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Antibioticos em Osteomielite

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 05/06/2019

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Contexto Clínico

 

Infecções de ossos e articulações são habitualmente tratadas com uma combinação de cirurgia e antibioticoterapia venosa prolongada. A via parenteral é historicamente a de escolha para administração dos antibióticos. Essa recomendação é embasada pela visão segundo a qual essa via teria eficácia inerentemente superior à via oral para o tratamento de infecções osteoarticulares.

Uma metanálise mais recente sugere que a terapia parenteral não seria superior à oral. No entanto, as melhores evidências disponíveis hoje são insuficientes para permitir conclusões definitivas. Além disso, a terapia parenteral prolongada está associada a uma série de desvantagens, como riscos associados a infusão, complicações do acesso venoso de longa permanência, inconveniência para o paciente e alto custo das medicações. O objetivo do OVIVA Trial foi avaliar se os desfechos após 1 ano do tratamento de infecções ortopédicas por 6 semanas com antibioticoterapia venosa seriam ou não inferiores ao tratamento por via oral.

 

O Estudo

 

O estudo OVIVA foi um ensaio clínico de não inferioridade, multicêntrico, aberto (open label), controlado e randomizado. Foram incluídos pacientes com 18 anos ou mais, que, na opinião do seu médico assistente, necessitassem do uso de antibioticoterapia venosa prolongada para tratamento de infecções osteoarticulares agudas ou crônicas (osteomielite axial, osteomielite vertebral com ou sem discite, infecção articular com necessidade de artroplastia, infecção de prótese articular, infecção de fixador ortopédico ou infeção de partes moles periarticulares).

Os pacientes incluídos foram randomizados (1:1) para receber antibioticoterapia venosa ou oral. O tratamento seria iniciado até 7 dias após o procedimento cirúrgico definitivo ou após o início da antibioticoterapia venosa (para os pacientes em manejo conservador). A duração do tratamento foi de 6 semanas. A escolha dos agentes antimicrobianos ficou a critério do infectologista assistente do paciente, que selecionava a melhor opção terapêutica com base em dados epidemiológicos locais, de suscetibilidade, biodisponibilidade, história de infecções prévias, contraindicações, alergias e potenciais interações medicamentosas. O uso de rifampicina oral como adjuvante à terapia endovenosa foi permitido. Os pacientes foram seguidos por 1 ano após a randomização.

O desfecho primário foi falha definitiva do tratamento após 1 ano, que foi definida como a presença de, pelo menos, um critério clínico (drenagem de secreção por fístula originada no osso ou prótese ou presença de pus na área adjacente ao osso ou prótese), acrescido de um critério microbiológico (isolar uma bactéria em duas ou mais amostras de tecidos profundos ou isolar o organismo patogênico de um único aspirado de cavidade fechada ou amostra de biópsia), ou um critério histológico (presença de infiltrado inflamatório característico ou microrganismos).

Todos os desfechos em potencial eram analisados por um comitê, cego para a alocação do paciente, que decidia se o evento configurava um desfecho ou não. Esse comitê categorizou os pacientes como não infectados, possível falha de tratamento, provável falha de tratamento e falha definitiva de tratamento. Múltiplos desfechos secundários também foram avaliados. Análises de subgrupos pré-especificadas e post-hoc foram realizadas, sem ajuste para múltiplas comparações. Análises de sensibilidade também foram realizadas, incluindo uma análise intention-to-treat modificada, que incluía apenas pacientes com dados completos sobre o desfecho, análise por protocolo e uma análise na qual dados perdidos sobre o desfecho foram substituídos por falha da terapia oral e sucesso da intravenosa (worst case scenario).

A margem de não inferioridade foi definida como uma diferença absoluta de risco de 5 pontos percentuais. Contudo, em uma análise interina pré-planejada, foi observada uma taxa de falha de tratamento global maior que a esperada (12,5%). Com base nisso, os autores optaram por modificar o protocolo do estudo com ajuste da margem de não inferioridade para uma diferença de 7,5 pontos percentuais. Assim, a terapia oral seria considerada não inferior à venosa caso o limite superior do intervalo de confiança de 90% bicaudado fosse inferior a 7,5.

O estudo OVIVA incluiu 1.054 participantes com mediana de idade de 60 anos e predominância do sexo masculino (60,7% - 67,9%). A maior parte dos pacientes foi submetida a algum tipo de tratamento cirúrgico (92,4%) e tinha infecções relacionadas a próteses ou outros dispositivos metálicos (60,6%). O comitê de avaliação de desfechos classificou os pacientes no momento da randomização como tendo diagnóstico definitivo (90,5%), provável (2,2%) ou possível (7,6%) de infecção. As bactérias mais comumente isoladas foram S. aureus (36,2% - 39,2%), estafilococos coagulase-negativos (26,8% - 27,4%) e Streptococcus sp. (14,4% - 14,5%). Dos pacientes, 15,5% tinham culturas negativas.

