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Terapia Tripla Versus Terapia Dupla na Prevenção de Exacerbações em Pacientes com DPOC

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 20/07/2018

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Contexto Clínico

 

O papel do corticoide inalatório (CI) para o tratamento de manutenção da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ainda é pouco esclarecido. Atualmente, os guidelines recomendam o uso de agentes broncodilatadores inalatórios, como os ß-agonistas de longa duração (Laba) ou antagonistas muscarínicos de longa duração (Lama), como terapia de manutenção de primeira linha.

A Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (Gold) recomenda que a associação de CI a Laba e Lama - tripla terapia - seja reservada para pacientes que permaneçam muito sintomáticos a despeito de terapia broncodilatadora máxima e tenham risco elevado de exacerbações, sobretudo no grupo de pacientes Gold D.

Esse guideline também questiona a pequena efetividade do CI observada em estudos prévios, com benefícios modestos em função pulmonar, sintomas e exacerbações, além da segurança do uso de CI, sobretudo pelo aumento do risco de pneumonia associado ao uso de CI em estudos prévios. Adicionalmente, a tripla terapia implicava no uso de, pelo menos, dois tipos diferentes de inaladores mais de uma vez ao dia, o que poderia impactar negativamente na aderência à terapia.

 

O Estudo

 

O Once-Daily Single-Inhaler Triple versus Dual Therapy in Patients with COPD - IMPACT Trial - teve por objetivo avaliar os riscos e benefícios do uso de tripla terapia (Laba, Lama e CI) em comparação à terapia dupla com Laba e CI ou Laba e Lama, em pacientes com DPOC sintomático e história de exacerbações.

Trata-se de um estudo fase 3, randomizado, duplo-cego, de grupos paralelos, realizado em 37 países entre junho de 2014 a julho de 2017. O seu objetivo primário era avaliar os efeitos de 52 semanas de terapia tripla com 100ug de fluticasona (CI), 62,5ug de umeclidínio (Lama) e 25ug de vilanterol (Laba) em comparação à terapia dupla com 100ug de fluticasona e 25ug de vilanterol ou terapia dupla com 62,5ug de umeclidínio e 25ug de vilanterol, administrados uma vez ao dia via inalador único, na taxa de exacerbações moderadas ou graves de DPOC.

O desfecho primário avaliado foi a taxa de incidência anual de exacerbações moderadas e graves durante o tratamento, definidas como moderada uma exacerbação tratada com antibióticos ou corticoides sistêmicos; e grave, uma exacerbação que resulta em hospitalização ou morte. Desfechos secundários incluíram análise de tempo até evento para descompensações e análise do VEF1 na espirometria. Os desfechos de segurança incluíam eventos adversos da medicação, pneumonia e eventos cardiovasculares, dentre outros.

Foram randomizados 10.355 pacientes, alocados em um dos três grupos paralelos do estudo: 4.151 alocados na terapia tripla com 100ug de fluticasona (CI), 62,5ug de umeclidínio (Lama) e 25ug de vilanterol (Laba); 4.134 alocados na terapia dupla com 100ug de fluticasona (CI) e 25ug de vilanterol (Laba); e 2.070 em terapia dupla com 62,5ug de umeclidínio (Lama) e 25ug de vilanterol (Laba).

A amostra tinha predominância de homens, com idade média de 65 anos, sintomáticos (CAT médio de 20) e com mais de uma exacerbação no último ano, sendo que mais de 50% tiveram duas ou mais exacerbações, havendo, dessa forma, predomínio de pacientes Gold C e D. Além disso, a maior parte dos pacientes (57%) tinha contagem de eosinófilos maior que 150 eosinófilos/ul, com 18% dos pacientes tendo resposta ao broncodilatador. No momento da inclusão no estudo, cerca de 70% dos pacientes estavam em uso de um esquema que continha CI.

Na análise do desfecho primário de eficácia, a taxa anual de exacerbações moderadas e graves observada no grupo de tripla terapia foi significativamente menor que a observada nos grupos de Laba e CI (0,91 versus 1,07 - rate ratio de 0,85 com IC 95% de 0,80 a 0,90), com uma diferença de 15% entre os grupos e p<0,001. O mesmo foi observado em comparação ao grupo Laba e Lama (0,91 versus 1,21 - rate ratio de 0,75 com IC 95% de 0,70 a 0,81), com uma diferença de 25% entre os grupos e p<0,001.

Na análise dos desfechos secundários de eficácia, a terapia tripla foi associada a um risco bem menor de exacerbações moderadas e graves na análise de tempo até evento e melhora significativa no VEF1 em comparação a Laba e CI ou Laba e Lama. O grupo de tripla terapia teve uma taxa bem menor de exacerbações graves durante o tratamento que o grupo Laba e Lama.

Na análise exploratória de outros desfechos, não ajustada para múltiplas comparações, o uso de CI foi associado à redução significativa de mortalidade por qualquer causa, por causa cardiovascular ou pulmonar. O uso de tripla terapia foi associado à redução significativa de qualquer exacerbação e à melhora da dispneia em comparação aos grupos Laba e CI ou Laba e Lama.

