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Insuficiência cardíaca ambulatorial

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 03/05/2009

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QUADRO CLÍNICO

Homem, 64 anos, ex-tabagista, parou de fumar há 10 anos, sem outros antecedentes mórbidos conhecidos, procurou o oftalmologista com queixa de diminuição da acuidade visual progressiva, mas discreta. O exame de fundo de olho revela cruzamentos A–V patológicos e exsudatos algodonosos sugestivos de retinopatia por hipertensão, sem outros achados. Nos últimos 6 meses, paciente apresenta ainda cansaço aos esforços, como andar mais de alguns quarteirões, com piora progressiva, mas ainda conseguindo realizar tais atividades. Nega outras queixas.

 

Exame Físico

  PA: 135x94 mmHg.

  FC: 92 bpm.

  Aparelho respiratório: MV+, sem RA.

  Aparelho cardiovascular: BRNF, com sopro sistólico em foco mitral e tricúspide ++/6+.

  Propedêutica abdominal sem alterações.

  Edema pré-tibial ++/4+, sem sinais de TVP.

 

Exames Laboratoriais

  K+: 3,9 mEq/L.

  Creatinina = 1,4 mg/dL.

  Ureia 42 mg/dL.

  Na: 141 mEq/L.

  Glicemia de jejum: 95 mg/dL.

 

Radiografia de Tórax

Área cardíaca aumentada (índice cardiotorácico 0,65), cefalização da trama vascular pulmonar, linhas B de Kerley.

 

ECG

Ritmo sinusal com sobrecarga de ventrículo esquerdo e bloqueio de ramo esquerdo.

 

COMENTÁRIOS

O paciente apresenta uma diminuição da acuidade visual, provavelmente atribuível a retinopatia por hipertensão, evoluindo ainda com dispneia progressiva aos esforços, com achado de um sopro sistólico em foco mitral e tricúspide, que poderia ser relacionado com dilatação cardíaca. Outros achados sugestivos de possível comprometimento cardíaco são aumento de área cardíaca e presença de linhas B de Kerley e cefalização da trama vascular pulmonar. O ECG demontra SVE e BRE, também achados sugestivos de possível insuficiência cardíaca, provavelmente secundária a HAS.

O diagnóstico de insuficiência cardíaca é clínico e baseia-se em achados de história e exame físico. Queixa de dispneia progressiva é mais frequentemente relatada nestes pacientes, em geral notada inicialmente aos grandes esforços e progredindo para pequenos esforços ou mesmo ao repouso.

O edema em membros inferiores é outra queixa comum. Ocorre inicialmente em região perimaleolar, depois ascendendo pela região pré-tibial chegando até a raiz de coxa. Este edema em geral é simétrico, depressível e mole, predomina no período vespertino e melhora no período noturno, devido à redistribuição do fluxo sanguíneo. Em pacientes acamados, o edema ocorre sobretudo em região sacral, e eventualmente os pacientes podem apresentar ascite e derrame pleural.

A radiografia de tórax pode revelar aumento da área cardíaca e aumento da trama vascular pulmonar; na ICC diastólica, a área cardíaca costuma ser normal. A presença de índice cardiotorácico maior que 0,5 é sensível para o diagnóstico, mas quando é maior que 0,6, a especificidade diagnóstica é maior.

O eletrocardiograma pode trazer pistas tanto da etiologia (áreas de necrose e isquemia sugerem miocardiopatia isquêmica; presença de BRD associado a BDAS – bloqueio divisional anterossuperior – sugere doença de Chagas) como da causa de descompensação (taquiarritmias, bradiarritmias, isquemia). O ECG é quase que invariavelmente alterado nos pacientes com IC, e, caso seja normal, outros diagnósticos devem ser considerados.

O ecocardiograma é exame importante na avaliação de pacientes com insuficiência cardíaca. Pode determinar se há ou não dilatação dos ventrículos, avalia tanto a função sistólica quanto diastólica, mede a espessura ventricular e dá informações sobre o pericárdio e o funcionamento valvar. Os achados ecocardiográficos não fazem diagnósticos de insuficiência cardíaca (o diagnóstico é clínico), mas oferecem informações valiosas para a caracterização da síndrome, definição etiológica (p.ex., a presença de áreas de hipo ou acinesia sugere doença isquêmica), avaliação prognóstica (grandes dilatações ventriculares e fração de ejeção inferior a 20% conferem pior prognóstico) e seguimento. A principal medida da função do VE é a fração de ejeção (FE), considerando-se haver prejuízo da função sistólica quando a FE é inferior a 40%; alguns autores consideram função sistólica alterada caso FE menor que 45%. A interpretação da FE apresenta, entretanto, uma baixa reprodutibilidade entre diferentes observadores, além de estar prejudicada após um episódio de IAM ou na presença de insuficiência mitral.

