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Botulismo

Última revisão: 01/07/2009

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Reproduzido de:

Guia de Vigilância Epidemiológica – 6ª edição (2005) – 2ª reimpressão (2007)

Série A. Normas e Manuais Técnicos [Link Livre para o Documento Original]

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Secretaria de Vigilância em Saúde

Departamento de Vigilância Epidemiológica

Brasília / DF – 2007

 

Botulismo

CID 10: A05.1

 

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS

Descrição

Doença neuroparalítica grave, não contagiosa, resultante da ação de uma potente toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Há três formas de Botulismo: Botulismo alimentar, Botulismo por ferimentos e Botulismo intestinal. Embora o local de produção da toxina botulínica seja diferente em cada uma delas, todas as formas caracterizam-se pelas manifestações neurológicas e/ou gastrointestinais.

O Botulismo apresenta elevada letalidade e deve ser considerado uma emergência médica e de saúde pública. Para minimizar o risco de morte e seqüelas, é essencial que o diagnóstico seja feito rapidamente e que o tratamento seja instituído precocemente através das medidas gerais de urgência. Quando causado pela ingestão de alimentos contaminados, é considerado como doença transmitida por alimento. A notificação de um caso suspeito é considerada como surto.

 

Agente Etiológico

O Clostridium botulinum é um bacilo gram-positivo, anaeróbio, esporulado e sua forma vegetativa produz 8 tipos de toxina (A, B, C1, C2, D, E, F e G). As toxinas patogênicas para o homem são as dos tipos A, B, E e F, sendo as mais freqüentes a A e a B.

 

Reservatório

Os esporos do Clostridium botulinum são amplamente distribuídos na natureza, em solos e sedimentos de lagos e mares. São identificados em produtos agrícolas como legumes, vegetais e mel e em intestinos de mamíferos, peixes e vísceras de crustáceos.

 

Modo de Transmissão

O modo de transmissão tem importância na apresentação clínica e nas ações de vigilância epidemiológica.

 

Botulismo Alimentar

Ocorre por ingestão de toxinas presentes em alimentos previamente contaminados e que foram produzidos ou conservados de maneira inadequada. Os alimentos mais comumente envolvidos são: conservas vegetais, principalmente as artesanais (palmito, picles, pequi); produtos cárneos cozidos, curados e defumados de forma artesanal (salsicha, presunto, carne frita conservada em gordura – “carne de lata”); pescados defumados, salgados e fermentados; queijos e pasta de queijos e, raramente, em alimentos enlatados industrializados.

 

Botulismo por Ferimentos

Ocasionado pela contaminação de ferimentos com Clostridium botulinum, que em condições de anaerobiose assume a forma vegetativa e produz toxina in vivo. As principais portas de entrada para os esporos são úlceras crônicas com tecido necrótico, fissuras, esmagamento de membros, ferimentos em áreas profundas mal vascularizadas ou, ainda, aqueles produzidos por agulhas em usuários de drogas injetáveis e lesões nasais ou sinusais em usuários de drogas inalatórias. É uma das formas mais raras de Botulismo.

 

Botulismo Intestinal

Resulta da ingestão de esporos presentes no alimento, seguida da fixação e multiplicação do agente no ambiente intestinal, onde ocorre a produção e absorção de toxina. A ausência da microbiota de proteção permite a germinação de esporos e a produção de toxina na luz intestinal. Ocorre com maior freqüência em crianças com idade entre 3 e 26 semanas – motivo pelo qual foi inicialmente denominado Botulismo infantil. Em adultos, são descritos alguns fatores predisponentes como cirurgias intestinais, acloridria gástrica, doença de Crohn e/ou uso de antibióticos por tempo prolongado, que levaria à alteração da flora intestinal.

 

Embora raros, são descritos casos de Botulismo acidental associados ao uso terapêutico ou estético da toxina botulínica e à manipulação de material contaminado em laboratório (transmissão pela via inalatória ou contato com a conjuntiva).

 

Período de Incubação

Botulismo alimentar – pode variar de duas horas a 10 dias, com média de 12h a 36h. Quanto maior a concentração de toxina no alimento ingerido, menor o período de incubação.

Botulismo por ferimento – pode variar de 4 a 21 dias, com média de 7 dias.

Botulismo intestinal – o período não é conhecido devido a impossibilidade de determinar o momento da ingestão de esporos.