A incidência de eventos adversos graves foi similar entre o grupo de tripla terapia e os grupos de terapia dupla (22% no grupo tripla terapia versus 21% no grupo Laba e CI e 23% no grupo Laba e Lama), com taxas similares de descontinuação da medicação por efeito adversos entre os grupos (2% no grupo tripla terapia versus 2% no grupo Laba e CI e 3% no grupo Laba e Lama). Contudo, observou-se um aumento significativo de pneumonia nos grupos em uso de corticoide inalatório em comparação ao grupo Laba e Lama (8% no grupo tripla terapia e 7% no grupo Laba e CI versus 5% no grupo Laba e Lama), com HR de 1.53 (IC 95%, 1,22 a 1,92; P<0,001) na comparação entre tripla terapia e Laba e Lama.

 

Aplicação Prática

 

O IMPACT Trial traz informações fundamentais sobre o papel do CI no tratamento de manutenção do DPOC ao demonstrar que a associação de CI a Laba e Lama reduz a taxa anual de exacerbações com NNT de 13 em comparação a Laba e Lama e NNT de 21 quando comparado a Laba e CI. Contudo, os resultados desse estudo devem ser interpretados com cautela. Cerca de 70% dos pacientes incluídos estavam em uso de CI antes da randomização, sendo que este foi descontinuado nos pacientes randomizados para o grupo Laba e Lama.

O efeito de tal interrupção abrupta não é bem conhecido, sendo que esta poderia levar ao aumento da ocorrência de exacerbações neste grupo de pacientes. Essa hipótese é corroborada pela distribuição temporal das exacerbações no grupo Laba e Lama, concentradas no primeiro mês de tratamento, com incidência similar ao grupo tripla terapia nos 11 meses subsequentes.

Adicionalmente, esse efeito da remoção do CI poderia ter sido intensificado pelo alto percentual de pacientes com contagem de eosinófilos superior a 150 células/ul. A análise de subgrupos demonstrou que esses pacientes tiveram maior magnitude do efeito de redução de exacerbações moderadas e graves com uso da tripla terapia em relação àqueles com contagem menor que 150 células/ul, sendo potencialmente os pacientes que mais se beneficiariam do CI.

Dessa forma, a maneira como o estudo foi desenhado e o perfil de paciente incluído podem ter levado a uma magnificação artificial do efeito da tripla terapia quando comparada à terapia com Laba e Lama, o que explicaria o resultado destoante da literatura prévia, que sugere que o uso de Laba e Lama reduziria exacerbações quando comparado a Laba e CI (FLAME Trial).

Outro fator que deve ser levado em conta é o aumento de mais de 50% na incidência de pneumonia observada no grupo tripla terapia em comparação ao grupo Laba e Lama, com NNH de 31. Dessa forma, há um aumento moderado de evento adverso significativo que poderia se igualar, ou até mesmo superar, o efeito benéfico da tripla terapia caso este tenha, de fato, sido superestimado pelos fatores previamente expostos.

A associação da tripla terapia com redução de mortalidade também deve ser interpretada com muita cautela, pois ela provém de uma análise secundária exploratória, não ajustada para múltiplas comparações, que não tem poder adequado para que aceitemos tal associação como verdadeira. Tal observação é reforçada por resultados de estudos prévios, desenhados com poder adequado para avaliar a mortalidade por todas as causas, que não demonstraram diferenças significativas nesta com adição de fluticasona ao vilanterol (SUMMIT Trial). Assim, esse resultado deve ser interpretado apenas como um gerador de hipóteses sobre os potenciais efeitos da tripla terapia em mortalidade.

Em conclusão, o IMPACT Trial demonstra que a adição de fluticasona a vilanterol e umeclidínio reduziu de forma significativa a taxa de exacerbações moderadas e graves de DPOC em uma população sintomática com história prévia de exacerbações. Assim, os resultados deste estudo reforçam o que já era recomendado pelo Gold, com indicação da tripla terapia para pacientes que permanecem sintomáticos apesar de terapia broncodilatadora máxima e com alto risco de exacerbações, sendo desaconselhável extrapolar seus resultados para populações de menor gravidade.

 

Bibliografia

 

1.      Lipson, David A. et al. Once-Daily Single-Inhaler Triple versus Dual Therapy in Patients with COPD. N Engl J Med 2018; 378:1671-1680. Disponível em: https:/www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1713901

2.      Suissa, Samy and Drazen, Jeffrey M. Making Sense of Triple Inhaled Therapy for COPD. N Engl J Med 2018; 378:1723-1724. Disponível em: https:/www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe1716802?query=recirc_curatedRelated_article

3.      Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) [homepage on the Internet]. Bethesda: GOLD; c2018 [cited 2018 May 21]. GOLD 2018 Global Strategy for the Diagnosis, Management and Prevention of COPD. Disponível em: http://goldcopd.org/wp-content/uploads/2017/11/GOLD-2018-v6.0-FINAL-revised-20-Nov_WMS.pdf

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