 

Ecocardiograma

Fração de ejeção 39%.

O paciente apresenta, portanto, diagnóstico de insuficiência cardíaca, com confirmação de disfunção sistólica pela alteração da fração de ejeção. Neste ponto, é interessante discutir a classificação da insuficiência cardíaca. O consenso europeu, por exemplo, classifica os pacientes em 4 estágios baseado no risco e evolução do paciente com IC.

 

1.   Classe A: pacientes de alto risco para evoluir com IC; apresentam, por exemplo, HAS, doença arterial coronariana ou outras condições de risco para evoluir com disfunção cardíaca; estes pacientes não apresentam, entretanto, alteração estrutural.

2.   Classe B: pacientes já apresentam alterações estruturais cardíacas, como hipertrofia de ventrículo esquerdo, fibrose cardíaca ou disfunção sistólica, mas não apresentam sintomas de insuficiência cardíaca.

3.   Classe C: pacientes já apresentam sintomas de descompensação cardíaca.

4.   Classe D: pacientes apresentam sintomas com dispneia ao repouso, mesmo com terapia clínica máxima, muitas vezes necessitando de intervenções como balão intra-aórtico e transplante.

 

Outra classificação relevante é a da New York Heart Association (NYHA), que classifica os pacientes por meio de seus sintomas. A classificação está apresentada na Tabela 1.

 

Tabela 1: Classificação da NYHA

I

Ausência de dispneia aos esforços habituais

II

Dispneia aos esforços habituais

III

Dispneia aos pequenos esforços

IV

Dispneia ao repouso

 

O nosso paciente apresenta, portanto, classificação C pelo Consenso Europeu e com classe II de sintomas pela New York Heart Association. Outro fator interessante é observar que o paciente, no momento, está apresentando apenas pressão arterial diastólica levemente aumentada. Apesar de todas as evidências de ser um paciente com hipertensão severa de longa data, é possível que a disfunção sistólica tenha diminuído os níveis pressóricos deste paciente.

O tratamento destes pacientes inclui controle dos fatores de risco, dieta hipossódica com restrição líquida, se necessário.

O tratamento farmacológico inclui medicações que devem ser introduzidas em pacientes com disfunção cardíaca mesmo sem sintomas, como os inibidores da ECA e outras que são introduzidas em pacientes com sintomas de retenção de líquidos, como os diuréticos. Os príncipios das medicações utilizadas para o manejo ambulatorial destes pacientes serão resumidos a seguir.

Os inibidores da ECA, por exemplo, são indicados em todos os pacientes com IC em qualquer estágio, independentemente da presença de sintomas. A medicação deve ser iniciada em doses baixas e aumentada, tendo com alvos doses de 150 mg/dia de captopril ou 40 mg/dia de enalapril.

Os betabloqueadores também são indicados em todos os pacientes com IC estável com disfunção sistólica, portanto, não sendo o melhor momento de iniciar a prescrição durante a internação por descompensação de IC, entretanto após a estabilização destes pacientes, estas medicações podem ser iniciadas em ambiente de enfermaria de forma segura e fácil de monitorar. Neste paciente, o carvedilol poderia ser iniciado em dose baixa, com aumento progressivo conforme tolerância.

Os diuréticos são a única medicação que pode ser usada efetivamente para controle da retenção hídrica. Este paciente apresenta edema periférico, que poderia se beneficiar do uso desta medicação. Preferencialmente, deve-se utilizar o diurético de alça (furosemida), pois os tiazídicos têm ação diurética pouco potente, sobretudo em pacientes com clearance de creatinina abaixo de 30 mL/min. Não devem ser utilizados isoladamente para controle da IC.

O estudo V-Heft demonstrou que a combinação de nitratos e hidralazina diminui a mortalidade nestes pacientes, embora não diminua o número de hospitalizações.