 

Quando ocorre a ingestão de esporos ou a contaminação de ferimentos, o período de incubação é maior porque a doença só tem início após a transformação do Clostridium botulinum da forma esporulada para a forma vegetativa, que se multiplica e libera toxina. Períodos de incubação curtos sugerem maior gravidade e maior risco de letalidade.

 

Período de Transmissibilidade

Não há relato de transmissão interpessoal, apesar de haver excreção da toxina botulínica e esporos da bactéria por semanas ou meses nas fezes de lactentes com Botulismo intestinal.

 

ASPECTOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS

Manifestações Clínicas

As manifestações clínicas do Botulismo serão descritas de acordo com o modo de transmissão.

 

Botulismo Alimentar

A doença se caracteriza por instalação súbita e progressiva. Os sinais e sintomas iniciais podem ser gastrointestinais e/ou neurológicos. As manifestações gastrointestinais mais comuns são: náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal e podem anteceder ou coincidir com os sintomas neurológicos. Os primeiros sintomas neurológicos podem ser inespecíficos, tais como cefaléia, vertigem e tontura. O quadro neurológico propriamente dito se caracteriza por uma paralisia flácida motora descendente, associado a comprometimento autonômico disseminado. Os principais sinais e sintomas neurológicos são: visão turva, ptose palpebral, diplopia, disfagia, disartria e boca seca. Eles começam no território dos nervos cranianos e evoluem no sentido descendente. Esta particularidade distingue o Botulismo da síndrome de Guillain-Barré, que é uma paralisia flácida ascendente.

Com a evolução da doença, a fraqueza muscular pode se propagar de forma descendente para os músculos do tronco e membros, o que pode ocasionar dispnéia, insuficiência respiratória e tetraplegia flácida. A fraqueza muscular nos membros é tipicamente simétrica, acometendo com maior intensidade os membros superiores. Uma característica importante no quadro clínico do Botulismo é a preservação da consciência. Na maioria dos casos também não há comprometimento da sensibilidade, o que auxilia no diagnóstico diferencial com outras doenças neurológicas. O Botulismo pode apresentar progressão por uma a duas semanas e estabilizar-se por mais duas a três semanas, antes de iniciar a fase de recuperação, com duração variável, que depende da formação de novas sinapses e restauração da função. Nas formas mais graves, o período de recuperação pode durar de seis meses a um ano, embora os maiores progressos ocorram nos primeiros três meses após o início dos sintomas.

 

Botulismo por Ferimentos

O quadro clínico é semelhante ao do Botulismo alimentar; entretanto, os sinais e sintomas gastrointestinais não são esperados e pode ocorrer febre decorrente de contaminação secundária do ferimento. O Botulismo por ferimento deve ser lembrado nas situações em que não se identifica uma fonte alimentar, especialmente em casos isolados da doença. Ferimentos ou cicatrizes nem sempre são encontrados e focos ocultos, como em mucosa nasal, seios da face e pequenos abscessos em locais de injeção, devem ser investigados, especialmente em usuários de drogas.

 

Botulismo Intestinal

Nas crianças, o aspecto clínico do Botulismo intestinal varia de quadros com constipação leve à síndrome de morte súbita. Manifesta-se inicialmente por constipação e irritabilidade, seguidos de sintomas neurológicos caracterizados por dificuldade de controle dos movimentos da cabeça, sucção fraca, disfagia, choro fraco, hipoatividade e paralisias bilaterais descendentes, que podem progredir para comprometimento respiratório. Casos leves caracterizados apenas por dificuldade alimentar e fraqueza muscular discreta têm sido descritos. Em adultos, suspeita-se de Botulismo intestinal na ausência de fontes prováveis de toxina botulínica, como alimentos contaminados, ferimentos ou uso de drogas. O Botulismo intestinal tem duração de duas a seis semanas, com instalação progressiva dos sintomas por uma a duas semanas, seguida de recuperação em três a quatro semanas.

 

Complicações

Desidratação e pneumonia por aspiração podem ocorrer precocemente, antes mesmo da suspeita de Botulismo ou do primeiro atendimento no serviço de saúde. Infecções respiratórias podem ocorrer em qualquer momento da hospitalização, sendo a longa permanência sob assistência ventilatória e os procedimentos invasivos considerados importantes fatores de risco.

 

Patogenia

A toxina botulínica absorvida no trato gastrointestinal ou no ferimento dissemina-se por via hematogênica até as terminações nervosas, mais especificamente para a membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, bloqueando a liberação da acetilcolina (neurotransmissor responsável pela contração muscular). Com isso, haverá falha na transmissão de impulsos nas junções das fibras nervosas, resultando em paralisia flácida dos músculos que estes nervos controlam. O dano causado na membrana pré-sináptica pela toxina é permanente. A recuperação depende da formação de novas terminações neuromusculares. Por este motivo, a recuperação clínica é prolongada, podendo variar de 1 a 12 meses.

