aguda, que mostram um pequeno benefício destas terapias. Entretanto, nestas metanálises os pacientes não estavam recebendo as terapias de primeira linha (paracetamol e aconselhamento) recomendadas por diretrizes de tratamento. O presente estudo inova neste aspecto: todos os pacientes estavam utilizando, além das intervenções em estudo, terapia de primeira linha. É um estudo muito bem feito do ponto de vista metodológico que demonstrou não haver benefício adicional sobre o curso das lombalgias agudas com a associação de diclofenaco, fisioterapia ou ambos em pacientes já recebendo cuidados de primeira linha. Isto é importante para a prática clínica uma vez que AINE e fisioterapia apresentam potencial para efeitos colaterais e custos adicionais. Assim, se pacientes com lombalgia aguda sem sinais de alerta apresentam uma grande taxa de recuperação apenas com aconselhamento adequado e analgesia com paracetamol, sem benefício adicional com diclofenaco ou fisioterapia, então os clínicos podem tratar de tais pacientes confidentemente sem expô-los a riscos e custos aumentados.

 

Dicas de Medicina Baseada em Evidências

 

Intenção de tratar:

            É um princípio central em estudos randomizados que consiste no fato de que os desfechos dos pacientes devem ser analisados como parte do grupo para os quais foram inicialmente alocados, mesmo se durante o estudo tenha havido qualquer desvio de protocolo. Se pacientes são excluídos após a randomização e a análise é feita apenas com os pacientes remanescentes, ou apenas com aqueles que receberam uma intervenção, independente da intervenção alocada de maneira aleatória no início do estudo, estaremos diante de uma análise não-randomizada (chamada de análise explanatória ou per protocol), algo muito semelhante a um estudo de coorte. Obviamente que este tipo de análise tem seu valor, mas perde em termos de nível de evidência para a análise por intenção de tratar, que é a única que preserva o valor da randomização. Deve-se ter cuidado ao analisar estudos ditos randomizados, mas que tem sua análise feita não se observando o princípio da intenção de tratar. Estudos de boa qualidade geralmente apresentam os dois tipos de análise (intenção de tratar e per protocol).

 

Ocultação da seqüência de randomização (allocation concealment):

            É o segundo passo para uma randomização bem sucedida (o primeiro é a geração da seqüência de alocação). A ocultação da seqüência previne o conhecimento de antemão da alocação aos grupos de tratamento por aqueles responsáveis pelo recrutamento dos participantes, reduzindo o viés de seleção. Ninguém deveria saber ou inferir qual o próximo tratamento a ser alocado na seqüência aleatória até que a decisão sobre elegibilidade do participante tenha sido consumada e o paciente inscrito no estudo. O poder da randomização em reduzir vieses depende principalmente de uma ocultação bem sucedida da seqüência aleatória. Neste estudo os autores relatam a utilização de 240 envelopes opacos selados, consecutivamente numerados, contendo a alocação de cada participante.

 

Randomização em blocos:

            É um método de randomização restrita utilizado para gerar grupos não enviesados e de tamanhos semelhantes mesmo em estudos com amostras de menor tamanho. Com a randomização simples não há como assegurar grupos de tamanho semelhantes a não ser que o tamanho da amostra seja grande. Este tipo de randomização caracteriza-se pela constituição de blocos de números fixos de participantes, dentro dos quais são distribuídos os tratamentos. Por exemplo, para um bloco de oito indivíduos inscritos consecutivamente no estudo, quatro serão alocados para um grupo e quatro para outro (se a razão de alocação for de 1:1). Idealmente deve-se variar o tamanho dos blocos aleatoriamente a exemplo deste estudo em que se utilizaram blocos de 4, 8 e 12 participantes.

 

Bibliografia

1. Van Tulder M, Becker A, Bekkering T, et al. Chapter 3. European guidelines for the management of acute nonspecifi c low back pain in primary care. Eur Spine J 2006; 15 (Suppl 2): S169–91.

2. Olmos RD, Martins HS. Ensaios clínicos. Princípios teóricos. In “Epidemiologia. Abordagem prática” Isabela M Benseñor, Paulo A Lotufo, Sarvier, 2005.

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