Esta combinação é limitada ao uso em pacientes com contraindicações aos inibidores da ECA e inibidores da angiotensina 2. A dose-alvo de hidralazina é de 200 a 300 mg/dia em doses divididas em 3 a 4 vezes ao longo do dia, e monocordil 40 mg 4 vezes/dia. A atualização recente do consenso americano de IC recomenda o uso de nitratos e hidralazina em pacientes já em uso de inibidores da ECA e betabloqueadores que ainda persistem com sintomas.

Os antagonistas da aldosterona, como a espironolactona, são indicados, por sua vez, em pacientes com IC avançada (NYHA III e IV), associada ao tratamento padrão com diurético, digital, IECA e betabloqueador. Os níveis séricos de potássio e creatinina devem ser controlados, antes e durante o tratamento, devendo-se reduzir a dose em 50%, caso os níveis de potássio estejam entre 5 e 5,5 mEq/L, e suspender a medicação, se superarem 5,5 mEq/L. Não existem estudos que revelem sua eficácia em pacientes assintomáticos.

Os inibidores da angiotensina 2 apresentam-se como alternativa ao uso de inibidores da ECA. Isto baseia-se na premissa de que esta droga realiza bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona, porém sem inibição das cininases e, portanto, a droga provavelmente apresentaria menos efeitos adversos.

O entusiasmo por estas medicações cresceu após o estudo ELITE, que parecia apontar a superioridade destas medicações em comparação aos inibidores da ECA, porém estudos maiores realizados posteriormente não corroboraram este achado e o inibidor da ECA apresentou, nestes estudos, tendência a superioridade em relação aos inibidores da angiotensina 2, sendo estes, portanto, a medicação de escolha para o tratamento da ICC.

As duas drogas deste grupo estudadas para o tratamento da ICC são o valsartam e lozartam; existem evidências maiores para uso de valsartam nestes pacientes.

O valsartam é iniciado em dose de 40 mg 2 vezes/dia e deve-se dar a maior dose possível tolerada até dose de 160 mg 2 vezes/dia. Por sua vez, a dose-alvo do lozartam é de 50 mg 2 vezes/dia.

Deve-se acrescentar que não há benefícios adicionais em acrescentar inibidores da angiotensina 2 a doses adequadas de inibidores da ECA e bloqueadores da aldosterona. De fato, a evidência atual sugere que esta prática é potencialmente deletéria.

Em pacientes com disfunção sistólica e sintomáticos apesar do tratamento, pode ser considerado o uso de digoxina, que parece ter benefício em diminuir o número de internações hospitalares nestes pacientes. Outro possível uso da medicação é em pacientes com IC e fibrilação atrial.

 

PRESCRIÇÃO

Tabela 1: Prescrição inicial sugerida para o paciente

Prescrição

Comentário

Dieta hipossódica

Uma dieta com 3 a 4 g de sal é um alvo realista razoável para aqueles com doença leve e moderada. Esse nível de ingestão é facilmente atingido, evitando a adição de sal aos alimentos após o seu preparo e não utilizando alimentos habitualmente salgados. Quanto à ingestão de líquidos, a restrição é recomendada em pacientes com edema não-responsivo a dieta hipossódica.

Furosemida 40 mg VO cedo

Os diuréticos são indicados conforme a retenção hídrica apresentada pelo paciente; os diuréticos de alça são a escolha usual.

Captopril 6,25 mg VO a cada 8 horas

Os IECA são iniciados em doses baixas e aumentados até doses de 150 mg/dia de captopril conforme pressão arterial e níveis de creatinina e potássio permitem.

Carverdilol 3,125 mg VO a cada 12 horas

Os betabloqueadores devem ser introduzidos em pacientes clinicamente estáveis; o carvedilol parece ser superior os outros betabloqueadores utilizados para este propósito, embora isso ainda seja motivo de debate.

 

MEDICAÇÕES

Inibidores da ECA

São inibidores específicos da enzima conversora da angiotensina 1 (ECA), enzima responsável pela conversão da angiotensina 1 em angiotensina 2

 

Modo de Ação

O mecanismo de ação ainda não é completamente elucidado. Seu efeito benéfico na ICC e na HAS aparentemente resulta da supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona, embora não exista na literatura uma correlação consistente entre níveis de renina e resposta à droga.

A enzima conversora da angiotensina 1 (ECA) é idêntica à bradicininase, assim os inibidores da ECA podem aumentar os níveis séricos de bradicininas e prostaglandina E2 que podem ter também papel no tratamento da ICC e HAS.