 

Diagnóstico Clínico

A anamnese, exame físico e neurológico do paciente são imprescindíveis para o diagnóstico do Botulismo.

 

Anamnese

Para a investigação das doenças neurológicas que se manifestam por fraqueza muscular descendente, faz-se necessário realizar anamnese cuidadosa, buscando identificar fatores de risco específicos para Botulismo. Deve-se avaliar o início e a progressão dos principais sinais e sintomas neurológicos apresentados.

Na suspeita de Botulismo alimentar, também devem ser verificados: alimentos ingeridos nos últimos três dias e, quando possível, até 10 dias; tempo decorrido entre a ingestão e o aparecimento da doença; existência de outros casos e fonte comum de ingestão.

Identificar outros fatores de risco, como ferimentos, imunização e infecções virais recentes, picada de insetos, viagens, exposição a agentes tóxicos, medicamentos e uso de drogas endovenosas.

 

Exame Físico Geral

De forma geral, prevalecem os sinais e sintomas neurológicos, sendo estes os primeiros e mais importantes achados ao se examinar o paciente. Sinais de desidratação, distensão abdominal e dispnéia podem estar presentes. Não há febre, a menos que haja uma complicação infecciosa. No Botulismo por ferimento pode ocorrer febre secundária à infecção da ferida por outras bactérias. A freqüência cardíaca é normal ou baixa, se não houver hipotensão (presente nas formas graves, com disfunção autonômica).

 

Exame Neurológico

Avaliar – nível de consciência; déficit de força muscular nos membros e comprometimento da musculatura ocular, facial e bulbar.

Verificar – movimentos da língua e do palato; movimentos da face; reflexos profundos (aquileu, patelar, bicipital, tricipital, estilo-radial); sensibilidade; comprometimento do sistema nervoso autônomo; acuidade visual e preservação da audição.

 

Diagnóstico Eletrofisiológico

A eletroneuromiografia permite identificar se a lesão no sistema nervoso periférico localiza-se na raiz, nos plexos, no nervo, no músculo ou na junção neuromuscular. Desta forma, este exame é de grande valor no diagnóstico de Botulismo ao demonstrar o comprometimento da junção neuromuscular, mais especificamente da membrana pré-sináptica causada pela toxina botulínica. Além disso, o exame auxilia no diagnóstico diferencial com outras doenças com quadros clínicos semelhantes (Quadro 1).

 

Diagnóstico Diferencial

Existem muitas doenças neurológicas que podem manifestar-se com fraqueza muscular súbita e paralisia flácida aguda. O Quadro 1 mostra os principais critérios utilizados para diferenciá-las do Botulismo.

Além destas, existem outras doenças menos comuns que também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial: doença de Lyme, neuropatia diftérica, neuropatias tóxicas alimentares, neuropatia por metais pesados e agentes industriais e outros quadros neurológicos e/ou psiquiátricos (meningoencefalites, acidente vascular cerebral, traumatismo cranioencefálico, transtornos conversivos (histeria), hipopotassemia, intoxicação por atropina, beladona, metanol, monóxido de carbono, fenotiazínicos e envenenamento por curare).

Por ser uma doença do sistema nervoso periférico, o Botulismo não está associado a sinais de envolvimento do sistema nervoso central. A presença das manifestações abaixo relacionadas, em indivíduo previamente normal, é argumento contra a possibilidade desta doença:

 

      movimentos involuntários;

      diminuição do nível de consciência;

      ataxia;

      crises epilépticas (convulsões);

      espasticidade, hiperreflexia profunda, presença de clônus ou sinal de Babinski e sinais de liberação piramidal nos membros acometidos por fraqueza;

      assimetria significativa da força muscular;

      déficit sensitivo.