Cerca de 90% dos pacientes em ambos os grupos começaram o tratamento para o qual foram randomizados em até 7 dias do procedimento cirúrgico definitivo ou do início da antibioticoterapia. A maioria dos pacientes (76,7%) continuou em uso de antibiótico após o término das 6 semanas de tratamento inicial, com uso predominante de medicações por via oral em ambos os grupos. A mediana de duração da terapia foi de 78 dias para o grupo venoso e 71 dias para o grupo oral.

O desfecho primário de falha definitiva do tratamento ocorreu em 14,6% dos pacientes do grupo intravenoso e 13,2% dos pacientes do grupo oral, determinando uma diferença absoluta de risco de -1,4 pontos percentuais (IC 90%, -4,9 a 2,2). Como o limite superior do intervalo de confiança foi inferior a 7,5, o tratamento oral foi não inferior ao venoso. As análises de sensibilidade foram consistentes com esse resultado. Não houve diferenças significativas entre os diferentes subgrupos avaliados.

A análise dos desfechos secundários observou que a interrupção da estratégia randomizada foi bem mais comum no grupo intravenoso (18,9%) em comparação ao oral (12,8%), assim como a incidência de complicações associadas ao uso de cateter intravenoso (9,4% versus 1,0%). O tempo mediano de internação hospitalar foi bem maior para o grupo venoso (14 dias) em comparação ao grupo oral (11 dias).

 

Aplicação Prática

 

O estudo OVIVA concluiu que o tratamento de infecções osteoarticulares com antibioticoterapia oral nas primeiras 6 semanas foi não inferior ao tratamento venoso para o desfecho de falha terapêutica em 1 ano. Adicionalmente, a terapia oral foi associada a menor tempo de hospitalização e menor incidência de eventos adversos relacionados ao tratamento.

A maioria dos consensos de osteomielite recomenda que o tratamento empírico inicial seja feito com antibióticos venosos por, pelo menos, 4 a 6 semanas. O tempo de tratamento pode ser estendido para 6 meses nos casos de infecções crônicas. O uso de antibióticos por via oral só é recomendado após o término da fase inicial da infecção e a identificação do agente causador, sendo guiado pelo antibiograma. Dessa forma, até o presente momento, o tratamento oral precoce não é recomendado.

Para que uma estratégia terapêutica não inferior seja aceita como boa alternativa a uma tradicional, ela deve ter outras vantagens significativas que aumentem a probabilidade de sucesso do tratamento. A terapia oral para o tratamento de infecções osteoarticulares certamente cumpre esse pré-requisito. O tratamento oral tem menor custo, é mais cômodo para o paciente, permite a desospitalização precoce e reduz o risco de efeitos adversos associados ao uso de cateteres.

No Brasil, a realização de antibioticoterapia venosa em regime de hospital-dia é muito pouco disponível, sobretudo na rede pública. Assim, a maioria dos pacientes com osteomielite terá de permanecer internada por 4 a 6 semanas para completar o período de antibioticoterapia inicial por via venosa. Nesse cenário, a terapia oral precoce pode reduzir a ocorrência de complicações da hospitalização prolongada, como infecções de cateteres por germes multirresistentes, úlceras de pressão, delirium e outras. O custo da terapia hospitalar é muito superior ao da ambulatorial, mesmo com a realização de consultas frequentes de seguimento. Dessa forma, a terapia oral representa uma oportunidade para otimizar gastos com o tratamento das infecções osteoarticulares.

Algumas ressalvas se fazem necessárias. A população avaliada no OVIVA foi heterogênea, incluindo pacientes com: osteomielite axial ou vertebral, infecções articulares ou periarticulares, com ou sem uso de próteses, com uma flora microbiana heterogênea e com uso de variados esquemas antibióticos. Assim, seus resultados podem não ser aplicáveis a todos os pacientes com osteomielite. A não detecção de diferenças significativas na análise de subgrupos mitiga essa limitação.

Outra limitação foi a não padronização de esquemas antibióticos, que não permite concluir sobre a eficácia de esquemas específicos. Todavia, a seleção individualizada do esquema mais apropriado pelo infectologista assistente é a que mais se assemelha à prática no “mundo real”. O tempo de seguimento também pode ser considerado uma limitação, pois a recorrência tardia da osteomielite não é incomum. Em suma, os resultados do estudo OVIVA têm grande potencial de modificar as recomendações para o tratamento antibiótico da osteomielite e outras infecções articulares, permitindo a introdução mais precoce de antibioticoterapia oral e a desospitalização mais rápida dos pacientes.

 

Bibliografia

 

1.             Rombach, Li HK. Oral versus Intravenous Antibiotics for Bone and Joint Infection. N Engl J Med. 2019 Jan 31;380(5):425-436. doi: 10.1056/NEJMoa1710926

2.             Boucher, Helen W. Partial Oral Therapy for Osteomyelitis and Endocarditis - Is It Time? N Engl J Med. 2019 Jan 31;380(5):487-489. doi: 10.1056/NEJMe1817264

3.             Lima, ALL. Recommendations for the treatment of osteomyelitis. Braz J Infect Dis. 2014;18(5):526–534. https:/doi.org/10.1016/j.bjid.2013.12.005

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