 

Indicações

  Tratamento da ICC em qualquer estágio: nível de evidência 1.

  Pacientes com IAM e fração de ejeção menor que 40%: nível de evidência 1.

   Como primeira droga ou droga adjuvante no tratamento da HAS: nível de evidência 1.

  Nefropatia diabética em pacientes com DM tipo 1: nível de evidência 1.

  Nefropatia diabética em pacientes com DM tipo 2: nível de evidência 2.

 

Posologia

A dose inicial de captopril para ICC em pacientes com pressão arterial normal ou baixa já em uso de doses apropriadas de diuréticos é de 6,25 a 12,5 mg 3 vezes/dia. Em outros pacientes, pode ser iniciado em dose de 25 mg 3 vezes/dia.

A dose-alvo é de 50 mg 3 vezes/dia, sendo atingida em alguns dias com monitoração cuidadosa de pressão arterial, sintomas e função renal. Eventualmente alguns pacientes podem necessitar de doses maiores.

A dose inicial de enalapril recomendada pela literatura é de 5 mg 1 vez/dia, sendo a dose-alvo de 20 a 40 mg/dia.

Outros inibidores da ECA (IECA) que podem ser usados para o tratamento da ICC são ramipril, lisinopril e quinapril.

 

Tabela 2: Inibidores da ECA e uso em ICC

Droga

Dose inicial

Dose máxima

Captopril

6,25 mg 3 vezes/dia

50 mg 3 vezes/dia

Enalapril

2,5 mg 2 vezes/dia

10 a 20 mg 2 vezes/dia

Fosinopril

5 a 10 mg 1 vez/dia

40 mg 1 vez/dia

Lisinopril

2,5 a 5 mg 1 vez/dia 

20 a 40 mg 1 vez/dia

Quinapril

10 mg 2 vezes/dia

40 mg 2 vezes/dia

Ramipril

1,25 a 2,5 mg 1 vez/dia

10 mg 1 vez/dia

 

Efeitos Adversos

Hipotensão é descrita em 2,3% dos casos com a primeira dose de enalapril; durante continuação da terapêutica, são descritas hipotensão em 0,9% e síncope em 0,5% dos pacientes.

Angioedema de face e ocasionalmente de glote é relatado em qualquer tempo da terapêutica. Na maioria das vezes, o envolvimento é restrito a face e lábios, porém o envolvimento de língua, glote e laringe pode causar obstrução de vias aéreas, sendo indicado o uso de epinefrina em solução de 1:1.000 (0,3 a 0,5 mL).

Neutropenia e até agranulocitose são relatadas com o uso do captopril, ocorrendo cerca de 3 meses após o início de seu uso, porém não parece ser causada por outros inibidores da ECA.

Piora da função renal é descrita na literatura, principalmente em pacientes suscetíveis (alteração renal prévia, hipovolêmicos), reversível após a descontinuação da medicação. O uso da medicação em pacientes com creatinina maior que 3,5 mg/dL deve ser realizado com extremo cuidado.

Cerca de 1% dos pacientes em estudos clínicos apresentam hipercalemia (K > 5,7 mg/dL), sendo este efeito observado em 3,8% dos pacientes com ICC, porém, na maioria dos casos, não é necessária a descontinuação da medicação.

Tosse é descrita com a medicação em 2,2 a 10% dos casos, presumivelmente atribuída a degradação das bradicininas, mas se resolve com a descontinuação da medicação. A tosse associada com algum dos inibidores da ECA pode não ocorrer com outros medicamentos da mesma classe.

Casos de hepatite colestática, evoluindo inclusive com insuficiência hepática fulminante, são relatados na literatura.

Outros efeitos colaterais comuns são: fadiga (1,8%), tonturas (7%), diarreia (2%), rash (1,3%); raramente, porém, estes efeitos colaterais foram causas para descontinuar a terapia.

 

Apresentação Comercial

  Captopril em comprimidos de 12,5, 25 e 50 mg (Capoten®, Venopril®, Captotec® e Captopril®).

  Enalapril em comprimidos de 5, 10 e 20 mg (Atens®, Enalabal®, Renitec®, Eupressin®, Enaprotec®, Glioten®, Gliotenzide®, Vasopril® e Enalapril®).