 

Quadro 1. Diagnóstico diferencial de Botulismo

Condição

Fraqueza muscular

Sensibilidade

Características do líquor

Botulismo

Inicia pela face descendente e simétrica

Normal

Normal

Síndrome de Guillain-Barré

O envolvimento da face é menos comum que no Botulismo

Ascendente e simétrica

Em alguns casos pode haver déficit sensitivo

Dissociação proteíno-citológica

Hiperproteinorraquia

Celularidade normal ou discretamente elevada (= 50 células/mm3)

Na primeira semana pode ser normal

Síndrome de Müller-Fisher (variante da síndrome de Guillain-Barré)

Fraqueza simétrica da face

Diplegia facial

Ptose palpebral

Dificuldade de mastigação e de deglutição

Não há comprometimento de membros superiores e inferiores

Parestesias ou diminuição da sensibilidade da face e da língua

Dissociação proteíno-citológica

Hiperproteinorraquia

Celularidade normal ou discretamente elevada (= 50 células/mm3)

Miastenia gravis

Flutuante no transcorrer do dia, piora com atividade física e melhora com repouso

A maioria dos casos se inicia por ptose palpebral e diplopia

Normal

Normal

 

Diagnóstico Laboratorial

O diagnóstico laboratorial é baseado na análise de amostras clínicas e bromatológicas (casos de Botulismo alimentar). Os exames laboratoriais podem ser realizados por várias técnicas, sendo a mais comum a detecção da toxina botulínica por meio de bioensaio em camundongos. Em casos de Botulismo por ferimentos e Botulismo intestinal, realiza-se também o isolamento de Clostridium botulinum através de cultura das amostras. Estes exames são realizados em laboratório de referência nacional e a seleção de amostras de interesse e oportunas para o diagnóstico laboratorial varia de acordo com a forma de Botulismo (Anexo 1).

 

Tratamento

O êxito da terapêutica do Botulismo está diretamente relacionado à precocidade com que é iniciada e às condições do local onde será realizada. O tratamento deve ser realizado em unidade hospitalar que disponha de terapia intensiva (UTI). Observa-se significativa redução da letalidade quando o paciente é tratado nessas unidades. Basicamente, o tratamento da doença apóia-se em dois conjuntos de ações: tratamento de suporte e tratamento específico.

 

Tratamento de Suporte

As medidas gerais de suporte e monitorização cardiorrespiratória são as condutas mais importantes no tratamento do Botulismo.

A disfagia, regurgitação nasal, comprometimento dos movimentos da língua, palato e, principalmente, da musculatura respiratória são sinais indicativos de gravidade e exigem atenção redobrada e ação imediata para evitar broncoaspiração e insuficiência respiratória. Nesses casos, a assistência ventilatória é essencial para evitar o óbito, podendo ser necessária por quatro (toxina tipo B) a oito semanas (tipo A) ou mais se houver complicações.

O tratamento de suporte baseia-se fundamentalmente nos seguintes procedimentos:

 

      assistência ventilatória pode ser necessária para cerca de 30% a 50% dos casos. Para se indicar a entubação traqueal num paciente com Botulismo, não é necessário esperar que a PCO2 esteja elevada ou que a saturação de O2 diminua, pois a espera de tais sinais pode representar maior risco de instalação da insuficiência respiratória. Os critérios para indicação de entubação são essencialmente clínicos. Para indicá-la, pode-se basear em:

»     cuidadosa avaliação da capacidade do paciente em garantir a permeabilidade das vias aéreas superiores. As paralisias podem causar asfixia e obstruções respiratórias altas (observar a mobilidade da língua e do palato, disfonia e disfagia);

»     capacidade vital (aferida por espirômetro): em geral, a entubação é indicada quando a capacidade vital é menor que 12 ml/kg;

      traqueostomia nem sempre é necessária, devendo ter sua indicação avaliada caso a caso;

      lavagens gástricas, enemas e laxantes podem ser úteis nos casos de Botulismo alimentar com o objetivo de eliminar a toxina do aparelho digestivo, exceto naqueles em que houver íleo paralítico;

      hidratação parenteral e reposição de eletrólitos, além de alimentação por meio de sondas, devem ser mantidas até que a capacidade de deglutição seja recuperada.

      outros procedimentos rotineiros em UTI também devem ser adotados.

 

Nota: aminoglicosídeos e tetraciclinas podem piorar a evolução do Botulismo, especialmente em crianças, devido à redução da entrada de cálcio no neurônio, potencializando o bloqueio neuromuscular.

 

Tratamento Específico

Visa eliminar a toxina circulante e sua fonte de produção, o Clostridium botulinum, pelo uso do soro antibotulínico (SAB) e de antibióticos. Antes de iniciar o tratamento específico, todas as amostras clínicas para exames diagnósticos devem ser coletadas.

O soro antibotulínico atua contra a toxina circulante, que ainda não se fixou no sistema nervoso. Por isso, recomenda-se que o tratamento com SAB seja realizado o mais precocemente possível (até sete dias); caso contrário, poderá não mais ser eficaz. Apresenta-se em forma de soro heterólogo, eqüino, geralmente em apresentação bi ou trivalente (contra os tipos A e B ou A, B e E de toxina botulínica). A dose é uma ampola de antitoxina botulínica bi ou trivalente por via intravenosa, diluída em solução fisiológica a 0,9%, na proporção de 1:10, para infundir em aproximadamente uma hora.

A solicitação do SAB para as unidades de tratamento deve ser feita pelo médico que diagnosticou o caso ou pelo pessoal de vigilância epidemiológica sempre que a mesma for acionada inicialmente. A liberação do soro estará condicionada ao preenchimento da ficha de notificação do caso suspeito, com sua prescrição e relatório sucinto.

A indicação da antitoxina deve ser criteriosa, pois não é isenta de riscos uma vez que 9% a 20% das pessoas tratadas podem apresentar reações de hipersensibilidade. O teste cutâneo de sensibilidade antes do uso de soros heterólogos foi excluído da rotina, conforme normas do Programa Nacional de Imunização da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (PNI/SVS/MS).

Nos casos de Botulismo por ferimento, recomenda-se o uso de penicilina cristalina na dose de 10 a 20 milhões de UI/dia, para adultos, e 300 mil UI/kg/dia, para crianças, em doses fracionadas de 4/4 horas, via intravenosa, por 7 a 10 dias. O metronidazol também pode ser utilizado na dose de 2g/dia, para adultos, e 15 mg/kg/dia, para crianças, via intravenosa, de 6/6 horas.

O desbridamento cirúrgico deve ser realizado nos casos de Botulismo por ferimento, preferencialmente após o uso do SAB, mesmo quando a ferida tem bom aspecto.

No Botulismo intestinal em menores de um ano de idade, acredita-se que a lise de bactérias na luz intestinal, provocada pelo antibiótico, pode piorar a evolução da doença por aumento dos níveis de toxina circulante. Em adultos esse efeito não tem sido descrito mas deve ser considerado quando a porta de entrada para a doença for o trato digestivo. O SAB e a antibioticoterapia não estão indicados para crianças menores de um ano de idade com Botulismo intestinal.

No Botulismo alimentar a indicação de antibióticos ainda não está bem estabelecida.

 

Prognóstico

Um tratamento de suporte meticuloso pode resultar em completa recuperação. A letalidade do Botulismo diminui de forma considerável quando a assistência médica dos pacientes é prestada em unidades de terapia intensiva. Mortes precoces geralmente resultam de falha em reconhecer a gravidade da doença e retardo em iniciar a terapia. Quando ocorrem após a segunda semana, resultam de complicações, como as associadas à ventilação prolongada.

 

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

A distribuição do Botulismo é mundial, com casos esporádicos ou surtos familiares, em geral relacionados à produção e a conservação de alimentos de maneira inadequada. Raramente ocorrem surtos envolvendo produtos processados comercialmente. Os casos de Botulismo infantil têm sido notificados na Ásia, Austrália, Europa, América do Norte e América do Sul. A incidência e a distribuição real não é precisa, porque os profissionais de saúde, em poucas ocasiões, suspeitam de Botulismo. Ele pode ser responsável por 5% dos casos de morte súbita em lactentes.

 

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Objetivos

      Detectar precocemente os casos, visando promover a assistência adequada e reduzir a morbidade e letalidade da doença.

      Caracterizar o surto por tempo, lugar e pessoa.

      Identificar a fonte de contaminação e o modo de transmissão.

      Propor medidas de prevenção e controle, em tempo oportuno, para impedir a ocorrência de novos casos.

      Avaliar as medidas de controle implantadas.

 

Definição de Caso

Caso Suspeito de Botulismo Alimentar e Botulismo por Ferimentos

Indivíduo que apresente paralisia flácida aguda, simétrica e descendente, com preservação do nível de consciência caracterizado por um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: visão turva, diplopia, ptose palpebral, boca seca, disartria, disfagia ou dispnéia.

Nota: A exposição a alimentos potencialmente suspeitos para presença da toxina botulínica nos últimos dez dias ou história de ferimentos nos últimos 21 dias reforça a suspeita.

 

Caso Suspeito de Botulismo Intestinal

      Criança menor de um ano com paralisia flácida aguda de evolução insidiosa e progressiva que apresente um ou mais dos seguintes sintomas: constipação, sucção fraca, disfagia, choro fraco, dificuldade de controle dos movimentos da cabeça.