  Lisinopril em comprimidos de 5, 10, 20 e 30 mg (Privinil®, Zestril®, Listril® e Lisinopril®).

  Fosinopril em comprimidos de 10 e 20 mg (Monopril®).

  Quinapril em comprimidos de 10 e 20 mg (Accupril®).

  Ramipril em comprimidos de 2,5, 5 e 10 mg (Triatec®, Naprix® e Ramipril®).

 

Monitorção

A medicação deve ser usada com cuidado em pacientes com estenose aórtica e miocardiopatia hipertrófica. Em pacientes com alteração renal ou suscetíveis a alterações renais, é importante a monitoração periódica da função renal e dos níveis de potássio.

Com a introdução da medicação, pode ocorrer diminuição do clearance de creatinina de até 30%, reversível com a descontinuação da medicação e que se normaliza durante o uso crônico da medicação.

Alterações de maior importância na função renal, principalmente associadas com hipercalemia, podem indicar presença de estenose de artérias renais, com alguns autores recomendando investigação desta nestes pacientes.

Em pacientes em uso de captopril apresentando infecções de cavidade oral, é recomendável realizar hemograma para verificar contagem de neutrófilos. Do mesmo modo, todos os pacientes em uso da medicação que apresentem alteração de função renal devem ser monitorados com hemograma completo no início do tratamento e a cada 3 a 6 meses posteriormente.

 

Classificação na Gravidez

Classe C.

 

Interações Medicamentosas

Em pacientes em uso de diuréticos, o risco de hipotensão é maior, sobretudo nas primeiras horas do início da terapêutica; a combinação, entretanto, é o esteio do tratamento da ICC.

O efeito anti-hipertensivo dos IECA é potencializado por outros agentes que levam à liberação de renina como os tiazídicos, o que torna esta combinação atraente para o tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Deve-se ter cuidado na associação dos IECA com medicações como a espironolactona e outros diuréticos poupadores de potássio devido ao risco de hipercalemia, embora a combinação de IECA e espironolactona seja de grande benefício no subgrupo de ICC com classe funcional 3 ou 4 ou com FE < 35%. O uso associado com inibidores das prostaglandinas, como a indometacina e possivelmente o AAS, podem diminuir o seu efeito anti-hipertensivo, embora tal efeito pareça ser negligenciável.

A administração conjunta com lítio aumenta o risco de toxicidade deste último.

 

Diuréticos

Os diuréticos são o grupo de drogas que podem controlar adequadamente a retenção de fluido na ICC. Apesar dos digitálicos e de baixas doses de inibidores da ECA aumentarem a excreção renal de sódio, poucos pacientes podem manter o balanço de sódio sem o uso dos diuréticos. Entretanto, não devem ser usados isoladamente no tratamento da ICC, sendo combinados com inibidores da ECA, digitálicos entre outras medicações.

 

Furosemida

1.   Modo de Ação

A furosemida inibe a absorção de sódio e cloro na alça de Henle e túbulos proximais e distais. Quando administrada intravenosamente, a furosemida causa venodilatação em 15 minutos, diminuindo a pré-carga tanto do ventrículo direito quanto do ventrículo esquerdo. Também induz diurese aproximadamente 30 minutos após a administração, com pico em 1 a 2 horas. Como tem meia-vida de 6 horas, deve ser administrada pelo menos 2 vezes/dia. A apresentação via oral tem início de ação em 1 hora, e seu pico de ação ocorre em 2 horas . A duração do efeito diurético é de 6 a 8 horas.

 

2.   Indicações e Uso

Indicado para o tratamento do edema associado a ICC, síndrome nefrótica, cirrose hepática e doença renal.

Não existe benefício demonstrado na literatura melhorando prognóstico de insuficiência renal oligúrica.

 

3.   Posologia

A terapia inicialmente é realizada com doses baixas de diurético e aumentada com cuidado, com objetivo de diminuição de peso de 0,5 a 1 kg/dia, sem prejudicar a função renal. Uma vez resolvida a sobrecarga de volume, mantém-se o tratamento com doses apropriadas para prevenir a recorrência dos sintomas.

A bumetanida é mais potente que a furosemida, sendo 1 mg desta correspondente a 40 mg da furosemida.