      Adulto que apresente paralisia flácida aguda, simétrica e descendente, com preservação do nível de consciência caracterizado por um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: visão turva, diplopia, ptose palpebral, boca seca, disartria, disfagia ou dispnéia na ausência de fontes prováveis de toxina botulínica, como alimentos contaminados, ferimentos ou uso de drogas.

Nota: A exposição a alimentos com risco para presença de esporo de C. botulinum (ex. mel, xaropes de milho) reforça a suspeita em menores de um ano.

 

Caso Confirmado por Critério Laboratorial

      Caso suspeito no qual foi detectada toxina botulínica em amostra clínica e/ou no alimento efetivamente consumido.

      Caso suspeito no qual foi isolado o Clostridium botulinum produtor de toxinas, em fezes ou material obtido do ferimento.

 

Caso Confirmado por Critério Clínico-epidemiológico

Caso suspeito com vínculo epidemiológico com o caso confirmado e/ou história de consumo de alimento com risco para a presença da toxina botulínica nos últimos dez dias e/ou eletroneuromiografia compatível com Botulismo e/ou ferimento em condições de anaerobiose nos últimos 21 dias.

 

Notificação

O Botulismo é doença de notificação compulsória desde a publicação da Portaria MS nº 1.943, de 18 de outubro de 2001. Devido à gravidade da doença e à possibilidade de ocorrência de outros casos resultantes da ingestão da mesma fonte de alimentos contaminados, um caso é considerado surto e emergência de saúde pública. A suspeita de um caso de Botulismo exige notificação e investigação imediatas à vigilância epidemiológica local. O técnico que recebeu a notificação deve, inicialmente, verificar a consistência das informações. Uma vez caracterizada a suspeita de Botulismo, comunicar imediatamente tal fato aos níveis hierárquicos superiores e áreas envolvidas na investigação, iniciando o planejamento das ações.

 

Primeiras Medidas a serem Adotadas

Assistência Médica ao Paciente

O tratamento do paciente com Botulismo deve ser realizado em unidade hospitalar. As medidas gerais de suporte e monitorização cardiorrespiratória são as condutas mais importantes no tratamento. A terapia de suporte deve ser instituída imediatamente, ficando a indicação do tratamento específico (administração de soro antibotulínico) condicionada à avaliação médica.

 

Qualidade da Assistência

O tratamento deve ser realizado em unidade hospitalar que disponha de unidade de terapia intensiva (UTI). A partir do aprimoramento dos cuidados com os pacientes críticos, observa-se significativa redução da letalidade.

 

Proteção dos Indivíduos para Evitar Novas Exposições

No caso de Botulismo de transmissão alimentar, todos os alimentos suspeitos de ocasionar casos deverão:

 

      deixar de ser consumidos, sendo recolhidos imediatamente ou guardados sob refrigeração, na forma em que se encontram acondicionados, até a chegada do grupo encarregado pela investigação;

      ser preservados nas embalagens originais, quando a suspeita estiver relacionada a produtos industrializados.

 

Confirmação Diagnóstica

Coletar amostras clínicas de todo caso suspeito antes da administração do soro antibotulínico. Na suspeita de Botulismo alimentar deve-se coletar todos os alimentos suspeitos. A investigação epidemiológica orientará quais amostras deverão ser enviadas para análise laboratorial.

 

Investigação

Todo caso suspeito de Botulismo deve ser investigado imediatamente, visando impedir a ocorrência de novos casos.

 

ROTEIRO DA INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA

A atividade de campo deve ser integrada entre vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, laboratório, assistência e outras áreas que se fizerem necessárias. A cooperação e o intercâmbio de informações entre as áreas envolvidas são fatores essenciais para a boa qualidade da investigação.

A coordenação da investigação deve, preferencialmente, ser delegada a um profissional da vigilância epidemiológica, que terá a responsabilidade de informar e acionar os demais membros da equipe.

Os serviços devem estar organizados para providenciar imediatamente o meio de transporte, formulários e material para coleta de amostras, garantindo disponibilidade para o uso imediato, inclusive aos sábados, domingos e feriados.

 

Identificação do Paciente

Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica relativos a dados gerais, notificação individual e residência.

 

Coleta de Dados Clínicos e Epidemiológicos

Para Confirmar a Suspeita Diagnóstica

      Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica de Botulismo;

      Observar, com atenção, se o caso notificado enquadra-se na definição de caso de Botulismo, a fim de evitar a notificação inadequada de casos;

      Obter informações detalhadas do próprio paciente (quando possível), dos familiares, da equipe médica e/ou do prontuário;

      Investigar a história alimentar nos últimos dez dias (quando possível) para identificar alimentos de risco;

      Verificar a história prévia de ferimentos e uso de drogas injetáveis e inalatórias.

 

Para Identificação e Determinação da Extensão da Área de Ocorrência de Casos

      Realizar busca ativa de casos, sobretudo de sintomatologia leve, entre aqueles que consumiram os mesmos alimentos que os casos suspeitos, nas unidades de saúde que atendem à população circunvizinha à residência dos casos e nos hospitais com unidade de terapia intensiva;

      Informar a população acerca da ocorrência de casos suspeitos de Botulismo e sintomas sugestivos da doença, para que procure imediatamente as unidades de saúde;

      Quando a fonte da contaminação for um alimento de larga distribuição, seja de origem industrial ou artesanal, toda a área de distribuição do alimento suspeito deverá ser rastreada no intuito de buscar novos casos suspeitos e interromper o consumo do alimento envolvido.

 

Coleta e Remessa de Material para Exame

Assegurar coleta oportuna, acondicionamento e transporte de amostras clínicas e/ou bromatológicas e encaminhamento ao Laboratório Central de Saúde Pública. Ver mais detalhes no tópico Diagnóstico laboratorial.

 

Análise de Dados

Após a investigação individual de cada caso, deve-se avaliar os antecedentes epidemiológicos e resultados laboratoriais para a classificação do Botulismo segundo o modo de transmissão e critério de confirmação. A identificação dos fatores de risco permite determinar as medidas de prevenção e controle específicas para o surto.

Para surtos que envolvem maior número de pessoas, utilizar também os formulários e metodologia de investigação de surtos de doenças transmitidas por alimentos.

 

Encerramento de Casos

Os casos de Botulismo devem ser encerrados de acordo com os seguintes critérios:

 

Critério Laboratorial

      Detecção de toxina botulínica em amostra clínica e/ou no alimento efetivamente consumido.

      Isolamento do Clostridium botulinum produtor de toxinas, em fezes ou material obtido do ferimento.

 

Critério Clínico-epidemiológico

Presença de vínculo epidemiológico com o caso confirmado e/ou história de consumo de alimento com risco para a presença da toxina botulínica nos últimos dez dias e/ou eletroneuromiografia compatível com Botulismo e/ou ferimento em condições de anaerobiose nos últimos 21 dias.

 

Óbitos

Indivíduo que foi a óbito com quadro clínico compatível com Botulismo, com confirmação clínico-epidemiológica e/ou clínico-laboratorial.

 

Relatório Final

Além da ficha de notificação, todas as informações obtidas durante a investigação deverão ser consolidadas em um relatório final com o seguinte conteúdo: dados do caso (idade, sexo, ocupação, local de residência), data da notificação e investigação; data de início dos sintomas; período de incubação; curva epidêmica; história alimentar e outros fatores de exposição; sinais e sintomas; tratamento realizado; amostras coletadas e exames realizados; resultados laboratoriais; fonte de transmissão; classificação final e evolução.

 

INSTRUMENTOS DISPONÍVEIS PARA CONTROLE

Ações de Educação em Saúde

Orientar a população sobre o preparo, conservação e consumo adequado dos alimentos associados a risco de adoecimento.

 

Estratégias de Prevenção

Orientar as medidas iniciais de prevenção e controle, de acordo com o modo de transmissão e resultados da investigação do caso.

Nos casos de transmissão alimentar, deve-se eliminar a permanência da fonte através da interrupção do consumo, distribuição e comercialização dos alimentos suspeitos.

 

Imunização

A imunização, realizada com toxóide botulínico polivalente, é recomendada apenas a pessoas com atividade na manipulação do microrganismo.

 

Roteiro de investigação epidemiológica do Botulismo

 

 

ANEXO 1 – NORMAS PARA PROCEDIMENTOS LABORATORIAIS

1. Amostras Clínicas Oportunas e de Interesse para o Diagnóstico Laboratorial

A coleta de amostras clínicas (soro, lavado gástrico, fezes/conteúdo intestinal, exsudato de ferimento) deve ser realizada o mais precocemente possível e anteceder a administração do soro antibotulínico (SAB), para evitar que a toxina ativa seja neutralizada antes da coleta. A coleta tardia pode impedir a detecção de toxina, pois esta vai sendo absorvida pelos tecidos em função do tempo.

A seleção de amostras varia de acordo com o modo de transmissão do Botulismo (Quadro 1). O momento e quantidade de material necessário para o diagnóstico laboratorial estão especificados no Quadro 2.