 

Tabela 3: Posologia dos diuréticos

Droga

Dose inicial

Dose máxima

Furosemida

20 a 40 mg 1 a 2 vezes/dia

Atingir peso seco (até 400 mg/dia)

Bumetanida (Burinax® comprimidos de 1 mg)

0,5 a 1 mg 1 a 2 vezes/dia

Atingir peso seco (até 10 mg/dia)

 

4.   Efeitos Adversos

Os principais efeitos colaterais são hipotensão, desidratação e hipocalemia, que podem ocorrer com uso de altas doses. Dispepsia, anorexia, icterícia colestática e até pancreatite são descritos com a medicação. Zumbido e perda de audição são descritos, mas parecem ocorrer principalmente com grandes doses. Dermatite esfoliativa, rash e urticária podem ocorrer. Alterações hematológicas como anemia hemolítica podem ocorrer, mas alterações graves como anemia aplástica e agranulocitose são raras. Hiperuricemia e hipocalcemia também são relatadas.

 

5.   Monitoração

Função renal e eletrólitos devem ser monitorados periodicamente, devido aos seus efeitos na calcemia. Alguns autores recomendam dosagem de cálcio e potássio séricos periodicamente.

 

6.   Apresentações Comerciais

  Ampolas de 20 mg para uso endovenoso (Lasix®).

  Comprimidos de 40 mg (Lasix® e furosemida).

  Bumetamida em comprimidos de 1 mg (Burinax®).

 

7.   Classificação na Gravidez

Classe C.

 

8.   Interações Medicamentosas

A furosemida pode aumentar o potencial ototóxico dos aminoglicosídios, e também o potencial de toxicidade por salicilatos, assim como a do carbonato de lítio.

A ação vasoconstritora da norepinefrina pode ser diminuída em pacientes em uso de furosemida, mas ainda assim esta medicação pode ser usada eficazmente nestes pacientes.

 

Digoxina

É um glicosídio cardíaco com efeito inotrópico positivo

 

Modo de Ação

Inibe a enzima Na-K-ATPase, cuja inibição leva a aumento de sódio intracelular, consequentemente elevando também a concentração de cálcio intracelular. A medicação também apresenta efeitos autonômicos vagomiméticos e diminui a frequência cardíaca e condução pelo nodo atrioventricular.

 

Indicações

  Tratamento sintomático da ICC, melhorando sintomas, qualidade de vida e contribuindo para diminuir o número de internações: evidência nível 2.

  Controle de resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial, sendo droga de primeira escolha no subgrupo de pacientes com ICC.

 

Posologia e Modo de Uso

O uso parenteral deve ser limitado a situações em que rápida digitalização é necessária para controle clínico do paciente, sobretudo em arritmias supraventriculares agudas.

A terapia para ICC é iniciada em dose usual de 0,125 a 0,250 mg/dia. Em pacientes com mais de 70 anos ou alteração de função renal, menores doses podem ser utilizadas. Raramente doses maiores que 0,25 mg/dia são utilizadas e não existe necessidade de loading dose para o tratamento da ICC.

 

Efeitos Adversos

Estes efeitos colaterais são mais comuns quando a dose da medicação usada é maior que a recomendada, apresentando relação dose-dependente.

As mais comuns manifestações de intoxicação digitálica são alterações gástricas e cardiovasculares. Dentre as gastrintestinais, destacam-se: anorexia, náuseas, vômitos e diarreia; em alguns casos, pode ocorrer dor abdominal.

As alterações de sistema nervoso incluem alterações visuais como xantopsias, cefaleia, fraqueza, tonturas, apatia e quadros confusionais.

Entre as manifestações cardiovasculares, devem ser destacados os bloqueios atrioventriculares e as extrassístoles ventriculares. Em casos de intoxicação digitálica de maior severidade, o paciente pode apresentar taquicardia atrial com bloqueio, taquicardias juncionais, taquicardia ventricular, intervalo QT prolongado e até fibrilação ventricular.

Na intoxicação digitálica, é importante descontinuar a medicação e corrigir hipomagnesemia e hipocalemia.

O anticorpo antidigoxina está indicado em pacientes com arritmias severas; outras medidas, como marcapasso temporário, são indicadas conforme cada caso.

 

Apresentações Comerciais

  Comprimidos de 0,25 mg (Digoxina®, Lanoxin®).

  Lanatosídeo C ampolas de 2 mL de 0,2 mg (Cedilanide®).