 

Quadro 1. Tipo de amostras para o diagnóstico laboratorial de acordo com o modo de transmissão

Amostras

Botulismo alimentar

Botulismo intestinal

Botulismo por ferimento

Para detecção de toxina botulínica

Soro

Sim

Sim

Sim

Fezes ou conteúdo intestinal

Sim

Sim

Não*

Lavado gástrico

Sim

Sim

Não*

Exsudato do ferimento

Não

Não

Sim

Para cultura do Clostridium botulinum

Soro

Não

Não

Não

Fezes ou conteúdo intestinal

Não

Sim

Não*

Lavado gástrico

Não

Não

Não*

Exsudato do ferimento

Não

Não1

Não

*Se houver suspeita ou possibilidade do ferimento estar localizado no trato gastrointestinal, incluir a coleta destas amostras.

Obs.: com exceção das amostras de soro, as demais também podem ser usadas para cultura do Clostridium botulinum.

 

Quadro 2. Período máximo de tempo, após o início dos sintomas, para a coleta oportuna de amostras clínicas e quantidade mínima necessária para o diagnóstico de laboratório

Amostras

Período máximo para coleta

Total

Soro

8 dias

11 ml

Fezes/conteúdo intestinal

Com diarréia inicial

3 dias

15 g

Com constipação intestinal

6 dias

15 g

Sem alteração do trânsito intestinal

4 dias

15 g

Lavado gástrico / vômito

3 dias

15 g

Obs.: sempre que possível, coletar as amostras em quantidades superiores às indicadas para o diagnóstico específico.

 

2. Amostras Bromatológicas de Interesse para Diagnóstico Laboratorial de Botulismo Alimentar

Prioritárias e Oportunas

      Quando há suspeita de Botulismo alimentar as amostras bromatológicas devem ser coletadas e enviadas o mais precocemente possível ao laboratório central de saúde pública;

      Coletar todas as sobras e restos dos produtos efetivamente consumidos;

      Evitar a transferência das sobras ou restos (ou ambos) para outro recipiente, mesmo que se encontre em condições precárias de integridade física ou de presença de sujidades. Caso não existam sobras ou restos, coletar o recipiente vazio que as continham originalmente;

      Nas amostras bromatológicas é comum encontrar formas esporuladas do Clostridium botulinum, em especial no mel. É importante salientar que neste alimento, devido ao alto conteúdo de açúcar e baixa atividade de água, o esporo não tem condições de germinar e, portanto, não há produção de toxina.

 

Complementares

Na ausência absoluta de amostras de alimentos não consumidos, coletar outras que pertençam ao mesmo lote (amostras industrializadas) ou que tenham sido produzidas no mesmo local e data e pela mesma pessoa ou grupo de pessoas (amostras artesanais ou domésticas).

 

3. Cuidados Básicos para o Acondicionamento e Transporte de Amostras Clínicas e Bromatológicas para o Laboratório

      Coletar as amostras com assepsia e em condições de segurança para o técnico responsável.

      Acondicionar as amostras em recipientes limpos, de preferência esterilizados e hermeticamente fechados. Caso seja amostra de alimento contida em uma embalagem, não transferir para outro recipiente, coletar todo o conjunto.

      Quando a amostra estiver contida em frascos de vidro ou similares que podem quebrar durante o transporte, protegê-los com auxílio de algodão, tiras plásticas com bolhas de ar, caixas de papelão próprias para o envio de pequenas amostras ou outro dispositivo. Vedar ou tampar o recipiente que contém a amostra, garantindo que não ocorrerá vazamento do produto.

      Conservar e transportar as amostras sob refrigeração a 4°C-8°C, pois a toxina botulínica é termolábil, podendo ser inativada em temperaturas acima da ambiental. Importante: a única exceção cabe aos casos de Botulismo por ferimento, cujas amostras devem ser enviadas em temperatura ambiente. O tempo de transporte não deve ultrapassar 48h.

      Todas as amostras devem ser enviadas ao laboratório identificadas com os seguintes dados: nome do paciente, tipo de amostra (soro, fezes, alimento, etc.) e finalidade do exame (determinação de toxina botulínica, cultura). Cada amostra deve ter um formulário de encaminhamento, determinado por cada laboratório central de saúde pública.

      O laboratório deve ser avisado do envio da amostra, que deverá ser recebida de imediato, inspecionada e armazenada de forma adequada até o seu encaminhamento para o laboratório de referência de Botulismo.

 

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