 

Monitoração

Em geral, a dose é baseada em condições clínicas, porém a monitoração com a digoxinemia pode ser útil. Os valores considerados normais variam entre 0,8 e 2 ng/mL. Deve-se salientar que alguns pacientes podem apresentar intoxicação digitálica mesmo quando a digoxinemia encontra-se em valores dentro da normalidade.

 

Classificação na Gravidez

Classe C.

 

Interações Medicamentosas

Uso de diuréticos com depleção de potássio contribui para toxicidade digitálica. O uso associado de antibióticos macrolídeos pode aumentar a absorção intestinal da medicação. O uso de levotiroxina em pacientes com hipotireoidismo pode implicar a necessidade do aumento da dose da medicação.

 

Inibidores da Angiotensina 2

Os inibidores da angiotensina 2 apresentam-se como alternativa ao uso de inibidores da ECA. Isto baseia-se na premissa de que esta droga realiza bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona, porém sem inibição das cininases e, portanto, a droga provavelmente apresentaria menos efeitos adversos.

Os efeitos colaterais e o modo de ação destas medicações estão especificados na seção de anti-hipertensivos deste capítulo, portanto, não rediscutiremos este tópico e nos limitaremos a discutir o seu papel na ICC.

O entusiasmo por estas medicações cresceu após o estudo ELITE, que parecia apontar a superioridade destas medicações em comparação aos inibidores da ECA, porém estudos maiores realizados posteriormente não corroboraram este achado e o inibidor da ECA apresentou nestes estudos tendência a superioridade em relação aos inibidores da AT2, sendo portanto estes a medicação de escolha para o tratamento da ICC.

As duas drogas deste grupo estudadas para o tratamento da ICC são o valsartan e lozartan, existe evidência maiores para uso de valsartan nestes pacientes.

O valsartan é iniciado em dose de 40 mg 2 vezes ao dia e deve-se dar a maior dose possível tolerada até dose de 160 mg 2 vezes ao dia, por sua vez a dose alvo do Lozartan é de 50 mg 2 vezes ao dia.

Deve-se acrescentar que não há benefícios adicionais em acrescentar inibidores da AT2 a doses adequadas de inibidores da ECA, em fato a evidência atual sugere que esta pratica é potencialmente deletéria.

 

Betabloqueadores

Existem 3 betabloqueadores aprovados para o uso em ICC: caverdilol, metoprolol e bisoprolol. Estas medicações devem ser prescritas em pacientes com ICC estável com disfunção sistólica, portanto, não sendo o melhor momento de iniciar a prescrição durante a internação por descompensação de ICC, entretanto após a estabilização destes pacientes, estas medicações podem ser iniciadas em ambiente de enfermaria de forma segura e fácil de monitorar.

Ao iniciar estas medicações, pode ser necessário aumentar a dose de diuréticos e restrição hídrica, pois os pacientes podem apresentar piora clínica. As medicações são iniciadas em doses baixas; Em ambiente ambulatorial, o aumento da dose é realizado a cada 2 semanas. Os efeitos colaterais e as interações destas medicações são semelhantes aos outras medicações da classe já descritos na seção de anti-hipertensivos.

 

Tabela 4: Betabloqueadores em ICC

Medicação

Dose inicial

Dose máxima

Carvedilol

3,125 mg 2 vezes/dia

25 mg 2 vezes/dia

Metoprolol

6,25 mg 2 vezes/dia

75 mg 2 vezes/dia

Bisoprolol

1,25 mg 1 vez/dia

10 mg 1 vez/dia

 

Modo de Ação

Os betabloqueadores agem bloqueando os receptores beta-adrenérgicos, o que causa redução da frequência cardíaca, da contratilidade miocárdica, da pressão arterial e da demanda de oxigênio pelo miocárdio. Alguns betabloqueadores apresentam um efeito agonista beta (atividade simpaticomimética intrínseca). Alguns apresentam efeito bloqueador predominantemente beta-1, outros bloqueiam tanto os beta-1 como os beta-2. Entretanto, em doses altas, todos os betabloqueadores são não seletivos. A Tabela 5 mostra as propriedades dos betabloqueadores.

 

Tabela 5: Propriedade dos betabloqueadores

Droga

Seletividade beta-1

ASI *

Lipossolubilidade

Atenolol

+

+

+

Bisoprolol

+

0

0

Carvedilol

0

0

+++

Labetalol

0

0/+

++

Metoprolol

+

0

+++

Nadolol

0

0

0

Pindolol

0

++

+

Propranolol

0

0

+++

Timolol

0

0

++

* ASI: atividade simpaticomimética intrínseca; 0: nenhum; +: pouco; ++: moderado; +++: alto.

 

Indicação e Nível de Evidência

Juntamente com os diuréticos tiazídicos, são as drogas anti-hipertensivas mais bem estudadas. São usadas há mais de 3 décadas e inúmeros ensaios clínicos têm mostrado sua eficácia na redução de risco cardiovascular no tratamento da HAS. Há, entretanto, alguma controvérsia sobre a eficácia dos betabloqueadores como monoterapia. Uma meta-análise, publicada em 1997, mostrou que ambos, diuréticos e betabloqueadores, são eficazes em prevenir eventos cardiovasculares e AVC quando comparados a placebo, embora os betabloqueadores tenham se mostrado consistentemente menos eficazes que os diuréticos tiazídicos. Uma outra meta-análise com 10 estudos avaliando um total de 16.164 pacientes idosos mostrou que, embora os betabloqueadores tenham reduzido a PA significativamente, foram ineficazes em prevenir doença coronariana e mortalidade cardiovascular (OR: 1,01; 0,98 e 1,05 respectivamente).

 

Posologia e Apresentação

As várias apresentações e posologias dos diferentes betabloqueadores são descritas na Tabela 6.

 

Tabela 6: Posologia e apresentação dos betabloqueadores

Droga

Nome comercialâ

Apresentação

Posologia**

Propranolol

Inderal

10, 40 e 80 mg

20 a 320 mg (2 a 3 vezes/dia)

Atenolol

Atenol

25, 50 e 100 mg

25 a 200 mg (1 a 2 vezes/dia)

Metoprolol

Seloken, Lopressor, Selozok*

100 mg

50 a 200 mg (1 a 2 vezes/dia)

 

Concor

25, 50 e 100 mg

2,5 a 10 mg (1 vez/dia)

Bisoprolol

Coreg, Divelol, Cardilol, Dilatrend

1,25, 2,5, 5, 10 mg

12,5 a 100 mg (2 vezes/dia)

Carvedilol

Visken

3,125, 6,25, 12,5, 25 mg

5 a 60 mg (2 vezes/dia)

Pindolol

 

5 e 10 mg

 

* Selokenâ e Lopressorâ: tartarato de metoprolol (comprimidos de 100 mg); Seloken Durilesâ: comprimidos de 200 mg; Selozokâ: succinato de metoprolol (comprimidos de 25, 50 e 100 mg).

** Dose diária (número de tomadas diárias).

 

Efeitos Adversos

Os efeitos colaterais mais comuns são broncoespasmo em pacientes predispostos, bradicardia ou distúrbios de condução atrioventricular, piora da insuficiência cardíaca congestiva por disfunção sistólica, alterações do sistema nervoso central como depressão, confusão e pesadelos, impotência sexual, fadiga e letargia. Congestão nasal, fenômeno de Raynaud, distúrbios gastrintestinais, leucopenia e trombocitopenia também podem ocorrer. Há uma tendência de aumento dos triglicérides e redução do HDL-colesterol.

 

Classificação na Gravidez

Classe C.

 

Monitoração

Há necessidade de monitorar a pressão arterial, a frequência cardíaca, o eletrocardiograma e os efeitos cardíacos e do sistema nervoso central.

 

Interações Medicamentosas

As principais interações dos betabloqueadores estão listadas na Tabela 7.

 

Tabela 7: Interações medicamentosas dos betabloqueadores

Diminuem o efeito dos betabloqueadores

Aumentam o efeito dos betabloqueadores

Sais de alumínio e cálcio; barbitúricos; colestiramina; AINE, salicilatos; penicilinas; rifampicina

Bloqueadores de cálcio; contraceptivos; haloperidol; cimetidina (e possivelmente ranitidina); hidralazina, diuréticos de alça; fenotiazinas; quinidina, propafenona, flecainida; ciprofloxacino; hormônios tireoidianos

Efeito diminuído pelos betabloqueadores

Efeito aumentado pelos betabloqueadores

Sulfonilureias

Flecainida; haloperidol; fenotiazinas; acetaminofeno; warfarina; benzodiazepínicos; clonidina, hidralazina, prazosina; nifedipina, verapamil; ergot

 

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